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Cargos em comissão.

Da contratação motivada pela capacitação técnica ao nepotismo e ao clientelismo

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Agenda 23/04/2009 às 00:00

RESUMO

Análise da constitucionalidade do ingresso no serviço público por meio de cargos em comissão, dos fenômenos do nepotismo e do clientelismo institucionais, dos prejuízos causados ao erário e à qualidade dos serviços prestados à população decorrente do mau uso da discricionariedade conferida ao administrador público para as nomeações. Indicação da legislação infraconstitucional coibidora das práticas nepóticas e clientelistas, e dos fundamentos para a declaração de nulidade dos atos de nomeação fundados em interesses pessoais. Apresentação de sugestões para reduzir a franca distribuição de cargos comissionados. Considerações finais acerca das questões levantadas no trabalho, especialmente, a necessidade de edição de lei federal que regule as contratações em cargos comissionados e de implementação de programas de valorização profissional do servidor público.

sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento: 2.1. Cargos comissionados e a Constituição de 1988; 2.2. Nepotismo e clientelismo: prejuízos causados à administração pública e ao erário; 2.3 Limites à discricionariedade administrativa na legislação infraconstitucional; 2.4. Fundamentos para a declaração de nulidade de atos contrários à moralidade administrativa; 2.5. Sugestões para o controle da distribuição de cargos comissionados. 3. Considerações Finais. Referências.


1 iNTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto de estudo a questão da constitucionalidade da nomeação de pessoas estranhas ao serviço público, ou de pessoas que dele já façam parte, mas que não apresentem a qualificação técnica necessária para o exercício do cargo comissionado. E, ainda, como a discricionariedade dos atos de nomeação sem concurso público viabiliza o nepotismo e o clientelismo.

O tema é, deveras, complexo, visto existir previsão constitucional autorizadora da livre nomeação, porém, por meio da hermenêutica jurídica, à luz dos princípios norteadores da administração pública, especialmente os Princípios da Impessoalidade, da Moralidade e da Eficiência, além do Princípio da Primazia do Interesse Público, buscar-se-á desconstituir as teses de defesa para essas práticas.

A questão em pauta é de suma importância, porque está diretamente relacionado à qualidade dos serviços prestados à população e às suas instituições, assim como ao destino dado a vultosos valores em recursos públicos. Ressalte-se que o estudo apresentará sugestões para o controle da distribuição aleatória de cargos comissionados, algumas já tratadas por diversos doutrinadores; todas, porém, com o objetivo precípuo de expurgar da máquina pública o viés negativo da questão ou, ao menos, torná-lo menos danoso à ordem pública. Afinal, a livre nomeação espelha um passado pátrio imperialista, que não pode mais encontrar lugar em um país democrático de direito, onde figura, entre os direitos individuais indisponíveis, o do tratamento isonômico entre as pessoas, com igualdade de direitos e deveres, e, consequentemente, de oportunidade de acesso ao serviço público.

A metodologia utilizada para a elaboração do presente artigo será, única e exclusivamente, bibliográfica, com ênfase na hermenêutica constitucional.


2. DESENVOLVIMENTO

2.1.CARGOS COMISSIONADOS E A CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Emenda Constitucional n.º 19/98 alterou o inciso V do art. 37 da Constituição Federal, onde se estabelecia que os cargos em comissão e as funções de confiança deveriam ser exercidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargos de carreira técnica ou profissional. Agora se lê que as funções de confiança, exercidas, exclusivamente, por servidores ocupantes de cargos efetivos, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

A mudança no texto da Carta Magna limitou a concessão de funções de confiança a servidores investidos em cargo efetivo, isto é, servidores concursados; e a dos cargos em comissão a servidores e pessoas não concursadas à necessária previsão legal, restrita às funções de direção, chefia e assessoramento.

A mudança no inciso foi importante para coibir a distribuição aleatória de cargos com atribuições de menor importância, porém não foi suficiente para dirimir o nepotismo e o clientelismo nas instituições do Poder Público.

Cargo em comissão é uma exceção à obrigatoriedade constitucional do concurso público, estabelecida no inciso II do artigo supracitado, onde se lê que a investidura em cargo ou em emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas e de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações em cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

O texto constitucional, ao determinar que essa modalidade de provimento necessita, tão somente, que a lei declare ser o cargo de livre nomeação e exoneração, não estabelecendo que a mesma institua exigências quanto à qualificação técnica necessária para o exercício da função e quanto à experiência do nomeado, permitiu a edição de leis maleáveis, permissivas e parciais. Uma nova brecha para atos improbidade e má administração da máquina pública.

