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As ilegalidades decorrentes da atuação das guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito

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Agenda 18/04/2009 às 00:00

4 O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

A legislação de trânsito no Brasil não é recente, conforme nos lembra Rizzardo (2003). De acordo com o autor, a primeira legislação de que se tem notícia é o Decreto nº 8.324, de 27 de outubro de 1910, que disciplinava o serviço de transporte por automóveis.

De acordo com as informações históricas colacionadas por Pinheiro (2000, p. 1), "nesse decreto, os condutores eram ainda chamados de motorneiros, exigindo o art. 21 que se mantivessem constantemente senhores da velocidade do veículo, devendo diminuir a marcha ou mesmo parar o movimento todas as vezes que o automóvel pudesse ser causa de acidente".

Seguiu-se, após, a edição do Decreto Legislativo nº 4.460, de 11 de janeiro de 1922, que disciplinava a construção de estradas e a carga máxima permitida para os veículos, diploma normativo que consignou pela primeira vez a expressão "mata-burros". Durante o governo do Presidente Washington Luiz editou-se o Decreto legislativo nº 5.141, de 05 de janeiro de 1927, o qual mencionou pela primeira vez o termo "autocaminhões" (PINHEIRO, 2000).

O primeiro diploma na forma de estatuto, de âmbito nacional, surgiu com o Decreto nº 18.323, de 24 de julho de 19282, que englobava 93 artigos e disciplinava assuntos específicos de trânsito, tais como a circulação internacional de automóveis no território brasileiro, a sinalização, segurança e polícia nas estradas de rodagem (RIZZARDO, 2003).

O referido decreto perdurou até a edição do primeiro Código Nacional de Trânsito, instituído pelo Decreto-Lei nº 2.994, de 28 de janeiro de 1941, o qual foi posteriormente substituído pelo Decreto-Lei nº 3.651, de 25 de setembro de 1941. Em 21 de setembro de 1966 é editada a Lei nº 5.108, que instituiu o Código Nacional de Trânsito (CNT), a qual, juntamente com o Regulamento do Código Nacional de Trânsito (RCNT), promulgado com a edição do Decreto nº 62.127, de 16 de janeiro de 1968, passam a ordenar e disciplinar o trânsito de veículos nas vias terrestres (PINHEIRO, 2000).

Após diversas alterações produzidas ao longo de sua vigência e tendo sido objeto de uma primeira Comissão Revisora em 1973, cujo anteprojeto não foi acolhido, em 06 de junho de 1991 foi instituída Comissão Especial com o objetivo de apresentar novo anteprojeto do Código Nacional de Trânsito. Atendia-se, assim, a premência de alterações na legislação de trânsito, fruto dos reclamos da sociedade em virtude do alto índice de acidentes e elevada impunidade dos infratores (PINHEIRO, 2000).

Findo os trabalhos da referida Comissão, foi enviado ao Congresso através de Mensagem presidencial através do Aviso nº 543, de 22 de abril de 1993, sendo apreciado, na Câmara dos Deputados, como Projeto de Lei nº 3.710/93, local onde foi objeto de significativas alterações por Comissão Especial designada para o seu exame, tendo sido remetido ao Senado sob a rubrica de Projeto de Lei da Câmara nº 73/1994 (PINHEIRO, 2000).

Naquela Casa revisora foi apresentado Substitutivo ao projeto encaminhado pela Câmara, o qual retornou à Casa de origem, com o fito de ser analisado por nova Comissão Especial, sendo que após os trâmites regimentais o referido projeto de lei foi transformado na Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (PINHEIRO, 2000).

A vigência do CTB foi fruto de diversas polêmicas entre os doutrinadores, uma vez que seu artigo 340 determinava a entrada em vigor após 120 dias após a data de sua publicação, a qual se deu em 24 de setembro de 1997, sendo que a maioria dos intérpretes considera que sua vigência iniciou-se a contar de 22 de janeiro de 1998 (RIZZARDO, 2003, PINHEIRO, 2000), já com as modificações impostas pela Lei nº 9.602, de 21 de janeiro de 1998.

Ao longo desses quase dez anos de vigência o CTB foi alterado por diversas vezes através das Leis nº 9.792 (14.04.99), 10.350 (24.12.01), 10.517 (11.07.02), 10.830 (23.12.03), 11.275 (07.02.06) e, mais recentemente, pela Lei nº 11.334 (25.07.06), que estabeleceu novo regramento quanto ao infracionamento por excesso de velocidade.

O CTB possui 340 artigos, divididos em 20 capítulos, com especial relevo para aqueles que tratam das normas gerais de circulação e conduta, das infrações, do processo administrativo e dos crimes de trânsito, bem como dois anexos: dos conceitos e definições (I) e sinalização (II), tendo sido o teor deste último alterado pela Resolução CONTRAN nº 160/04. Apesar de soar contraditório uma resolução revogar o anexo de uma lei ordinária, tal se deu em virtude da interpretação que os membros do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) tiveram acerca do teor do artigo 306 do CTB.

