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A possibilidade de mudança do caráter da posse precária e sua utilidade para fins de usucapião

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Agenda 28/04/2009 às 00:00

Conclusão

Pelos argumentos expostos, concluímos que deve sempre o intérprete analisar em face ao suporte fático de uma questão a ele apresentada, se há a incidência da usucapião, pois tal atitude é a que mais se coaduna com a ordem jurídica instituída pela CF/88.

Assim, mesmo que a posse se inicie com o vício da precariedade, pode ser útil para a usucapião, desde que transformada em seu caráter, por ato do precarista, concomitante com atos do proprietário.

Se aquele que recebeu a posse numa relação de desdobro – ou mesmo, o mero detentor – for instado a devolver a coisa, e se opõe a tal exigência, inverte o caráter da posse, que passa a ser injusta, violenta, mas útil para usucapião, se observado o animus domini. O dies a quo da transmutação da posse é problema que pode ser solucionado verificando-se quando houve a mudança no animus do precarista. Por isso, repetimos, deve haver a atuação do proprietário – ativa ou passivamente e manifestação externa da mudança do animus.

A atuação do proprietário é ativa, se, por exemplo, notifica o possuidor direto a devolver o bem. Chegado ao fim do prazo concedido, sem a devolução voluntária, inicia-se o esbulho, posse injusta, ad interdicta, e portanto, verifica-se aí o dies a quo da posse ad usucapionem.

É passiva a atuação do proprietário, se numa relação de desdobro da posse por prazo determinado, este mantenha-se inerte após o termo daquele instrumento, v.g., quedando silente o locador após o término do contrato de locação, sem cobrar os locativos e nem renovar o contrato de locação. Pode-se inferir que houve abandono (causa de perda da posse), fato que pode causar a transmutação no animus da posse exercida pelo precarista, desde que, concomitantemente, este último dê sinais externos de ter a coisa como sua.

Em todos os casos, o animus domini do precarista há de ser aferido por meio de atos inequívocos da mudança do caráter da posse, como, por exemplo, construção de acessões no prédio, pagamento voluntário do IPTU, etc. Se o precarista persiste no bem, mas rendendo homenagem ao domínio do proprietário não exerce posse ad usucapionem.

A posse precária, por si só, não gera direitos, por ser viciosa. Transformada em seu caráter, todavia, o tempo pode convalescê-la. Assim, passado um ano e um dia da inversão do animus, o proprietário (ou o verdadeiro possuidor) perde o direito de ser liminarmente reintegrado.

Defendemos, com base no novo ordenamento constitucional, que o operador do direito deve pugnar que alguns cânones do direito privado sejam revistos pela doutrina, a fim de verificar se as idéias anteriormente defendidas se sustentam ante os novos princípios estruturais do Estado Brasileiro.

E, concluindo, resta claro que em face à ordem jurídica vigente, é possível que a posse precária seja transformada em seu caráter, e assim, seja útil para fins de usucapião. Frisamos que esta posse será útil à usucapião extraordinária, a constitucional, e qualquer outra nova tipo modalidade de usucapião existente ou que venha aparecer na ordem jurídica pátria, desde que prescinda de posse justa e de boa-fé.


