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A desconsideração da personalidade jurídica na execução trabalhista.

Análise dos fundamentos jurídicos

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Agenda 06/07/2009 às 00:00

RESUMO: Este artigo tem por objetivo a análise dos fundamentos jurídicos da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica na execução trabalhista com enfoque em princípios constitucionais, a partir da relação que se estabelece entre empregado e empregadora, pessoa jurídica cujo quadro social é composto de pessoas físicas, à qual o Direito confere autonomia patrimonial. Busca-se, pela análise doutrinária e jurisprudencial, uma releitura desse instituto jurídico, sob a moderna concepção do direito processual como meio de satisfazer o direito material, e com uma participação mais ativa do magistrado para a efetividade do Direito.

Palavras-chave:  Personalidade Jurídica. Doutrina da Desconsideração. Fundamentos Jurídicos. Execução Trabalhista.

ABSTRACT: This article aims to analyze the juridical fundamentals of the Disregard Doctrine of Legal Entity in labor execution cases, with a focus on the constitutional principles, departing from the established relationship between employee and employer, being the latter a juridical person whose patrimonial autonomy is granted by law. Through the analysis of both the doctrine and the former court decisions, I seek an alternative reading of this juridical institution, under the modern conception of litigation law as means of satisfying the material right, with a more active participation of the judge for the effectiveness of the Law.

Keywords: Juridical Personality. Disregard Doctrine. Juridical Fundamentals. Labor Litigation.

Os novos institutos não surgem repentinamente,

mas se desenvolvem gradualmente sobre o

tronco de velhos institutos que vêm aos poucos

se renovando e cumprindo novos objetivos.

(Tullio Ascarelli)


1 INTRODUÇÃO

Este estudo aborda a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica na Execução Trabalhista, partindo dos princípios constitucionais que amparam todo e qualquer cidadão, assim também o trabalhador, na busca da efetividade de seus direitos e interesses porventura violados numa determinada relação jurídica de emprego.

O direito processual contemporâneo vem sofrendo as influências de uma nova corrente de ideias, cujo principal objetivo é, reconhecendo o processo como meio de satisfazer o direito material, utilizá-lo do modo mais adequado, célere e justo possível, a fim de que o Direito cumpra a sua própria razão de ser: pacificar e harmonizar as relações sociais.

O vínculo jurídico que se estabelece entre empregador e empregado está inserido em um complexo contexto. De um lado, acha-se o empregador, empreendedor, proprietário do negócio e que detém as rédeas da atividade econômica; de outro, o empregado, cujo esforço físico e/ou intelectual despende em prol dessa mesma atividade, em troca apenas de uma remuneração que lhe proporcione um mínimo para o sustento próprio e de sua família.

Estando a atividade empresarial sujeita aos riscos inerentes ao mercado econômico e financeiro, e diante das disposições que, de lege lata, regulam as relações de emprego e a responsabilidade pelo inadimplemento contratual, é imprescindível ao operador do direito fazer, por vezes, uma releitura dos institutos jurídicos, procurando aperfeiçoar conceitos e renovar ideias, de modo a acompanhar as constantes mudanças que ocorrem no contexto econômico e social.

A partir dessas premissas é que se desenvolve o presente estudo.


2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO TRABALHISTA

A Constituição da República (CR) enfeixa, em um sistema, uma série de direitos e garantias, individuais e coletivos, considerando Estado e Cidadãos, e estes entre si, visando a harmonia nas relações sociais.

Em seu artigo 5º, inciso XXXIV, a Lei Fundamental confere a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil o direito de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Trata-se da positivação do Princípio do Acesso à Justiça, pelo qual o Estado garante a prestação jurisdicional para a solução justa dos litígios sob seus auspícios.

Outra garantia constitucional e fator legitimante do exercício da jurisdição é o Princípio do Devido Processo Legal, consagrado no inciso LIV do mesmo dispositivo, pelo qual a atuação judicial deverá observar determinadas regras procedimentais previamente estabelecidas em lei. Nele estão compreendidas outras garantias, tais como o contraditório (não apenas formal, mas pleno e efetivo) e a ampla defesa (conduta dialética do processo), o duplo grau de jurisdição, a assistência judiciária gratuita, a publicidade, o juiz natural e a motivação das decisões judiciais.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, ao artigo 5º foi acrescido mais um inciso, pelo qual passou a garantir-se a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação.