É de bom alvitre esclarecer-se que o regramento de trânsito não se esgota tão somente com o CTB, sendo este apenas uma parte do complexo e sistêmico conjunto de atos normativos, estritos e amplos, a que se convencionou chamar de legislação de trânsito, dela fazendo parte outras leis e decretos esparsos, a exemplo do Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos (RTTP), instituído pelo Decreto nº 96.044/1988, bem como diversas resoluções, deliberações e portarias expedidas pelo CONTRAN, DENATRAN, DNIT, CETRAN, DETRAN, DER e outros órgãos e entidades de trânsito estaduais e municipais, na esfera de suas competências.

4.1 Definições e conceitos do Direito do Trânsito

Muitos são os doutrinadores que defendem a autonomia do Direito de Trânsito, a exemplo do preclaro Waldyr de Abreu. Para o autor "a autonomia legislativa do direito de trânsito é bem caracterizada pelos códigos de trânsito, que regulam, pelo menos, parte relevante desta novel disciplina", assim como sua "autonomia científica [...] está suficientemente demonstrada nos princípios fundamentais norteadores dos referidos códigos" (1998, p. 313).

Discorrendo sobre o assunto, aponta o jurista os seguintes princípios informadores dessa disciplina jurídica: preservação da segurança, garantia da fluidez, respeito à corrente de trânsito, da confiança e da direção defensiva.

Segundo os princípios da preservação da segurança e da garantida da fluidez todos os usuários das vias (condutores, pedestres, ciclistas, etc.) devem comportar-se de modo a não causar prejuízo ou incômodo à circulação. No CTB esses princípios são encontrados na regra geral disposta no artigo 26, o qual preconiza que:

Art. 26. Os usuários das vias terrestres devem:

I - abster-se de todo ato que possa constituir perigo ou obstáculo para o trânsito de veículos, de pessoas ou de animais, ou ainda causar danos a propriedades públicas ou privadas;

II - abster-se de obstruir o trânsito ou torná-lo perigoso, atirando, depositando ou abandonando na via objetos ou substâncias, ou nela criando qualquer outro obstáculo.

Essas normas de comportamento se desdobram em muitos outros dispositivos e estendem seu alcance a outros bens jurídicos tutelados pelo CTB, tais como a preservação da saúde e do meio ambiente (art. 1º, § 5º), o conforto e à educação para o trânsito (art. 6º, inc. I) e a proteção à via e à incolumidade física da pessoa (art. 269, § 1º).

O respeito à corrente de trânsito aduz que, em circulação, deve-se partir da base a marcha paralela ao eixo da via é a normalidade para o tráfego, ao passo que as manobras de qualquer tipo são anormalidades que perturbam a circulação. No CTB esse princípio vem expressão, principalmente, nos artigos 34 e 35, os quais preconizam, sinteticamente, que a realização de qualquer manobra deve levar em conta a posição, velocidade e direção do veículo, de forma a criar um perigo para os demais usuários da via, assim como tal manobra deve ser deve ser indicada de forma clara e com a devida antecedência.

Segundo o princípio da confiança "o usuário da via tem o direito de contar que os demais usuários se comportem, como ele, de maneira correta, a menos as circunstâncias particulares sejam de tal natureza a lhe permitir reconhecer que não é assim" (WELZEL apud ABREU, 1998, p. 160). Exemplos dessa regra de comportamento podem ser encontrados nos artigos 42, segundo o qual nenhum condutor deverá frear bruscamente seu veículo, salvo por razões de segurança, e no inciso II do artigo 43, o qual estabelece que sempre que o condutor desejar diminuir a velocidade deve antes se certificar que pode fazê-lo sem risco para outros condutores, a não ser que haja perigo iminente.

O princípio da direção defensiva estabelece, principalmente aos condutores de veículo, que além de não se envolverem em acidentes, estejam aptos a prevenir os acidentes evitáveis, diga-se: previsíveis e evitáveis, ou seja, aqueles cuja causa está ligada à conduta de outros usuários da via ou condições atmosféricas, das vias ou dos veículos. No CTB encontramos presentes esse princípio nos artigos 27 e 28, abaixo transcritos:

Art. 27. Antes de colocar o veículo em circulação nas vias públicas, o condutor deverá verificar a existência e as boas condições de funcionamento dos equipamentos de uso obrigatório, bem como assegurar-se da existência de combustível suficiente para chegar ao local de destino.

Art. 28. O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito.