O inciso V do artigo 37 traz, textualmente, alguns requisitos necessários à lei que criar cargos em comissão, a saber: estabelecer as parcelas atinentes aos servidores de carreira e às pessoas não concursadas; estabelecer os casos e as condições em que a administração poderia se valer dessa forma de provimento funcional. O corpo do dispositivo é claro, mas muito genérico, concedendo ao poder legiferante uma infinita gama de possibilidades. Há, portanto, premente necessidade da criação de uma lei federal que regulamente a criação de cargos em comissão em todos os âmbitos. A situação é urgente, pois envolve muito dinheiro público e compromete a seriedade das instituições. Assim, ao aberratio do princípio da obrigatoriedade do concurso público, a contratação de pessoal por simples indicação de seus agentes administrativos e políticos configura-se e agrava-se pela ausência de regulamentação do dispositivo constitucional.

O Supremo Tribunal Federal, a fim de suprir a ausência de regulamentação específica para a investidora de servidores públicos em cargos em comissão, editou o verbete da Súmula n.º 685, onde declara a inconstitucionalidade de toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público, em cargos que não integrem a carreira na qual anteriormente investido. E, neste sentido, manifestou-se o Ilustre Ministro Celso de Mello na ADIN 248-I/RJ [01], ao ensinar que os Estados-Membros encontram-se vinculados em face de explícita previsão constitucional (art. 37, caput, CF/88), aos princípios que regem a Administração Pública, dentre os quais ressalta, como vetor condicionante da atividade estatal, a exigência de observância do postulado do concurso público (art. 37, II). Sendo assim, a partir da Constituição de 1988, a imprescindibilidade do certame público não mais se limita à hipótese singular da primeira investidura em cargos, funções ou empregos públicos, impondo-se às pessoas estatais, como regra geral de observância compulsória. Assim, a transformação de cargos e a transferência de servidores para outros cargos, ou para categorias funcionais diversas, traduziriam, quando desacompanhadas da prévia realização do concurso público de provas ou de provas e títulos, formas inconstitucionais de provimento no serviço público, pois implicam o ingresso do servidor em cargos diferentes daqueles nos quais foi ele legitimamente admitido, com clara ofensa ao princípio da isonomia.

A manifestação do Judiciário, limitando o acesso de servidores de carreira a determinados cargos em comissão, parece estranha diante da ausência de dispositivo que limite o acesso de pessoas não aprovadas em concurso público aos mesmos cargos. O Supremo Tribunal Federal se manifestou ponderada e acertadamente, mas a inconstitucionalidade está implícita no instituto do cargo em comissão para servidores e não servidores, enquanto afronte o princípio da igualdade de todos perante a lei e no relacionamento com as esferas da Administração Pública.

Considere-se, ainda, que outros princípios constitucionais norteadores da administração pública vêm sendo maculados pelo mau uso da liberalidade constitucional, a saber, os da moralidade, da impessoalidade e da eficiência na administração; e, no tocante a este último, a ausência de concurso público impede que os melhores, os mais preparados, desempenhem as funções que são de interesse da sociedade, vedando o ingresso, por mérito, dos mais capacitados, daqueles que trariam os melhores resultados para a administração. Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos, mencionadas na obra de Pedro Roberto Decomain: "De fato, o concurso público respeita o princípio da isonomia, na medida em que todos podem nele se inscrever (é por isso que ele é público), e permite à administração selecionar os candidatos de maiores méritos." [02]

Baseia-se o concurso público em três postulados fundamentais: o princípio da igualdade, o princípio da moralidade administrativa e o princípio da competição. O princípio da igualdade, ou da isonomia, confere permissão para que todos os interessados participem do certame, atendidas as exigências legais constantes do edital, em igualdade de condições. Com base no princípio da moralidade administrativa, pode-se verificar se o concurso foi realizado dentro da estrita legalidade, sem a incidência de favorecimento e ou de perseguições pessoais. E por fim, o princípio da competição, que constitui a própria essência do concurso público, um certame onde candidatos procuram alcançar a melhor classificação, demonstrando através de provas, a sua superioridade em conhecimento diante dos outros concorrentes, o seu mérito para o desempenho do cargo para o qual se candidatou.

Pondere-se que é dever das instituições públicas e daqueles que elaboram a teia normativa pátria buscar sempre o melhor interesse da sociedade, interpretando e realizando, por atos e normas, o que seria a sua vontade. Assim, a substituição da contratação de servidores submetidos a concurso público pela nomeação de pessoas que chegam ao serviço público por simples indicação, sem aferição de mérito, é um procedimento que vai de encontro aos interesses da sociedade. Não restam dúvidas de que, se fosse realizada consulta popular, tal procedimento das autoridades administrativas seria amplamente rechaçado. A essa conclusão se pode chegar por mero exercício de raciocínio lógico, afinal qualquer indivíduo de médio entendimento preferiria ter a seu serviço alguém com comprovada capacidade profissional, do que outro, que lhe foi indicado por um estranho, mesmo que esse estranho seja uma autoridade pública.

Conclui-se, diante do exposto, que a Emenda Constitucional n.º 19/98 limitou sensivelmente as possibilidades de contratação em cargos comissionados. Porém, ainda é premente a necessidade da edição de regras mais rígidas, que tracem de forma objetiva as situações, casos, condições de cabimento e percentuais mínimos, dentro dos quadros de cada órgão público, a serem preenchidos por esta forma de provimento.