Com este conjunto de normas, consubstanciado em princípios e regras, somados a outros, como os princípios da Isonomia e da Inafastabilidade da Jurisdição, busca o ordenamento jurídico assegurar a efetividade das decisões judiciais que hão de conferir aos cidadãos o bem da vida almejado, o direito subjetivo invocado.

Neste contexto surge no Direito Contemporâneo uma nova concepção do direito processual, doutrina que o denomina de "Pós-Moderno", apregoando que

a relatividade do direito processual pós-moderno se traduz pela recusa de um processo formalista e fechado, cercado de regras absolutas e inquestionáveis, e pela aceitação do papel ativo do julgador na construção hermenêutica das normas jurídicas. (FREIRE, 2008, p.28)

Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni (2006, p. 139), trata-se de

costurar os planos do processo e do direito material mediante as linhas da Constituição e dos direitos fundamentais, utilizando-se especialmente o instrumento conceitual das ‘tutelas dos direitos’, e sem evidentemente negar que a jurisdição faz a integração entre as esferas material e processual.

A toda evidência, os anseios sociais não mais permitem a desvinculação transdisciplinar. O sistema jurídico como regulador do sistema social, na visão contemporânea, tende, assim, a afastar-se, aos poucos, da concepção de uma regulamentação exageradamente conservadora, para tornar-se uma sistematização mais flexibilizada.

Para tornar efetivo o processo, destarte, é necessário imprimir celeridade e priorizar os meios que possibilitem a superação dos inúmeros obstáculos e desafios da execução. Afinal, é no momento em que as regras jurídicas são aplicadas e efetivadas que o Direito mostra a sua raison d’être (DEBS, 2006, p. 251).

Sob esses novos ventos é que se deve analisar a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica na execução trabalhista, porquanto em perfeita harmonia com os pricípios do Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho, que tutelam créditos superprivilegiados, de natureza alimentar, consoante disposição contida no artigo 100, § 1º-A, da CR.

2.2 Os Sujeitos da Relação Jurídica de Emprego e os Efeitos Contratuais

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 2º, considera empregador "a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço".

Embora a lei celetista não tenha utilizado o melhor termo ao se referir ao empregador como "empresa", o que é bastante criticado pela doutrina, incontroverso é que empregador será sempre uma pessoa física ou jurídica.

Por via transversa do conceito de empresário contido no artigo 966 do Código Civil (CC), chega-se ao entendimento de que empresa é "a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços", ou seja, é a organização técnico-econômica que, cobinando os elementos matéria-prima, trabalho e capital, produz bens ou serviços para troca, visando a obtenção de lucro. A organização dessa atividade e a responsabilidade sobre ela cabe ao empresário, o qual reúne, coordena e dirige os seus elementos, suportando os riscos dela decorrentes.

Oportuno referir, neste ponto, que a empresa não pressupõe a existência de uma sociedade, pois a atividade empresarial pode ser desenvolvida por uma só pessoa física (o empresário individual), e não necessariamente por duas ou mais pessoas, a quem a lei autoriza formarem uma sociedade, esta, sim, pessoa jurídica, empresária, sujeito de direitos no ordenamento jurídico brasileiro.

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De acordo com o Código Civil de 2002, que trouxe significativas mudanças para o Direito Empresarial, as sociedades, hoje, são divididas em: (i) não personificadas; e (ii) personificadas. No primeiro grupo estão as sociedades em comum e em conta de participação; no segundo, as sociedades em nome coletivo, em comandita simples, limitada, anônima e em comandita por ações.

Para fins deste estudo, irá interessar apenas a sociedade limitada, em razão dos diversos tratamentos jurídicos dados pelo Direito Empresarial às demais espécies de sociedades no que diz respeito à responsabilização patrimonial dos sócios.

Pois bem, fixados estes conceitos e limites, passa-se a uma breve análise dos efeitos do contrato de trabalho, que também terão influência na conclusão deste estudo.

O contrato de emprego estabelecido entre uma empresa (individual ou coletiva) acarreta aos sujeitos da relação jurídica determinadas obrigações. São os efeitos próprios do contrato.

