Muito se tem discutido sobre a responsabilidade criminal de menores infratores, tendo inclusive instaurado-se uma celeuma sobre o tema, notadamente entre os defensores da diminuição da idade penal e aqueles que defendem a permanência da atual idade penal em 18 anos.
Independente dos argumentos das diversas correntes e a possível eternalização da discussão deste tema sem uma modificação legislativa, o próprio legislador já observou a necessidade de se impor ao menor infrator uma conseqüência futura para quando, mesmo sendo-lhe oportunizada a aplicação de medida sócio-educativa e os acompanhamentos sociais e psicológicos decorrentes, ao atingir a maioridade, continuar na delinqüência.
Neste aspecto, importante decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados que aprovou o projeto de Lei n. 938/2007, de autoria do Deputado Márcio França (PSB/SP), que altera o Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal - para estabelecer a obrigatoriedade de consideração dos antecedentes infracionais do agente, quando da fixação da pena-base, disciplinada no art. 59 do Código Penal, o que possibilita ao juiz no momento da fixação da pena a consideração de toda a vida pregressa do agente, inclusive da época em que era menor, impondo-lhe uma punição mais severa.
Não obstante este avanço verificado pelo legislador e que ainda demanda tramitação pelas casas legislativas para sua aprovação, é de se observar que na prática este mesmo legislador possibilitou que em um caso específico já fosse considerado pelo magistrado ao proferir uma sentença condenatória toda a vida pregressa do réu, neste caso para não lhe conceder um benefício.
O §4º, do artigo 33, da Lei 11.343/06, prevê que nos delitos definidos no caput e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
De pronto, sem olvidar a discussão quanto a injustiça do benefício acima transcrito em relação a outras práticas delitivas, antes da análise dos requisitos deste, evidente que a interpretação hermenêutica de tal dispositivo informa que a intenção do legislador foi excepcionalmente beneficiar o agente que cometeu tráfico ilícito de entorpecentes, mas que não tem envolvimento algum com a criminalidade, sendo um criminoso casual, com um passado limpo, e, portanto, premiando-lhe com uma pena reduzida pelo ato praticado. Assim, não se enquadrando em qualquer um destes requisitos, a pena não poderá ser reduzida.
Quanto a verificação dos requisitos contidos no parágrafo acima transcrito propriamente ditas e a vida pregressa do agente desde a adolescência, evidente que enquanto não houver alteração legislativa a prática de ato infracional não poderá retirar deste agente a condição de primariedade e também a de bons antecedentes, contudo, para os demais requisitos para a concessão do benefício, quais sejam, não se dedicar a atividade criminosa e integrar organização criminosa, por certo não só poderão como deverão ser analisados, posto que tais não se confundem com a imputabilidade penal.
Quando se fala de crime de associação para o tráfico, formação de quadrilha, furto qualificado mediante concurso de pessoas, roubo com causa de aumento de pena pelo concurso de pessoas, entre outros, em todos estes casos já se firmou entendimento de que a participação de um menor com outros maiores de idade na prática destes crimes será considerada para a verificação da figura típica.
Assim facilmente se extrai dos julgados abaixo.
Configura-se como majorado o crime de roubo pelo concurso de duas ou mais pessoas, ainda que uma delas seja menor inimputável, pois este integra o número de agentes e, com isso, contribui para uma maior intimidação da vítima, elevando, via de conseqüência, a gravidade da ação criminosa. Precedentes deste STJ. (HC 91702/DF, 2007/0233182-9, relator Ministro Jorge Mussi).
No delito de roubo, incide a causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, II, do CP (concurso de duas pessoas), ainda que o segundo co-autor seja menor inimputável. (Apelação Criminal - Reclusão - N. 2008.020200-0/0000-00 - Campo Grande. Relatora - Exma. Srª. Desª. Marilza Lúcia Fortes).
E M E N T A – APELAÇÃO CRIMINAL – FURTO QUALIFICADO – SUBSTITUIÇÃO PARA O CRIME DE FAVORECIMENTO REAL – IMPOSSIBILIDADE – TENTATIVA DE OBTER LUCRO COM A VENDA DA RES FURTIVA – FURTO CONFIGURADO – DESCARACTERIZAÇÃO DO CONCURSO DE AGENTES – PARTICIPAÇÃO DE INIMPUTÁVEL – IRRELEVANTE – BASTA A PARTICIPAÇÃO DE MAIS DE UMA PESSOA PARA CONFIGURAÇÃO DA QUALIFICADORA – RECURSO IMPROVIDO.
(...)
