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Pelo equilíbrio federativo

          A atual Carta Constitucional, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi recebida com entusiasmo no que toca à estruturação do Estado. Supunha-se realizado o equilíbrio federativo, por meio da atribuição às pessoas políticas de recursos e encargos que se criam compatíveis com suas necessidades e possibilidades.

Viram-se, todavia, frustradas as expectativas de início criadas. A prática institucional que se tem verificado sob a égide daquele Diploma vem-se caracterizando pela absorção por parte da União de prerrogativas dos Estados e Municípios, que, não raro, buscam junto ao governo central auxílio e amparo. A República Brasileira acabou por conformar-se aos traços peculiares - porém não insuperáveis - das federações de terceira geração.

No plano da evolução histórica, em um primeiro momento, das duas leis que regem a organização federativa, a da autonomia e a da participação, era aquela a que se sobressaía. Vivia-se, então, o liberalismo dos séculos XVIII e XIX; os Estados Membros ostentavam uma força com a qual a União não podia rivalizar.

Seguiu-se um período em que foi atingido o equilíbrio entre a União e as entidades participantes. Particularmente nos Estados Unidos, a Guerra da Secessão conduziu ao perfeito eqüacionamento das chamadas tendências centrífugas e centrípetas.

O intervencionismo econômico do século atual, contudo, promoveu novo desequilíbrio entre as correntes federalistas e unitaristas. Agora, mesmo na América do Norte, predomina a lei da participação, face ao declínio da autonomia, o que leva muitos autores, como observa Paulo Bonavides, a sustentar a ocorrência de "mais participação com dependência do que autonomia com participação nos moldes do Estado federal contemporâneo" (Ciência Política, Rio, Fundação Getúlio Vargas, 2ª ed.,1974, p.220).

O Brasil alinhou-se às federações da terceira fase pela Lex Major de 1934. Entretanto, o desequilíbrio a que nos referimos já ocorria aqui naturalmente, em virtude das peculiaridades que marcaram a formação da República. "O fato de termos partido de um governo unitário para uma federação, a pobreza de algumas áreas do nosso território, foram problemas que trabalharam contra o processo da autonomia" (Themístocles Brandão Cavalcanti, Os Estados na Federação, in As Tendências atuais do direito público, Rio, Forense, 1976, p.45). Ademais, os períodos autoritários de 1937 e 1964 também concorreram para que se concentrassem poderes na União.

Destarte, muito embora tenha procurado redefinir a fisionomia do Estado brasileiro, atribuindo maior grau de autonomia aos entes da Federação, a Constituição de 1988 não conseguiu alterar o curso histórico de nosso federalismo. Ao arrepio da Lei Maior, a tradição centralista talhou a organização político-administrativa nacional.


Solução para o malogro da Carta de 88, seria, segundo muitos, a revisão do Pacto Federativo, a ser encetada através de uma Reforma Tributária. O coro dos que preconizam a repactuação vem-se engrossando na medida em que se torna mais agudo o conflito entre os Estados e a União. Mas, a via das emendas constitucionais deve ser encarada com cautela e aplicada apenas aos casos em que se faça realmente necessária.

Não se perca de vista que "a estabilidade constitui condição fundamental da eficácia da Constituição" (Konrad Hesse, A Força Normativa da Constituição, trad. de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Fabris, 1991, p. 22). Por outro lado, foram mal sucedidas as tentativas anteriores de corrigirem-se distorções nas relações federativas do país mediante simples reformulações constitucionais, desacompanhadas da práxis adequada, como em 1946 e em 1988. Além disso, os projetos de Reforma Tributária que já foram encaminhados ao Congresso, se aprovados, surtirão efeitos desastrosos sobre as autonomias locais. Desprovidos de importantes fontes de receita, os entes regionais receberão ainda mais encargos.

Melhor será interpretar a Lei Fundamental de modo a obter sua ótima concretização, sempre que isso baste. Mesmo porque, o Supremo Tribunal Federal admite não ter sido ainda definido o modelo de Federação a ser efetivamente observado nas práticas institucionais (ADIn 216-PB, relator Ministro Célio Borja): os limites do poder constituinte estadual carecem de plena identificação; ainda se vacila em incluir os Municípios entre as entidades federativas; e - no que mais de perto concerne ao assunto ora tratado - "o alcance do poder jurídico da União de impor, ou não, às demais pessoas estatais que integram a estrutura da Federação, o respeito a padrões heterônomos por ela própria instituídos como fatores de compulsória aplicação" ainda não foi fixado (Idem).

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Decididas essas questões, serão consideradas inconstitucionais normas como a desarrazoada lei que instituiu o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), formado por 20% do orçamento da União, incluídas as receitas tributárias devidas às demais pessoas políticas. Estima-se que o FEF, em 1999, ficará com R$ 8 bilhões dos Estados e Municípios.

Modificações no texto constitucional, porém, não devem ser descartadas. A chamada Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996) exclui da incidência do ICMS operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços, extrapolando a imunidade prevista na CF, art. 155, § 2º, X, "a". Assim o faz, autorizada por aberrante disposição contida no inc. XII, "e", do mesmo parágrafo. Tal preceito permite que a União, mesmo sem ter como aferir o impacto da isenção sobre as receitas estaduais, prive os entes federados de vultosos recursos. Normas como esta destoam da orientação atribuída pela Constituição ao federalismo nacional, devendo ser aplicadas com moderação e apenas como instrumento de integração internacional.

Impende, pois, adequar a prática federativa brasileira aos ditames de nossa Carta Magna, bem como ajustar disposições dela constantes ao federalismo de equilíbrio. Estas providências, por si sós, não resolverão a crise financeira que aflige os Estados, os Municípios e a União, mas representarão um passo imprescindível para que o Brasil realize sua vocação federativa e possa, assim, haver "melhor afetação dos vastos recursos nacionais, maior controle por parte da população sobre a atividade estatal, maior eficiência da máquina arrecadatória dos poderes públicos, possibilidade de maior participação do povo nas decisões oficiais" (Celso Ribeiro Bastos, in Por Uma Nova Federação, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 11).

Sobre os autores
Marcelo Borges de Mattos Medina

acadêmico de Direito na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)

Marley Fernanda Araujo Rabello

acadêmica de Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDINA, Marcelo Borges Mattos; RABELLO, Marley Fernanda Araujo. Pelo equilíbrio federativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1288. Acesso em: 23 dez. 2024.

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