As principais obrigações impostas aos sujeitos da relação de emprego são: ao empregador, dar trabalho e remunerar; ao empregado, prestar o serviço para o qual foi contratado. Evidentemente, outras obrigações decorrem da relação de emprego, como a assinatura da CTPS, o depósito do FGTS, a emissão da CAT quando do infortúnio, pelo empregador, e, pelo empregado, as obrigações de conduta, de bem portar-se no ambiente de trabalho, de utilizar adequadamente as ferramentas que lhe são confiadas etc.

Estabelecidos, assim, os sujeitos da relação jurídica de direito material que ora se pretende analisar, bem como os efeitos que decorrem desse vínculo, é possível avançar para o estudo dos fundamentos da responsabilidade patrimonial decorrente do inadimplemento das obrigações trabalhistas.

2.3 Dos Fundamentos da Responsabilidade Patrimonial da Empresa

As sociedades limitadas estão regulamentadas nos artigos 1.052 a 1.087 do CC, que já no primeiro deles dispõe que "a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social."

Assim, com a personificação da sociedade por quotas de responsabilidade limitada estabelece-se a separação do patrimônio dos sócios em relação ao do ente coletivo, já que contribuem, inicialmente, com bens particulares para a constituição dos fundos sociais. Feito isto, cabem aos sócios o direito à participação nos lucros e à parcela do acervo social líquido quando da extinção da sociedade (BERTOLDI, 2006, p.143). Trata-se do princípio da autonomia patrimonial.

Oportuno lembrar que a solidariedade a que se refere o artigo 1.052 diz respeito apenas a eventual insuficiência de integralização do capital de um ou mais sócios, quando todos os que compõem o quadro social terão de arcar com o valor não integralizado.

A limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, segundo Fábio Ulhoa Coelho, "pode parecer, à primeira vista, uma regra injusta, mas não é. Como o risco de insucesso é inerente a qualquer atividade empresarial, o direito deve estabelecer mecanismo de limitação de perdas, para estimular empreendedores e investidores à exploração empresarial dos negócios." (2007, p.157). Prossegue alertando para o fato de que sem limitação das perdas, os lucros teriam de ser maiores e, assim, consequentemente, seriam maiores os preços dos bens ou serviços adquiridos no mercado. Mais adiante, refere o autor que "também não há injustiça na regra da limitação da responsabilidade dos sócios porque os credores, ao negociarem seus créditos, podem incluir nos preços uma taxa de risco associada à perda decorrente da falência da sociedade." (p. 158). Não há como deixar de concordar com essas considerações, evidentemente. No entanto, apenas em relação a contratantes de mesma suficiência econômico-financeira, ou seja, em igualdade de condições e possibilidades. Não é o caso da relação estabelecida entre empresa e trabalhador.

Prosseguindo. Dispõe o artigo 591 do Código de Processo Civil (CPC) que "o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei." E, no artigo 592, que "ficam sujeitos à execução os bens: (...) II – do sócio, nos termos da lei." (v. também artigo 596).

De acordo com MARINONI e MITIDIERO (2008, p. 607), os artigos 592, inciso II, e 596 não devem ser aplicados isoladamente. "Estão atrelados à situação específica, prevista em lei, para que possam induzir responsabilidade secundária dos sócios". Exemplos, para ilustrar, são os artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional (CTN).

A par dessas disposições, surgiu, como construção doutrinária e jurisprudencial, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, primeiro em decisões judiciais americanas, inglesas e alemãs, depois integrando a jurisprudência e a doutrina de outros países, como o Brasil, tendo aqui, como pioneiro, o eminente jurista Rubens Requião.

Essa teoria veio como um instrumento de coibição do mau uso da pessoa jurídica, especialmente contra a realização de fraudes. Passou a ser adotada pelo Judiciário brasileiro, relativizando o princípio da autonomia patrimonial do ente coletivo.

A decisão judicial proferida neste sentido declara a ineficácia episódica do ato constitutivo da pessoa jurídica, para alcançar o acervo patrimonial dos sócios e controladores, até então protegidos pela formalidade jurídica da personificação. Não se trata de anulação ou extinção da pessoa jurídica, mas de afastamento casuístico e temporário de alguns de seus efeitos.

