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Relação de trabalho e relação de consumo.

Discussão da competência da Justiça do Trabalho pós-Emenda Constitucional nº 45/2004

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Agenda 03/04/2009 às 00:00

7. SOBRE A RELAÇÃO DE CONSUMO INSERIDA NA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

Ao final do presente estudo, já percebemos que a relação de consumo tem como elemento a prestação de um serviço a outrem. Esta prestação é considerada trabalho. Porém, nem por isso, é relação de trabalho:

É inegável que nas relações de consumo que envolvem prestação de serviço há energia despendida pelo homem com intuito produtivo, portanto, há trabalho.

Todavia, o simples fato de haver trabalho na prestação de serviços das relações de consumo não nos leva à conclusão simplista de que há uma automática transferência deste tipo de relação para a Justiça do Trabalho. [91]

Para que possamos verificar se a relação de consumo é espécie de relação jurídica do trabalho, é preciso aproximá-las ao máximo, comparando seus elementos e características.

7.1. Problemática Preliminar da Pessoa Jurídica.

Em uma situação trabalhista, encontramos em um pólo o prestador de serviços laborais como alienante do esforço, e no outro o seu tomador, beneficiado pelo trabalho. Para a relação de emprego, o empregado é o trabalhador e o empregador, o tomador do serviço. No caso da relação de consumo, o favorecido é o consumidor, que efetua pagamento pela realização do serviço consumerista, realizado pelo fornecedor. Para efeitos de comparação, teríamos que equiparar o consumidor ao tomador de trabalho e o fornecedor ao trabalhador.

Resumidamente, teríamos o seguinte: O fornecedor é o trabalhador da relação de consumo, enquanto que o consumidor é o seu tomador de serviço.

O prestador de serviços do Direito do Trabalho (trabalhador) não pode ser pessoa jurídica em hipótese alguma. Não que a pessoa jurídica não possa prestar serviços, mas ser o trabalhador pessoa física é condição sine qua nom para que o litígio seja julgado pela Justiça do Trabalho. Já o prestador de serviços consumeristas (fornecedor) pode ser tanto pessoa física como jurídica. Daí surge a primeira pergunta: admitindo-se que a relação de consumo é espécie da trabalhista e, portanto, de competência da Justiça do Trabalho, esta pode julgar também ação de fornecedor pessoa jurídica?

Ora, o fornecedor pessoa jurídica seria equiparado, à primeira vista, à figura do trabalhador e, portanto, teria legitimidade para impetrar reclamatória. Porém, sendo a relação de consumo espécie da trabalhista, aquela teria que se submeter aos princípios e elementos formativos desta última. Desse modo, seria perfeitamente razoável concluir pela impossibilidade de a Justiça do Trabalho julgar litígios em que uma pessoa jurídica seja fornecedora. Assim sendo, para efeitos de futuras comparações, "ficam, de plano, excluídas da competência da Justiça do Trabalho as relações de consumo [...] quando o prestador seja pessoa jurídica. [92]" (grifo nosso).

Por conseguinte, o nosso estudo se volta apenas para as relações de consumo que não tenham na figura do fornecedor uma pessoa jurídica, pois apenas estas têm a possibilidade de serem inseridas numa espécie de relação trabalhista. Assim sendo, todas as teorias formuladas partem desse mesmo pressuposto.

7.2. Teorias sobre a Relação de Consumo como Competência da Justiça do Trabalho.

Partimos do pressuposto de que há trabalho na relação de consumo e que, por isso, ela seria exemplo de relação trabalhista, ainda que não tutelada pela Justiça Laboral. Desse modo, os argumentos enumerados no capítulo 5, também são válidos nesta discussão, no tocante à possibilidade de ampliação ou restrição da competência trabalhista às relações de consumo.

