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A responsabilidade penal dos protagonistas de espetáculos

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08/04/2009 às 00:00
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1. Introdução

Indiscutível a importância do lazer na vida das pessoas, sobretudo nos dias de hoje em que há a premente necessidade em se extravasar as emoções contidas advindas da rotina atribulada imposta pela vida moderna. Deste modo, os desenganos no trabalho, os problemas familiares e de saúde, o caos vivido no trânsito das grandes cidades, as dificuldades econômicas enfrentadas, as indignações várias, enfim, todo o stress existente faz com que as pessoas procurem em alguma forma de lazer a solução para eliminar parte destes sentimentos que as perturbam; outras, é verdade, buscam esta alternativa (como uma fuga da realidade) no uso de drogas e no consumo excessivo de álcool.

As alternativas de lazer são diversas, desde uma viagem com a família, assistir ao filme no cinema, até a participação em espetáculos públicos, tais como teatros, shows, corridas automobilísticas, partidas de futebol etc. No tocante aos espetáculos públicos, é notório que o indivíduo buscará por aquele em que o protagonista seja seu ídolo, grupo musical do qual é fã ou seu time preferido, tendo em vista o sentimento de paixão existente, o que muitas vezes o leva a praticar atos não comuns na sua vida (comportamentos esquisitos, choros, ficar horas e horas esperando pelo artista, envolvimento em ações de violência etc.). Portanto, o que chama a atenção nos espetáculos públicos é a marcante presença da emoção, sentimento capaz de transformar as pessoas.

Por conta disto, surge a grande preocupação em se discutir o papel dos protagonistas destes espetáculos, pois aquilo que eles fizerem durante sua apresentação poderá gerar reflexos no comportamento dos espectadores. Tal qual ocorreu no dia 31 de março de 2.008, por ocasião da partida válida pelo Campeonato Catarinense de Futebol entre as equipes do Avaí e do Figueirense, em que os jogadores Fabrício e Bebeto, daquele time, ao fazerem seus gols foram comemorar junto à torcida adversária, num gesto claro de desrespeito e de provocação, o que gerou a ira não só do público, como também dos jogadores figueirenses, causando problemas ao clássico tão esperado e disputado naquele Estado. Por sorte, os torcedores não partiram para a violência, mas se o fizessem, não seria postura a se estranhar, haja vista a grande emoção que toma conta do público nos estádios de futebol.

Existe também aquela conduta por parte dos protagonistas de arremessar algum objeto para o público, com o intuito de presenteá-los, como ocorrem com camisetas, lenços, instrumentos musicais e outros, o que, muitas vezes, pode vir a causar alguns problemas tendo em vista a movimentação das pessoas que "lutam" para conseguir tão nobre lembrança, pois no desespero para ficar com o objeto, uns ferem aos outros ou, então, a movimentação desta massa de pessoas pode ocasionar a queda da arquibancada, gerando lesões e mortes com já se viu ocorrer na história do futebol; a preocupação também existe na conduta, por exemplo, daquele músico que lança sua guitarra para o público e causa uma lesão em algum de seus admiradores, ou este é pisoteado pelos demais espectadores.

Como é verificado, não se trata de um simples ato de se zombar com o adversário ou de se presentear o público, mas de uma conduta que pode vir a gerar fatos tidos como penalmente típicos e que, portanto, necessitam de uma avaliação à luz do ordenamento jurídico vigente.


2. Comportamentos inadequados dos protagonistas

Como assinalado anteriormente, em algumas atividades desportivas, principalmente no futebol, verifica-se um tipo de comportamento muito temeroso por parte dos atletas quando se dirigem à torcida adversária e passam a provocá-la por meio de gestos ou palavras. Assim ocorre por ocasião de um gol feito, de um ponto marcado, de uma vitória ou de um título ganho. Este comportamento pode gerar na torcida três consequências: i. ela permanece inerte e aceita a provocação; ii. ela se sente ofendida, mas não inicia atos de violência; iii. ela se ofende e inicia atos de violência contra outros torcedores, jogadores, dirigentes, profissionais da imprensa, policiais etc., vindo a causar danos patrimoniais, lesões corporais e até mortes.

Para a primeira e segunda hipóteses, parece que a responsabilização do protagonista deve ficar na seara da justiça desportiva, podendo esta impor-lhe alguma sanção de caráter administrativo como uma forma de repulsa a estes tipos de comportamentos. Pelo fato de os espectadores não terem partido para a prática de atos de violência, não cabe uma responsabilização penal do atleta, porque não houve a criação ou incrementação de um risco proibido que mereça a tutela penal.