A propósito, a doutrina brasileira desenvolveu, com FÁBIO ULHOA COELHO (2005, p. 85), uma divisão da teoria sub examen em duas sub-teorias, denominadas Teoria Maior e Teoria Menor.

A primeira, segundo o autor,

é a teoria mais elaborada, de maior consistência e abstração, que condiciona o afastamento episódico da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto.

A segunda,

se refere à desconsideração em toda e qualquer hipótese de execução do patrimônio de sócio por obrigação social, cuja tendência é condicionar o afastamento do princípio da autonomia à simples insatisfação pelo credor da inexistência de bens sociais e da solvência de qualquer sócio para atribuir a este a obrigação da pessoa jurídica.

Em 1990, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a teoria da desconsideração da personalidade jurídica passou a fazer parte do direito positivo, e, posteriormente, a compor, também, a nossa lei substantiva, com o advento do Código Civil de 2002. Não se pode deixar de mencionar, contudo, as previsões antes contidas nas Leis nºs 6.404/76 (Lei das S/A), 8.884/94 (Lei Antitruste) e 9.605/98 (Crimes Ambientais).

Para efeitos da presente abordagem, considerar-se-á o CDC e o CC, que dispõem, nos artigos 28 e 50, respectivamente, o seguinte:

Art. 28/CDC. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1º. (Vetado).

§ 2º. As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

§ 3º. As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

§ 4º. As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Art. 50/CC. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Como se vê, a lei consumerista abarca uma gama maior de possibilidades para a incidência da desconsideração, e isso decorre, indubitavelmente, em razão da natureza das relações jurídicas que estão sob sua proteção, aliás muito similares às relações de emprego, que também têm num dos polos uma pessoa hipossuficiente, em posição de desvantagem em relação à outra.

Sem a pretensão de realizar um estudo comparado da teoria em questão, mas apenas a título de informação, cumpre referir que, segundo JORGE NETO e CAVALCANTE (2008, p. 332),

Nos Estados Unidos essa doutrina só tem sido aplicada nas hipóteses de fraudes comprovadas, em que se utiliza a sociedade como mero instrumento ou simples agente do acionista controlador. Em tais casos de confusão do patrimônio da sociedade com o do acionista, induzindo terceiros em erro, tem-se admitido a desconsideração, para responsabilizar pessoalmente o controlador.

No Direito do Trabalho Português, encontram-se algumas peculiaridades. Em comentários ao artigo 379º do Código do Trabalho, JOANA VASCONCELOS (2008, p. 697) diz o seguinte:

A responsabilidade dos sócios controladores da sociedade-empregadora e dos seus gerentes, administradores ou directores e dos gerentes, administradores ou diretores é extracontratual, fundada em atuação ilícita e culposa e num dano por aquela causado ao trabalhador – e não mera responsabilidade patrimonial ou de garantia.

A efectivação desta responsabilidade depende da alegação e prova, pelo trabalhador, dos seus pressupostos (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade), nos termos gerais.

E prossegue:

A responsabilidade dos sócios por créditos laborais dos trabalhadores da sociedade-empregadora não abrange, naturalmente, todos e quaisquer sócios desta, mas apenas os denominados ‘sócios controladores’, i.e., aqueles que exercem ou podem exercer uma influência dominante na sociedade.

[...]

A responsabilidade do sócio controlador depende sempre da responsabilidade do gerente, administrador ou membro do órgão de fiscalização por si designado ou eleito (ou não destituído). [...] Por outro lado, tal responsabilidade pressupõe, ainda, a culpa do próprio sócio – seja culpa ‘in eligendo’, seja ‘quando pelo uso da sua influência’ tenha determinado a prática ou a omissão do acto gerador de responsabilidade civil do gerente, administrador ou membro do órgão de fiscalização.

Quando isso suceda, o sócio responde [...] perante o trabalhador, solidariamente com a sociedade e com o gerente, administrador ou director por si designado ou eleito, pelos créditos laborais devidos pela sociedade empregadora.

Feitas estas considerações, encaminha-se este estudo para a análise da aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica e dos dispositivos legais existentes, com enfoque na execução dos créditos trabalhistas.