A primeira das teorias que tratam deste assunto é totalmente ampliativa, argumentando pelo julgamento de toda e qualquer relação de consumo pela Justiça do Trabalho. As demais alegam que apenas algumas destas relações devem ser passar pelo crivo da referida Justiça sendo, por isso, relativamente ampliativas.

7.2.1. Quanto à prestação de serviços.

Esta teoria entende que por se perfazer numa prestação de serviço, ainda que se concretize na entrega de produto, a relação de consumo seria espécie de relação trabalhista, já que este também se resume numa realização de serviço.

A relação de consumo não precisaria possuir pessoalidade, subordinação, onerosidade ou não-eventualidade, já que sequer o gênero "relação de trabalho" tem algum destes elementos como seu caracterizador. Nesse sentido, se posiciona Alexandre Ramos:

A EC 45 só fez ampliar os casos de relações de trabalho sujeitas à competência da Justiça do Trabalho, para incluir toda relação em que uma pessoa física presta uma atividade, seja de forma subordinada, por relação de emprego, seja sem subordinação, como no contrato de mandato, de representação comercial, de prestação de serviço, de empreitada, de agenciamento, de corretagem, etc.

Assim, a Justiça do Trabalho, na solução de relação de trabalho de sua competência, poderá aplicar o Direito do Consumidor, quando a relação tenha como fornecedor pessoa física prestador de serviços. [93]

Reginaldo Melhado argumenta na mesma linha:

É irrelevante a distinção entre a relação de consumo e relação de trabalho, que muitos têm buscado identificar como excludente da hipótese competencial fixada no inciso I do art.114 da Constituição. Um mesmo fenômeno jurídico pode estar sob o influxo simultâneo de mais de uma norma. A subsunção nestes casos é dinâmica e multifacetada. [...] Com efeito, a todas as relações de trabalho não-reguladas pela legislação trabalhista – isto é, todas as que não se expressam como relação de emprego – aplicam-se o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil (a menos que se entenda que este último, por ser norma posterior, prevalece sobre o primeiro, o que seria um equívoco).

Toda e qualquer relação de consumo, portanto, seria espécie do gênero trabalhista e à Justiça deste último seriam incluídas. Em sentido contrário, em maior ou menor grau, colocam-se todas as correntes teóricas abaixo.

7.2.2. Quanto à natureza da pretensão deduzida.

Esta tese é defendida por João Orestes Dalazen, que visualiza a lide proveniente da relação de consumo "sob o ângulo do consumidor/destinatário do serviço, mas também sob o prisma da virtual pessoa física prestadora (fornecedor) do serviço [94]". Para o presente doutrinador, os litígios surgidos a partir do ângulo do consumidor, buscando a aplicação do CDC fogem da competência trabalhista. Não obstante, Dalazen afirma que "sob o enfoque do prestador de serviço (fornecedor) é forçoso convir que firma ele uma relação jurídica de trabalho com o consumidor", sendo esta lide de competência da Justiça do Trabalho. Na prática, num mesmo negócio jurídico, haveria duas relações, uma trabalhista e outra consumerista.

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O doutrinador Amauri Mascaro Nascimento concorda com esta posição, argumentando o seguinte:

[...] como na feliz expressão do Min. Dalazen, a relação de consumo é bifronte. O consumidor, como tal, é protegido pelo Código de Defesa do Consumidor, e essa questão é decidida pela Justiça Comum e pelos Juizados Especiais da Justiça Comum. O trabalhador, quanto ao serviço que prestou para um tomador, pode pleitear perante a Justiça do Trabalho. Ex.: se compro numa loja um aparelho de TV com defeito, e o vendedor não o quer trocar, surge um problema jurídico de relação de consumo; se um marceneiro faz um armário numa residência e não recebe o preço, surge uma questão trabalhista. [95]

Para facilitar, analisemos apenas o segundo exemplo, do marceneiro. Se ele não realizou um bom serviço, o proprietário da residência certamente poderá impetrar uma ação contra o marceneiro, com base no artigo 14 do CDC (defeito do serviço). No não recebimento do crédito pelo trabalhador, este terá direito, segundo o artigo 597 do Código Civil (retribuição da prestação de serviço). Desse modo, estão corretos os doutrinadores acima em afirmar que diferentes normas tutelam as situações das partes. Porém, nem por isso suas pretensões jurídicas devem seguir caminhos diferenciados.