2.2 NEPOTISMO E CLIENTELISMO: PREJUÍZOS CAUSADOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E AO ERÁRIO

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Nepotismo, independentemente da etimologia da palavra, significa favorecimento. É a conduta do agente público ou político em conceder cargos, funções e atribuições públicas a pessoas de seu círculo familiar. Tal conduta pode ser considerada condenável quando afetar os princípios da impessoalidade e da moralidade, ou ainda, o da legalidade, se existir norma que vede a contratação de parentes. Porém, é assaz complexa a questão, pois é pressuposto para a nomeação em cargo em comissão existir vínculo de confiança entre o nomeante e nomeado, o que caracteriza a maioria das relações familiares. O problema está na presumível parcialidade com a qual o agente público trataria questões de cunho disciplinar em caso de descumprimento dos deveres do cargo; ou, ainda, se o direito a nomear parentes para cargos comissionados transformaria o serviço público em um negócio familiar.

No Brasil, atualmente, há diversas normas vedando o nepotismo institucional, por exemplo: a Resolução n.º 07/2001 do Conselho Nacional de Justiça e a Lei Estadual n.º 3.899/2002. Porém, surge, como um vírus resistente, o "nepotismo cruzado", a contratação de parentes de outros agentes públicos, tendo em contrapartida a contratação de seus parentes por aqueles agentes.

Já o clientelismo ocorre quando a nomeação se der como uma forma de pagamento realizado pelo agente público a alguém que lhe prestou um favor pessoal, ou quando seja ao agente público proveitoso ter uma determinada pessoa exercendo certa função, tendo em vista algum tipo de favorecimento pessoal futuro. Tem-se, como exemplo clássico, a distribuição de cargos de direção de empresas públicas e de economia mista após o período eleitoral, geralmente, para pessoas ligadas aos partidos políticos que apoiaram o candidato vencedor.

Os prejuízos decorrentes da última hipótese são óbvios, desvio de verbas para fundos partidários e afins, comprometimento do desempenho das empresas, licitações viciadas.

No Brasil, o nepotismo e o clientelismo, principalmente este último, são as pragas que assolam a máquina pública, colocam em risco até mesmo o regime democrático, como é o caso da distribuição de cargos e outros benefícios em troca de votos no Congresso Nacional. Tem seu cerne no desvio de poder, a utilização de uma competência em desacordo com a finalidade que lhe preside a instituição. É a clássica definição nas palavras de André de Laubadère, citado por Celso Bandeira de Mello: "há desvio de poder quando uma autoridade administrativa cumpre um ato de sua competência, mas em vista de fim diverso daquele para o qual poderia legalmente ser cumprido." [03]

Os prejuízos causados à administração são muitos, frutos do despreparo dos comissionados para o exercício das funções, a falta de compromisso com resultados, a desídia, o uso do cargo para a realização de manobras políticas e outras irregularidades, com o cometimento ou participação de atos de improbidade. Assim, diante da malversação do erário, toda a sociedade tem seus direitos atingidos, verbas destinadas à saúde, à educação, à segurança pública, para as quais até o mais humilde dos cidadãos contribuiu, são desviadas para financiar milhares de cargos comissionados dispensáveis.

Porém, apesar dos prejuízos causados às instituições, a criação e distribuição de cargos em comissão não param de crescer no Brasil. Eles podem ser identificados nas folhas de pagamento governamentais pelas siglas DAS (Direção e Assessoramento Superior) e NE (Natureza Especial), as quais vêm se multiplicando em velocidade impressionante.

Segundo informações obtidas junto ao web site do Movimento Compromisso com a Qualidade Hospitalar [04], formado por diversas entidades ligadas ao atendimento médico-hospitalar do Estado de São Paulo, o Governo Federal, em 2007, durante o segundo mandato presidencial de Luís Inácio Lula da Silva, teria multiplicado o número de cargos comissionados em 7,6 vezes em relação ao primeiro mandato. O número médio mensal de postos providos desta forma saltou de 23,8, no primeiro mandato de Lula, para 179,7, entre os meses de janeiro e julho de 2007. Os dados constariam da Nota Informativa n.º 304/2007, datada de 12 de agosto, do Ministério de Planejamento e Gestão, que atribuiu o aumento do número de contratações, que somavam 22.345 em julho de 2007, a um movimento natural diante da criação de novos órgãos governamentais: ministérios, secretarias e institutos. Porém, uma motivação diversa foi apontada no web site: de acordo com informações prestadas pelo Partido dos Trabalhadores, cerca de cinco mil dos cargos comissionados em questão seriam ocupados por indivíduos filiados ao partido, os quais estariam mensalmente obrigados a contribuir com uma parte do salário, "o dízimo", para o partido. Diante disto, seria explicável o incrível aumento da receita do Partido dos Trabalhadores, 545% no primeiro mandato do Presidente Luís Inácio, chegando a 2,88 milhões de reais em 2006. Seria um escândalo clientelista, uma afronta a todos os princípios constitucionais da administração pública.