Com relação às expressões utilizadas no CTB, seus conceitos e definições são aqueles estabelecidos em seu Anexo I, do qual ousamos transcrever apenas aqueles relacionados aos objetivos do presente estudo:

AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO - pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento.

[...]

AUTORIDADE DE TRÂNSITO - dirigente máximo de órgão ou entidade executivo integrante do Sistema Nacional de Trânsito ou pessoa por ele expressamente credenciada.

[...]

FISCALIZAÇÃO - ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito, no âmbito de circunscrição dos órgãos e entidades executivos de trânsito e de acordo com as competências definidas neste Código.

[...]

OPERAÇÃO DE TRÂNSITO - monitoramento técnico baseado nos conceitos de Engenharia de Tráfego, das condições de fluidez, de estacionamento e parada na via, de forma a reduzir as interferências tais como veículos quebrados, acidentados, estacionados irregularmente atrapalhando o trânsito, prestando socorros imediatos e informações aos pedestres e condutores.

[...]

PATRULHAMENTO - função exercida pela Polícia Rodoviária Federal com o objetivo de garantir obediência às normas de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes.

[...]

POLICIAMENTO OSTENSIVO DE TRÂNSITO - função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes.

4.2 A municipalização do trânsito

A Carta Magna de 1988 alterou substancialmente a posição do município na Federação, passando a considerá-lo como parte integrante e indissolúvel da estrutura federativa vigente, acolhendo-se antiga reivindicação de municipalistas clássicos, do escol de Hely Lopes Meirelles.

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"Nos termos, pois, da Constituição, o Município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação, como entidade político-administrativa, dotada de autonomia política, administrativa e financeira" (SILVA, 2002, p. 619). "A autonomia municipal, da mesma forma que a dos Estados-membros, configura-se pela tríplice capacidade de auto-organização e normatização própria, autogoverno e auto-administração" (MORAES, 2004, p. 276).

A fim de não fugirmos ao objeto do presente estudo, analisaremos mais detidamente, apenas, a capacidade de auto-administração, que compreende o exercício das competências administrativas, legislativas e tributárias, pressuposto e elemento caracterizador do convívio no Estado Federal.

Segundo Moraes (2004, p. 290), "o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse", de tal forma que "à União caberá aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral ao passo que aos Estados referem-se a matérias de predominante interesse regional, e aos municípios concernem os assuntos de interesse local".

Dispõe o artigo 30 da Carta Magna que compete ao município suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber (Inc. II), bem como legislar sobre assuntos de interesse local. Para Ferreira (apud MORAES, 2004, p. 304), "interesse local refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)".

Para Meirelles (2000a, p. 279), "a propósito, a Constituição de 1988, inovando nesse aspecto, elegeu determinados serviços públicos de interesse local em dever expresso do Município". Prossegue o culto jurista indicando que

É o que ocorre com o transporte coletivo, dando-lhe, inclusive, caráter de essencialidade (art. 30, V); com os programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental (art. 30, VI); com o serviço de atendimento à saúde da população; com o ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (art. 30, VIII); e com o a proteção do patrimônio histórico- cultural local (art. 30, IX).

Podem ser indicados vários motivos para definir a intenção do legislador constituinte ao ampliar sensivelmente as atribuições do município dentro da estrutura federativa. Dentre eles, sem dúvida, talvez o principal se refira à própria leitura da realidade da maioria dos cidadãos: todos eles residem nos municípios e ali utilizam a maioria dos serviços públicos, normalmente prestados pela municipalidade, ou seja, todos se vêem ligados ao município e apenas indiretamente se dirigem a algum serviço prestado pelo Estado ou pela União.

Essa preocupação legislativa vem se acentuando modernamente através do que se convencionou denominar de "municipalização de serviços públicos", de tal forma que se permite aos municípios a assunção da prestação de diversos serviços públicos concernentes ao Estado e à União. Essa municipalização ampliou-se consideravelmente nas áreas da saúde e da educação, tendo o município assumido a sua prestação integral com o apoio de repasse financeiro dos demais entes federados, o que, stricto sensu, diverge diametralmente das questões sub examem, posto que não há transferência de competências restritas e, sim, o compartilhamento nas funções que a rigor deveriam ser realizadas quer pelo Estado ou pelo Governo Federal.

Outro caminho não poderia seguir o legislador durante a elaboração do CTB, tendo em vista a forte pressão exercida pelos municipalistas e pela corroboração da necessidade de municipalização do trânsito em consonância com as questões de uso e ocupação do solo e das funções urbanas, conforme restou assentado em Parecer relatado pelo Deputado Federal Ary Kara no Projeto de Lei nº 73/94 (PINHEIRO, 2000).