Tal tese apresenta o problema de considerar apenas a natureza da pretensão inicial como fundamento da competência, enquanto que o correto seria considerar a natureza da relação jurídica como um todo.

As relações jurídicas não podem ser consideradas de modo diferenciado, segundo seus sujeitos. Um homicídio cria uma relação jurídica criminal tanto para o réu quanto para o autor, assim como o não pagamento de um imposto decorre de uma relação tributária. Seguindo a presente teoria, as partes estariam em flagrante desigualdade de direitos.

Além disso, imaginemos que, a partir da tese em questão, o consumidor proponha ação contra o prestador de serviços e este, por sua vez, impetre reconvenção. Esta deveria ser julgada pela Justiça do Trabalho e a lide original pela Comum, suscitando possíveis decisões contraditórias? No caso de ambas serem julgadas pelo mesmo juízo, haveria uma negação da própria teoria. Esta hipótese é apontada por Reginaldo Melhado, que assim conclui: "os fundamentos da pretensão do autor e os da resistência do réu, assim como a base da postulação deduzida em reconvenção, estariam inextrincavelmente imbricados, emergindo de uma mesma relação jurídica [96]".

7.2.3. Quanto à pessoalidade.

Esta teoria afasta da Justiça do Trabalho apenas algumas relações de consumo. No presente caso, unicamente os contratos regidos pelo CDC que fossem personalíssimos quanto ao seu prestador seriam julgados pela referida Justiça, posicionando-se nesse sentido Georgenor de Sousa Franco Filho [97].

Ives Gandra M. Filho opina pela inexistência da pessoalidade na relação de consumo ao diferenciá-la da trabalhista:

O divisor de águas entre a prestação de serviço regida pelo CC e caracterizada como relação de trabalho e a prestação de serviço regida pelo CDC e caracterizada como relação de consumo, está no intuitu personae da relação de trabalho, onde não se busca apenas o serviço prestado, mas que seja realizado pelo profissional contratado. (grifo do autor) [98]

Apesar do gabarito incontestável do ministro, não há como concordar com sua posição. Ele parece se lembrar apenas das entregas de produtos como relações de consumo, deixando de lado as prestações de serviços, que quase sempre são personalíssimas. Uma camiseta pode ser vendida por qualquer um, e não deixará de ser sempre o mesmo produto. Não há como afirmar, porém, pela inexistência de pessoalidade de um serviço realizado por um médico, dentista ou arquiteto de confiança, como demonstrado no tópico 4.2.4.2. Tais profissionais realizam um serviço de consumo e são escolhidos por suas características profissionais únicas.

Georgenor de Sousa, em sentido oposto, argumenta que "o traço caracterizador para atribuir competência à Justiça do Trabalho para apreciar uma relação sob a proteção do CDC é que seja prestada intuitu personae, por parte do fornecedor [99]". Para Sousa, estas relações não seriam sequer de consumo, pois apesar de tuteladas pelo CDC, seriam julgadas pela Justiça do Trabalho. Conclui, parafraseando Dalazen, que "relação de consumo não é relação de trabalho, porque aquela visa a proteção do consumidor [100]".

Desse modo, Sousa se iguala a Dalazen, tentando criar uma teoria restritiva, visando excluir todas as relações de consumo da competência trabalhistas, mas acaba por formular uma relativamente ampliativa, pois não há como considerar uma relação tutelada pelo CDC como não consumerista.

Além disso, observemos que, segundo Sousa, a pessoalidade do prestador de serviços é traço caracterizador das relações trabalhistas, o que contradiz a conclusão sobre tal instituto no tópico 4.2.4.2.

