Em 09 de agosto de 2008, entrou em vigor a lei 11.689/2008, trazendo em seu bojo significativas alterações no processo judicial dos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, cujo julgamento é realizado pelo conselho de sentença, constituído de Juízes leigos, escolhidos dentre os cidadãos comuns, pessoas do povo, para julgar os seus pares, sendo esta bela instituição chamada de Tribunal do Júri.
A referida lei fora instituída com o escopo de desburocratizar e agilizar os processos criminais de competência do Tribunal do Júri.
Não obstante o curtíssimo espaço de tempo de vigência da nova Lei, não havendo, ainda, conhecimento pleno de sua aplicabilidade prática, bem como a escassez de notas doutrinárias elucidativas e pertinentes, com os comentários que busquem aclarar as questões acerca de cada mudança, surge-nos a necessidade de tecer breves palavras a respeito das mudanças mais significativas, trazidas pela nova legislação, conforme segue:
1 – A primeira delas diz respeito à resposta à acusação, que deverá ser apresentada no prazo de 10 (dez) dias, a contar do cumprimento do mandado de citação, caso o réu seja citado por edital, como a lei não prevê expressamente, por analogia, conta-se do dia em que o réu deveria comparecer em juízo. Essa resposta, pois, é um direito/dever do réu, e, por isso, peça obrigatória, indispensável, e o seu formato muito se assemelha com a contestação que se faz no processo civil. Entretanto, em que pese a obrigatoriedade da peça processual, entendo que, com fulcro no parágrafo 3º do artigo 406, é facultativo ao Defensor, analisando o caso concreto, apresentar toda a defesa na peça de resposta à acusação, ou simplesmente informar que se reserva o direito de apresentar defesa posteriormente, ou em momento oportuno.
A grande inovação neste tópico diz respeito à antecipação de toda a defesa, ou seja, já nesse primeiro momento o Defensor constituído ou nomeado (dativo), deverá apresentar preliminares, exceções, juntar eventuais documentos, especificar as provas a serem produzidas e arrolar testemunhas até o numero máximo de 08 (oito).
2 – A segunda mudança refere-se à audiência de instrução para colheitas de provas quando da formação da culpa, que copiando o sistema utilizado na Justiça do Trabalho, o legislador transformou esse primoroso momento probatório em uma audiência una ou única, devendo nesta audiência ser ouvidas todas as testemunhas de acusação e defesa, cujo numero poderá chegar a 16 (dezesseis), além de peritos, com o interrogatório do acusado, também, nesta mesma audiência, encerrando-se, assim, a instrução probatória, oportunidade em que a acusação e a defesa terão prazo de 20 (vinte) minutos para os debates orais, respectivamente, prorrogáveis por mais 10 (dez) minutos para ambas as partes, podendo o Juiz proferir a sentença nesta mesma ocasião.
Cabe ponderar acerca de alguns pontos relevantes quanto à referida audiência una, pois esqueceu o legislador que há um abismo profundo entre a celeridade desejada e o emperrado sistema forense, que não se encontra aparelhado para tamanha mudança, vez que em muitos fóruns a estrutura física encontra-se absolutamente comprometida, não comportando tais mudanças, tendo-se, em muitos casos, que ficarem, os participantes da audiência: testemunhas de acusação, de defesa e o próprio acusado, quando solto, ocupando o mesmo espaço, como, v. g., nos corredores.
Outro inconveniente que se vislumbra diz respeito à pauta de audiência, que, na prática, poderá tornar-se muito carregada ou tumultuada, pois não poderá o Magistrado agendar muitas instruções para o mesmo dia, em razão do número dos atos processuais e também do elevado número de testemunhas a serem ouvidas nesta audiência.
Pondere-se, ainda, a eventual ausência de testemunha, especialmente de acusação, e que seja considerada imprescindível pelo Ministério Público, que certamente inviabilizará a continuidade da audiência, sendo, então, redesignada, posto que realizar condução coercitiva de testemunhas nas grandes metrópoles, especialmente em São Paulo, é uma missão quase impossível, ou pelo menos inviável do ponto de vista prático, caindo por terra a almejada celeridade processual que a lei pretende.
