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A responsabilidade penal dos protagonistas de espetáculos

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Agenda 08/04/2009 às 00:00

4. Conclusão

O protagonista de um espetáculo público deve responder penalmente sempre que concorrer para o resultado penal juridicamente relevante. O estudo aqui realizado demonstrou algumas das situações em que há a existência desse resultado que deve ser considerado de extrema relevância, pois o que está em risco são vidas humanas. Ao se imaginar um estádio de futebol repleto de apaixonados torcedores que veem suas vidas ou integridade física sendo ameaçadas pela atitude impensada, infantil, imprudente de um jogador, o Direito Penal não pode ficar inerte diante disto. Deve ser acionado para a responsabilização daquele que deu início a vultosas tragédias que terminam, muitas vezes, com dezenas de mortos e feridos. Além dessa responsabilização, é importante para que iniba condutas nesse sentido, as quais têm se tornado cada vez mais comuns e ninguém tem feito nada para impedi-las.

É importante salientar que em eventos desportivos, podem sobrevir duas situações da conduta do protagonista nos moldes que aqui se estuda: i. despertar a ira do público sem a ocorrência de crimes, traduzidos pela violência instalada; ou ii. uma reação violenta e criminosa por parte dos espectadores.

Para a primeira, deve ser acionada a justiça desportiva para avaliar a ação do agente, pois, ainda que sua atitude não seja aquela aceita por contrariar as regras de bom comportamento, não foi verificada uma conseqüência mais danosa. Com essa postura estar-se-ia obedecendo a um dos princípios reitores do Direito Penal e que hoje tem ganhado bastante destaque no meio jurídico que é o Princípio da Intervenção Mínima, segundo o qual "(...) o direito penal deve se ater àquelas condutas particularmente danosas, cuja repressão não se possa confiar a instâncias mais adequadas, e socialmente menos onerosas (que requeiram menos custos sociais), de controle" [13]. Pacífico que a Justiça Desportiva está apta e é suficiente para resolver esses tipos de situações.

Por outro lado, quando da conduta do protagonista surgirem atos criminosos por parte dos espectadores, as providências administrativas são insuficientes, tendo em vista a necessidade de se proteger os bens jurídicos de uma maneira mais intensa e ampla quando assim for necessário e nos casos em que existem pessoas feridas ou mortas, o direito penal não pode se omitir, sob pena de inúmeros outros casos acontecerem aumentando ainda mais o descrédito nos poderes constituídos e a sensação de impunidade.

No atual momento em que as discussões acerca da redução da violência em locais de espetáculos, sobretudo nos estádios de futebol, estão na ordem do dia, oportuna a avaliação sobre a responsabilidade daqueles que devem "dar o show" e não serem os propulsores de atos mais rechaçados que externam o quão perigoso é o ser humano em descontrole. Assim, a busca pela paz nesses locais inicia-se por uma revisão de posturas, devendo as pessoas responsáveis pela organização e aqueles que serão o verdadeiro motivo da ida dos espectadores a estes eventos ser os primeiros a repensarem seus atos. Há que se ter coragem e disposição em alertar essas pessoas, em mostrar-lhes a gravidade de seus comportamentos impensados, e, resumidamente, reeducá-los.

A coragem passa pela necessidade de ignorar o fato de se tratar de um treinador de renome ou um jogador "galáctico" para demonstrar-lhes o que pode ou não ser feito. A disposição reside no fato de não realizar tal conscientização de forma esporádica ou ocasional, mas perenemente e a propósito, oportuno lembrar as palavras do jogador Ronaldo, do Sport Club Corinthians Paulista, após protagonizar a queda de parte do alambrado no Estádio Municipal "Eduardo José Farah", na cidade de Presidente Prudente, no dia 08 de março de 2.009, em uma partida contra a Sociedade Esportiva Palmeiras, válida pelo Campeonato Paulista de Futebol quando fez o gol de empate, vindo afirmar que "Foi um grande susto, uma atitude irresponsável, porque chama a torcida e o alambrado não era tão resistente assim. Mas na hora a gente não pensa (...)" [14]. (grifo nosso). Que este fato sirva de alerta aos demais protagonistas sobre as consequências de suas "atitudes irresponsáveis", sobretudo nos momentos de intensa emoção como o descrito pelo jogador corintiano.

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Conclusivamente, cabe aos organizadores dos espetáculos, empresários e dirigentes de clubes este trabalho de conscientização. A fiscalização e a responsabilização devem ficar a cargo das autoridades públicas [15]. E, por fim, a sociedade deve ter participação ativa nessa problemática, assumindo uma postura de cobrança séria e constante a fim de contribuir para a resolução de muitos problemas ligados ao desporto que ainda assolam o país da Copa do Mundo de 2.014.


BIBLIOGRAFIA

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TOLEDO, Francisco de Assis, Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994 (13ª Tiragem, 2007).


Notas

  1. Instituído pela Resolução do Conselho Nacional de Esporte nº 01, de 23 de dezembro de 2.003.
  2. Tais como: número ou quantidade, anonimato, sugestão, imitação, contágio, novidade e expansão das emoções reprimidas. Estes fatores são adotados como parâmetro de estudo de comportamento do público
  3. pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, em seu Manual Técnico de Policiamento em Eventos (M-10-PM).
  4. Cf.: Francisco de Assis de Toledo, Princípios básicos de direito penal, p.111.
  5. Cf.: E. Magalhães Noronha, Direito penal, p.122. "...à pergunta de que quando a ação é causa, responde-se: quando eliminada ‘in mente’, o resultado ‘in concreto’ não teria ocorrido".
  6. Cf.: Luiz Regis Prado, Direito penal: parte geral, 63.
  7. Cf.: Gustavo Octaviano Diniz Junqueira, Direito penal, 59.
  8. Cf.: Texto de leitura obrigatória no Curso de Pós Graduação – IELF – Tipo, tipo penal e juízo de tipicidade.
  9. Cf.: Luiz Regis Prado, op. cit., p. 71.
  10. Cf.: Luiz Regis Prado, op. cit., p. 71.
  11. Cf.: Cezar Roberto Bitencourt e Francisco Muñoz Conde, Teoria geral do delito, p. 167.
  12. Cf.: E. Magalhães Noronha, op. cit., p. 141.
  13. Cf.: Luiz Regis Prado, op. cit., p. 78.
  14. Cf.: Paulo de Souza Queiroz, Do caráter subsidiário do direito penal, p. 52.
  15. Disponível em: <http://esportes.terra.com.br/futebol/estaduais/2009/interna/0,,OI3621346-EI12403,00-Atitude+foi+irresponsavel+diz+Ronaldo+sobre+alambrado.html>. Acesso em 16 mar. 2009.
Sobre o autor
Valdinei Arcanjo da Silva

1º Tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Valdinei Arcanjo. A responsabilidade penal dos protagonistas de espetáculos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2107, 8 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12593. Acesso em: 24 nov. 2024.

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