É sabido que existem as regras disciplinadoras da conduta dos atletas em uma dada modalidade esportiva e muito do que ocorre de "anormal" em uma disputa é abarcado por estas regras que autorizam certos tipos de comportamentos ainda que resultem em danos, os quais deveriam, in tese, ser considerados lesões a bem jurídicos (crime).

Assim acontece com o jogador que em uma disputa pela bola vem a dar uma cabeçada em um outro jogador, restando neste último um sério corte na cabeça. Formalmente, estar-se-ia diante de um crime de lesão corporal, porém pelo fato de ser algo tido como normal em uma partida de futebol, esta conduta não é considerada crime, pois esteve dentro do contexto de risco permitido. Ou seja, permitem-se posturas como estas, pois é da própria natureza do esporte o contato corpo-a-corpo, do qual podem surgir alguns danos à integridade física dos envolvidos, não devendo, no entanto, ser considerado crime o fato.

Da mesma forma, está dentro de um contexto de risco permitido a comemoração de um gol, de um ponto, de uma vitória etc., devendo ser observado que não pode haver extrapolação nestas condutas. É normal a comemoração com gritos, com coreografias, tirando-se a camiseta, ir até a sua torcida e festejar o feito; tudo isto está dentro de um contexto permitido, ou seja, qualquer incidente que venha a ocorrer por conta deste tipo de atitude é aceito sob o ponto de vista jurídico penal. Agora, fazer gestos obscenos à torcida oposta, dançar na sua frente, xingar seus integrantes veementemente, pisar no símbolo do clube adversário, ou seja, vir a praticar qualquer ato que desmereça, desrespeite as pessoas da outra parte da disputa, gerando revolta e indignações, estas posturas já não se encontram dentro de uma aceitabilidade existente no esporte, pois fogem da normalidade; são atitudes antidesportivas, que incentivam a violência, sendo, por isto, consideradas pertencentes ao contexto de risco proibido, o que merece uma análise à luz das regras penais.

Os jogadores Fabrício e Bebeto, do Avaí/SC, ao marcarem seus gols e se dirigirem à torcida adversária de uma forma acintosa (provocadora) já não mais tinham suas condutas dentro do aceitável, mas em um contexto proibido, repugnante, haja vista se tratar de posturas contrárias ao que se espera de um atleta. Todo jogador pode e deve comemorar o seu feito, mas é importante ficar claro que uma coisa é comemorar, outra é provocar, desrespeitar o adversário ou sua torcida. Para este último caso, não há aceitação por estar fora do aceitável, permito, ou seja, é repelida qualquer atitude que venha depor contra o bom andamento do evento desportivo, tanto que o próprio Código Brasileiro de Justiça Desportiva [01] prevê em se art. 258 que as atitudes desta natureza devem ser combatidas e apenadas, sempre que o atleta "(...) Assumir atitude contrária à disciplina ou à moral desportiva, em relação a componente de sua representação, representação adversária ou de espectador.

PENA: suspensão de 1 (uma) a 10 (dez) partidas, provas ou equivalentes".

Ao atuar desta forma, o atleta deve ter em mente que sua atitude pode gerar nos espectadores reações diversas, chegando ao ponto de surgirem atos de violência, pois a inexplicável paixão dos torcedores por seus times é algo que ultrapassa qualquer ensaio de previsão, ou seja, é incerto o que pode acontecer quando se tem um grande número de pessoas envolvidas em um contexto de euforia e tomadas por diversos fatores psicológicos [02] que passam a ditar a forma de agir do público, chegando ao ponto de exporem suas vidas de uma forma inacreditável. A responsabilização penal do atleta que assim age se dá em decorrência da criação ou incrementação de um risco proibido que até então não existia, pois os torcedores são conscientes de que nem sempre se vence em uma disputa esportiva; o que estes torcedores não admitem são o desrespeito e a provocação que podem gerar um forte sentimento de ira que os transforma, deixando-os na busca de alguma alternativa para fazer cessar o fato e punir o autor da atitude naquele mesmo lugar e momento.


3. O problema da imputação

Prescreve o art. 13, do Código Penal Brasileiro que "O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido", tratando, assim, da relação causal entre a conduta do agente e o resultado naturalístico verificado. O nosso Código Penal adotou a teoria da equivalência dos antecedentes causais ou das condições de Von Buri, também conhecida por teoria da conditio sine qua non, para a qual tudo que concorre para o resultado é causa do resultado, sendo que "(...) Não se distingue entre ‘causa’ e ‘condição’: tudo quanto contribui, ‘in concreto’, para o resultado é causa" [03].