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Notas

  1. Note-se que o direito à moradia já possuía status constitucional antes de tal emenda (art. 7º, IV da CF/88). É patente que a atitude do Poder Constituinte Reformador foi muito mais no sentido de reforçar a idéia de que a moradia é, em nosso ordenamento jurídico, direito fundamental, do que na realidade criar novo direito.
  2. "(...) mesmo quando o legislador ordinário permanece inerte devem o Juiz e o Jurista proceder a inadiável trabalho de adequação da legislação civil, através de interpretações dotadas de particular ‘sensibilidade constitucional’ [citando Calamandrei] que, em última análise, e sempre, verifiquem o teor e o espírito da Constituição." MORAES, Maria Celina Bodin de. "A Caminho de um Direito Civil Constitucional," Revista de Direito Civil 65/21.
  3. "(...) a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade Constituição (Wille zur Verfassung)." (HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: SAFE, 1991, p. 19, grifos no original). Em outro trecho da obra, o autor explicita o mesmo pensamento, verbis: "Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também de sua praxis. De todos os partícipes da vida constitucional exige-se partilhar aquela concepção anteriormente por mim denominada vontade da Constituição." (Idem, Ibidem, p. 21). Não estaríamos deturpando o texto do Prof. Hesse se afirmarmos que um dos maiores "partícipes" da vida constitucional é o jurista (e também o operador do direito), cuja atividade é ligada ao estudo direto ou reflexo das leis, e mormente da Constituição.
  4. Apud TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. "Interpretação e Aplicação da Constituição," RT 735/750.
  5. Trata-se de pensamento com fulcro legal (Estatuto da Cidade, Lei 10.257, de 10 de julho de 2001). Um dos fins dessa recente Lei é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana (art. 2º), utilizando institutos jurídicos e políticos, dentre os quais, a usucapião especial de imóvel urbano (art. 4º, inc. V, letra ‘j’).
  6. Eduardo Fortunato Bim, advogado e articulista destacado, indicou-nos a leitura da obra de Ruy Samuel Espíndola, cujo trecho seguinte serviu-nos de inspiração: "(...) sabe-se que no Direito Tributário e no Direito Administrativo, principalmente na doutrina das últimas décadas, o discurso principialista tem ocupado uma função de extrema relevância. Porém, o que dizer dessa questão perspectivada no Direito das Coisas? Em outros termos: Qual lugar, teórico e metodológico, que ocupam os princípios constitucionais nos artigos, nos manuais e nas monografias especializadas sobre Direito das Coisas?" (Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: RT, 1999, p. 257-258, grifamos)
  7. Denunciando a contaminação das duas teorias: "Todos admitem que o preceito [do art. 485 do CC] acolheu e exprime a definição [de posse] oferecida por Jhering. Mas ao dispor sobre o usucapião, funda-se no animus, tal como nele se assentou Savigny." (BESSONE, Darcy. Da Posse. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 59). Mais adiante, o autor revela que tal contaminação surgiu por uma emenda proposta (e acatada) ao que se tornaria o art. 485 do atual CC. Assim, "a converter-se a o projeto savigniano em normas ao gosto de Jhering, não bastaria alterar apenas a disposição que modificou, pois teria de reformular também as que se converteram nos arts. 550, 551 e 618." (Idem, ibidem, p. 60). No mesmo sentido: DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, vol. 4, p. 36; GOMES, Orlando. Direitos Reais. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 18; SILVA, Caio Mário Pereira. Instituições de Direito Civil. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, vol. 4, p. 14.
  8. IHERING, Rudolf Von. Teoria Simplificada da Posse. Trad. Pinto de Aguiar. Bauru: Edipro, 1999, p. 57, grifamos.
  9. AZEVEDO, Philadelpho. Um Triênio de Judicatura. São Paulo: Max Limonad, s/d, vol. 2, p. 16.
  10. GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Dos Vícios da Posse. São Paulo: Oliveira Mendes, 1988, p. 53.
  11. ALVES, José Carlos Moreira. Posse: estudo dogmático. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, vol. 2, tomo 1, p. 15-16.
  12. NEQUETE, Lenine. Da Prescrição Aquisitiva. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 1970, p. 101.
  13. "(...) o Estado concebe-se hoje como Estado constitucional democrático, porque ele é conformado por uma lei fundamental escrita (= constituição juridicamente constitutiva das ‘estruturas básicas de justiça’) e pressupõe um modelo de legitimação tendencialmente reconduzível à legitimação democrática." (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1996, p. 43, grifos no original)
  14. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 39. No mesmo sentido: DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus Efeitos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 14. Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 221-222 e Teoria da Norma Jurídica. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: SAFE, 1986, p. 326-340.