7.2.4. Quanto à execução das obrigações.

Esta teoria era adotada por Reginaldo Melhado até 2005, no seu artigo "Da dicotomia ao conceito aberto: as novas competências da Justiça do Trabalho". Neste texto, defendia que a Justiça do Trabalho deveria ser competente para julgar apenas relações de consumo diferidas, prestadas com periodicidade, excluindo-se as que são executadas instantaneamente. Melhado diferencia tais relações do seguinte modo:

Há relações jurídicas que implicam o cumprimento imediato das obrigações: as prestações dela resultantes são adimplidas num só momento. Essas relações o direito civil classifica genericamente como espécie dos contratos de execução instantânea.

Já nas relações de trato sucessivo: (a) o cumprimento das obrigações, por um dos sujeitos da relação, ou por ambos, pode dar-se periodicamente; ou (b) o ‘fornecimento da prestação de um dos contratantes pode se fazer por convenção entre as partes, através de pagamentos parcelados. [101]

Traz como exemplos de obrigação instantânea a compra de uma lata de bebida, concluindo que este tipo de relação caracteriza-se também pela impessoalidade. Por outro lado, o contrato de emprego, por ser relativamente aberto, suscetível de mudanças no tempo, além de personalíssimo, seria exemplo de obrigação continuada. Para o doutrinador, as relações de trabalho lato sensu seriam exemplos de obrigações continuadas e, por isso, somente as relações de consumo com tal característica estariam incluídas na competência trabalhista. Contudo, em 2006, o próprio Melhado concluiu pela ineficácia desta teoria, apontando os seguintes problemas decorrentes de sua aplicação:

O primeiro e mais grave deles é tornar complexo – talvez artificialmente complexo – resolver os chamados conflitos de competência, que costumam arrastar-se por anos a fio nos Tribunais e deixar perplexo o cidadão comum, que não raro indignado diante desses debates de cunho meramente processual (rectius: formalista). Com efeito, ela não é a melhor alternativa para resolver os casos dilemáticos de inserção competencial, quando a relação de trabalho não está perfeitamente identificada. [...] Para o jurisdicionado não há resultado pior que a não-solução do litígio em face do conflito negativo de competência (lamentavelmente bastante exercitado pelos juízes do trabalho). [102]

7.3.Teorias sobre a Relação de Consumo como Incompetência da Justiça do Trabalho.

7.3.1. Quanto ao objeto.

Para esta teoria, a relação de consumo não é de competência da Justiça do Trabalho, pois ela não teria como objeto "o trabalho realizado, mas o produto ou serviço consumível [103]", segundo o ministro do TST Ives Gandra da Silva Martins Filho.

Ao fazer a referida afirmação, pressupõe-se que o trabalho realizado não é passível de consumo. Realmente, segundo a teoria finalista aprofundada do consumidor, um serviço ou produto só pode ser consumido, se usufruído por um destinatário final fático e não-econômico. Ora, o trabalho visa incrementar a produção de outros produtos e serviços, sendo que estes, sim, serão entregues ao mercado de consumo.

Esta diferença básica entre as relações seria o ponto-chave para que a restrição competencial da Justiça do Trabalho para as relações de consumo.

7.3.2. Quanto ao tomador de serviços.

Dentre as teorias restritivas, esta é a mais aceita, utilizando-se do destinatário do serviço ou produto como diferencial. O usuário final nunca poderia ser considerado parte integrante de uma relação de trabalho, existindo apenas na relação de consumo. Nesse sentido, se posiciona José Affonso Dallegrave Neto [104], além de outros.

Otavio Amaral Calvet explica de maneira mais detalhada a sua visão de relação de trabalho:

Ao se falar em relação de trabalho tem-se em foco o fato de uma pessoa, natural ou jurídica, ou mesmo um ente despersonalizado, figurar como tomador do serviço, auferindo a energia de trabalho da pessoa natural que se coloca na posição de trabalhador com a finalidade de, utilizando essa energia como incremento de sua produção ou melhoria de suas atividades, agregar valor para exploração de seus próprios produtos ou serviços junto ao usuário final [105].