Ainda em relação à audiência una, fora suprimido o sistema triangular para as reperguntas formuladas pela acusação e defesa, pois, agora, utiliza-se do sistema de perguntas diretas, feitas pelas partes, sem o intermédio do Juiz.
Outro importante momento desta audiência una é o interrogatório do réu, que se dará por último, o que nos parece muito sensato. Pois, se por acaso, em razão dos depoimentos das testemunhas de acusação ou de defesa, houver a necessidade de algum ajuste para o interrogatório do acusado, e, em que pese a lei ter silenciado a esse respeito, com base no Princípio da Plenitude de Defesa, entendo que se trata de um direito do acusado conversar, reservadamente, com seu defensor, mesmo na audiência, e antes do seu interrogatório.
Relativamente aos debates orais, nesse primeiro momento, entendo ser muito positivo, pois está em consonância com o Princípio Oralidade, norteador da plenária do Júri, que realça o direito das partes se manifestarem, argumentando, sendo certo que, aquele que melhor elucidar os fatos e as razões de forma clara e convincente em plenário, terá, por sua vez, a possibilidade de sair vencedor.
3 – Outra significativa mudança implementada pela Lei 11.689/2008, diz respeito à sentença de pronúncia, que agora deverá ser bastante sucinta, versando apenas quanto à materialidade e os indícios suficientes de autoria, de forma pontual e não aprofundada. Esta sentença delimita a acusação em plenário, pois não existe mais o libelo crime acusatório. Contra esta sentença de pronúncia, continua a utilização do recurso em sentido estrito.
Para impugnação da sentença de impronuncia ou absolvição sumária, caminhou bem o legislador adotando o recurso de apelação, vez que estas decisões têm caráter terminativo, sendo a apelação o remédio jurídico mais indicado para atacá-las, caindo por terra, finalmente, o recurso de oficio.
Com a nova sentença de pronuncia, delimitadora da acusação em plenário, será dado o prazo de 05 (cinco) dias para a acusação e a defesa apresentarem o rol de testemunhas que irão depor em plenário, cujo numero máximo é de 05 (cinco), podendo as partes, nesta oportunidade, juntar documentos e requerer diligências.
4 – Outra inovação positiva trazida pela referida Lei, é a exigência da presença de advogado indicado pela seção local da Ordem dos Advogados do Brasil, para acompanhar e fiscalizar o correto preenchimento das fichas com a indicação da profissão dos jurados.
5 - Com muita sapiência, o legislador acabou com a figura do jurado "profissional" ou de "carreira", como conhecido, vez que aquele que integrou o conselho de sentença nos 12 (doze) meses que antecedem a publicação da lista geral, fica dela excluído. Ou seja, serviu em uma lista não poderá servir em outra, passando por um lapso temporal mínimo de 12 (doze) meses, o que nos parece muito correto.
Ainda com relação aos jurados, o legislador inovou positivamente ao ampliar o número de jurados para 25 (vinte e cinco), pois, certamente, isso contribuirá para o menor número de adiamentos da Seção Plenária por falta de quórum.
Importante observar a preocupação do legislador com os adiamentos das seções plenárias por falta de quórum dos jurados, levando-o a impor multa àquele faltoso, que pode variar entre 01 (um) e 10 (dez) salários mínimos, sendo esta imposição uma forma de convencê-lo da obrigatoriedade de sua presença quando convocado. Em contrapartida, o legislador concedeu-lhe alguns benefícios, dando-lhe a preferência para fins de concurso público, e, caso já seja o jurado um servidor público, terá preferência em casos de promoção e remoção voluntária.
