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Observância do princípio da causalidade na condenação da Fazenda Pública em honorários advocatícios

O presente artigo visa abordar a questão da impossibilidade de condenação da Fazenda Pública em honorários advocatícios na hipótese de extinção de ação de execução fiscal decorrente de exceção de pré-executividade julgada procedente, quando restar constatado erro do contribuinte no lançamento dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação.

Eis a hipótese: a Fazenda Nacional promove ação de execução fiscal visando à cobrança de débito decorrente de tributo cujo lançamento se dá por homologação. A executada é citada e oferece exceção de pré-executividade alegando a nulidade do débito. A Receita Federal ou a Procuradoria da Fazenda Nacional, após análise, conclui que o débito deve ser cancelado, na medida em que foi inscrito indevidamente por erro no preenchimento da Declaração de Contribuições e Tributos Federais. A Fazenda Nacional requer, então, a extinção da execução fiscal, com fundamento no art. 26 da Lei 6830/801 . Deve a Fazenda Nacional ser condenada em honorários advocatícios?


Da possibilidade de condenação em honorários advocatícios em sede de exceção de pré-executividade.

Discutiu-se por longo período a possibilidade de condenação em honorários advocatícios em sede de exceção de pré-executividade.

A Fazenda Nacional invocava em sua defesa o artigo 26 da Lei 6830/80, conforme o qual se, antes da decisão de primeira instância, a inscrição de dívida ativa for, a qualquer título, cancelada, a execução fiscal será extinta, sem qualquer ônus para as partes, e que, portanto, condenar a União a pagar honorários seria julgar manifestamente contra legem.

Além do mencionado artigo 26 da Lei 6830/80, respaldava o entendimento da Fazenda Nacional o art. 1-D da Lei 9494/97 (alterado pela Medida Provisória nº 2180-35, de 24 de agosto de 2001), de acordo com o qual: "Não serão devidos honorários pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas."

Todavia, o E. Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento2 de que uma vez acolhida a exceção de pré-executividade é cabível a condenação em honorários, tendo em vista a necessidade de observância do princípio da isonomia entre as partes no processo judicial, bem como de contratação de advogado para manifestação nos autos judiciais.

A propósito, destacamos o seguinte julgado proferido pelo E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO INTERNO. EXECUÇÃO FISCAL. NÃO INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE.  HONORÁRIOS. CABIMENTO.

1. A verba honorária é devida pela Fazenda exequente tendo em vista o caráter contencioso da exceção de pré-executividade e da circunstância em que, ensejando o incidente processual, o princípio da sucumbência implica suportar o ônus correspondente.

2. A ratio legis do artigo 26, da Lei 6830/80, pressupõe que a própria Fazenda, sponte sua, tenha dado ensejo à extinção da execução, o que não se verifica quando ocorrida após o oferecimento de exceção de pré-executividade, situação em tudo por tudo assemelhada ao acolhimento dos embargos.

3. Raciocínio isonômico que se amolda à novel disposição de que são devidos honorários na execução e nos embargos à execução (§ 4º do art. 20 - 2ª parte)

4. A novel legislação processual, reconhecendo as naturezas distintas da execução e dos embargos, estes como processo de cognição introduzido no organismo do processo executivo, estabelece que são devidos honorários em execução embargada ou não.

5. Forçoso reconhecer o cabimento da condenação da Fazenda Pública em honorários advocatícios na hipótese de oferecimento da exceção de pré-executividade, a qual, mercê de criar contenciosidade incidental na execução, pode perfeitamente figurar como causa imediata e geradora do ato de disponibilidade processual, sendo irrelevante a falta de oferecimento de embargos à execução, porquanto houve a contratação de advogado, que, inclusive, peticionou nos autos.

6. Agravo Regimental desprovido.

(AgRg no Ag 754884/MG, Rel. Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/09/2006, DJ 19/10/2006 p. 246)

Constata-se, portanto, que a condenação em honorários advocatícios em sede de exceção de pré-executividade apresentada em execução fiscal é plenamente acolhida pelo E. Superior Tribunal de Justiça. Contudo, há que se destacar que essa condenação não é automática no caso de acolhimento da exceção de pré-executividade e consequente extinção da execução fiscal.


Dos princípios da sucumbência e da causalidade

Com efeito, de acordo com o dogma da sucumbência, é o fato objetivo da derrota que legitima a condenação nas despesas do processo, incluindo os honorários advocatícios. A atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva3. Segundo Chiovenda, a condenação nas despesas processuais estava "condicionada alla socombenza pura e semplice", não se mostrando relevante a intenção ou o comportamento do sucumbente quanto à má-fé ou culpa.4

Entretanto, o próprio Chiovenda encontrou, em situações concretas, sérias dificuldades para a aplicação deste critério unitário, buscando soluções casuísticas que acabaram por enfraquecer a aplicação do princípio da sucumbência. A saída encontrada foi a observância do critério de evitabilidade da lide5, que colocou em evidência o vínculo de causalidade que existe entre quem deu causa à demanda e a solução da mesma.

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Deve-se observar, contudo, que a ideia de causalidade não se dissocia necessariamente da de sucumbência.