Nessa linha, segue a seguinte decisão do TRT paranaense:

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RELAÇÃO DE TRABALHO.

Com a edição da Emenda Constitucional nº45, de 08 de dezembro de 2004, que alterou a redação do art. 114 da Constituição Federal, esta Justiça Especializada passou a ter competência para processar e julgar ações decorrentes da relação de trabalho. Nesta, todavia, nunca pode aparecer como tomador de serviço usuário final (cliente, consumidor), mas sempre alguém que, utilizando do labor adquirido, realiza sua função social perante os usuários finais, agregando valores ao empreendimento. Esta é a hipótese do contrato firmado por instituição de ensino tendo como objetivo que determinado trabalhador, depositário de específica titulação, bagagem acadêmica e experiência, formule projeto para viabilizar novo curso universitário junto ao MEC. [106]

Paulo Gustavo de Amarante Merçon, juiz do trabalho, parte da mesma premissa, mas chega a desenvolver um raciocínio mais elaborado:

Imaginemos que uma pessoa física (A) ingresse na economia informal preparando salgadinhos congelados para festas, tendo como um de seus clientes outra pessoa física (B) nas festas de aniversário de sua família. É fácil presumir que o preço dos salgadinhos será definido por A, tendo B que se sujeitar a essa estipulação ou procurar outro vendedor de salgadinhos ou – se todos lhe estiverem cobrando "os olhos da cara" – preparar seus próprios salgadinhos para as festas de família. Suponhamos que B, depois de organizar tantas festas, comece a auxiliar os amigos nas suas comemorações e, finalmente, resolva empregar o know-how adquirido, montando um bufê. É mais lógico ainda supor que, nesse novo contexto, B renegociará com A o preço dos salgadinhos, e também estabelecerá novas condições à prestação daqueles serviços (ainda que não exista subordinação jurídica), mesmo porque a partir de então B deterá uma organização produtiva, um empreendimento econômico, no qual os serviços de A estarão inseridos. Na situação original, havia mero consumo dos serviços prestados por A; quem ditava o preço dos salgadinhos era A; o vulnerável na relação era B. A partir do momento em que B monta seu próprio negócio, e passa a produzir, a mão-de-obra de A passa a ser expropriada, e por isso ele assume a condição de hipossuficiente relativo (mesmo trabalhando de forma autônoma), sendo o preço e as condições de trabalho ditados por B: a relação passa a ser trabalhista. [107]

O indivíduo B é o tomador dos serviços de A nas duas situações, mas passa a não mais ser o seu destinatário final, somente quando agrega o trabalho de A em proveito do seu próprio. Nas palavras do referido jurista: "Na relação de trabalho, o tomador dos serviços explora a mão-de-obra do prestador; na relação de consumo, o prestador dos serviços explora uma necessidade do tomador [108]".

7.3.3. Quanto ao confronto dos princípios protetivos.

Os Direitos do Trabalho e do Consumidor sempre visam proteger as partes mais fracas das suas respectivas relações.

[...] não sendo, aliás, por acaso, que o mencionado "movimento consumerista" apareceu ao mesmo tempo que o sindicalista, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, em que se reivindicaram melhores condições de trabalho e melhoria da qualidade de vida, e, pois, em plena sintonia com o binômio "poder aquisitivo / aquisição de mais e melhores bens e serviços". [109]

Em face da similaridade desses movimentos, não é de se estranhar que ambos tenham regras semelhantes. O Direito do Trabalho, visando proteger o hipossuficiente prestador de serviços laborais, criou o Princípio Protetivo (tópico 4.2.4.6.). Já o Direito do Consumidor, instituiu o princípio da vulnerabilidade (tópico 6.2.3), para resguardar os direitos do consumidor, em face do prestador de serviços consumeristas.