2.3.1 Dos Fundamentos da Responsabilidade Patrimonial dos Sócios

O instituto da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica não está expressamente positivado na legislação trabalhista. A sua aplicação decorre do disposto nos artigos 8º, parágrafo único, 769 e 889 da CLT, que autorizam a incidência de preceitos integrantes do direito comum, do direito processual comum e da Lei das Execuções Fiscais (LEF) às hipóteses não previstas na lei celetista, condicionada à compatibilidade com os princípios que alicerçam o direito do trabalho e o direito processual do trabalho.

Em sede doutrinária, SCHIAVI (2008, p. 115) refere que duas são as teorias da desconsideração da personalidade jurídica para a responsabilização do sócio pelas dívidas trabalhistas da sociedade. A primeira é a teoria subjetiva, que tem como pressupostos a inexistência de patrimônio social e a caracterização de abuso de poder, desvio de finalidade, confusão patrimonial ou má-fé praticados pelo sócio. A segunda, mais atual segundo ele, é a teoria objetiva, "que disciplina a possibilidade de execução dos bens do sócio, independentemente de os atos destes violarem ou não o contrato, ou haver abuso de poder." Este posicionamento se assenta na natureza alimentar do crédito trabalhista e na hipossuficiência econômica do trabalhador, especialmente para demonstrar a má-fé do administrador.

DALLEGRAVE NETO (2002, p. 186) classifica as teorias em subjetiva e objetiva, no mesmo sentido adotado por Schiavi, mas ainda vislumbra uma terceira, a qual denomina finalística, segundo a qual, havendo prejuízo do credor e dificuldade da execução, a intenção fraudulenta do devedor é presumida, não carecendo de prova por parte daquele.

A tese da culpa presumida também é defendida por HOMERO BATISTA MATEUS DA SILVA (2008, p. 18), que, referindo-se às lições de Fábio Konder Comparato, afirma que "a antiga vinculação entre responsabilidade e poder de gestão", presente no artigo 10 do Decreto nº 3.708/19, "transmudou-se numa relação entre responsabilidade e poder de controle", porquanto referido dispositivo restou revogado pelo artigo 50 do CC-02, que ampliou a abrangência da desconsideração a todos os sócios da pessoa jurídica.

Em sentido oposto, ou seja, pela necessidade de prova do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, posiciona-se FLÁVIO TARTUCE. Considera este doutrinador que as normas insertas no CDC não se aplicam ao Direito Laboral, pois trata-se de diploma legal direcionado a regular relações de consumo, conclusão que retira da análise dos artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078/90. Diz ele que tampouco a doutrina maximalista admitiria reconhecer, aqui, uma relação de consumo (para a doutrina maximalista, na análise da relação de consumo não se leva em conta a vulnerabilidade técnica, jurídica ou socioeconômica).

Abstraindo os respeitáveis posicionamentos contrários ou favoráveis à aplicação subsidiária do artigo 50 do CC e da aplicação por analogia do artigo 28 do CDC, entende-se que, na análise da desconsideração da personalidade jurídica da empregadora, há que se levar em conta, primeiro, alguns aspectos fundamentais, nem sempre ponderados com a devida prioridade.

Com efeito, a relação jurídica obrigacional derivada do vínculo empregatício se dá entre uma pessoa física, o trabalhador, que se coloca à disposição de um empregador, entregando-lhe sua força de trabalho para que integre a atividade econômica, em troca de uma remuneração predeterminada.

Como já se disse, a organização dessa atividade e a responsabilidade sobre ela cabe ao empresário, o qual reúne, coordena e dirige os elementos matéria-prima, trabalho e capital, ao mesmo tempo suportando os riscos do negócio. Convém lembrar que, embora haja previsão legal para a participação nos lucros pelo empregado, tal direito, sabe-se, até hoje foi minimamente efetivado.

Impende destacar, ainda, que às relações de emprego se aplicam não só o princípio tuitivo da seara laboral, mas também a nova ordem de princípios e valores que a Constituição Federal de 1988 inaugurou, tendo como fundamentos da República, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e a solidariedade social, o que fez surgir o enfoque existencialista de proteção à pessoa e que posteriormente alicerçou o Código de Defesa do Consumidor, em 1990, e o Código Civil, em 2002, abrindo o ordenamento jurídico privado para a introdução de preceitos constitucionais intimamente ligados à função social dos contratos.