A imputação de um fato típico penal parte da verificação da existência de um nexo de causalidade entre o resultado naturalístico e a conduta do agente que o ensejou, ou seja, há que se fazer uma análise no sentido de se estabelecer um vínculo entre a ação (sentido lato) do agente e o resultado existente. Para se descobrir se determinada circunstância foi ou não causa para o resultado (exercício de identificação do antecedente causal) utiliza-se o processo hipotético de eliminação de Tryren [04]em que, de acordo com o qual, "é causa de um resultado toda condição que suprimida mentalmente faria desaparecer o resultado" [05].

Importante lembrar que esta teoria é amplamente criticada "por sua demasiada amplitude" [06], mormente no que concerne ao conhecido regressus ad infinitum ou regressão infinita, conceito que leva em consideração toda e qualquer ação que tenha contribuído causalmente para o delito. Exemplificativamente, imagine-se um homicídio realizado por meio de uma faca: contribuiria para o delito o sujeito que esfaqueou a vítima, o vendedor e o fabricante da faca e assim por diante. É evidente que o sentido dessa teoria não deve ser aplicado literalmente e sim com reservas, a partir de critérios que permitam a imputação de um fato criminoso sem que haja um disparate jurídico o que conduz a uma temerosa injustiça.

A imputação, portanto, passa por este primeiro trabalho de verificação da existência do nexo de causalidade entre conduta e resultado naturalístico, porém, como dito anteriormente, não é o suficiente para se concluir pela responsabilização penal do agente. Para se completar este raciocínio, o que serve como uma limitação à teoria da equivalência dos antecedentes causais, há que se admitir, como lembrado por Luiz Flávio Gomes [07]: 1) a existência de concausa superveniente relevante independente – devendo ser entendido como aquela que gera um novo curso causal, o qual deve ser atribuído a outra pessoa ou à natureza (art. 13, § 1º, CP); 2) imputação objetiva da conduta – análise da criação ou incrementação de risco proibido; 3) imputação objetiva do resultado – resultado advém da criação de um risco proibido; 4) imputação subjetiva, nos crimes dolosos (art. 18, I, CP).

Deste estudo, parece existir nexo de causalidade (liame, relação causa-efeito) entre a conduta do protagonista (aquele que incita ou desrespeita o público, lança objetos para os espectadores, restando-lhes lesões e até mortes) e o resultado dela advindo, resultado este que merece ser apreciado à luz dos princípios penais, devendo, em seguida, ser realizada uma avaliação sob os demais aspectos que completarão o juízo de admissão de imputabilidade.

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3.2. Teoria da Imputação Objetiva

Para muitos não é considerada uma teoria, mas um conjunto de princípios e regras, cuja função é delimitar e corrigir o nexo de causalidade, podendo ser feito um raciocínio no sentido de que o nexo de causalidade está afeto à causação e a teoria da imputação objetiva, como o próprio nome diz, à imputação ou atribuição (valoração da conduta), existindo para "separar o mero acaso, a casualidade, daquilo que é obra do sujeito" [08].

Para esta teoria, há que se observar, basicamente, três regras para o prosseguimento da imputação do resultado ao agente:

a) criação ou incrementação de um risco proibido: dentro da imputação objetiva da conduta, significa verificar se o agente aumentou sensivelmente as possibilidades da ocorrência do fato, ou seja, se sua conduta não se encontra em um contexto de risco permitido, pois somente poderá responder penalmente se criou ou incrementou com sua conduta um risco proibido relevante. O clássico exemplo que se tem é do sobrinho que vislumbrando a posse da herança do tio, patrocina-lhe uma viagem de avião, esperando que ocorra um acidente que sobrevenha sua morte; naturalmente se este evento ocorrer, não há que se responsabilizar o sobrinho pela morte do tio, haja vista uma viagem de avião estar abarcada pelo contexto de risco permitido.

Quando um jogador de futebol arremessa sua camisa aos torcedores e estes se posicionam em um único local da arquibancada, gerando desproporcional pressão mecânica com sério risco de desabamento das estruturas, temos a criação de risco proibido relevante por parte do jogador que prosseguir no seu intento, uma vez que este quadro é perfeitamente previsível pelo atleta.

b) conexão direta entre esse risco e o resultado jurídico (realização do risco no resultado): como parte da imputação objetiva do resultado, em que deve ser observado se o resultado se encontra dentro do risco proibido criado ou incrementado pelo sujeito. Exemplificando, se a mãe ao saber do seqüestro do filho vem a falecer em decorrência de um ataque cardíaco, não respondem os algozes pelo resultado morte advindo da trágica notícia.