A questão maior é que a Constituição Federal permite essa forma de provimento, e não é viável condenar os responsáveis por contratações indevidas com base simplesmente nos números elevados das mesmas, exceto quando amplamente comprovado que o administrador está se valendo da permissão constitucional para se beneficiar ou beneficiar outrem em detrimento do interesse social, em desconformidade com princípios da administração e outros dispositivos específicos. Nestes casos, os atos viciados poderão ser objeto de declaração de nulidade.

Conclui-se, desta feita, que, apesar da existência de previsão constitucional acerca do cargo em comissão, só a plena observância da regra do concurso público pode elidir os desmandos de algumas autoridades públicas, que, movidas por interesses clientelistas e nepóticos, vêm inchando a máquina administrativa de pessoas despreparadas e vinculadas aos seus nomeantes por gratidão ou outros laços. Somente o concurso público garante que indivíduos que atendam os pressupostos legais e técnicos para o exercício das funções do cargo possam ter acesso a eles. Cabe ressaltar que o concurso público, visto por este ângulo, é um instrumento de controle preventivo sobre a atuação administrativa, ao retirar das mãos dos administradores públicos mal-intencionados este importante facilitador de desvio de verbas e privilégios, garantindo que a moralidade, a legalidade, a legitimidade e a eficiência pautem as contratações.

2.3 LIMITES À DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

O poder discricionário é uma modalidade de poder administrativo que a ordem jurídica confere ao agente público. Caracteriza-se pela liberdade de avaliação acerca da conveniência e oportunidade na prática de determinado ato administrativo em prol do interesse da coletividade. Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho: "é a prerrogativa concedida aos agentes administrativos de elegerem entre várias condutas possíveis, a que traduz maior conveniência e oportunidade para o interesse público." [05]

A conveniência e a oportunidade são elementos essenciais para o exercício do poder discricionário. A primeira diz respeito à escolha do ato que melhor atenda ao interesse público, e a segunda se refere ao momento apropriado para a sua efetivação. Quando o administrador escolhe o ato e o momento de sua realização visando a objetivos que não sejam afetos ao interesse da coletividade, valendo-se do poder a ele conferido em lei para obter vantagens para si, ou para outrem, tem-se configurado o desvio de poder. É passível que sua conduta seja revista judicial e administrativamente, ensejando responsabilização, até mesmo no âmbito penal.

Ocorre que, em certas circunstâncias, a autoridade pública escolhe agir com maior liberdade e extrapola os limites da discricionariedade de seu cargo, ao cometer atos de arbitrariedade, não necessariamente atos contrários ao interesse público, mas com certeza eivados de ilegalidade, passíveis de serem submetidos à apreciação dos órgãos de controle da administração e da justiça comum.

Desta feita, a fim de delimitar o poder discricionário dos agentes públicos, existe ampla legislação infraconstitucional, constituída não somente de leis e decretos, mas de uma infinidade de normas regulamentares, resoluções, portarias, editadas pelos próprios órgãos administrativos, visando coibir a prática o abuso de poder, o desvio de poder, e atos arbitrários em geral.

Os limites à discricionariedade do administrador público, quanto à escolha daqueles que vai nomear para exercerem os cargos em comissão, encontram-se arrolados em ampla legislação infraconstitucional. Este trabalho apontará, somente, as normas de abrangência e eficácia nacional.

A Lei 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Federais) veda, expressamente, a prática do nepotismo. O inciso VIII do artigo 117 proíbe ao servidor público federal manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil. A desobediência ao dispositivo, no entanto, não traz grandes prejuízos ao servidor, pois, enseja, tão somente, uma advertência, na forma determinada no art. 129. Além disso, a penalidade permanecerá registrada em seus assentamentos funcionais por 3 (três anos), se o servidor não houver, neste período, praticado nova infração disciplinar. Ressalte-se que a reincidência em infrações puníveis com advertência pode resultar suspensão por até 90 (dias). Essas punições soam muito brandas para um servidor público que usou da prerrogativa do cargo para acolher pessoas de seu círculo familiar no serviço público, persistindo, mesmo após advertência, em fazê-lo.

No âmbito do Judiciário, tem-se a Resolução n.º 07/2005 do Conselho Nacional de Justiça, que veda a prática do nepotismo em todos os órgãos do Poder Judiciário, declarando nulos os atos praticados na forma aventadas em seu artigo 2º. A resolução é bastante específica, detalhada e abrangente; porém, inicialmente, à aplicação da resolução fez-se forte resistência por parte de autoridades que já mantinham, por anos, cônjuges, companheiros, parentes e afins, em cargos comissionados. Os descontentes alegavam veementemente a inaplicabilidade da resolução por inconstitucionalidade formal. O entendimento foi pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, que se manifestou pela constitucionalidade da Resolução 07/2005 na ADC n.º 12, ajuizada pela Associação dos Magistrados do Brasil.