  15. "A importância dos princípios está em que eles fundamentam as regras." (STUMM, Raquel Denize. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 41). Na seara do Direito Civil, é também consagrada a utilização de princípios (gerais do direito) para legitimar a aplicação e a interpretação do Direito. Lembre-se que o art. 4 o da LICC determina que na omissão da lei o juiz deverá observar os princípios gerais de direito. Como atesta Rubens Limongi França "a consagração dos Princípios Gerais de Direito, na qualidade de forma complementar do Direito Normativo, constitui um fato universal, pois, mesmo em países cujos Códigos silenciaram a respeito, a Doutrina se encarregou de dar a êsses princípios fôros de regra obrigatória." (Teoria e Prática dos Princípios Gerais de Direito. São Paulo: RT, 1963, p. 97). Note-se que há na doutrina pátria pensamento segundo o qual os princípios constitucionais estão relacionados com os princípios gerais de direito. Neste sentido: "Parece, assim, que os princípios constitucionais outros não são que os ‘velhos conhecidos’ princípios gerais de direito." (ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: SAFE, 1999, p. 15). Em seu abono o autor indica a obra de Romeu Felipe Barcelar Filho, Princípios Constitucionais do Processo Administrativo, p. 27.
  16. "(...) os princípios constitucionais, além de desempenharem papel de normas com diferentes graus de concretização, ainda funcionam como critério para a interpretação de outras normas, não importando o nível hierárquico-normativo dessas." (ESPÍNDOLA, Ruy Samuel, Conceito de Princípios Constitucionais, p. 248)
  17. "Hermenêutica constitucional – Necessidade de interpretação homogênea e sistemática. A Constituição, Célula Mater do ordenamento jurídico da Nação, jamais poderá ser interpretada à luz de um dispositivo isolado, sob pena de ser transformada em instrumento autofágico de seus princípios e finalidade." (TRT, 7 a Região, RO nº 3602/99, Rel. Juiz José Ronald Cavalcante Soares, j. 12.08.1999, CD-ROM Juris Síntese Millennium, vol. 29, maio-junho de 2001, grifamos)
  18. SCHIER, Paulo Ricardo. "A Hermenêutica Constitucional: Instrumento para Implementação de uma Nova Dogmática Jurídica," RT 741/42.
  19. FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1991, p. 74, grifamos.
  20. "Deve ser observada a chamada reforma agrária (art. 184) como determinante do direito da propriedade; a posse acarretadora do usucapião e a moradia como proteção social." (ROSAS, Roberto. "Constituição e Direito Civil," RT 761/66)
  21. A íntegra da ementa: "Reivindicatória – Usucapião especial – Matéria de defesa – Requisitos – Art. 183 da CF – Prova. A usucapião especial, instituto previsto no art. 183 da CF constitui instrumento altamente eficaz de regularização fundiária, uma vez que objetiva conferir legitimidade as situações de uso, ocupação e desenvolvimento da terra nas cidades, excluindo as conseqüências do monopólio da propriedade e especulação imobiliária, de modo a concretizar os princípios enunciados nos arts. 5º, XXIII, 170, III e 182 da CF. Tendo em vista a auto-aplicabilidade do art. 183 da CF de 88, mesmo em se considerando a ausência, no plano municipal, dos diplomas legais previstos no art. 182, lícito e ao interessado buscar a tutela jurisdicional para obter o reconhecimento do domínio da área de até 250 m2 de que tenha posse por mais de 5 anos, mansa, ininterrupta e pacificamente, desde que a utilize para sua moradia ou de sua família e que não seja proprietário de qualquer outro imóvel, sendo irrelevante o modo como se adquiriu a posse do questionado bem. A CF/88, em seu art. 183, não estabelece o limite mínimo para se invocar a usucapião, mas apenas o máximo, não se podendo, assim, através de uma pretensa interpretação restritiva fundada em norma infraconstitucional anterior a Lei maior, reduzir indevidamente o alcance de uma regra constitucional de eficácia plena, que visa a beneficiar os habitantes das cidades." (TAMG, 3ª CC, AC nº 246924-5, Rel. Juíza Jurema Brasil Marins, j. 06.05.1998, CD-ROM Juris Síntese Millennium, vol. 29, maio-junho de 2001, grifamos)
  22. "Constitucional – Civil – Processo civil – Penhora incidente sobre imóvel residencial de fiador em contrato de locação – Impossibilidade – Provimento do agravo. Com a promulgação da emenda constitucional nº 26, de fevereiro de 2000, que modificou a redação do art. 6º da CF/88, incluindo a moradia no rol dos direitos sociais, derrogado ficou o inc. VII do art. 3º da Lei 8.009/90, introduzido pelo art. 82 da Lei 8.245/91, daí resultando a impossibilidade de penhora de imóvel destinado à residência do fiador." (TJDF, 4ª Turma Civil, AI nº 20030557/2000, Rel. Des. Estevam Maia, DJU 07/02/2001, p. 32)
  23. "As normas constitucionais – aí incluídos os princípios – são normas jurídicas e, como tal, pretendem produzir determinados efeitos no mundo dos fatos, que deverão ser coativamente impostos caso não se produzam naturalmente." (BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 303)