E nesse ponto o CTB foi pródigo, uma vez que, além de inserir definitivamente o município no SNT, ampliou sensivelmente a competência dos municípios. Para Rizzardo (2003, p. 106), dentre os poderes que lhes foram reservados, apresentam especial importância "as funções de organização do trânsito urbano e de aplicação e arrecadação de multas em inúmeros casos, relacionados às infrações contra as normas internas e ligados aos estacionamentos, à parada, à circulação [...], inclusive aplicando as multas e arrecadando-as".

Para se entender o alcance dessa inovação, basta uma pequena digressão sobre o CNT e o RCNT para que se verifique que a participação dos municípios cingia-se à possibilidade de criação de um Conselho Municipal de Trânsito, com competência normativa e recursal nos limites de sua competência, facultado apenas a municípios com mais de 200 mil habitantes e com a aprovação do CONTRAN, além da possibilidade de criação de órgão executivo rodoviário para aqueles que possuíssem estradas municipais.

Logo se vê, portanto, que a ampliação de competências municipais extrapolou as expectativas de todos os municipalistas que pretendiam ver o trânsito municipalizado, ainda que a grande maioria dos municípios brasileiros não possua estrutura e condições de assumir essas funções. De acordo com dados constantes do site do DENATRAN (2007), dos 5.568 (sic) municípios brasileiros apenas 856 se integraram ao SNT, ou seja, apenas 15,37% do total, o que demonstra que, decorrido quase uma década da promulgação do CTB, o fim visado pelo legislador não foi alcançado, ressaltando, por dever imperioso, se considerar dentre os dados estatísticos, ponderações quanto as questões relativas ao êxodo rural e a concentração populacional, visto que, em matéria de trânsito o Brasil poderia ter condicionada a sua frota nos Estados do Nordeste, Sudeste (São Paulo e sul de Minas Gerais), Centro-Oeste e Sul, cujo fator relativo aos Estados do Norte pouca influência registram na frota de automóveis,  inclusive para a municipalização da forma esperada.

Mas essa assunção de funções não é automática; para tanto deve o município se integrar ao SNT, conforme prescrevem a Resolução CONTRAN nº 106/99, o § 2º do artigo 24 e o artigo 333, caput e §§, cumprindo os requisitos mínimos necessários para que possa desempenhar as atividades de planejamento, engenharia de tráfego, operação, educação e fiscalização de trânsito, além do controle e análise de estatísticas.

De acordo com o DENATRAN, para que o município se integre ao SNT é necessária a criação de um órgão municipal executivo de trânsito ou, conforme o porte do município, poderá ser reestruturada uma secretaria já existente, criando uma divisão ou coordenação de trânsito, um departamento, uma autarquia, de acordo com as necessidades e interesse do prefeito. Junto a esse órgão de trânsito deverá funcionar uma Junta Administrativa de Recursos de Infrações (JARI), órgão colegiado responsável pelo julgamento dos recursos interpostos contra penalidades impostas pelo órgão executivo de trânsito.

Por meio de decreto serão nomeados os membros do órgão de trânsito e da JARI, assim como o cidadão que exercerá as funções de autoridade máxima de trânsito no município. Cópia de toda a documentação (leis, decretos, regulamento da JARI, etc.) será encaminhada ao DENATRAN para integração ao SNT e ao Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN) para credenciamento da JARI municipal.

Até o ano de 2003 o DENATRAN disponibilizava em seu site um texto denominado de Roteiro de Municipalização de Trânsito, por meio do qual indicava que a entidade ou órgão municipal de trânsito poderia optar por ter sua fiscalização feita pela Polícia Militar, com base no artigo 23 do CTB, ou ter seu próprio quadro de fiscais, observando-se a necessidade de concurso público para seleção de pessoal com perfil adequado à função, treinamento e capacitação do pessoal selecionado por meio de cursos e estágios, designação e credenciamento dos agentes de operação por portaria com relação nominal, ou seja, acaso optasse por ter seu próprio quadro de funcionário, deveria proceder a concurso público visando o preenchimento da função específica de agente de trânsito.

Sabe-se que o DENATRAN, por meio dos Pareceres nº 256/2004 e 247/2005/CGIJF/DENATRAN, posiciona-se contra a utilização das guardas municipais na função de agentes de trânsito, contrariando frontalmente o Plano Nacional de Segurança Pública, projeto de governo que pretende a ampliação das funções das guardas municipais no que tange à segurança pública e que instituiu, inclusive, uma Matriz Curricular Nacional para a formação de seus quadros e vem ampliando a destinação de verbas para aquisição de equipamentos e implantação de projetos de capacitação e aperfeiçoamento.