O Conselho Nacional do Ministério Público também editou norma de caráter nacional vedando a prática do nepotismo, a Resolução n.º 11/2007, igualmente polêmica, e igualmente declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Apesar de terem sido citadas somente normas de caráter limitador no tocante às práticas de nepotismo, encontram-se no cerne de tantas outras leis, as limitações atinentes às práticas clientelistas. Ressalte-se a visceral importância da Lei 8.429/92, a Lei da Improbidade Pública, que aponta uma gama variada de condutas condenáveis, indicando as sanções e penalidades aplicáveis ao servidor público, ao agente político, e àquele que, mesmo não fazendo parte da administração pública, tenha se favorecido do ato ilegal.

As pessoas passíveis de punição com base nos dispositivos da Lei de Improbidade encontram-se arroladas no seu artigo 1º, caput e parágrafo único, a saber, qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios, de empresa incorporada ao patrimônio público ou entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio ou da receita anual. Estando, também, sujeitos às penalidades da Lei, os atos de improbidade praticados contra o patrimônio público de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como daquelas cuja criação ou custeio o erário haja concorrido com pelo menos 50% (cinquenta por cento) do patrimônio ou receita anual, limitando-se nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão sobre a contribuição dos cofres públicos.

Outrossim, na Lei 8.429/92 encontram-se dois dispositivos de enorme importância no tocante às limitações às quais deve se submeter o agente da administração ao efetivar o ato de nomeação em cargo comissionado - a primeira encontra-se no art. 11, V, que caracteriza como ato de improbidade frustrar a licitude do concurso público, e a segunda, no art. 10, XII, permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente. Cabe aqui esclarecer que a frustração da licitude do concurso público se configura em duas circunstâncias: quando se favorecer alguém previamente, por meios fraudulentos, para que obtenha aprovação em seleção pública, ou, ao se nomear pessoa não concursada para cargo no qual seja exigível aprovação prévia em concurso público. O administrador público, em qualquer dos casos, no uso de seu poder discricionário, valendo-se das prerrogativas de seu cargo e ao arrepio da lei, ao efetivar a citada nomeação ou favorecimento, incorre, ao mesmo tempo, nas duas ilicitudes supracitadas, pois tanto frustra a licitude do concurso público como permite que terceiro enriqueça ilicitamente.

Cabe ressaltar que as penas da Lei 8.429/1992 são independentes em relação às sanções penais, civis e administrativas.

Diante de todo exposto, pode-se concluir que uma emergente legislação infraconstitucional, somada aos ditames da Lei de Improbidade administrativa, vem traçando novos e claros limites ao exercício do poder discricionário, e tal evolução vem a ser extremamente positiva para a promoção de uma nova moral dentro e fora da máquina pública.

2.4 FUNDAMENTOS PARA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE ATOS CONTRÁRIOS À MORALIDADE ADMINISTRATIVA

Os princípios constitucionais da administração pública encontram-se relacionados no art. 37, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a saber: princípio da legalidade, princípio da impessoalidade, princípio da moralidade, princípio da publicidade e princípio da eficiência.

Entre todos os princípios citados, o princípio da moralidade é o que possui conceituação mais abstrata. Considera-se imoral o ato da administração que, mesmo realizado dentro da mais estrita legalidade, viole os princípios éticos da razoabilidade e da justiça, condições que conferem validade ao ato da administração pública.

Não é preciso, para detectar a natureza contrária à moralidade, descobrir a intenção do agente. O resultado fala por si só. Será considerado imoral o ato contrário ao senso comum de honestidade, retidão, justiça, boa-fé, respeito à dignidade do ser humano, ao tratamento isonômico entre as pessoas, à ética e respeitabilidade às instituições. Tais disposições não precisam estar normatizadas para que surtam efeitos, para que fundamentem a declaração de invalidade de atos administrativos, pois são inerentes aos princípios gerais do direito e existem por forças próprias.

A moral administrativa, nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, "corresponde àquele tipo de comportamento que os administrados esperam da Administração Pública para a consecução de fins de interesse coletivo, segundo uma comunidade moral de valores..." [06]

A nulidade de ato administrativo de nomeação em cargos comissionados, feita em desconformidade com preceito legal, poderá ser declarada pelo Poder Judiciário, por exemplo, em sede de ação popular ou ação civil pública. No tocante, porém, a atos administrativos eivados de imoralidade, mas não ilegais, mesmo que desvirtuados do interesse público, o Judiciário, ao declarar sua nulidade, estará fazendo o trabalho que cabe à administração pública, a saber, juízo de conveniência e oportunidade, sendo-lhe, desta feita, vedada a declaração de nulidade se o ato não for expressamente proibido em lei. Diante disto, verifica-se que é no âmbito dos atos discricionários que se encontra a maior facilidade à proliferação de atos imorais, pois é aí que o administrador Público possui maior liberdade para, entre várias alternativas, escolher a que melhor atenda aos seus próprios anseios.

