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Lei nº 11.343/06: retroatividade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33?

Agenda 23/03/2009 às 00:00

A Lei nº 11.343, de 23.08.2006, conhecida como a nova lei de drogas ou lei antidrogas, revogou as Leis nºs 6.368/76 e 10.409/02 e passou a disciplinar as políticas públicas sobre drogas, a definição de crimes, o procedimento penal entre outras providências. Com vacatio legis de 45 dias, o aludido diploma legal passou a vigorar em 08.10.2006.

Entre as inúmeras e polêmicas inovações trazidas pela Lei nº 11.343/06, encontra-se a causa de diminuição de pena prevista no parágrafo 4º, de seu art. 33, não contemplada na legislação anterior (Lei nº 6.368/76). É a letra do mencionado art. 33:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (original sem grifos)

A nova legislação fez surgir a seguinte questão: a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 deve beneficiar os condenados por tráfico de drogas sob a égide da Lei nº 6.368/76, ou seja, deve ser aplicada retroativamente?

Inicialmente, cumpre destacar que na Lei nº 11.343/06, o legislador agravou o tratamento dispensado aos traficantes de drogas. Com efeito, na Lei nº 6.368/76, as penas abstratamente cominadas para os delitos previstos no art. 12, caput e seu § 1º – correspondentes, respectivamente, ao art. 33, caput e seu §1º, da nova lei – variavam de 3 a 15 anos de reclusão e 50 a 360 dias-multa. Na vigente lei de drogas, tais reprimendas são, agora, de 5 a 15 anos de reclusão e 500 a 1.500 dias-multa. Observa-se, por conseguinte, considerável alteração no que tange às penas mínima e de multa.

Para abrandar tal rigor, o legislador previu, no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06, causa especial de diminuição de pena que varia de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), com o escopo de atenuar a situação do acusado primário, portador de bons antecedentes que não se dedica às atividades criminosas nem integra organização criminosa.

Assim, a mens legis não foi suavizar o tratamento dispensado aos traficantes de drogas. Ao revés, o novo diploma legal recrudesceu a pena mínima para tal espécie de delito, facultando sua redução apenas e tão-somente para os autores dos delitos previstos no caput e § 1º, do art. 33, que se enquadrem nos requisitos listados no § 4º.

Há, portanto, uma correlação lógica e necessária entre o aumento da pena mínima destes delitos e a criação da minorante. Justamente por isso, o intérprete não pode desconsiderar este elo, aplicando retroativamente, apenas a nova causa de diminuição (...)( 1).

Quando se pretende a incidência retroativa da causa de redução de pena para os condenados por tráfico ilícito sob a égide da Lei nº 6.368/76, busca-se, na verdade, a combinação de disposições contidas nos dois diplomas, produzindo-se, dessa forma, um terceiro texto legal distinto dos dois anteriores e não almejado pelo legislador ordinário.

Na verdade, ao promover essa simbiose de leis, o Judiciário atua como legislador positivo e, conseqüentemente, invade seara que não lhe é própria, ofendendo o princípio da separação dos Poderes previsto no art. 2º, da Constituição Federal.

Nesse diapasão, vale colacionar a opinião de EugEnio Raúl Zaffaroni e José Henrique PierangelI[2]:

Lei penal mais benigna não é só a que descriminaliza ou que estabelece uma pena menor. Pode tratar-se da criação de uma nova causa de justificação, de uma nova causa de exclusão de culpabilidade, de uma causa impeditiva da operatividade da pena etc. Por outro lado, a maior benignidade pode provir também de outras circunstâncias, tais como um lapso prescricional mais curto, uma classe distinta de pena, uma nova modalidade executiva de pena, o cumprimento parcial da mesma, as previsões sobre as condições de concessão do sursis, a liberdade condicional etc.

Ante a complexidade de elementos que podem ser tomados em consideração para determinar qual é a lei penal mais benigna, não é possível fazê-lo em abstrato, e sim frente ao caso concreto. Dessa maneira, resolve-se o caso, hipoteticamente, conforme uma e outra lei, comparando-se, em seguida, as soluções, para determinar qual é a menos gravosa para o autor. Nessa tarefa, deve-se analisar em separado uma e outra lei, mas não é lícito tomar preceitos isolados de uma e outra, mas cada uma delas em sua totalidade. Se assim não fosse, estaríamos aplicando uma terceira lei, esta inexistente, criada unicamente pelo intérprete.