Atualmente o Ministério das Cidades, a quem compete a coordenação máxima do SNT, conforme Decreto nº 4.711/03, e a quem se vincula o CONTRAN e se subordina o DENATRAN, expediu o Parecer CONJUR/CIDADES nº 1.409/2006, por meio do qual se manteve o mesmo entendimento esposado nos pareceres elaborados pela assessoria jurídica do DENATRAN, ou seja, que "falece à guarda municipal competência para atuar na fiscalização de trânsito, incluindo o procedimento relativo à aplicabilidade de multas, também não detendo legitimidade para firmar convênio com os órgãos de trânsito objetivando tal fim".

Nesse campo frise-se que o CETRAN de Santa Catarina é ainda mais explícito, indicando em seu roteiro para municipalização que um dos passos a ser adotado pelo município é a negociação de um Termo de Convênio entre a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar para a delegação de suas atividades.

Assim, esgotando-se o presente tópico, resta claro que a fiscalização do trânsito nos municípios integrados ao SNT deve ser efetuada por meio de pessoal próprio devidamente preparado e treinado ou por meio de convênio com a Polícia Militar, hipótese também aceita por RIZZARDO (2003).

4.3 Sistema Nacional de Trânsito

"O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos instituídos no âmbito da administração pública da União, dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, regidos pelos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade" (PINHEIRO, 2000, p. 61).

Abrange, assim, todos os órgãos e entidades das três esferas de poder (federal, estadual e municipal) que atuam diretamente nas mais diversas áreas inerentes ao controle e fiscalização dos condutores, veículos, tráfego e processo administrativo para imposição de penalidades. O sistema contempla todas as nuances relativas ao desenvolvimento normal do trânsito, desde a educação de trânsito, processos de formação e reciclagem de condutores, registro e licenciamento de veículos, engenharia, policiamento, operação e fiscalização de trânsito.

A esse respeito note-se que o antigo conceito de trânsito, baseado na integração entre veículo, via e o homem, vem sendo substituído, gradualmente, pela união entre educação, engenharia e fiscalização, como sói acontecer em casos que tais, posto que este último trinômio baliza e atinge as expectativas de um novo Código Civil, de cunho social, que ao fácil se verifica pela urbanidade entre seus administrados, o poder do Estado na fiscalização de sua competência e no caso em estudo, a engenharia como fator de melhor fruição e comportamental do fluxo de veículos nas rodovias urbanas e rurais.

A intenção do legislador em criar condições propícias para um trânsito seguro acentuou-se no presente codex, estabelecendo referenciais e diretrizes voltadas para a busca da fluidez e do conforto dos usuários das vias. Também mereceu especial relevo a educação de trânsito, necessária à formação de potenciais usuários das vias públicas, e a proteção ambiental, tema atual e correlato ao tráfego de veículos em virtude de sua potencialidade de degradação ambiental, com a criação de regras relativas à redução da poluição sonora (buzinas, equipamentos de som, silenciadores defeituosos, etc.) e atmosférica (emissão de fumaça, gases, etc.).

De acordo com o artigo 7º, o SNT é composto pelos seguintes órgãos e entidades:

I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo;

II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores;

III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

V - a Polícia Rodoviária Federal;

VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e

VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI.

Antes de tecermos explanações acerca da composição do SNT, mister se faz trazer à colação a distinção entre entidade e órgão: entidade é pessoa jurídica, pública ou privada, integrante da administração pública direta ou indireta, classificada em estatais (União, Estados e Municípios), autárquicas, fundacionais (públicas ou privadas), empresariais (empresa pública e sociedade de economia mista) e paraestatais (serviços sociais autônomos e organizações sociais). O órgão é ente despersonalizado, sujeito de direitos e obrigações, incumbido da realização de funções estatais relacionadas com a entidade a que pertence, através de seus agentes.

O artigo 7º traz um rol taxativo quanto aos órgãos e entidades integrantes do SNT, delimitando-os quanto a sua finalidade: normativos, consultivos, coordenadores, executivos, executivos rodoviários, patrulhamento (DPRF), policiamento (PM) e de recursal (CONTRAN, CETRAN/CONTRADIFE e JARI).

O Distrito Federal, devido à sua constituição sui generis, pode possuir órgãos executivos de trânsito municipal, estadual e rodoviário dentro da área abrangida por seus limites territoriais.

Os órgãos normativos, consultivos, coordenadores e recursivos são o CONTRAN, no âmbito federal, e o CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal (CONTRADIFE), com sede nos Estados e no Distrito Federal, respectivamente. A JARI, existente em cada um dos órgãos executivos, possui competência recursal em relação às penalidades aplicadas pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via.

Os órgãos executivos de trânsito podem ser assim classificados: DENATRAN e Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN), respectivamente, na União e nos Estados e Distrito Federal, além de Secretarias, Departamentos, Divisões de Trânsito e Autarquias, no âmbito municipal.