No nosso estudo, quando um torcedor vem a se ferir em conseqüência do desespero dos demais que buscam a lembrança ofertada pelo jogador, a lesão por ele sofrida é decorrente da ação iniciada pelo jogador; do mesmo modo, a lesão ocorrida no espectador que por conta do arremesso de um instrumento musical feito pelo artista tem conexão direta com a conduta de arremessar.

c) que esse resultado esteja no âmbito da proteção da norma: ainda que o agente tenha criado ou incrementado um risco que se transforma em resultado lesivo, não deve ser responsabilizado penalmente porque agiu dentro daquilo que a norma prescreve. O exemplo mais conhecido é o enunciado por Jescheck, citado por Luiz Regis Prado [09], em que dois ciclistas conduzem suas bicicletas à noite, sendo que a legislação não obriga a existência de faróis de iluminação; um terceiro ciclista, devido à falta de visibilidade, se choca com o primeiro deles e produz um acidente. Não há que se falar em responsabilização penal, pois a norma não prevê a obrigatoriedade do farol de iluminação neste tipo de caso.

As normas desportivas não preveem condutas que coloquem em risco a integridade física e a vida das pessoas que estejam envolvidas ou que assistem ao espetáculo, o que remete à conclusão de que os resultados aqui aventados não estão no âmbito de proteção de nenhuma norma, restando a possibilidade de responsabilização dos protagonistas que atuarem na criação ou incrementação dos riscos que ora se estudam.

3.3. Dolo e culpa

É indiscutível que para a imputação de um fato tido como crime a alguém se faz necessário o estudo do elemento subjetivo dolo ou culpa. Vale dizer, é imprescindível a análise psíquica ou da representação da vontade do agente.

O dolo, definido, segundo Francisco Muñoz Conde, como "conciencia y voluntad de realizar el tipo objeivo de un delito" [10], refere-se à vontade deliberada em se querer o resultado representado como fim da ação (dolo direto) ou a visualização do resultado sem o querer diretamente, mas o aceitando como possível ou provável (dolo eventual ou indireto).

Parece que as condutas dos protagonistas aqui estudadas não são decorrentes de uma vontade determinada, mas de uma ação que, mesmo com um grau de lesividade a ser considerado, não leva o resultado danoso em consideração. Portanto, caso se cogite uma ação dolosa por parte do protagonista que assim age, dificilmente se falará em dolo direto, mas tão somente, e se for o caso (no máximo), em dolo eventual.

O que mais será verificado é conduta na modalidade culposa, ou seja, o resultado lesivo ao bem jurídico será em decorrência de uma falta de cuidado, atenção ou cautela, de forma que não é pretendido pelo agente, mas previsível. E esta última característica é o cerne principal da culpa stricto sensu, pois "é somente na possibilidade de se prever o que não foi previsto que se pode censurar alguém, por não ter tido a conduta que evitaria o resultado danoso" [11]. A previsibilidade deve ser entendida como sendo a possibilidade, nas circunstâncias em que se encontrava o agente, de prever o resultado de sua ação.

Para a verificação da culpa stricto sensu exige-se conhecer se o agente na empreitada de sua ação desatenciosa ou sem a devida diligência previu o resultado ilícito, no entanto esperava que este não se efetivasse (culpa consciente) ou se sendo o resultado previsível não foi previsto pelo sujeito ativo. Assim, pode-se identificar como elementos do delito culposo [12]: a) inobservância do cuidado objetivamente devido; b) produção de um resultado e nexo causal; c) previsibilidade objetiva do resultado; d) conexão direta interna entre desvalor da ação e desvalor do resultado.

Amplamente conhecida, a culpa apresenta três modalidades: negligência, imprudência e imperícia. A primeira pode ser entendida como um comportamento inepto, passivo, negativo por parte do agente que tendo condições de agir de modo diverso não o faz por desleixo, indolência, desatenção ou displicência; negligente é o pai que deixa sua arma de fogo municiada ao alcance de seu filho menor. A imprudência se refere àquele comportamento ativo, um agir sem a devida cautela ou falta de atenção necessária; imprudente é o motorista que dirige em alta velocidade nas ruas de um centro urbano. Por fim, a terceira modalidade – imperícia – decorre da falta de conhecimento específico ou habilitação para o exercício de determinada arte ou profissão; imperito é o indivíduo que realiza intervenção cirúrgica sem a devida habilitação médica.