É importante distinguir dois aspectos em relação aos atos discricionários e à sua submissão ao controle judicial. Os atos discricionários podem, sim, sofrer o controle judicial em relação a todos os elementos vinculados, ou seja, aqueles em que o agente não possuía liberdade de escolha, como, por exemplo, nos casos de ser o agente incompetente para praticar o ato, ou quando o ato tiver forma diversa da exigida em lei, ou praticado com desvio de finalidade, ou, ainda, com o objeto desvinculado do motivo. No entanto, o controle judicial não pode tomar o lugar do administrador público, tomar para si as atribuições legalmente atribuídas a este, avaliando a conveniência e oportunidade dos atos. Considere-se, no entanto, que a moderna doutrina vem defendendo a ampliação do controle judicial sobre atos administrativos discricionários praticados em afronta à moralidade administrativa. Controle este corroborado pela previsão constitucional que inclui a lesão à moralidade entre os fundamentos que viabilizam a propositura da ação popular.

No entanto, apesar de os Tribunais ainda se posicionarem pela impossibilidade da declaração da nulidade do ato discricionário imoral, mas não ilegal, no âmbito do Judiciário, nada impede que sejam aferidas as responsabilidades dos autores e co-autores, com base nos ditames da Lei de Improbidade Administrativa.

A citada lei tem entre suas penalidades: a perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do responsável pelo ato de improbidade, o ressarcimento integral do dano, quando houver a perda da função pública, suspensão de direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acrescido patrimonial, entre outras sanções.

A Lei 8.429/92, de forma acertada, inseriu a moral como baluarte no desempenho das funções públicas, ao considerar atos de improbidade aqueles atos que atentem contra os princípios da administração.

Em suma, os fundamentos para a declaração de nulidade de atos contrários à moralidade administrativa, tanto no âmbito do Judiciário quanto no âmbito da própria administração pública, são: a prática do ato em desconformidade com a legislação, ou praticado com finalidade diversa daquela para o qual foi estabelecido em lei, ou motivado por interesses pessoais, enfim, os atos atentatórios ao objetivo precípuo da administração pública, que é o de prestar serviços no interesse da sociedade. Cabe lembrar que a declaração de nulidade do ato administrativo será seguida de punição às autoridades responsáveis, na forma do disposto no art. 37, § 2º, da Carta Magna.

2.5 SUGESTÕES PARA O CONTROLE DA DISTRIBUIÇÃO DE CARGOS COMISSIONADOS

A proliferação dos cargos comissionados no Brasil não é um evento recente, porém nos últimos tempos tem se tornado um vazadouro incontrolável do erário. Esta forma de provimento está presente, praticamente, em todos os níveis da administração pública. Em matéria jornalística, datada de 18 de julho de 2007, publicada no web site da Folha Online [07], é noticiada a concessão pelo Governo Federal de reajuste de até 140% sobre a remuneração dos cargos comissionados em órgãos federais da administração direta, indireta, autárquica e fundacional. Na citada matéria consta o número provável de cargos em comissão que seriam alcançados pelo reajuste: 25 mil postos no âmbito do Poder Executivo Federal. O impacto orçamentário advindo dos citados reajustes alcançaria o montante de 200 milhões de reais em 2007, e cerca de 470 milhões de reais em 2008. O conteúdo noticiado expõe apenas uma ponta do iceberg da falta do controle efetivo na criação e distribuição desses cargos.

As milhares de contratações em cargo em comissão afrontam não somente a licitude do concurso público, mas também o bom senso, visto que somente seriam cabíveis se destinadas ao provimento temporário, motivado pela necessidade de um determinado profissional dotado de especial capacitação, conhecimento e confiabilidade; porém os números abismais pressupõem que o objetivo deste tipo de provimento está sendo claramente desvirtuado por aqueles que determinam a sua criação e provimento. Não será difícil, então, identificar a infinidade de situações caracterizadoras de nepotismo e clientelismo institucional. Situação vergonhosa, pois aqueles que receberam das mãos do povo o cargo político, ou mesmo, que alcançaram o título de autoridade no serviço público por mérito próprio, passam a ser os responsáveis pelo mau uso do poder que lhes foi conferido, desrespeitando os princípios constitucionais e provocando prejuízos atinentes ao interesse da coletividade, fazendo da vida pública extensão de sua vida privada.

A maior parte da doutrina discorre acerca da caracterização e conceituação de nepotismo e, por vezes, de clientelismo, não indicando, porém, soluções possíveis de serem implementadas para o seu controle. Neste trabalho, porém, pretende-se apresentar algumas sugestões que viabilizem esse controle, obtidas por meio da análise global das obras dos importantes doutrinadores aqui apontados e das estatísticas e notícias veiculadas nos meios de comunicação.

