Palavras-chave: Planejamento da licitações; controle da despesa; despesas irrelevantes; contratações de baixo valor; baixa materialidade; pregão; economicidade; relação custo x benefício; suprimento de fundos; cartão de crédito corporativo; publicidade por meios eletrônicos.
No desenvolvimento do trabalho administrativo, mais especificamente na contratação de bens e serviços, o gestor público se defronta amiúde com pedidos de contratação de baixo valor com indicação da modalidade licitatória do pregão (eletrônico ou presencial), o que, em face do princípio constitucional da economicidade, merece especial reflexão, que passamos a fazer.
Como sabemos, a CRFB/88 fez constar no ordenamento jurídico parâmetro de natureza genuinamente gerencial, intrínseco à noção de eficiência, eficácia e efetividade, impondo como uma das dimensões da regular gestão de recursos e bens públicos o respeito ao princípio da economicidade, ao lado do princípio da legalidade e do, também recém-integrado, princípio da legitimidade (CF, art. 70, caput).
Apesar de o princípio da economicidade não se encontrar formalmente entre aqueles constitucionalmente previstos para a Administração Pública (art. 37, caput), impõe-se materialmente como um dos vetores essenciais da boa e regular gestão de bens e recursos públicos.1
A jusdoutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a seu turno, consagra a tese de que o controle da economicidade envolve "questão de mérito, para verificar se o órgão procedeu, na aplicação da despesa pública, de modo mais econômico, atendendo, por exemplo, a uma adequada relação custo-benefício".
O professor Régis Fernandes de Oliveira nos ensina que a economicidade diz respeito a se saber se foi obtida a melhor proposta para a efetuação da despesa pública, isto é, se o caminho perseguido foi o melhor e mais amplo, para fazer a despesa e se ela se fez com modicidade, dentro da equação custo-benefício.2
Aliás, pelo menos desde a edição do Decreto-lei nº 200/67, já há o expresso impedimento à realização de procedimentos antieconômicos, ex vi do art. 14, verbis:
Art. 14 O trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e supressão de controles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco.
Tal dispositivo foi repercutido pela IN nº142/83 - DASP, especificamente em seu item 3, sendo apresentado nos seguintes termos:
3. O controle exercido sobre esse material (independentemente de sua designação como permanente ou de consumo) deve ser suprimido, quando o custo do controle for evidentemente maior que o risco da perda do material controlado, em estrita obediência à imposição do artigo 14, in fine, do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967.
Logo, ainda que tais dispositivos sejam voltados para uma visão de controle, vê-se que não é aceitável que se realize um procedimento de contratação que tenha o seu custo aproximado ao preço do bem ou serviço pretendido. Aliás, o próprio bom senso já levaria, por si só, a essa conclusão.
A própria Lei de Licitações, em seus arts. 15, inc. IV e 23, § 1º, demonstra que o fracionamento deve ser perseguido pela Administração, mas com um "grande" detalhe: sempre com a homenagem ao princípio da economicidade.
Ademais, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LCp nº 101/00), por meio do seu art. 16, § 3º, também albergou o amortecimento do controle da despesa – via racionalização dos procedimentos e resguardo da economicidade – ao lançar o conceito de despesa irrelevante (R$ 8.000,00), a ser anualmente prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A atual LDO, Lei nº 11.514, de 13 de agosto de 2007, assim dispôs sobre o assunto:
Art. 124. Para os efeitos do art. 16 da Lei Complementar nº 101, de 2000:
II - Para fins do § 3 do artigo referido no caput, entende-se como despesas irrelevantes, aquelas cujo valor não ultrapasse, para bens e serviços, os limites dos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993.
Do exposto, a fim de não ver violado o princípio da economicidade nas contratações públicas, levando-se em consideração que só o custo da publicidade próprio da modalidade pregão alcança o valor aproximado de R$ 450,00, é curial que o gestor público aperfeiçoe a genesis do processo de execução do orçamento, qual seja o planejamento das contratações e o planejamento das licitações, este último, infelizmente, pouquíssimo utilizado.