  24. "Penhora de residência – Embargos de terceiro – Conflito entre direitos fundamentais – Pão x teto. Residência é impenhorável, ainda que haja conflitos sobre a propriedade. Até que se decida a titularidade em foro próprio, não se desaloja família para satisfação de débito trabalhista (...). Não só o salário, mas também a moradia são inerentes a princípios mínimos de dignidade humana (arts. 1º, III, 6º e 7º, IV da CF). Agravo de petição do terceiro embargante a que se dá provimento para restituir-lhe o bem imóvel, tornando sem efeito a penhora." (TRT, 9ª Região, AP nº 2905/2000, Rel. Juiz Sérgio Guimarães Sampaio, DJPR 09.02.2001, CD-ROM Juris Síntese Millennium, vol. 31, set-out/2001, grifamos)
  25. BASTOS, Celso e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, vol. 7, p. 234.
  26. CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Trad. Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2000, p. 50-51, grifamos.
  27. Desde meados do século XX autores como Alberto Trabucchi (Istituzioni di Diritto Civile. 7ª ed. Padova: Cedam, 1953, p. 355-356), reputam o direito de propriedade (que na Itália também tem sede constitucional), instituto de direito público. E, por isso mesmo sofre diversas limitações e regulamentações de interesse do Estado, como, v.g., o direito de desapropriação, requisição da propriedade em momentos de guerra, limitações à propriedade de estrangeiros de áreas agrícolas, intervenção do Estado no direito de locação, etc. Neste sentido, também a doutrina brasileira: "Esse conjunto de normas constitucionais sobre a propriedade denota que ela não pode ser mais considerada como um direito individual nem como instituição de Direito Privado." (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 273); "É daí que se passa ao dado positivo: o reconhecimento da propriedade privada é asserto da Constituição e é a partir dele e de acordo com seu conteúdo que qualquer mecanismo de intervenção se torna possível no sistema jurídico brasileiro." (MOREIRA NETO. Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 274, grifamos)
  28. "Por outra parte, pueden señalarse outros hechos que crean la necessidad de estudiar la relación entre el Derecho Constitucional y las ramas del Derecho Privado, particularmente el Derecho Civil. Uno de ellos es que ingresan a la constituciones materias que – ao menos en algunos países – hasta ese momento se considerabam propias del Derecho Privado." (RIVERA, Julio Cesar. "El Derecho Privado Constitucional," RT 725/13).
  29. Prefácio da obra de SUNDFELD, Carlos Ari, Fundamentos de Direito Público, p. 14.
  30. "Todas as espécies de usucapião, na supremacia dos interesses sociais, servem como instrumentos tendentes a dar segurança aos direitos, sendo que os seus requisitos em geral, pelas novas tendências da doutrina e da jurisprudência, resguardadas pela própria Carta Constitucional, impõem, na época contemporânea, uma adequação dos seus institutos jurídicos à sua significação social, tendo em vista as peculiaridades de nosso País, o que inspira um abrandamento das formalidades legais e uma posição interpretativa menos rígida." (CORDEIRO, José Carlos. "Usucapião," RT 714/16)
  31. FALCÃO, Alcino Pinto. Comentários à Constituição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1990, vol. 1, p. 227 e ss. Alerta Maria Cristina Cereser Pezzela, (Propriedade Privada no Direito Romano. Porto Alegre: SAFE, 1998, p. 218), que a interpretação que se faz do direito de propriedade com caráter absoluto não tem raiz no direito romano, e sim no direito liberal do Código Napoleão.
  32. SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 283-284.
  33. PRATA, Ana. A Tutela Constitucional da Autonomia Privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 164, grifamos.
  34. RT 723/207-208, grifamos. Pelo ineditismo da tese aventada, o voto supra mencionado mereceu comentário do Prof. Alcides Tomasseti Jr., que asseverou: "A motivação do julgamento é concludente e incisiva, quer que se queira, ou não, aceitar as razões do decidir. Estas razões talvez possam ser concentradas, por antecipação, no seguinte modo: a ação (em sentido material) para que o titular de direito de domínio sobre lotes residenciais urbanos, possa haver (não se tratava de reaver) a posse da coisa, tem de ser julgada em adequação ao modelo constitucional de propriedade, desacolhendo-se a pretensão real à imissão quando não seja justamente deduzida conforme o princípio da função social." (TOMASSETI Jr., Alcides. "Jurisprudência Comentada," RT 723/209, grifos no original)
  35. MORAES, José Diniz de. A Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 65-66. Lúcia Valle Figueiredo colaciona alguns desses elementos em seu Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 285-286.
  36. SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 285.
