Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Análise crítica da atuação do Poder Judiciário em relação aos benefícios da seguridade social

Exibindo página 2 de 2
Agenda 15/05/2009 às 00:00

5) Teses novas favoráveis ao INSS e pouco acolhidas

Outro fator de desequilíbrio do sistema atuarial decorre de decisões judiciais que não acolhem teses que são favoráveis ao INSS.

Como exemplo disso, trago à baila, a tese da decadência da revisão de benefícios previdenciários concedidos antes de 28 de junho de 1997, em ações ajuizadas posteriormente a 28 de junho de 2007, sob a alegação infundada de que a decadência não poderia retroagir para prejudicar benefícios concedidos antes de sua criação legal. Ocorre que, nesse caso, não estamos falando de aplicação retroativa da lei que criou o prazo decadencial, mas sim de aplicação imediata da norma jurídica, conforme ensinamentos de Paul Roubier [10]. Entendimento correto sobre a matéria foi sumulado pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Estado do Rio de Janeiro, através do enunciado nº 63 [11], cuja redação é a seguinte:

"Em 01.08.2007 operou-se a decadência das ações que visem à revisão de ato concessório de benefício previdenciário instituído anteriormente a 28.06.1997, data da edição da MP 1.523-9, que deu nova redação ao art. 103 da L. 8.213/91." [12]

O Rio de Janeiro é, por enquanto, o único estado em que esta tese teve uma excelente receptividade. Preferindo o Poder Judiciário de outros estados continuarem a proferir decisões que representam uma sangria de dinheiro público, criando benefícios em que para o segurado não existiria prazo decadencial de revisão, mas para a Administração Pública sim. Ora, como é possível explicar que a Administração pode ser compelida a observar um prazo decadencial, contado a partir da vigência da lei de sua criação, e o segurado não, podendo optar por rever seu benefício a qualquer tempo?

Outra questão que merece análise mais aprofundada diz respeito à aplicação das teorias do venire contra factum proprium e da supressio em favor da Administração Pública. Tratam-se de instituto de Direito Privado que pode ser facilmente aplicado ao Direito Público, eis que referem-se a dois comportamentos de uma mesma pessoa para com outrem, com base no princípio da boa-fé objetiva, que vedam o comportamento contraditório.

O venire contra factum proprium refere-se a situação em que uma determinada pessoa, durante determinado lapso temporal, comporta-se de tal maneira que a outra pessoa cria uma legítima expectativa de que seu comportamento não se alterará, quebrando a boa-fé objetiva. São, portanto, quatro os seus elementos: comportamento, geração de expectativa, investimento na expectativa gerada e comportamento contraditório.

A supressio, por sua vez, consiste "em limitação ao exercício de direito subjetivo que paralisa a pretensão em razão do princípio da boa-fé objetiva. Para sua configuração, exige-se (I) decurso de prazo sem exercício do direito com indícios objetivos de que o direito não mais será exercido e (II) desequilíbrio, pela ação do tempo, entre o benefício do credor e o prejuízo do devedor. Lição de Menezes Cordeiro" (TJRS, Apelação Cível Nº 70001911684, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 04/12/2000).

Exemplificando, trago um caso concreto onde atuei. O segurado, em 1998, requereu e teve concedido benefício de auxílio-doença por um mês, com Data de Cessação de Benefício (DCB) previamente fixada na Carta de Concessão, tendo este cessado em novembro de 1998. No final de 2007, o segurado, agora autor, ajuiza ação pretendendo o restabelecimento do referido benefício, cessado há quase 10 anos atrás, alegando que o INSS agiu de forma ilegal ao cessá-lo sem que o mesmo tivesse readquirido condições de trabalho. A defesa do INSS em Juízo, nesse tipo de ação, acaba por ser prejudicada eis que, em se tratando de concessão muito antiga, por vezes a Autarquia Previdenciária não encontra o processo administrativo de concessão, até mesmo porque o seu dever de guarda desses processos, em regra, é de 5 anos. Assim, não é possível verificar se o autor pleiteou ou não o restabelecimento do benefício ou não. Ora, será que nesse caso é justo que o INSS seja obrigado a pagar todo o período em que o segurado esteve sem receber benefício, mesmo sabendo que o grande culpado é o próprio autor, que demorou quase 10 anos para ajuizar uma ação judicial, sem nem mesmo ter requerido novamente o benefício? A solução para este caso está na aplicação das teorias do venire contra factum proprium e supressio, teorias que já são bem aceitas em nossa jurisprudência pátria [13], eis que o INSS tinha a legítima expectativa de não esperar que uma pessoa que ficou anos sem receber o benefício de auxílio-doença e somente havia recebido prestação eqivalente a um mês de benefício, venha agora a pleitear quase 10 anos de benefício.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

6) Conclusão

Conforme se verificou no presente trabalho, as decisões do Poder Judiciário, por vezes (e muitas vezes), extrapolam o seu poder de Controle sobre a Administração Pública, afrontando a diversos princípios constitucionais, como o princípio da independência e harmonias entre os poderes, o princípio atuarial do sistema da Seguridade Social, o princípio da legalidade, o princípio da vedação à estensão de benefícios da seguridade social sem prévia dotação orçamentária, princípio da reserva de plenário, dentre outros.