No entanto, inicialmente, considere-se que a Constituição Federal no parágrafo 2º, do art. 39, estatui que a União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um requisito para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre entes federados.

O dispositivo constitucional supracitado traz uma regra clara, não admitindo interpretação dúbia, caracteriza-se como requisito necessário para promoção na carreira (leia-se, nomeação para funções de confiança, em cargos de chefia, direção e assessoramento) a participação do servidor efetivo em cursos de formação e aperfeiçoamento. Tal disposição se estenderia, também, àquela parcela mínima de cargos em comissão que estaria reservada para funcionários públicos, caso fosse editada e promulgada a lei citada no art. 37, V, da Constituição Federal de 1988. Porém, isto não impede que da leitura do dispositivo se tenha o seguinte entendimento: para investidura, seja em cargo em comissão seja em função de confiança, tem por condição essencial a prévia capacitação técnica e o pleno conhecimento das atividades desenvolvidas pelo órgão contratante, ainda mais, que as mesmas são destinadas às funções de liderança, direção e chefia, e assessoramento.

Considere-se, ainda, que liderança, no que toca às funções de direção e chefia dos cargos comissionados ou de confiança, pressupõe pleno conhecimento da natureza das atividades realizadas pelo setor ou órgão sobre o qual será exercida. Desta feita, as nomeações motivadas tão somente pelo aspecto político poderão ser declaradas nulas por não se apresentarem harmônicas ao que, explicitamente, está disposto no texto constitucional, que é a necessidade de capacitação, formação técnica específica e, dependendo da função, prévia experiência, para se alcançar cargos de nível mais alto dentro da carreira. Então, aberrações, como a nomeação política de líderes sindicais operários para altos cargos da administração de empresas públicas, cujas funções exigem formação e conhecimento vasto nas rotinas executivas, poderiam ser declaradas nulas pelo Poder Judiciário. Ademais, se a presente interpretação fosse adotada pelo Judiciário, assim como no âmbito dos próprios órgãos da administração, a discricionariedade na livre nomeação e exoneração passaria a sofrer uma incisiva limitação.

A interpretação sugerida baseia-se, simplesmente, no Princípio da Razoabilidade; se é necessário a um funcionário efetivo, concursado, provar que é capaz, tanto para conseguir entrar para o serviço público, como para evoluir dentro da carreira, seja em cargo comissionado seja em função de confiança, por que alguém que não ingressa por mérito, mas tão somente por indicação, deve ser dispensado de apresentar qualificações profissionais e técnicas mínimas para o exercício do cargo para o qual está sendo agraciado?

A edição da lei reguladora, visando fixar em nível nacional os percentuais mínimos para a contratação de comissionados, assim como as condições o tempo de duração máximo para a prestação de seus serviços, é deveras urgente. A lei poderia ser a solução para o desregramento atual: ao estabelecer o percentual máximo de provimento comissionado dentro das instituições, especificando as situações nas quais estas contratações seriam justificáveis, e, principalmente, consolidando o seu caráter casuístico e provisório.

Outrossim, é premente a intensificação da fiscalização pelos órgãos externos de controle institucional, como os Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios e, especialmente, do Ministério Público da União e os dos Estados, no tocante às contratações dispensáveis, aferindo, conjuntamente, a propriedade de leis e resoluções que criem novos cargos comissionados.

Não se pode negar que a identificação de um ato de nepotismo é bem mais simples do que de um ato administrativo de nomeação com fins clientelistas. No tocante a isto, a lei citada no art. 37, V, da Constituição Federal, que virá regular a nomeação de servidores a cargos comissionados, poderá exigir, além da formação técnica e especialização, que o nomeado não possua em sua história pregressa vínculo de caráter político ou obrigacional, de qualquer espécie, com o nomeante.

As sugestões aqui apresentadas visam a reduzir as possibilidades do uso indevido da permissão constitucional por agentes públicos mal-intencionados, não são soluções, pois o problema possui um conteúdo de desvio moral muito arraigado. Assim, a Lei da Improbidade é, nas mãos competentes dos Membros do Ministério Público e dos órgãos legitimados, uma arma potente de combate ao espúrio costume nacional do jeitinho, do se dar bem sempre. O Ministério Público, enquanto promotor da defesa da ordem jurídica, por meio do eficaz instrumento de defesa dos interesses sociais, a ação civil pública, tem conseguido destituir de cargos públicos e políticos muitos agentes ímprobos. A ação civil pública é objeto da Lei 7.347/85, a qual declara legitimados para sua propositura, além do Ministério Público, a União, os Estados e Municípios, e suas autarquias, empresas públicas, sociedade de economia mista e associações, desde que atendidas as disposições do art. 5º da lei.