  37. Neste sentido caminha a legislação Brasileira, como nota-se no Estatuto da Cidade, Lei que busca ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana, de forma a evitar a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização (art. 2º, IV, letra ‘e’).
  38. ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, Propriedade Privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 2ª ed. Rio de Janeiro: Vitória, 1964, p. 8.
  39. Há inúmeras leis que protegem a moradia da família, como, v.g., art. 70 e ss. do CC (art. 1711 e ss. do novo CC); Dec. Lei 3.200/41, art. 19 e ss.; CPC, art. 649, inc. I; Lei de Falências (Dec. Lei 7.661/41), art. 41 e principalmente a Lei 8.009/91 que ampliou o conceito (e a proteção) do bem de família. Tais medidas revelam a importância que o Estado dá a manutenção da morada do núcleo familiar, revelando que o direito à moradia, há muito, é tido como fundamental para o desenvolvimento das pessoas e da sociedade.
  40. CENEVIVA, Walter. "Aspectos do Direito de Morar," Revista do Advogado 63/7.
  41. "(...) que é interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo." BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 67 apud MELLO, Cláudio Ari. "Os Direitos Sociais e a Teoria Discursiva do Direito," RDA 224/241. Sobre interpretação retrospectiva, ver ainda: "Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véu sobre as diferenças e conclui-se que, à luz daqueles, e a despeito destas, a disciplina da matéria, afinal de contas, mudou pouco, se é que na verdade mudou. É um tipo de interpretação em que o olhar do intérprete dirige-se antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele capta é menos a representação da realidade que uma sombra fantasmagórica." (MOREIRA, José Carlos Barbosa. "O Poder Judiciário e a Efetividade da Nova Constituição," RF 304/151-152)
  42. BARCELLOS, Ana Paula de, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana, p. 247.
  43. BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, p. 296, grifamos, apud BARCELLOS, Ana Paula de, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana, p. 255. A autora relaciona, na mesma linha de raciocínio, lições de Canotilho e Ricardo Lobo Torres.
  44. Esta idéia é defendida, e de maneira bem fundamentada, na obra de Nuno de Salter Cid (A Protecção da Casa de Morada da Família no Direito Português. Coimbra: Almedina, 1996). Com base em Garcia Cantero, o autor afirma que "o direito à habitação pode considerar-se como um dos direitos fundamentais do homem." (Op. Cit., p. 9). Mais adiante, baseado na doutrina de Grimaldi afirma, ainda, que a habitação "garante a efectividade dos mais importantes direitos da personalidade." (Op. Cit., loc. cit.)
  45. Note-se que tal entendimento tem amparo legal. Diz o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), em seu art. 2º: "A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito (...) à moradia." Na doutrina, encontra-se pensamento semelhante ao aqui defendido, verbis: "A funcionalização do direito de propriedade atinge todas as espécies de propriedade, variando mesmo pelo tipo de função social. A própria garantia de desenvolvimento do núcleo familiar já se constitui uma função socialmente relevante." (ALMEIDA, Élcio Cruz de e SARDAGNA, Crysthian Drummond. "O Parcelamento do Imóvel Rural via Fração Mínima de Parcelamento Frente à Função Social da Propriedade," RIL 146/211)
  46. "Dentro os diversos dilemas que os fatos impõem perante o direito nesse final de século, situa-se a análise sobre a função social da propriedade urbana, e nessa linha, a realização de elementares direitos humanos, como o de ter uma moradia." FACHIN, Luiz Edson. "A Cidade Nuclear e o Direito Periférico," RT 723/107.
  47. Ver nota explicativa à obra Repensando Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo. Luiz Edson Fachin (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
  48. Termo cunhado pelo italiano Pietro Perlingieri, conforme atesta Luiz Edson Fachin no prefácio da obra de Ricardo Aronne. Propriedade e Domínio. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. IV.
  49. Entre eles, no Brasil: Gustavo Tepedino, Luiz Edson Fachin, Ricardo Aronne, Renan Lotufo, Maria Cristina de Cicco, Maria Celina Bodin de Moraes. Na Itália: Pietro Perlingieri e Michele Giorgiani. Na França: François Luchaire, Bertrand Mathieu, Christian Atias, Jean-Yves Cherot, Marc Frangi. Na Espanha: Joaquim Arce y Florez-Valdes. Na Argentina Julio Cesar Rivera.
  50. "Seguramente, nesta questão da protecção possessória o Direito Civil encontra-se nos limites das suas possibilidades." (SOARES, Fernando Luso. "Ensaio sobre a Posse como Fenómeno Social e Instituição Jurídica." In: RODRIGUES, Manuel. A Posse: estudos de Direito Civil Português. 4ª ed. Coimbra: Almedina, 1986, p. XV)
  51. "(...) o Direito, como revela sua própria jurisprudência, deve acompanhar a sociedade para a qual se dirige, como instrumental não só de segurança, como também de justiça, conteúdo material do Estado, positivado na Constituição, de modo vinculante ao operador do direito." (ARONNE, Ricardo. Por uma Nova Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 24)