6 – Outra mudança, e neste caso penso que seja extremamente prejudicial ao acusado, à sociedade e, mormente, à Instituição do Júri como um todo, é a redução da idade do jurado para 18 (dezoito) anos. Neste caso, o legislador, data venia, de forma equivocada acompanhou o raciocínio do legislador civil. Todavia, não se trata de capacidade para os atos da vida civil, tampouco de imputabilidade penal, porque o jurado recebe o grau de Magistrado, e nesta condição necessita de maturidade para julgar o bem da vida, e assim, entendo que falta a experiência necessária a um jovem de 18 (dezoito) anos de idade, falta-lhe o discernimento pleno para decidir sobre a liberdade, a vida, de uma pessoa humana.
Deve-se tomar por base o Magistrado Togado, que tem o dever de fundamentar suas decisões, e que, legalmente, não poderá ingressar na carreira antes dos 25 (vinte e cinco) anos de idade. Assim, não será um contra-senso aceitar que um jurado (Magistrado Leigo) com apenas 18 (dezoito) anos de idade, possa julgar seu semelhante, sem o compromisso de fundamentar?
Acrescenta, ainda, o legislador, que o jurado deverá ser de idônea notoriedade. Entretanto, entendo que uma pessoa de apenas 18 (dezoito) anos de idade, só será inidônea, se já tiver alguma internação em estabelecimento educacional ou abrigo para menores infratores, pois do contrario, não houve tempo suficiente para testar a aludida idoneidade moral.
7 – A tão combatida leitura de peças, fora apreciada pelo legislador, que resolveu acatar apenas a leitura de peças que chamou de não repetíveis, quais sejam: os depoimentos de testemunhas que não serão ouvidas em plenário; as cautelares, do tipo busca e apreensão, reconstituição, escuta telefônica; a prova antecipada, como por exemplo, no caso da testemunha que em razão de sua idade avançada fora ouvida antecipadamente; a Carta Precatória e a Carta Rogatória. Com a nova regra, se uma das partes quiser que seja lida alguma das provas ou peças repetíveis, deverá fazê-lo dentro do seu tempo em plenário.
8 – A nova legislação dificultou a cisão ou separação dos julgamentos pelo Tribunal do Júri, forçando, assim, a realização do julgamento de co-réus, em uma única seção plenária, proferindo-se um único veredicto. Caso o Magistrado entenda que em razão da complexidade, ou de pedido da defesa, deva ser cindido o julgamento com dois réus, então, o autor do fato é que será julgado primeiro.
9 – Grande prejuízo para o acusado, mormente para a sociedade, fora a redução no tempo dos debates em plenário, que passaram de 02 (duas) horas para 01 (uma) hora e ½ (meia). Muitos irão argumentar que na Réplica e na Tréplica, ampliou-se de ½ (meia) hora para 01 (uma) hora, dizendo não haver prejuízo; penso que tal entendimento, data venia, mostrar-se-á equivocado, pois a defesa só poderá fazer uso da tréplica se a acusação fizer o regular uso da réplica.
Portanto, forçoso concluir que o prejuízo existe e fora completamente absorvido pelo acusado, e essa situação se agrava ainda mais quando no mesmo julgamento tiver mais de um acusado, pois os defensores terão que dividir o tempo de 2 (duas) horas e ½ (meia). Ou seja, restará 01 (uma) hora e 15 (quinze) minutos, para cada defensor apresentar em plenário a defesa do acusado, que a meu ver, feriu de morte o Principio da Plenitude de Defesa.
10 – Fulminou-se o Protesto por Novo Júri, que era um recurso cabível àquele condenado a 20 (vinte) anos ou mais. Há quem diga ter ocorrido em boa hora, pois, já não havia razão de ser deste recurso, e a sua supressão traduziu-se em um beneficio para toda a sociedade, porém, data venia, entendo que houve um prejuízo incomensurável para o acusado, porque suprimiu-se, também, uma instância, um recurso importante, um valoroso e legitimo meio de defesa.