De incidência incontestável nas relações de trabalho, também, é o princípio da boa-fé objetiva, hoje positivado no artigo 422 do CC, segundo o qual as partes devem agir, tanto na conclusão quanto na execução do contrato - e aí inclui-se a fase precedente de negociações, com probidade e boa-fé, um agir pautado na cooperação, na lealdade, na confiança, na consideração recíproca, comportamentos estes que se originam na solidariedade social.

Por outro lado, não se pode deixar de observar que o ordenamento jurídico brasileiro dá ampla liberdade para a constituição e funcionamento das sociedades empresárias. Conforme anota JOSÉ TADEU NEVES XAVIER (2003), com a peculiar percuciência de sempre, "o artigo 50 do Novo Código Civil pecou ao omitir-se em relação a um ponto tormentoso na questão da responsabilidade dos sócios em nosso sistema, que é a ocorrência da subcapitalização como motivo para o reconhecimento da desconsideração".

De fato, nem o artigo 50 prevê tal hipótese, nem prevê o direito brasileiro um valor mínimo de capital social a ser integralizado quando da formação da sociedade. Em razão disso, XAVIER alerta para a identificação de um princípio a ser observado em análise casuística: trata-se do Princípio da Adequação do Capital Social. Nas palavras deste doutrinador,

A inadequação do capital aos recursos necessários para o desempenho seguro da atividade social e para suportar os riscos de sua atividade ficou conhecida como subcapitalização, estimulando o surgimento entre nós do questionamento no sentido de identificar se, no direito brasileiro, existe a responsabilidade pessoal dos sócios pela subcapitalização da sociedade.

Fazendo menção à insuficiência de debates sobre tão importante questão, ao final assevera:

Ao constituírem a sociedade, com a adoção de forma societária à qual o ordenamento reserve esse privilégio da limitação de responsabilidade, os sócios assumem o dever de assegurar a existência de um capital adequado para garantir a atividade da empresa. Trata-se de condição implícita que, se não cumprida, não autorizará o surgimento da limitação de responsabilidade.

O Direito não pode tolerar a atuação de sociedades temerárias, dotadas de pequena porção patrimonial totalmente insuficiente para atender aos encargos contratuais assumidos e aos riscos oriundos do desenvolvimento da sua atividade, gerando instabilidade no tráfico negocial. Dotar sociedades, que se encontram nesta situação, de limitação de responsabilidade é preterir os valores sociais em função de benefícios injustificáveis para os membros da pessoa jurídica. (sublinhamos)

Com razão XAVIER. Especialmente no âmbito laboral, a eqüidade revela ser intolerável o fato de os créditos trabalhistas restarem a descoberto, enquanto os sócios, beneficiários diretos dos lucros da empresa, resultado do trabalho humano despendido pelo empregado, têm o seu patrimônio pessoal a salvo, a pretexto de que o sistema assegura a separação em face da autonomia da pessoa jurídica, que, aliás, não passa de uma ficção legal.

Por todos esses motivos, entende-se ter plena incidência no âmbito juslaboral a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa-empregadora, seja pela aplicação subsidiária do artigo 50 do CC, seja por aplicação analógica do artigo 28 do CDC.

Por fim, impõe-se referir que o Tribunal Regional da Quarta Região, por suas diversas turmas, vem sistematicamente entendendo pela desconsideração da personalidade jurídica do ente coletivo, com o redirecionamento da execução contra os bens dos sócios, sempre que inexistirem ou forem insuficientes os bens que compõem o patrimônio social para o pagamento das dívidas trabalhistas inadimplidas. Vejam-se as recentes ementas:

EMENTA: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA. A aplicação da teoria da despersonalização da pessoa jurídica e redirecionamento da execução aos bens dos sócios que compunham o quadro societário da sociedade executada visa garantir a efetiva prestação jurisdicional, porquanto não se pode deixar a descoberto do manto do direito o empregado em detrimento do sócio da sociedade executada, o qual deve suportar os riscos do empreendimento econômico. Agravo de petição parcialmente provido. (00074-2000-021-04-00-3 – 7ª Turma - Des. Fed. Flávia Lorena Pacheco – 10.12.2008)