Mesmo possuindo um amplo leque de legitimados à sua propositura, as ações civis públicas (por atos de improbidade, desvio de verbas, lesão ao erário, licitações fraudulentas, frustração à licitude do concurso público, entre outras absurdas impropriedades cometidas pelos administradores públicos, agentes políticos e mesmo serventuários) encontram no Ministério Público o seu principal proponente. Assim, a ação civil pública é o instrumento de caráter processual do qual se serve, em especial, o Ministério Público – órgão essencial à função jurisdicional do Estado e detentor da incumbência de defender a ordem jurídica – para exercer, em nome da sociedade, o controle sobre os atos dos agentes públicos, exigindo a reparação dos danos causados ao patrimônio público por ato de improbidade, e pleiteando a aplicação das sanções previstas no art. 37, § 4º, da Constituição Federal.

Note-se que no art. 129, III, da Constituição Federal, eleva-se entre as atribuições do Ministério Público a de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Esse artigo ampliou o rol previsto no art. 1º da Lei n.º 7.347/85, ao incluir os direitos difusos, os direitos transindividuais, como objeto de tutela da ação civil pública, o que significa que passou a ser possível a responsabilização dos agentes públicos e políticos com a restituição dos valores retirados indevidamente do erário, a perda de direitos políticos, a perda de mandato, e o pagamento de multas pelos prejuízos de natureza difusa, entendendo-se, por direitos de natureza difusa, aqueles que são afetos a toda sociedade, não a determinado grupo ou indivíduo, não tendo por nascedouro uma relação jurídica. Cabe, ainda, citar outros interesses não previstos no rol da Lei da Ação Civil Pública, mas que são por ela tutelados: o patrimônio público e a moralidade pública.

É importante lembrar que a Lei da Ação Civil Pública é uma lei processual, constando os motivos para sua propositura e as possibilidades da sentença ser condenatória na Lei n.º 8.429/92, que é uma norma substantiva, de direito material, que foi editada para regulamentar as sanções previstas no art. 37, § 4º, da Constituição Federal. O art. 9º da Lei 8.429/92 conceitua ato de improbidade administrativa como sendo todo ato que importe enriquecimento ilícito, auferindo-se qualquer tipo de vantagem material indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades citadas no art. 1º da lei. A vantagem material auferida devido ao ato ilícito não precisa ser, necessariamente, em favor do agente público ímprobo, pode ter sido em favor de terceiros, na forma do disposto no art. 10, XII, da citada lei; o que permite, inclusive nos atos de nepotismo e clientelismo, que se estenda a responsabilização a estes terceiros beneficiados, no caso, aqueles que foram indevidamente nomeados, os quais deverão devolver aos cofres públicos os valores que receberam indevidamente, sendo passível a imposição a estes de multas e demais penalidades.

Não tão festejada quanto à ação civil pública, a ação popular, regulada pela Lei n.º 4.717/65, permite que qualquer cidadão brasileiro, no pleno exercício de seus direitos cívicos e políticos, pleiteie a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, entre outros entes arrolados no art. 1º da citada lei. O ato atacado por meio da ação popular pode ser tanto ilegal quanto imoral, abarcando, neste último caso, a maioria dos atos de nepotismo e clientelismo. Tal possibilidade foi introduzida pela Constituição Federal de 1988, a qual ampliou o rol de situações de cabimento da ação popular, incluindo a lesão à moralidade pública como motivo suficiente para a viabilização de sua propositura. O artigo 5º, inciso LXVIII, estabeleceu que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e artístico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. Ressalte-se que a ação popular não se configura ultima ratio. Conforme leciona Alexandre de Moraes, "não se exige o esgotamento de todos os meios administrativos e jurídicos de prevenção ou repressão aos atos ilegais ou morais ou lesivos ao patrimônio público para seu ajuizamento" [08]. É importante, também, frisar que a natureza da decisão da ação popular é desconstitutiva e condenatória, pois ao mesmo tempo que anula o ato impugnado, condena os responsáveis e beneficiários em perdas e danos.

Diante de todo exposto, se pode afirmar que a ação civil pública e a ação popular, com fundamentação nos preceitos da Lei de Improbidade, funcionam atualmente como os principais instrumentos para a busca da anulação de atos de nomeação movidos por interesses pessoais e políticos, assim como para a responsabilização dos agentes públicos nomeantes e seus beneficiários. Porém, estes instrumentos de justiça social somente alcançarão a excelência com a edição da lei prevista no art. 37, V, da Magna Carta, desde que a mesma traga em seu bojo normas rígidas para o efetivo controle das contratações de servidores para cargos comissionados, assim como das contratações de pessoas meramente indicadas, mas não detentoras de cargos efetivos. A lei deverá ser objetiva, não deixando brechas para interpretações dúbias.

Sobre a autora
Conceição Jorge Pinto

Servidora do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá campus Menezes Cortes do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Conceição Jorge. Cargos em comissão.: Da contratação motivada pela capacitação técnica ao nepotismo e ao clientelismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2122, 23 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12682. Acesso em: 5 nov. 2024.

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