Os órgãos executivos rodoviários podem ser assim divididos: DNIT, no âmbito da União, e Departamento de Estradas de Rodagem (DER), Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER), Secretarias ou outras autarquias nos casos dos Estados. Apesar de haver previsão para a existência desses órgãos na esfera municipal não se tem notícia de que tenham sido criados nos municípios brasileiros.

A Polícia Rodoviária Federal é órgão responsável pela fiscalização e patrulhamento ostensivo das estradas e rodovias federais, tendo por objetivo garantir obediência às normas de trânsito, assegurar a livre circulação e evitar acidente, enquanto que às Polícias Militares incumbem a função de agentes da autoridade de trânsito no âmbito estadual e, mediante convênio, no âmbito municipal, além do policiamento ostensivo de trânsito, objetivando a prevenção e repressão de atos relacionados com a segurança pública e a garantia de obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes.

Bem se vê, portanto, que os órgãos e entidades elencados pertencem à Administração Direta e comportam um rol taxativo, ou seja, para o exercício das competências indicadas nos artigos 12 usque 24 deve o agente público pertencer a algum dos órgãos e entidades ali indicados, sendo vedado a inclusão ou criação de outros órgãos que não os ali especificados.

A respeito desse assunto e a título de exemplo, o preclaro Pinheiro (2000, p. 65), comentando a intenção da DERSA (Desenvolvimento Rodoviário S/A), entidade criada no Estado de São Paulo pela Lei nº 95, de 22 de dezembro de 1972, em criar uma JARI para funcionar junto à mesma, aduz que

é oportuno reafirmar que as concessionárias de execução de serviços de gerenciamento, construção e duplicação de rodovias, não integram o Sistema Nacional de Trânsito e não possuem poder de polícia a ponto de implantar operações regulamentadoras de trânsito de veículos e pedestres, à revelia do órgão executivo com circunscrição sobre a via.

Conforme Rizzardo (2003, p. 37), "inexistem órgãos especiais de funcionários para a execução das funções inerentes à implantação e cumprimento das normas de trânsito. A maior proximidade se dá com as diversas classes de polícias instituídas no País". Para o autor, "cabe a formação de órgãos próprios nos assuntos que dizem respeito ao trânsito, na esfera do Distrito federal, dos Estados e dos Municípios" (2003, p. 38).

De acordo com o entendimento esposado pelo jurista, a atividade de trânsito sempre foi e é inerente à atividade policial, seja verificando o cumprimento das normas, orientando motoristas e o tráfego, realizando bloqueios e autuando os infratores. Partindo desse pressuposto, "pode-se afirmar que, na prática, a Polícia Militar é quem realmente fiscaliza e exige o cumprimento das leis e normas de trânsito, já que raramente há outros órgãos apropriados para o desempenho de tal atividade" (2003, p. 103).

Assim sendo, desejando o município integrar-se ao SNT, deve direcionar-se a uma das soluções possíveis: criação de um corpo de funcionários próprios, com designação própria e devidamente treinados e preparados, pertencentes aos quadros do órgão ou entidade de trânsito e atendendo ao mandamento constitucional de acesso ao serviço público mediante concurso de provas e títulos; delegação de atividades a outros órgãos que lhes sejam subordinados hierarquicamente e sujeitas a controle e fiscalização; assinatura de convênio com a Polícia Militar e/ou DETRAN, delegando-lhes a execução, total ou parcial, de suas atividades.

Tudo o que acima foi indicado só vem a corroborar a impossibilidade da Guarda Municipal em atuar como agentes da autoridade de trânsito, conforme adiante se vê:

- primeiro porque, conforme citado por Pinheiro (2000), estas não integram o SNT e, portanto, não podem ser organizadas como órgão ou entidade de trânsito;

- segundo, por decorrência lógica, não podem atuar sob a forma de convênio, conforme faculta o artigo 25;

- terceiro, por interpretação constitucional, tendo em vista a expressa delimitação de suas funções institucionais, eventual desvio de função e a falta de lei complementar federal, nos termos do inciso XI e § único do artigo 22 da CF/88, que autorizariam o município a legislar sobre trânsito e transporte além da competência que lhe é concedida (interesse local).

4.4 Órgãos e entidades de trânsito: competências

De acordo com Rizzardo (2003, p. 35), a divisão de competências no CTB, em relação as três esferas de poder, restou assim dimensionada:

- União: "legislar e organizar o trânsito em vias federais, direcionar a política nacional, instituir condutas-padrão, impor exigências quanto aos veículos [...], dispor sobre a segurança dos veículos, a par de outras funções, com jurisdição em todo o País";

- Estados e Distrito Federal: "estabelecer normas complementares e supletivas", além da "fiscalização do trânsito, a realização de exames para habilitação, o registro e licenciamento de veículos";

- Municípios e Distrito Federal: no território de sua circunscrição incumbe-lhes "direcionar o trânsito, organizando-o de modo a melhor atender os usuários, dentro da competência restrita aos interesses locais e, assim, exemplificativamente, no pertinente ao transporte de cargas em determinadas vias, ao sentido de direção dos veículos em certas vias".