Um setor doutrinário e jurisprudencial admite que se podem combinar duas leis penais (a pena privativa de liberdade de uma lei e a multa de outra, por exemplo). Têm-se sustentado estas soluções com fundamentação de que o princípio, segundo o qual o intérprete não pode elaborar uma terceira lei, é de natureza "lógico-formal". No entanto, tal princípio não é unicamente "lógico", mas também racional, vale dizer, democrático: o juiz não pode criar uma terceira lei porque estaria aplicando um texto que, em momento algum, teve vigência. (Grifou-se).

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ANDREY BORGES DE MENDONÇA e PAULO ROBERTO GALVÃO DE CARVALHO[3] defendem, ainda, que a combinação de dispositivos legais das duas leis resulta em ofensa ao princípio da isonomia:

Realmente, caso o magistrado aplique incondicionalmente a causa de diminuição de pena, os agentes que praticaram os fatos delituosos anteriormente à nova Lei de Drogas teriam a possibilidade de redução da pena até dois terços em relação à pena mínima anteriormente cominada no art. 12 da Lei 6.368/1976 (três anos). Assim, o agente teria a possibilidade de obter pena mínima de um ano de reclusão, com permissão, inclusive, de suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995. Porém, aqueles que praticaram os mesmos fatos, só que após 8 de outubro de 2006, teriam a pena mínima, no máximo, de um ano e oito meses, aplicando-se a causa de diminuição máxima sobre a pena mínima de cinco anos. Assim, para estes, não seria sequer aplicável o benefício previsto no art. 89 da Lei 9.099/1995.

Em sentido contrário, AMAURY SILVA[4] adota a posição que admite a retroatividade da causa de redução de pena, já que se encontra consagrada no texto constitucional, o qual, segundo o autor, não faz referência a quaisquer limites ou condicionamentos.

No âmbito dos Tribunais Superiores as opiniões divergem.

A Sexta Turma do Superior de Justiça, pela maioria de seus membros, entende que a causa de redução de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 pode ser aplicada aos condenados sob a égide da Lei 6.368/76, desde que sobre a sanção cominada ao tempo do fato. Confira-se, a propósito, os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ART. 12 DA LEI Nº 6.368/1976. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. APLICAÇÃO RETROATIVA. COMBINAÇÃO DE DISPOSITIVOS DE LEIS DISTINTAS. POSSIBILIDADE.

1 - A Sexta Turma desta Corte, por maioria de votos, tem reiteradamente proclamado que o artigo 33, § 4º, da nova Lei de Drogas, Lei nº 11.343/2006, por se tratar de norma de direito material, sem previsão na legislação anterior, que beneficia o réu dada a possibilidade de redução da pena, deve ser aplicado retroativamente, preenchidos pelo agente os requisitos ali previstos, não obstante haja a necessidade de se combinar dispositivos de leis distintas, incidindo, desse modo, sobre a sanção cominada na Lei 6.368/1976.

2 - Agravo regimental a que se nega provimento.[5]

CONSTITUCIONAL – PENAL – HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – CRIME PRATICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 6.368/1976 – REDUÇÃO DO ARTIGO 33, §4º DA LEI 11.343/2006 – NOVATIO LEGIS IN MELLIUS – RETROATIVIDADE – IMPERATIVO CONSTITUCIONAL – ORDEM CONCEDIDA.

1. É imperativa a aplicação retroativa da causa de diminuição de pena contida no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 feita sob a pena cominada na Lei 6.368/1976, em obediência aos comandos constitucional e legal existentes nesse sentido. Precedentes.

2. Não constitui uma terceira lei a conjugação da Lei 6.368/1976 com o parágrafo 4º da Lei 11.343/2006, não havendo óbice a essa solução por se tratar de dispositivo benéfico ao réu e dentro do princípio que assegura a retroatividade da norma penal, constituindo-se solução transitória a ser aplicada ao caso concreto.