Da mesma forma, não há falar em descaracterização da qualificadora de concurso de agentes, pelo fato de um dos co-autores do delito ser inimputável (em razão da menoridade penal). (Apelação Criminal - Reclusão - N. 2008.025423-6/0000-00 - Campo Grande. Relator - Exmo. Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte).
E M E N T A – APELAÇÃO CRIMINAL – FURTO QUALIFICADO E FALSA IDENTIDADE – PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO SIMPLES JÁ QUE O DELITO FOI PRATICADO COM MENOR INIMPUTÁVEL– IMPOSSIBILIDADE – O FATO DE O CO-AUTOR SER MENOR NÃO ELIDE A QUALIFICADORA DO CONCURSO DE AGENTES – REDUÇÃO DA PENA PELO RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA MENORIDADE RELATIVA ART. 65, I, DO CP – MANTIDO O REGIME FECHADO – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS – APLICAÇÃO DO ART. 33, § 3º, DO CP – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
A qualificadora do concurso de pessoas deve ser mantida, independente de ser o comparsa menor ou não.
(...). Apelação Criminal - Reclusão - N. 2008.008269-7/0000-00 - Campo Grande. Relator - Exmo. Sr. Des. João Batista da Costa Marques.
Neste contexto, a doutrina:
A maioria da doutrina entende que a quadrilha formada por inimputável tipifica o crime. Neste sentido é a posição de Mirabete, Delmanto, Noronha, Paulo José da Costa Jr. e Luiz Regis Prado, entre outros. Por todos, veja-se a posição de Luiz do Padro: "Mesmo que na associação existam inimputáveis ou que nem todos os componentes sejam identificados, e mesmo se alguns deles não for punível em razão de alguma causa pessoal de isenção de pena, o delito subsiste (Luiz Regis do Padro, Curso de Direito Penal Brasileiro, 4 ed., São Paulo: Ed. RT, 2006, v. 3, p. 606. (in, Código Penal e sua interpretação – Doutrina e Jurisprudência, coordenação Alberto Silva Franco e Rui Stocco, 8ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2007, p. 1.353).
Portanto, inegável que o menor pratica atividade criminosa, não podendo se dizer que o termo criminosa impede tal consideração em razão de que adolescente comete ato infracional e não crime, posto que a interpretação não pode ser apenas gramatical.
Aliás, é nesta mesma lei que prevê o benefício da diminuição da pena (11.343/06) que se verifica que o legislador previu a participação do menor em atividade criminosa, tanto que em seu artigo 40, inciso VI, considerou como agravante o agente envolver menor – seja criança ou adolescente, na prática dos crimes descritos nos artigos 33 a 37 da mesma lei.
Outrossim, novamente é o próprio legislador que informa a ocorrência da participação de menores infratores em atividade criminosa, quando através da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) aprovou no dia 29 de março de 2007, por unanimidade, projeto de lei (PLS 118/03) de autoria do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) que define como crime o ato de utilizar, induzir, instigar ou auxiliar criança ou adolescente a praticar ou participar de atividades criminosas, projeto que já foi encaminhado para a Câmara de Deputados para apreciação.
Ademais, a própria jurisprudência, como acima se percebe, ao fazer menção da participação do menor, o trata como co-réu, comparsa, indicando que de fato participou da atividade criminosa.
Não fosse suficiente, foi mesmo o Superior Tribunal de Justiça, que ao denegar a concessão de ordem de habeas corpus, no habeas corpus n. 94.804 - SC (2007/0272633-5), Relator Ministro Paulo Gallotti, considerou a prática pelo impetrante de atos anteriores a sua maioridade penal, tanto que assim neste sentido ementou:
A decisão que indeferiu a liberdade provisória mostra-se suficientemente fundamentada na necessidade de preservação da ordem pública, notadamente porque o paciente, quando menor de idade, respondeu a três procedimentos pela prática de ato infracional e agora, alcançada a maioridade, além da ação penal de que aqui se cuida, se vê acusado em outro processo pela prática de tráfico de drogas.
De notar que os fundamentos invocados pelo magistrado de primeiro grau vão ao encontro do que disse o policial, responsável pela captura do paciente, no auto de prisão em flagrante, segundo o qual "o conduzido é pessoa conhecidíssima nas lides policiais e apontado como sendo um contumaz traficante desde a época em que era adolescente e inimputável.
Outro fator, e que atualmente se tem observado na criminalidade, é que muitos menores há tempos deixaram de ser a vítima corrompida para em muitas oportunidades ser o próprio chefe da quadrilha. Neste diapasão, não há que se excluir a verificação de que o menor poderá ser membro de organização criminosa em diversas de suas esferas, e, assim, atingindo a maioridade penal, evidente que tal condição deve prevalecer no momento da análise pelo o magistrado quando da concessão ou não do benefício acima aludido.