Assume, assim, as funções similares a de um administrador assistencial, concedendo benefícios e permitindo revisões que, por nosso ordenamento jurídico, não seriam admitidos. Frise-se que o Poder Judiciário não apenas está estendendo, de forma exacerbada, as normas da seguridade social, como tem deixado de aplicar teses, com fundamentos incontestáveis, que são favoráveis à Administração Pública, como a da decadência do direito à revisão de benefício previdenciário, do venire contra factum proprium e da supressio.

Isso faz com que haja um prejuízo incalculável ao erário público, gerando prejuízo ao cálculo atuarial de todo o sistema de Seguridade Social e causando insegurança jurídica à Administração no que tange às ações de política pública. O assistencialismo que está sendo feito pelo Poder Judiciário agora, nas ações referentes aos benefícios da seguridade social, irá gerar prejuízos para as futuras gerações de segurados, inclusive com a possibilidade de ruptura econômica da Previdência Social, gerando sua "quebra", sua "falência".

Portanto, faz-se necessária uma reflexão aos operadores do Direito que atuam nessa área, a fim de questionar qual o país que esperamos no futuro.


BIBLIOGRAFIA

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004.

FILHO, MARÇAL JUSTEN. Curso de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2007.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª Ed. São Paulo: Editora Revisa dos Tribunais, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006.


Notas

  1. Para maiores detalhes sobre Direito à saúde, ver artigo de minha autoria, tendo como co-autor o advogado Marcelo Dealtry Turra. TURRA, Marcelo Dealtry; LOPES, Carlos Côrtes Vieira. Direito à saúde como direito de cidadania. Alguns aspectos práticos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 881, 1 dez. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7648>.
  2. Há doutrinadores que entendem equivocada a expressão, por entenderem que o Poder é uno, o que se divide são as funções desse poder. Utilizam para fundamentar esta posição dos ensinamentos de Montesquieu, em sua obra "O espírito das leis". A meu ver esta posição está equivocada, tendo em vista que o ordenamento pátrio tem por base a sua lei maior, a Constituição da República, promulgada pelo Poder Constituinte Originário, sendo este iniciador e desvinculado de qualquer doutrina anterior. Ora, não é a Constituição que deve se adequar à doutrina, mas sim a doutrina que deve fazer uma leitura adequada da Constituição. Trata-se do mesmo erro que incidem diversos penalistas ao afirmarem que a pessoa jurídica não pode responder por crime, querendo se utilizar de teorias trazidas do exterior que não se adéquam à Constituição Federal.
  3. FILHO, MARÇAL JUSTEN. Curso de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 879.
  4. FILHO, MARÇAL JUSTEN. Curso de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 894/895.
  5. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004. p. 640. Ressalto aqui meu entendimento de que o ato imoral é aquele que tem desvio de finalidade e, assim, seria de plano ilegal, por vício em um dos seus requisitos de validade, qual seja a finalidade de interesse público.
  6. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004. p. 67/68.
  7. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª Ed. São Paulo: Editora Revisa dos Tribunais, 2008. p. 124
  8. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p.32.
  9. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2007. p.38.
  10. ROUBIER, Paul. Les Conflits de Lois Dans Le Temps, Paris, 1929
  11. Para maiores detalhes sobre o assunto recomendo a leitura de artigo de minha autoria, denominado "Decadência do Direito à revisão de benefício previdenciário (uma análise de Direito Intertemporal)" , publicado na Revista Direito e Política, n. 16 (IBAP); Revista de Direito do Trabalho, n. 8 (CONSULEX); Revista da EMERJ, n. 43; Revista da EMARF, n. 1, vol. 11; Revista Virtual da AGU, n. 77; Revista de Doutrina da 4ª Região, n. 24.
  12. O Superior Tribunal de Justiça tende a adotar este entendimento, reformando a jurisprudência sedimentada da corte, conforme decisões no RESP 110.526 e no RESP 110.836.
  13. No Superior Tribunal de Justiça (STJ) há diversas decisões: AI 1.130.131, AI 1.113.634, AI 1.085.209, RESP 207.509, RESP 214.680, AI 921.308.
Sobre o autor
Carlos Côrtes Vieira Lopes

Procurador da Fazenda Nacional.<br>Ex-Procurador Federal.<br>Diversas especializações em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Carlos Côrtes Vieira. Análise crítica da atuação do Poder Judiciário em relação aos benefícios da seguridade social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2144, 15 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12864. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!