3. Ordem concedida.[6]

O Supremo Tribunal Federal adota posicionamento contrário:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTE. CRIME COMETIDO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 6.368/76. RETROATIVIDADE DO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. COMBINAÇÃO DE LEIS. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. PACIENTE QUE OSTENTA MAUS ANTECEDENTES. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. ORDEM DENEGADA. 1. A paciente foi condenada à pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, pela prática da conduta tipificada no art. 12, "caput", c/c o art. 18, I, ambos da Lei 6.368/76. 2. Requer o impetrante a concessão da ordem de "habeas corpus" para a aplicação retroativa da causa de diminuição de pena prevista no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06. 3. O Supremo Tribunal Federal tem entendimento fixado no sentido de que não é possível a combinação de leis no tempo. Entende a Suprema Corte que agindo assim, estaria criando uma terceira lei ("lex tertia"). 4. Com efeito, extrair alguns dispositivos, de forma isolada, de um diploma legal, e outro dispositivo de outro diploma legal, implica alterar por completo o seu espírito normativo, criando um conteúdo diverso do previamente estabelecido pelo legislador. 5. No caso concreto, ainda que se entendesse pela aplicação da Lei nº 11.343/06, não se encontram presentes os requisitos do § 4º do art. 33 do referido diploma legal, visto que, de acordo com as informações de fls. 34/36, a paciente ostenta maus antecedentes, por ter cumprido pena de 1 (um) ano por fraude bancária na África do Sul. 6. Diante do exposto, denego a ordem.[7]

Merecem destaque, também, alguns precedentes da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos quais se encontra uma solução intermediária entre a irretroatividade e a retroatividade do § 4º: admite-se a aplicação retroativa da benesse elencada no § 4º, do art. 33, desde que preenchidos os requisitos ali elencados e que o a lei mais favorável ao réu seja aplicada in totum.

Explica-se melhor: no caso de um condenado por tráfico de entorpecentes sob a égide da lei pretérita, faz-se incidir a causa de diminuição de pena sobre o preceito sancionador estatuído no caput, do art. 33, da Lei nº 11.343/06, de modo que não haja combinação de normas, mas sim a retroatividade da norma mais benéfica em sua integralidade, evitando-se a criação de um benefício desproporcional e inédito.

Desse modo, com a aplicação integral do art. 33, a sanção, na realidade, variaria de 1 ano e 8 meses a 15 anos de reclusão, já que a maior redução prevista no § 4º (2/3) incidente sobre a pena mínima abstratamente cominada no caput (5 anos) redundaria na pena de 1 ano e 8 meses de reclusão. Logo, mais benéfica que em relação ao diploma anterior, no qual a reprimenda mínima era de 3 anos e inexistia a minorante em análise.

Nesse sentido são os seguintes julgados:

HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA NOVA LEI DE TÓXICOS. RETROATIVADADE DA LEI BENÉFICA. AUSÊNCIA DE COMBINAÇÃO DE NORMA. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NA NOVA LEI QUE NÃO INCIDIU SOBRE A PENA DA LEI Nº 6.368/76. APLICAÇÃO CORRETA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO.

1. O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem admitido a aplicação retroativa do art. 33, da Lei 11.343/06, na sua integralidade, sem a combinação com pena prevista na Lei n.º 6.368/76.

2. O Juízo de Execução, na hipótese dos autos, fez incidir a minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 sobre o caput do mesmo dispositivo legal, de tal sorte que não houve combinação de norma, mas sim a retroatividade da lei benéfica em sua integralidade.

3. Ordem concedida para, cassando o acórdão atacado, restabelecer a decisão proferida pelo Juízo das Execuções Criminais.[8]

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CRIME COMETIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 6.368/76. PENA DE 1 ANO E 8 MESES FIXADA, NOS TERMOS DA LEI 11.343/06 COM A DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33. POSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. Pela interpretação sistemática do art. 33 da Lei 11.343/06, verifica-se que a nova tipificação das condutas, anteriormente definida no art. 12 da Lei 6.368/76, tem como preceito secundário um espectro de pena que varia de 1 ano e 8 meses a 15 anos de reclusão.