EMENTA: REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. É suficiente o inadimplemento da obrigação pelo devedor principal para que se redirecione a execução do devedor subsidiário, ficando resguardado a este último o direito de regresso contra o primeiro, ou seus sócios. (00008-2004-009-04-00-3 – 3ª Turma - Des. Fed. Luiz Alberto de Vargas – 17.11.2008)

EMENTA: IRREGULARIDADE E ILEGALIDADE DO REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. ILEGALIDADE DA PENHORA. Nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada todos os sócios respondem subsidiariamente pelas dívidas trabalhistas da sociedade com seus próprios bens, sendo que é direito do exeqüente exigir de cada cotista o pagamento integral da dívida societária. Agravo de petição não provido. (01449-1996-022-04-00-1 – 1ª Turma - Des. Fed. José Felipe Ledur – 23.10.2008)

EMENTA: AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. EX-SÓCIO. No direito do trabalho, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica se aplica segundo os seus históricos preceitos, mais abrangentes e benéficos ao trabalhador, destinatário único do princípio tutelar do direito do trabalho. Justifica-se, a teoria, na proteção ao trabalhador hipossuficiente, cujo crédito exeqüendo tem natureza alimentar. A responsabilidade por esse risco se transfere aos sócios e, sucessivamente, aos ex-sócios. (00818-2005-733-04-00-1 – 6ª Turma - Des. Fed. Maria Cristina Schaan Ferreira – 22.10.2008)

EMENTA: AGRAVO DE PETIÇÃO DO MUNICÍPIO DE VACARIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO. Não há violação ao contraditório e à ampla defesa o redirecionamento da execução para o sócio da reclamada, pois a natureza alimentar dos créditos trabalhistas impõe que o princípio da responsabilidade limitada dos sócios da pessoa jurídica seja mitigado para que o empregado possa submeter os bens dos sócios da empresa até a satisfação integral dos créditos trabalhista, independentemente da existência de fraude ou abuso de direito. Incidência do art. 28, §5º da Lei nº 8.078/90. Recurso desprovido. AGRAVO DE PETIÇÃO DA UNIÃO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. FATO GERADOR. JUROS E MULTA. O fato gerador das contribuições previdenciárias ocorre com o trânsito em julgado da sentença de liquidação, não, sendo devidos juros moratórios antes de sua constituição. 00355-2006-461-04-00-3 – 3ª Turma - Des. Fed. Francisco Rossal de Araújo – 15.10.2008)

EMENTA: DIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA OS SÓCIOS. O princípio da desconsideração da personalidade jurídica leva à comunicação dos patrimônios dos sócios e da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, independentemente de ter participação minoritária e não ter atuado como gerente. Aplicação dos artigos 50 e 1032 do CC. Agravo de petição do sócio executado desprovido. (00671-2003-003-04-00-9 – 2ª Turma - Des. Fed. Hugo Carlos Scheuermann – 06.08.2008)

EMENTA: VIABILIDADE DA PENHORA DE VALORES DEPOSITADOS EM CONTA CORRENTE DE SÓCIO. Sendo infrutíferas as tentativas do exeqüente em ver satisfeito seu crédito trabalhista pela ex-empregadora, impõe-se a responsabilização do sócio da empresa. Situação em que a constrição judicial é mantida, sobretudo porque o crédito do empregado se reveste de nítida natureza alimentar, sendo preferencial aos créditos de outra natureza. Provimento negado. (00328-2005-404-04-00-5 – 1ª Turma - Des. Fed. Maria Helena Mallmann – 21.05.2008)

Sobre a autora
Gaysita Schaan Ribeiro

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos / UNISINOS (1992). Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela UNISINOS (2009). Pós-graduanda em Direito Imobiliário Aplicado pela Escola Paulista de Direito / EPD. Pós-graduanda em Direito Digital pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul / FMP. Inscrita na OAB/RS sob n.º 31.724. Sócia de Schaan Advogados Associados S/S. Membro do Comitê Público da ANPPD®. Membro da Comissão Especial de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RS Subseção Canela/Gramado-RS. CV: http://lattes.cnpq.br/1823639803996519

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Gaysita Schaan. A desconsideração da personalidade jurídica na execução trabalhista.: Análise dos fundamentos jurídicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2196, 6 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13094. Acesso em: 23 dez. 2024.

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