  52. Uma das normas de Direito Internacional que pode enriquecer a vivência do Direito Civil, é a Declaração Universal dos Direitos dos Homens, e os pactos e tratados e convenções sobre Direitos Humanos. Sobre este assunto: "Os Direitos Humanos, entretanto, não se limitam a esses direitos de natureza civil, mas, como se vê no Pacto II [Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais], abrangem outros de natureza econômica, social e cultural, que se inserem igualmente na esfera específica do Direito Civil." (OLIVEIRA, Almir. "Os Direitos Humanos e o Direito Civil Brasileiro." In: NOGUEIRA, Adalício e outros. Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor Orlando Gomes. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 183, grifamos). Neste sentido: RIVERA, Julio Cesar. "El Derecho Privado Constitucional." RT 725/14.
  53. DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 14, grifamos. No mesmo sentido, José Diniz de Moraes, Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988, p. 25.
  54. "À medida em que a posse é qualificada instaura nova situação jurídica, observa-se que a posse, portanto, não é somente o conteúdo do direito de propriedade, mas sim, e principalmente, sua causa e necessidade." (FACHIN, Luiz Edson. A Função Social da Posse e a Propriedade Contemporânea. Porto Alegre: SAFE, 1988, p. 13)
  55. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. Trad. Aroldo Plínio Gonçalves. 2ª ed. Porto Alegre: SAFE, 1999, p. 21.
  56. Apud TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. "Interpretação e Aplicação da Constituição," RT 735/759.
  57. CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional, p. 66.
  58. CANOTILHO, J. J. Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, p. 301 apud MORAES, José Diniz de, Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988, p. 12.
  59. Apud FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia, supremacia. São Paulo: Atlas, 1989, p 10.
  60. "Embora proclame-se de maneira quase unânime a supremacia constitucional na atividade hermenêutica, o certo é que o direito civil brasileiro não soube incorporar o texto maior à sua praxis." (TEPEDINO, Gustavo. "Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil." In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 1)
  61. GIL, Antonio Hernandez. La Función Social de la Posse, p. 90 apud SOARES, Fernando Luso. "Ensaio sobre a Posse como Fenómeno Social e Instituição Jurídica." In: RODRIGUES, Manuel, A Posse: estudos de Direito Civil Português, p. XXV.
  62. ROUSSEAU, Jean Jacques. "Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens." In: Obras Escolhidas de Jean Jacques Rousseau. Trad. Lourdes Machado. Porto Alegre: Hiluey-Wilton, s/d, vol. 2, p. 212, grifamos.
  63. "(...) as velhas instituições jurídicas e as categorias tradicionais alteram-se nos seus pressupostos e na sua função, e a tal ponto que os cursos e compêndios, as obras de texto, se degradam na medida em que continuam a sistematizar noções aspiradas de regras absolutamente válidas cuja premissa ideológica se esvaziou. Ruíram em conseqüência, as grandes e tradicionais construções dogmáticas elevadas sobre as instituições concretas da família, da propriedade e do contrato. Não obstante, continuaram e continuam a ser descritas e explicadas como se não tivessem mudado, legitimando-se desse modo a disjunção entre o Direito e a realidade social com apoio na rotina." (GOMES, Orlando. "Direito Civil e Ideologia." In: Novos Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 3, grifamos)
  64. "(...) do ponto de vista técnico, resta claro que a inclusão do texto do inc. XXIII no art. 5º, logo após o inc. XXII, que garante o direito de propriedade, não teve outra finalidade senão a de condicionar tal garantia." (LEONETTI, Carlos Araújo. "Função Social da Propriedade," RT 770/734)
  65. MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 500, grifamos.
  66. ALEXY, Robert. "Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado de Direito Democrático," RDA 217/71.
  67. "(...) bastaria lembrar que a Igreja Católica já formulou sua nova concepção de direito de moradia que se sobrepõe ao direito de propriedade legal." (FALCÃO, Joaquim de Arruda. "Justiça Social e Justiça Legal." In: Conflito de Direito de Propriedade. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 99). Neste sentido: "Por isso – disse Leão XIII –, a eqüidade manda que o Estado se preocupe com os trabalhadores e proceda de modo que, de todos os bens que eles proporcionem à sociedade, lhes seja dada uma parte razoável, como habitação e vestuário, e que possam viver às custas de menos trabalho e privações." (MORAES, José Diniz de, Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988, p. 19-20, grifamos)
  68. MELLO FILHO, José Celso de, Constituição Federal Anotada, p. 500.