2. Sendo mais benéfica ao réu, a norma penal deve retroagir à luz do art. 5º, XL, da Constituição Federal (novatio legis in mellius).

3. No caso em tela, a pena foi fixada pelo juízo singular em 1 ano e 8 meses e mantida pelo Tribunal a quo. Não obstante a vigência do art. 12, caput, da Lei 6.368/76, à época dos fatos, correta a fixação da pena nos termos do art. 33 da Lei 11.343/06, com causa de diminuição prevista em seu § 4º.

4. Ordem denegada.[9]

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DELITO COMETIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 6.368/76. ART. 33 DA LEI 11.343/06 (NOVA LEI DE DROGAS). INADMISSIBILIDADE DE COMBINAÇÃO DE LEIS. APLICAÇÃO DE UMA OU OUTRA LEGISLAÇÃO, EM SUA INTEGRALIDADE, CONFORME FOR MELHOR PARA O ACUSADO OU SENTENCIADO. AUSÊNCIA DE CONCURSO DE PESSOAS. INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 41 DA LEI 11.343/06. PRIMARIEDADE, AUSÊNCIA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS E CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. ADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. A redução da pena de 1/6 até 2/3, prevista no art. 33, parág. 4º. da Lei 11.343/06, objetivou suavizar a situação do acusado primário, de bons antecedentes, que não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa, proibida, de qualquer forma, a conversão em restritiva de direito.

2. Na linha da melhor hermenêutica jurídica, não se admite a combinação de duas normas que se conflitam no tempo para se extrair uma terceira que mais beneficie o réu.

3. Na hipótese, a solução que atende ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica (art. 2º. do CPB e 5º., XL da CF/88), sem todavia, quebrar a unidade lógica do sistema jurídico, vedando que o intérprete da Lei possa extrair apenas os conteúdos das normas que julgue conveniente, é aquela que permite a aplicação, em sua integralidade, de uma ou de outra Lei, competindo ao Magistrado singular, ao Juiz da VEC ou ao Tribunal Estadual decidir, diante do caso concreto, aquilo que for melhor ao acusado ou sentenciado.

4. A conduta praticada pelo paciente não se subsume à prevista

para a aplicação do art. 41 da Lei 11.343/06, ao contrário do que quer fazer crer o impetrante; isso porque, a previsão formulada nesse artigo traz a figura da delação premiada, somente sendo possível a sua incidência quando, na prática de qualquer dos delitos previstos na Lei 11.343/06, o agente perpetrar a conduta em concurso de pessoas, o que não ocorreu na hipótese dos autos.

5. Tenho entendido que a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, para condenado por crime de tráfico ilícito de drogas, não atende ao disposto no art. 44, III do CPB, sendo insuficiente e inadequada qualitativamente à prevenção do delito, à reprovação da conduta ou à ressocialização do agente; todavia, as Cortes Superiores do País (STF e STJ) já assentaram, em inúmeros julgados, a possibilidade dessa substituição, para delitos cometidos sob a égide da Lei 6.368/76, em vista da declaração de inconstitucionalidade do § 1º. do art. 2º. da Lei 8.072/90, para penas que não ultrapassem 4 anos. Ressalva do ponto de vista do Relator.

6. Concede-se parcialmente a ordem, mas apenas para que o Juiz da VEC analise a possibilidade de redução da pena com fulcro no art. 33, § 4o. da Lei 11.343/06, aplicando, se for o caso, em sua integralidade, a legislação que melhor favorecer o paciente, bem como para reconhecer ao paciente o direito à substituição da pena por restritiva de direitos, em que pese o parecer ministerial em sentido contrário.[10]

Idêntico entendimento é o perfilhado por LUIZ FLÁVIO GOMES[11]:

Acórdão de 21.03.07 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação criminal número 70017618521, acabou concluindo (por maioria) pela irretroatividade da nova lei de drogas. Em primeiro lugar votou o Desembargador Ivan Leomar Bruxel, que sustentou a retroatividade nestes termos: "A pena-base restou fixada no mínimo legal (três anos) tendo em vista as operacionais [circunstâncias] do art. 59 do CP, restando definitiva frente à ausência de outras modificadoras. Mas a nova Lei de Drogas, ainda que aparentemente tenha aumentado a pena para o crime de tráfico (art. 33), na realidade estabelece, no § 4°, uma causa redutora, atendidas condições pessoais favoráveis ao condenado. A redução máxima é de 2/3, enquanto a mínima é de 1/6. É verdade que tal redutora, em princípio, incidiria sobre a pena mínima do caput do dispositivo em estudo (cinco anos). De qualquer sorte, considerando o disposto na nova Lei, é possível admitir que ao crime de tráfico a pena mínima fique em um ano e oito meses (cinco anos = sessenta meses, menos quarenta meses [2/3] = vinte meses = um ano e oito meses). Estamos diante, portanto, de uma lei benigna, e nesta parte, obedecendo regra constitucional, retroage. A redução, entretanto, não pode operar-se, no caso de condenações por fatos anteriores, pelo máximo, uma vez que poderia deixar a pena inferior ao mínimo da lei nova. Tenho que existe um limitador, que corresponde ao mínimo possível considerando o disposto na nova Lei, ou seja, um ano e oito meses. Pois bem, no caso em comento a circunstância "antecedentes"é favorável, pois não registra nenhuma condenação. Trata-se de réu primário. Logo, preenche as exigências para redução, incidindo o disposto no § 4° do artigo 33 da Lei nova, razão pela qual reduzo a pena em um sexto, restando definitiva em dois anos e seis meses."

Em seguida votou o Desembargador Manuel José Martinez Lucas (tendo sido seguido pelo Desembargador Marcel Esquivel Hoppe), que contrariou a tese da retroatividade nos seguintes termos: "Divirjo unicamente quanto à aplicação do redutor de pena previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, e o faço utilizando para tanto o voto proferido pelo Des. Ranolfo Vieira nos autos da apelação crime nº 70016917882, que, por imelhorável, adoto como razão de decidir, até para evitar inútil e fastidiosa tautologia, passando a transcrevê-lo: "A nova lei de drogas (Lei nº 11.343/06) prevê para o crime de tráfico ilícito de tóxicos (art. 33) penas mais graves do que as cominadas à mesma figura delituosa do art. 12 da revogada Lei nº 6.368/76. Enquanto esta estabelece penas de 3 a 15 anos de reclusão e multa de 50 a 360 dias-multa, a primeira eleva o mínimo legal da pena privativa de liberdade para 5 anos e comina pena de multa entre 500 e 1.500 dias-multa (...) "Por fim, o art. 42 da Lei nº 11.343/06 estabelece critérios diferentes dos postos na legislação anterior para o cálculo das penas: "O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente."Assim, o § 4º do art. 33 da lei nova, invocado pelo ilustre Revisor para reduzir a pena aplicada ao apelante, refere-se a um contexto diverso daquele contemplado na lei em cuja vigência foi ele condenado. "Há aqui uma hipótese de conjunto de normas legais novas, todas, com exceção apenas de uma, a invocada pelo Revisor, mais gravosas ao acusado. Não se pode separar, nesse caso, a norma mais favorável, desligando-a do conjunto em que inserida, para fazê-la retroagir, isoladamente, aplicando-a a outro conjunto, onde as penas já são mais leves e diferentes os critérios de sua aplicação. "Esse é seguramente um dos casos em que a norma mais benigna só retroagiria se fosse possível fazer retroagir todo o conjunto em que inserida."Em face do exposto, deixo de aplicar o redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, mantendo a pena carcerária estabelecida na sentença de primeiro grau."

Os dois fundamentos invocados (para negar a retroatividade do § 4º do art. 33 da nova lei de drogas) são (com a devida vênia) equivocados: não é verdade, quando se trata de réu primário que preenche todos os demais requisitos desse parágrafo, que o conjunto normativo novo é mais severo que o antigo. Ao contrário: o novo é mais benéfico porque nele a pena vai de dezoito meses (cinco anos menos dois terços) a quinze anos. No anterior a pena era de três a quinze anos. Ao injusto penal com as condições retratadas no citado § 4º o legislador cominou (agora) sanção penal mais branda. Mudou a valoração do legislador. Lei penal nova favorável ao réu deve obrigatoriamente retroagir, seja por força do art. 5º, inc. XL, da CF, seja por força do art. 9º, parte final, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que diz: "Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinqüente deverá dela beneficiar-se".