Feitas estas considerações sobre a culpa e suas modalidades, resta uma análise acerca da conduta do protagonista nas situações aqui estudadas. O atleta que lança sua camisa e com a movimentação do público provoca um desabamento de arquibancada ou uma série de pisoteamentos e o artista que arremessa seu instrumento musical ou outro objeto de cima do palco para os espectadores, agem de maneira imprudente, pois não tomam a devida cautela para que o presente (ou lembrança) que desejam ofertar aos seus admiradores chegue até eles de forma segura sem que haja exposição da vida ou perigo à integridade física das pessoas.

Tranquila a ideia de que existem outras maneiras de se presentear com este tipo de recordação de uma forma menos danosa às pessoas; aquela cena de vários torcedores se lançando para conseguir chegar até o ponto onde o brinde foi arremessado ou então a imagem de diversos deles pelejando um com o outro para ver quem terá a felicidade de consegui-lo (e aqui será verificada pela lei do mais forte) pode muito bem ser evitada se o protagonista, prezando muito mais pela segurança das pessoas do que com a autopromoção (pois com este ato de se posicionar junto aos espectadores e lançar uma camisa, por exemplo, deixa o jogador "de bem com a torcida"), limitar-se a escolher uma pessoa e entregar-lhe, diretamente, a lembrança e de um modo mais calmo. Da mesma forma o artista em vez de proceder ao lançamento, pode, perfeitamente, abaixar-se junto ao palco e entregar seu instrumento ou outro objeto na mão de seu fã.

Percebe-se se tratar de condutas que minimizam drasticamente a possibilidade de as pessoas se exporem a perigo e é justamente a existência desta outra possibilidade que o protagonista atua imprudentemente, pois é notório que o seu agir é carente de uma cautela e um zelo os quais, se tomados, evitariam a ocorrência de um resultado ilícito. Portanto, é indiscutível a existência da possibilidade de um modo agir diferente, bem como da previsibilidade de que, com sua atitude, alguma conseqüência danosa poderá sobrevir.

Agora paira a seguinte dúvida: e aquele jogador que incita ou desrespeita a torcida adversária, como verificado em Santa Catarina, gerando nesta uma reação violenta com graves conseqüências para o espetáculo? Aqui parece haver a necessidade de um raciocínio um pouco mais acurado.

Primeiramente, há que se considerar a grande influência exercida por um protagonista de evento sobre os seus seguidores, bem como a responsabilidade de seu comportamento durante a realização de sua apresentação relativamente à reação do público. Em outras palavras: um jogador, cantor ou um artista, cujos seguidores têm um grande apreço, pode fazer com que estas pessoas passem a agir conforme sua intenção. Imagine-se aquele jogador que durante um momento crítico da partida pede para a torcida incentivar com mais vigor o time e, instantaneamente, surge a resposta da torcida que passa a gritar, vibrar, fazendo "as arquibancadas tremerem". A reação do público ao chamado do jogador é imediata e impensada. Agora, qual seria a reação dos torcedores se este jogador os incentiva a invadir o gramado para agredirem o árbitro ou os jogadores adversários? Obviamente que os torcedores acatariam a esta "determinação" porque o poder de influência de um ídolo em seus fãs é muito grande, haja vista o problemático estado emocional que assola estas pessoas.

Se existe este poder de influência, é importante que exista um tratamento jurídico diverso para estas pessoas, pois se assim não o for, em todos os casos de incentivo a atos de violência, seguidos de muitos ilícitos penais, o indivíduo que proporcionar este grave quadro de desordem quedará impune tendo em vista não ser ele o sujeito ativo direto das agressões, dos impropérios e dos danos a serem desencadeados. Nestes casos, parece que o protagonista assume uma condição jurídica semelhante ao do garante, ou seja, daquela pessoa que tem o dever de garantir, propiciar e providenciar a não ocorrência de fatos que exponham a risco a vida e a integridade física das pessoas.

É importante que haja esse tratamento diferenciado, pois é a forma de se responsabilizar aquele que por meio de outras pessoas, atingidas pela comprovada influência, provoca uma série de resultados danosos, colocando em risco diversos bens jurídicos que merecem ser tutelados. Diante disto, a imputação da conduta ilícita ocorrerá em virtude da criação ou incrementação de um risco proibido por parte do protagonista que, com sua atitude, origina uma situação de perigo às pessoas, ou seja, com um comportamento anterior, o protagonista criou o risco da ocorrência do resultado, conforme § 2º, c, do CPB.

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Sobre o autor
Valdinei Arcanjo da Silva

1º Tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Valdinei Arcanjo. A responsabilidade penal dos protagonistas de espetáculos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2107, 8 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12593. Acesso em: 28 mar. 2024.

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