Sobre a aplicação destes princípios, afirma Márcio Túlio Viana que:

[...] em última análise, ambos [Direito do Trabalho e do Consumidor] socorrem as mesmas pessoas, em face das mesmas pessoas. Em outras palavras, protegem o trabalhador em suas duas versões — a do homem que (se) vende e a do homem que compra, sempre por não ter alternativa. Atuam nos dois momentos de sua existência diária, ou mais precisamente dentro e fora da fábrica. Sob esse aspecto, pelo menos, a tão falada antinomia entre o princípio da proteção ao empregado (no Direito do Trabalho) e o princípio da proteção ao consumidor (no Código do Consumidor) é mais aparente do que real. [110] (grifo do autor)

Realmente são quase sempre os mesmos indivíduos o comerciante e o fornecedor, assim como o consumidor e o trabalhador. A costureira Maria, por exemplo, trabalha para a vendedora de roupas, Rosana, sendo que esta se favorece do trabalho daquela. No mercado de consumo, porém, os papéis se invertem e na compra da peça de roupa produzida por ela mesma, Maria é a beneficiada. Observemos, todavia, que em ambos os casos, Maria será protegida pelo Direito, pois é trabalhadora em uma situação e consumidora na outra. Realmente, sob esta visão há que se concordar com o doutrinador Viana, não havendo conflito de princípios.

O problema, contudo, reside numa eventual lide do consumidor contra o fornecedor. Para construir tal lide, sob a competência hipotética da Justiça do Trabalho, teremos que admitir, novamente, a qualidade trabalhista das relações de consumo. Desse modo, o trabalhador serviria como figura de equiparação para o fornecedor, já que ambos são os realizadores de serviços. Em decorrência disso tudo, o fornecedor seria agasalhado pelo princípio protetivo trabalhista, já que seria espécie de trabalhador, assim como o empregado, o autônomo, o eventual etc.

Concebamos, então, uma lide entre consumidor e fornecedor, ou seja, entre a Maria costureira e a vendedora Rosana, da qual aquela comprou o produto. Maria (consumidora) seria protegida pelo princípio da vulnerabilidade e Rosana (trabalhadora) pelo da hipossuficiência, gerando um confronto de princípios. Carolina Araújo, mestranda em Direito do Trabalho, estudou este assunto e concluiu negativamente sobre a possibilidade de coexistência dos princípios em questão:

Se ambos os princípios convergem para a proteção de seu sujeito nuclear [...] haverá uma incompatibilidade de aplicação dos princípios de proteção tanto ao trabalhador, quanto ao consumidor.

Isso porque, se do ponto de vista da relação de consumo o consumidor é hipossuficiente, porque destinatário final do produto, no outro pólo da relação jurídica estará o trabalhador que, pelo ângulo trabalhista, também é hipossuficiente, frente ao seu tomador de serviços. [111]

Tal constatação é correta, pois realmente impossível existirem os dois princípios num mesmo litígio. A inversão do ônus da prova, por exemplo, é possível tanto nas lides trabalhistas como nas consumeristas, ficando sua aplicação incerta quanto a cada caso concreto. Ademais, se o magistrado escolher o princípio da vulnerabilidade do consumidor, desvirtuaria a situação gênero-espécie entre as relações de trabalho e consumo, respectivamente; de outro modo, se optar pelo princípio da hipossuficiência do trabalhador-fornecedor, negaria a natureza consumerista do negócio jurídico em questão.

Sobre o autor
Pedro Fauth Manhães Miranda

Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina e Especilizando em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Pedro Fauth Manhães. Relação de trabalho e relação de consumo.: Discussão da competência da Justiça do Trabalho pós-Emenda Constitucional nº 45/2004. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2102, 3 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12577. Acesso em: 24 nov. 2024.

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