De outro lado, todos os critérios de fixação da pena contemplados no art. 42 da nova lei já se achavam previstos no art. 59 do CP. É verdade que o art. 42 estabeleceu como preponderantes para a fixação da pena-base "a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente". A ponderação preponderante, como se nota, versa sobre a pena-base. Ocorre que a lei nova, para além de estabelecer primazia de algumas circunstâncias nessa fase, tornou mais preponderante ainda as circunstâncias do § 4º do art. 33, que constitui causa de diminuição da pena. A fixação da pena não se resume à pena-base. O art. 42 não afasta o § 4º, que incide, aliás, na terceira fase. Todo esse novo "conjunto normativo", sendo mais favorável, deve retroagir. Conclusão: a causa de redução da pena do § 4º do art. 33 (de um sexto a dois terços) parece-nos de indiscutível aplicação retroativa, tendo como patamar inferior limitador a pena de um ano e oito meses (que é a pena mínima cominada pela nova lei para o injusto penal contemplado no referido parágrafo).

Conclui-se, portanto, ser inadmissível a combinação de dispositivos legais contidos em leis diferentes, as quais, elaboradas em momentos e realidades sociais completamente díspares – uma em 1976 e, a outra, em 2006 – requereram posicionamento diversos do legislador frente ao problema do tráfico de drogas. A última solução apontada – aplicação, na sua totalidade, do "conjunto normativo" mais benéfico – parece ser a mais adequada, pois concilia os princípios da retroatividade da "novatio legis in mellius", da impossibilidade de combinação de leis, da isonomia e, ainda, o da separação dos poderes.


NOTAS

(1) MENDONÇA, Andrey Borges de; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Lei de drogas: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008, p. 115.

(2) ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral, 2. ed. rev. e atual., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 228-229.

(3) MENDONÇA, Andrey Borges de; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. Lei de drogas: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008, p. 116.

(4) SILVA, Amaury. Lei de drogas anotada. Leme: J.H. Mizuno, 2008, p. 217.

(5) Superior Tribunal de Justiça, Sexta Turma, AgRg no REsp 1.005.219/PR, Relator Ministro Paulo Gallotti, julgado em 07.10.2008, DJe 28.10.2008.

(6) Superior Tribunal de Justiça, Sexta Turma, Habeas Corpus nº 82.587/RJ, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 06.05.2008, DJe 09.06.2008.

(7) Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma, Habeas Corpus nº 96.430/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em 09.12.2008, DJe 25, divulg. 05.02.2009, public. 06.02.2009.

(8) Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, Habeas Corpus nº 116.992/MG, Relatora Ministra Laurita Vaz, julgado em 24.11.2008, DJe 15.12.2008.

(9) Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, Habeas Corpus nº 113.602/MS, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 11.11.2008, DJe 01.12.2008.

(10) Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, Habeas Corpus nº 99.422/PR, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 12.08.2008, DJe 22.09.2008.

(11) GOMES, Luiz Flávio. Traficante primário e diminuição da pena por força da nova lei de drogas. Disponível em: <http://www.lfg.blog.br>.16 maio. 2007. Acesso em 07 mar. 2009.


REFERÊNCIAS

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, Habeas Corpus nº 116.992/MG, Relatora Ministra Laurita Vaz, julgado em 24.11.2008, DJe 15.12.2008.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma, Habeas Corpus nº 113.602/MS, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 11.11.2008, DJe 01.12.2008.

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BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Sexta Turma, Habeas Corpus nº 82.587/RJ, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 06.05.2008, DJe 09.06.2008.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma, Habeas Corpus nº 96.430/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em 09.12.2008, DJe 25, divulg. 05.02.2009, public. 06.02.2009.

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Sobre a autora
Juliane Almudi de Freitas

Analista Processual da Procuradoria Geral da República (Ministério Público Federal).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Juliane Almudi. Lei nº 11.343/06: retroatividade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2091, 23 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12495. Acesso em: 24 nov. 2024.

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