  69. TRABUCCHI, Alberto, Istituzioni di Diritto Civile, p. 351. Neste sentido: "A propriedade, portanto, não seria mais aquela atribuição de poder tendencialmente plena cujos confins são definidos externamente, ou, de qualquer modo, em caráter predominante negativo, de tal modo que, até uma certa demarcação, proprietário teria espaço livre para suas atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem." TEPEDINO, Gustavo. "Contornos Constitucionais da Propriedade Privada." In: Temas de Direito Civil, p. 280.
  70. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 193, grifamos.
  71. "Em outras palavras, todas as garantias, prerrogativas e privilégios que o direito brasileiro outorga à propriedade (e à posse), inclusive às relativas à proteção possessória estão restritas, a partir de 05.10.1988, à propriedade (e à posse) que cumprir sua função social." (LEONETTI, Carlos Araújo. "Função Social da Propriedade," RT 770/738-739)
  72. LEONETTI, Carlos Araújo. "Função Social da Propriedade," RT 770/739-740, grifamos. No mesmo sentido: "Daí decorre que quando uma certa propriedade não cumpre sua função social não pode ser tutelada pelo ordenamento jurídico. Vale dizer, que não somente os bens de produção, mas também os de consumo possuem uma função social, sendo por esta conformados em seu conteúdo – modos de aquisição e de utilização. Mais ainda: até mesmo um ‘cono gelato’, no dizer de autorizada doutrina não pode deixar de cumprir uma precisa função social." TEPEDINO, Gustavo. "Contornos Constitucionais da Propriedade Privada." In: Temas de Direito Civil, p. 280. Ver ainda: Ana Prata, A Tutela Constitucional da Autonomia Privada, p. 164.
  73. COMPARATO. Fábio Konder. "A Propriedade ou a Vida," apud LEONETTI, Carlos Araújo. "Função Social da Propriedade," RT 770/740.
  74. BASTOS, Celso e MARTINS, Ives Gandra, Comentários à Constituição de 1988, p. 337, grifamos. No mesmo sentido: IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. Trad. João Vasconcelos. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 39-40.
  75. "Usucapião – Animus Domini – Critério de aferição. Afere-se o animus domini no usucapião pelo critério objetivo, isto é, pelos atos que revelam ostensiva e cumpridamente a sinceridade da crença do usucapiente em ser dono da terra." (TJPR, RT 567/214)
  76. AZEVEDO, Philadelpho, Um Triênio de Judicatura, p. 11.
  77. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 1983, vol. 5, p. 29.
  78. RODRIGUES, Silvio, Direito Civil, vol. 5, p. 29. No mesmo sentido: DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 4, p. 59; GOMES, Orlando, Direitos Reais, p. 56; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito das coisas. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1967, p. 39. SILVA, Caio Mário Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. 4, p. 22; SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 4ª ed. São Paulo: RT, 1997, p. 48.
  79. "(...) se o detentor, por abuso de confiança, se tornar possuidor pleno, será ele possuidor injusto e de má-fé..." (ALVES, José Carlos Moreira, Posse: estudo dogmático, vol. 2, tomo 1, p. 463, grifamos)
  80. "No direito brasileiro, que seguiu a teoria objetiva da posse, esta é a regra, ao passe que a detenção é a exceção expressa na lei. Portanto, para haver detenção, é preciso que a relação de fato entre a pessoa e a coisa se enquadre em qualquer um dos casos legais a ela referentes." (ALVES, José Carlos Moreira, Posse: estudo dogmático, vol. 2, tomo 1, p. 571)
  81. "O possuidor perde a posse quando não há mais poder fático de ingerência socioeconômica sobre determinado bem. A perda pode ocorrer por interesse próprio (perda voluntária), como sucede no abandono (...) Poderá verificar-se, também, independentemente da vontade do possuidor (perda involuntária) (...) pela posse de outrem, ainda que seja contra a vontade do possuidor, se este não for manutenido ou reintegrado em tempo hábil." (FIGUEIRA Jr., Joel Dias. Liminares nas Ações Possessórias. 2.ª ed. São Paulo: RT, 1999, p. 60)
  82. O novo Código Civil regula de maneira genérica as causas de perda da posse, verbis: "Art. 1223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuir do poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196 (Art. 1196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade). Art. 1224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido." Nota-se que o legislador do novo Código colocou o abandono, também, como causa de perda da propriedade: "Art. 1275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade: ...III - por abandono." O novo Código, diferentemente do antigo, define abandono como "a intenção de não mais o conservar [o bem] em seu patrimônio" (art. 1276, caput), presumindo-o, "de modo absoluto ..., quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais" (art. 1276, § 2º). Em que pese a tentativa indireta de favorecer o Fisco, parece-nos que o novo Código trouxe finalmente subsídios para definição do instituto do abandono, como meio de perda da posse e propriedade – pela subutilização (rectius, não utilização) do bem, em total consonância com o instituto da função social da propriedade, e com as teses defendidas nesse artigo.