Com efeito, se a Administração está utilizando a modalidade pregão para contratações de tão diminuto valor, é porque, via de regra, o bem ou serviço em questão é parte de um objeto mais amplo, integrante de um mesmo nicho de mercado, que deve ter sido adquirido no exercício em curso por meio de procedimento licitatório, e por isso a sua aquisição por contratação direta resta inviabilizada do ponto de vista legal – art. 23, § 2º, c/c art. 24, incs. I e II, da Lei nº 8.666/93.
Verdadeiramente, a solução definitiva para a questão sob comento não pode ser outra senão o já citado do planejamento das licitações dos órgãos públicos, a fim de garantir que não haja parcelamento tão grande do objeto ao longo do ano para efeito de realização de licitações apartadas, sendo mesmo recomendável que cada procedimento congregue valores ao menos superiores a R$ 8.000,00 (despesas consideradas irrelevantes), à exceção das necessidades comprovadamente imprevisíveis, em relação às quais se admitiria a realização de pregões de valor menores que R$ 8.000,00, desde que o valor estimado da licitação não fique abaixo, para bens e serviços, 10% dos limites dos incs. I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93, ou seja, R$ 800,003, sendo que, nos limites da legislação em vigor, o gestor deverá então se valer do suprimento de fundos4 por meio do cartão de crédito corporativo, sem embargo da contratação por convite (com a feitura de justificativa expressa constante do processo de contratação, base para a não utilização do pregão5.
Por fim, queremos crer que o custo com a publicação dos certames licitatórios, que hoje inviabiliza a realização de pregão com baixíssimo valor (abaixo de R$ 800,00), mui brevemente será tornado irrisório, uma vez que entre as medidas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal está a proposta de alteração da Lei nº 8.666/93, a qual abarca a utilização de meios eletrônicos6 para publicação.
Notas
1 BUGARIM, Paulo Soares. Reflexões sobre o princípio constitucional da economicidade.
2 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Manual de direito financeiro.
3 Como foi aqui demonstrado, só o custo com a publicação responde, pois, por mais de 50% desse valor.
4 O Art. 2º da RESOLUÇÃO Nº 49 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT, de junho de 2008, que regulamenta a realização de despesa por meio de Suprimento de Fundos e o uso do Cartão de Pagamento do Governo Federal – CPGF no âmbito da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, prevê que o suprimento de fundos será utilizado para atender despesas de pequeno vulto, assim entendidas aquelas cujo valor, em cada caso, não ultrapasse 1% do valor estabelecido na alínea "a" do inciso I do artigo 23 da Lei 8.666/93, quando se tratar de serviços de engenharia, e 1% do valor estabelecido na alínea "a" do inciso II do artigo 23 da Lei 8.666/93, isto é, R$800,00, quando se tratar de compras e serviços, nas hipóteses, devidamente justificadas, de: I - inexistência temporária ou eventual, nos estoques do almoxarifado, do material a ser adquirido; II – impossibilidade, inconveniência ou inadequação econômica de estocagem do material; III - inexistência de cobertura contratual. (g.n)
5 Na forma do art. 4º do Decreto nº 5.450/05, "nas licitações para aquisição de bens e serviços comuns será obrigatória a modalidade pregão, sendo preferencial a utilização da sua forma eletrônica".
6 A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, em 30 de maio de 2007, parecer favorável ao Substitutivo ao Projeto de Lei nº 7.709-A/2007, que trata da alteração enfocada, adequando as licitações e contratações governamentais às novas tecnologias de informação presentes no cenário brasileiro, verbis:
Substitutivo ao Projeto de Lei nº 7.709-A/2007
"Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se:
XVII - sítio oficial da Administração Pública - local na internet, certificado digitalmente por autoridade certificadora, onde a Administração Pública disponibiliza suas informações e serviços de governo eletrônico.
Parágrafo único. A autoridade certificadora a que se refere o inciso XVII do caput deste artigo deverá ser credenciada no âmbito da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP Brasil, no caso de sítio oficial da União, sendo facultada aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a adoção de outros meios de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica". (NR)
"Art. 21 A publicidade oficial das licitações será veiculada:
III - em sítio oficial da Administração Pública, quando existente".