11 – Por outro lado, a utilização de algemas no Tribunal do Júri, fora corretamente considerada uma exceção, caracterizando-se um grande avanço no direito do acusado, privilegiando-se, por conseqüência, o Principio da Dignidade da Pessoa Humana, sendo autorizada a sua utilização em plenário somente em casos extremos, posto que a algema não é um instrumento de exibição, mas sim um meio de contenção, ficando vedado, ainda, ao órgão acusador, durante os debates, qualquer menção à sua utilização, sob pena de nulidade processual.
12 – A nova lei, finalmente regulamentou o aparte, podendo ser concedido até 03 (três) minutos para cada aparte requerido, e o tempo concedido deverá ser acrescido no daquele que estava com a palavra, sob a deliberação do juiz presidente.
13 – Quanto aos quesitos, estes tiveram um grande salto de qualidade, pois o primeiro quesito irá indagar quanto à materialidade do fato, o segundo, caso haja tese desclassificatória, será indagado quanto a ela, e se não for o caso, irá indagar-se sobre a autoria. Todavia, com uma pergunta muito prática e muito simplificada, pois será questionado o seguinte: o jurado absolve o acusado? Com isso, verifica-se um grande avanço em benefício da praticidade da justiça, unificando-se, assim, todas as teses da defesa e eliminando-se, em muitos casos, aquela série de quesitos, como, por exemplo, quando o defensor utilizava uma tese de legitima defesa.
No entanto, a lei deixou algumas lacunas, e com isso, penso que abriu uma oportunidade para o órgão acusador de, dependendo do caso concreto, recorrer com base no artigo 593, III, "d", pois entendo que a nova lei deveria ter suprimido esta alínea, valorizando, assim, a soberania dos jurados, visto que, do contrário, o Ministério Público estará sempre disposto a relativizar, mitigando, por sua vez, o Princípio da Soberania dos Jurados.
Outra importante mudança, fora o posicionamento dos quesitos, pois os da acusação só serão elaborados depois dos da defesa, acabando, assim, com a confusão que misturava os quesitos da acusação e os da defesa.
Para assegurar o sigilo das votações e a magnitude da preservação dos jurados, quando da apuração dos votos na sala especial, instituiu-se a regra que, chegando-se ao numero de 04 (quatro) votos para quaisquer das teses, defesa ou acusação - absolver ou condenar -, interrompe-se a votação, preservando-se, assim, o sigilo dos jurados.
Esta nova lei sugere grande mudança de comportamento do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Advogados de uma forma geral, haja vista a alteração da função real dos Magistrados, que, agora, deverão cuidar mais do processo, não renegando-o ao abandono, pois, neste caso, terão grandes problemas com a pauta das audiências, e, em vez da celeridade, terão atrasos e postergações processuais por falta de cumprimento dos despachos e das determinações judiciais.
A lei sugere, ainda, uma alteração na mentalidade dos representantes do Ministério Público que atuam no Tribunal do Júri, pois, estes, deverão compreender que a discussão em plenário é processual e não das partes, não se trata de algo pessoal, mas de um ideal de Justiça, tendo-se em vista que o Acusado é um ser humano e merece um julgamento justo, e o Tribunal do Júri não deverá ser utilizado como palco para exibir vaidades.
Quanto aos Advogados, a mudança no comportamento é algo crucial, pois com este momento tecnicista que vive o processo penal brasileiro, o Advogado, como um estrategista por excelência, terá a responsabilidade de ser o mais técnico possível no processo, devendo manter-se consciente e preparado em relação aos fatos, tendo sempre que adequar bem à sua tese de defesa à realidade processual, atendo-se à prova técnica, à prova pericial.
Esse novo momento para a Advocacia brasileira deverá ser encarado como um novo desafio, como a reengenharia natural e necessária à vida, pois, mais importante que as mudanças no procedimento legal, é a mudança no comportamento do Advogado, que tem por escopo sustentar uma estratégia de defesa de forma técnica, sólida e consciente.