  83. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. José Lamego. 3ª ed. Coimbra: Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 471-472, grifamos.
  84. NEQUETE, Lenine, Da Prescrição Aquisitiva, p. 101.
  85. NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Usucapião. 6ª ed. Rio de Janeiro: AIDE, 1992, p. 210.
  86. "O vício surgirá justamente quando o possuidor opuser-se, de forma inequívoca, à devolução da coisa. Em suma, o que o legislador chamou de precariedade, na verdade, é a inversão manifesta do ânimo do possuidor precário (rectius direto), que passa a não mais reconhecer os direitos do possuidor anterior (indireto). E o que é isso, senão esbulho! (....) Em tais situações, o possuidor direto, ou detentor, que inverteu a causa possessionis, terá certamente posse, injusta em relação ao esbulhado." (GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios, Dos Vícios da Posse, p. 55)
  87. "Pode a interversão verificar-se independentemente de relação com a outra parte, operando-se por uma atitude ostensiva e inequívoca. Assim, se o depositário se recusa a restituir a coisa ao depositante e invoca outro título para possuir, como, por exemplo, quando alega que se tornou dono dela, o título de posse se modifica por ato unilateral. Jhering considera que a vontade não tem, por si mesma, força para modificar o título. Não poderia o ato volitivo unilateral modificá-lo. A este ponto de vista, que de um modo geral é acolhido, abre-se exceção no caso em que a modificação não decorra apenas de ato de vontade, mas, sim, de ato material exterior e inequívoco. Verifica-se, nessa hipótese, a interversão do título não apenas por efeito da vontade, mas por efeito da exteriorização dela, através de atos concretos e materializados." (BESSONE, Darcy, Da Posse, p. 110, grifamos)
  88. "Obviamente, o simples detentor, como o define a lei, nem sequer possui a coisa e muito menos ‘como sua’. Mas pode vir a ocorrer uma inversão do fenômeno, com a conversão do detentor em possuidor, assim como o possuidor em nome alheio (comodatário, locatário etc.) se converte eventualmente em possuidor em nome próprio, passando a agir como se fora dono, afrontando a outra parte, que não reage no prazo legal, ensejando a prescrição aquisitiva." (COSTA, Dilvanir José da. "Posse no Direito Civil," RT 757/710)
  89. MORATO, Antonio Carlos. Código Civil Interpretado. Antonio Cláudio Costa Machado (org.). 2ª ed. Barueri: Manole, 2009, p. 936.
  90. RODRIGUES, Manuel, A Posse: estudos de Direito Civil Português, p. 232.
  91. RODRIGUES, Manuel, A Posse: estudos de Direito Civil Português, p. 233-234.
  92. RODRIGUES, Manuel, A Posse: estudos de Direito Civil Português, p. 232.
  93. MAZEAUD Y MAZEAUD. Lecciones de Derecho Civil, vol. IV, p. 198 apud THEODORO Jr., Humberto. Direitos Reais. Rio de Janeiro, AIDE, 1994, vol. I, p. 405.
  94. TJMG, AC nº 64.186, Rel. Des. Humberto Theodoro Júnior, j. 21/03/1985, apud THEODORO Jr., Humberto, Direitos Reais, p. 403-404.
  95. STJ, RSTJ 143/370, grifamos. Tal voto foi seguido, por votação unânime, pelos Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Jr., Sálvio de Figueiredo Teixeira e Raphael Barros Monteiro. No mesmo sentido: TJRJ: "Usucapião – Posse – Mudança do título – Admissibilidade. Locatário que jamais pagou aluguel, ocupando a coisa como se fosse dono – Inexistência de oposição por parte do proprietário – Animus domini configurado – Voto vencido." (RT 690/140). Neste sentido: "Usucapião – Interversão – Mudança do título da posse – Possibilidade – CC, art. 492." (TJRJ, RJ 188/71); Ver também TJRJ, RT 528/189.
  96. TOLEDO, Roberta Cristina Pagani. A Posse-Trabalho. São Paulo: PUC/SP (Dissertação de Mestrado), 2006, p. 74.
  97. Lei 10.257/01, art. 10: "As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural."
  98. § 4º do art. 1.228 do CC/02: "O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante."
  99. Interessante a redação do art. 1.228 do novo CC: "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais. § 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade...", grifamos. Parece-nos que os argumentos utilizados neste artigo tornam-se ainda mais representativos, em confronto com a nova regulamentação do direito de reivindicar, e as condicionantes do direito de propriedade, erigidos pelo novo Código Civil.
Sobre o autor
Márcio Manoel Maidame

Advogado. Mestre pela FADISP. Especialista pela PUC/SP. Professor e Coordenador do Curso de Direito da Faculdades Atibaia (FAAT).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIDAME, Márcio Manoel. A possibilidade de mudança do caráter da posse precária e sua utilidade para fins de usucapião. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2127, 28 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12730. Acesso em: 23 nov. 2024.

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