Os próprios Tribunais têm observado em suas decisões a figura do menor líder de quadrilha, chefe de organização criminosa, tanto que assim já se posicionou:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - ELEMENTOS DE CONVICÇÃO SATISFATÓRIOS - PROVAS ACERCA DA LIGAÇÃO PERMANENTE E HABITUAL DO RÉU COM O TRÁFICO LOCAL - PERPETUAÇÃO DA ATIVIDADE ILÍCITA EXERCIDA ANTERIORMENTE - APELO PROVIDO - CONDENAÇÃO LANÇADA. - Responde pelo crime de associação para o tráfico aquele que continua atividade criminosa voltada para a venda de drogas exercida anteriormente por seu fraterno, aliando-se a menor para dar seguimento à alienação dos tóxicos, estando envolvido em atividades criminosas organizadas, como possíveis tentativas de homicídios e ameaças a moradores, tudo com liame subjetivo voltado para a permanência das infrações ligadas aos entorpecentes. - Apelo provido e condenação lançada. (TJ-MG - APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0105.07.222198-6/001 - RELATOR: EXMO. SR. DES. EDIWAL JOSÉ DE MORAIS).
Neste julgamento o eminente relator informa não só a participação do menor no crime de tráfico em associação, mas também o indica como líder da organização criminosa responsável até mesmo por execuções de pessoas.
Veja-se tal fundamentação no trecho do voto abaixo:
De fato, para que tipos penais desta natureza não se esvaziem, limitando-se o julgador a reconhecer em determinados casos o simples concurso de agentes, necessária análise cuidadosa das evidências que apontem para o ânimo de associar-se, com caráter duradouro e estável.
No caso presente, quando temos em consideração todo o ocorrido, constatamos ligação certa entre Wátila, presente apelado, e o menor mencionado na denúncia, pessoas que se associaram para comandar o tráfico no bairro, seguindo legado deixado por seus fraternos.
Com efeito, as autoridades policiais que investigaram os crimes, afirmam, com extrema segurança, liderarem os envolvidos o tráfico de drogas naquela região, posição de comando que foi iniciada pelos irmãos do apelado e do menor.
Assim são as comunicações das autoridades, em especial aquelas de f. 22/24, 26/27, 70 e 83, sendo algumas emprestadas de outros feitos ligados à criminalidade local provavelmente comandada também pelo réu.
É que em razão de possíveis delações, teriam os associados decidido pela morte de alguns apontados delatores, como de taxista que transitava pela região, entendimento que encontra amparo no documento de f. 34/35.
Ali é reconhecido o menor por uma das vítimas, como aquele que disparou contra o ofendido.
As investigações realizadas foram devidamente esclarecidas em juízo, comprovando-se a ligação permanente entre Wátila e o menor "Jazinho" para que o tráfico da região não cessasse, mesmo após a mudança dos fraternos que exerciam a mesma atividade.
Assim, entendo que pelas razões acima encartadas chegou-se a uma possibilidade jurídica legítima para impor ao agente uma severidade maior quando de sua responsabilização criminal, impedindo-o de se beneficiar da redução prevista no §4º do artigo 33, da Lei 11343/06 quando verificado pelo magistrado, e devidamente fundamentado, que este, enquanto menor, praticou atividade criminosa e/ou era participante de uma organização com tal fim.
Por derradeiro, como bem colacionou a escritora e psiquiatra Ana Beatriz Barbosa da Silva em sua obra Mentes Perigosas: Ao falar sobre as mazelas de nosso mundo, certa vez Einstein proferiu a seguinte frase: "O mundo é um lugar perigoso para se viver, não exatamente por causa das pessoas que são más, mas por causa das pessoas que não fazem nada quanto a isso".
Bibliografia:
CARRIDE, Norberto de Almeida. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado. Campinas (SP): Servanta, 2006.
GRECCO FILHO, Vicente, RASSI, João Daniel. Lei de Drogas Anotada. São Paulo: Saraiva, 2007.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Processuais Penas e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
FRANCO, Alberto Silva Franco, STOCO, Rui (coordenadores). Código Penal e sua interpretação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. www.stj.jus.br
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO DO SUL. www.tjms.jus.br
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. www.tjmg.jus.br.
SENADO FEDERAL. www.senado.gov.br.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. www.camara.gov.br
SILVA, Ana Beatriz Barbosa Silva. Mentes Perigosas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.