A divisão acima se refletiu também na divisão de competência entre os órgãos e entidades de trânsito. Com efeito, enfeixou-se a competência normativa apenas nos órgãos superiores da União e do Estado, enquanto que as competências executivas e recursais foram distribuídas de acordo com a competência da autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via. Analisaremos, en passant, a competência dos órgãos e entidades de trânsito, com especial relevo, unicamente, para as atribuições relativas aos municípios.

O CONTRAN é o órgão máximo normativo, consultivo e recursal do SNT, incumbindo-lhe a coordenação dos órgãos com o objetivo de integrar suas atividades. O legislador concedeu a este órgão o poder de regulamentar, por meio de resoluções, as especificações necessárias ao exato cumprimento das normas de trânsito, entre elas aquelas relacionadas com a sinalização, equipamentos obrigatórios e condições essenciais para registro, licenciamento e circulação de veículos. O extenso rol de suas atribuições está expresso nos incisos do artigo 12 e em vários outros artigos esparsos do CTB.

Em cada Estado há um CETRAN e no Distrito Federal existe o CONTRADIFE, órgãos com mais poderes dentro dessa esfera estatal, possuindo competência normativa, dentro de sua respectiva competência, consultiva e recursal, contra as decisões das JARI e dos órgãos e entidades executivos estaduais, no caso de inaptidão permanente constatado no exame de aptidão física, mental ou psicológica. Cabe-lhes também a coordenação das atividades dos demais órgãos estaduais e municipais, no que tange às atividades ligadas à circulação de veículos automotores, sempre se reportando ao CONTRAN.

As JARI são "órgãos recursais que atuam diretamente perante os órgãos ou departamentos executivos de trânsito". Contra as decisões exaradas por esses órgãos, "nas autuações e aplicações de penalidades, a elas se dirigirão os recursos, pois consideradas administrativamente uma segunda instância" (RIZZARDO, 2003, p. 70-1).

O DENATRAN é o órgão máximo executivo de trânsito, com circunscrição sobre todo o território nacional, detentor de poderes para intervir em órgãos executivos estaduais em casos de irregularidades comprovadas em casos de improbidade contra a fé pública, o patrimônio e a administração pública. "Decompondo esta importante finalidade, o art. 19 discrimina uma variada gama de atribuições executivas, a começar por aquelas de caráter geral, e indo até a expedição de documentos em algumas situações particularizadas" (RIZZARDO, 2003, p. 78).

Aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União (DNIT), dos Estados (DER ou DAER), do Distrito Federal e dos Municípios é estabelecida competência para, dentre outras funções e no âmbito de sua circunscrição, operar o trânsito de veículos, pedestres e de animais, cuidar da engenharia de tráfego e fiscalizar as infrações relacionadas com o veículo e o condutor, assim como aquelas relativas a parada, circulação, estacionamento, excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos.

Os órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal (DETRAN) têm suas funções mais adstritas às questões administrativas e burocráticas, relacionadas, dentre outras, com a aplicação de penalidades, aí incluídas a advertência por escrito, a multa, a suspensão do direito de dirigir e a cassação da habilitação, bem como a execução de atividades ligadas ao registro e licenciamento de veículos e à concessão de habilitação legal, estas por delegação do DENATRAN (RIZZARDO, 2003). Sua competência para fiscalização de infrações excluem aquelas comedidas aos municípios, relativas à parada, circulação, estacionamento, excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos.

A Polícia Rodoviária Federal é órgão responsável pela fiscalização e patrulhamento ostensivo das estradas e rodovias federais, tendo por objetivo garantir obediência às normas de trânsito, assegurar a livre circulação e evitar acidente, enquanto que às Polícias Militares incumbem a função de agentes da autoridade de trânsito no âmbito estadual e, mediante convênio, no âmbito municipal, além do policiamento ostensivo de trânsito, objetivando a prevenção e repressão de atos relacionados com a segurança pública e a garantia de obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes.

Aos municípios incumbe, por meio de seus órgãos ou entidades executivos de trânsito, dentro de sua circunscrição, organizar o trânsito e aplicar e arrecadar as multas impostas por infrações ligadas ao uso da via, seja em virtude de parada, circulação e estacionamento, assim como aquelas relativas à lotação, excesso de peso e dimensões dos veículos.

Dentre as inúmeras funções que lhe são atribuídas, relacionamos a que em nosso entender, excetuada a fiscalização de trânsito, são as mais importantes:

- planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;

- implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário;

- implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas vias;

- promover e participar de projetos e programas de educação e segurança de trânsito de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo CONTRAN;

- planejar e implantar medidas para redução da circulação de veículos e reorientação do tráfego, com o objetivo de diminuir a emissão global de poluentes;

- fiscalizar o nível de emissão de poluentes e ruído produzidos pelos veículos automotores ou pela sua carga, de acordo com o estabelecido no art. 66, além de dar apoio às ações específicas de órgão ambiental local, quando solicitado.

A consecução dessas atividades, invariavelmente esquecida pela imensa maioria dos municípios integrados ao SNT, adquirem vital importância para o alcance dos objetivos da Política Nacional de Trânsito.

O direito a um trânsito seguro, regular e ordenado foi erigido como direito fundamental, ao mesmo passo que, em contrapartida, estabeleceu uma série de obrigações ao Poder Público, entre elas a garantia das condições de segurança e de trafegabilidade normal, manutenção das condições físicas e de sinalização das vias, assim como as atividades de engenharia e educação para o trânsito (RIZZARDO, 2003).

Para o cumprimento desses objetivos e a execução das competências acima arroladas, permitiu o legislador que os entes federados pudessem ter amplo poder de conformação para a estruturação desses serviços, através de órgãos próprios, conforme estatui o artigo 8º: "Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão os respectivos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários, estabelecendo os limites circunscricionais de suas atribuições".

"As polícias estaduais colocam em prática a fiscalização, e departamentos estaduais constituem-se para prestar os serviços de emplacamentos e de concessão de licença para dirigir". Com relação "às sinalizações das vias, na órbita municipal, há órgãos que integram as prefeituras, destinados para tais atividades" (RIZZARDO, 2003, p. 38).

Caso o ente federado não deseje assumir a totalidade das suas atribuições, faculta o artigo 25 a possibilidade de celebração de convênio entre os órgãos e entidades de trânsito, seja em virtude do ente não possuir estrutura adequada ou recursos financeiros, sempre com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.

Reside aqui, portanto, outra impossibilidade de atuação das guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito. Explica-se: normalmente as prefeituras municipais instituem como órgãos de trânsito as Secretarias de Trânsito, de Transportes ou criam Departamentos de Trânsito, designando-se como autoridade de trânsito o seu dirigente maior; incumbe a este, dentro das suas atribuições, decidir pela celebração de convênio ou preparação de corpo próprio de profissionais devidamente preparados.

Assim, desejando exercer com exclusividade a fiscalização de trânsito, restam à autoridade de trânsito duas possibilidades: nomeação de novos funcionários, com cargo e atribuições próprias para a fiscalização de trânsito, ou utilização dos funcionários já pertencentes ao órgão, desde que as atribuições de seus cargos permitam a realização dessas funções, ou seja, a copeira, o motorista, o auxiliar administrativo e o servidor em cargo de comissão ou de livre exoneração não podem ser credenciados como agentes da autoridade de trânsito, apesar de pertencerem àquele órgão ou entidade.

O mesmo se diga em relação às guardas municipais, uma vez que a totalidade delas não possui vínculo de subordinação com os órgãos ou entidades de trânsito e executam atividade de império (típica de Estado), portanto, não podem ser desviados de sua função precípua, que é a proteção de bens, serviços e instalações municipais. O simples fato do CTB mencionar que o agente da autoridade de trânsito poderá ser servidor civil não nos autoriza a dizer que este se refira a qualquer servidor público; raciocínio tão simplista permitira que um médico, um engenheiro ou um gari atuasse na fiscalização de trânsito, já que pertencentes aos quadros da Prefeitura Municipal.

É sabido que todo cargo enfeixa uma série de atribuições e funções, portanto, a atuação funcional do servidor é, primeiramente, vinculada ao seu estatuto jurídico. Nem se diga, igualmente, que possa a legislação municipal atribuir à Guarda Municipal tal atribuição, eis que exorbitante do mandamento constitucional e desprovido de lei complementar federal que lhe dê suporte, o que tornaria o ato legítimo. A competência legislativa municipal se centra basicamente em assuntos de interesse local e este, como anteriormente debatido, é de competência privativa da União (art. 22, inc. XI e § único, c/c art. 144, § 8º).

Sobre o autor
Benevides Fernandes Neto

Oficial da Polícia Militar em São José do Rio Preto/SP, Bacharel em Direito, Especialista em Segurança Pública pela PUC/RS e em Direito Administrativo pelo Centro Universitário do Norte Paulista (UNORP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES NETO, Benevides. As ilegalidades decorrentes da atuação das guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2117, 18 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12636. Acesso em: 23 dez. 2024.

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Título original: "As ilegalidades decorrentes da atuação das guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito sob a ótica constitucional e do Código de Trânsito Brasileiro."

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