É a sucumbência, portanto, o mais revelador e expressivo elemento da causalidade, pois via de regra, o sucumbente é o sujeito que deu causa à ação; entretanto, impende ratificar, esta máxima não é absoluta, havendo situações em que imputar ao vencido, pelo fato objetivo da derrota, o ônus do pagamento das despesas processuais e honorários, configura-se a mais profunda injustiça.6

Em suma, a regra da sucumbência, prevista no artigo 20 do Código de Processo Civil, não é absoluta. O princípio da sucumbência cede lugar ao princípio da causalidade, o qual revela a ideia de que aquele que deu causa à instauração do processo, ou ao incidente processual, ainda que vencedor, deve arcar com os encargos daí decorrentes.

Esse raciocínio aplica-se no caso em que o contribuinte deu causa à execução fiscal.

É sabido que o lançamento de determinados tributos se dá por homologação. O sujeito passivo tem que verificar a ocorrência do fato gerador, calcular o montante devido e efetuar o pagamento no prazo, cabendo ao sujeito ativo apenas a conferência da apuração e do pagamento realizados. Nesta modalidade, o recolhimento é exigido do devedor independentemente de prévia manifestação do sujeito ativo.

Na hipótese de o contribuinte declarar o tributo e não realizar o pagamento de acordo com sua declaração, o montante do tributo é cobrado em consonância com as informações prestadas pelo contribuinte. Nessa hipótese, caso o contribuinte cometa lapsos no preenchimento da Declaração de Contribuições e Tributos Federais, errando o preenchimento do código do tributo, do CNPJ da matriz ou filial, ou de eventuais valores que entende ser compensáveis, a autoridade fiscal promoverá o lançamento do tributo de acordo com essas informações, ainda que errôneas.

Uma vez constatada a existência do débito, o valor é inscrito em dívida ativa, conforme dispõem os parágrafos 1º e 2º do art. 5º do Decreto-lei nº 2.124/847 e é promovida a execução fiscal.

Tem-se verificado no dia-a-dia que, após a citação, o contribuinte, agora executado, apresenta sua exceção de pré-executividade, alegando a nulidade do débito inscrito, revelando que cometeu erros no preenchimento da DCTF. Constatada a inconsistência do débito, a execução fiscal deve ser extinta com fundamento no artigo 26 da Lei 6830/80, sem condenação em honorários, na medida em que a Fazenda Nacional não deu causa ao ajuizamento da execução fiscal.

Na hipótese de erro no preenchimento da declaração, no caso de tributos cujo lançamento se dá por homologação, o procedimento executivo fiscal apenas foi ajuizado em virtude de equívocos praticados pela própria executada, razão pela qual o cancelamento da inscrição não deverá ensejar que a Fazenda Nacional arque com honorários advocatícios.

Se não fosse o equívoco praticado pelo executado, quando do preenchimento da Declaração de Contribuições e Tributos Federais, os débitos não teriam sido inscritos, e a execução fiscal não teria sido ajuizada.

Invocando-se o princípio da causalidade, se o erro do contribuinte/executado conduziu à inscrição indevida da dívida e à propositura de execução fiscal,  não pode a Fazenda Pública Nacional ser responsabilizada a arcar com toda a sucumbência apenas porque corrigiu os erros por ele praticados em sede de ação de execução, anulando a inscrição do débito.

Zuudi Sakakihara8, ao comentar o art. 26 da Lei de execuções Fiscais, assim leciona:

Da mesma forma, se a Fazenda Pública vem a cancelar a dívida ativa que fora indevidamente inscrita, por culpa do próprio devedor, não estará obrigada a reembolsar ou pagar despesas por este realizadas ou contratadas, pois e, em tal caso, o prejuízo do devedor não terá sido causado pela Fazenda Pública. (...)

O ônus da sucumbência, portanto, haverá de ser suportado por aquele que tenha dado causa à execução, seja a Fazenda Pública, pelo indevido ajuizamento, seja o próprio devedor, pela omissão de informações que poderiam ter evitado a propositura da ação."(grifo nosso) 

Nesse sentido, cabe a transcrição de dois elucidativos julgados proferidos pelo E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO. CANCELAMENTO DO DÉBITO PELA EXEQUENTE. ERRO DO CONTRIBUINTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

FAZENDA PÚBLICA. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.

1. Os ônus das verbas honorárias devem ser imputados à parte vencida ou a quem deu causa à instauração do processo.

2. Na espécie, a contribuinte preencheu equivocadamente a respectiva DARF, não tendo sido adequadamente recolhido o tributo, fato que concorreu para o ajuizamento da execução fiscal. Diante desse panorama e tendo em vista o princípio da causalidade, o Tribunal de origem entendeu que a Fazenda Nacional deve ser exonerada do pagamento da verba advocatícia.

3. Agravo regimental não-provido.

(AgRg no REsp 969.358/SP, Rel. Ministro  MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/11/2008, DJe 01/12/2008)

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUÇÃO AJUIZADA POR ERRO DO CONTRIBUINTE EXECUTADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. Embargos à execução ajuizados por Mendes Júnior Engenharia S/A.contra a Fazenda Nacional afirmando estar o débito quitado desde o seu vencimento. Sentença julgando extintos os embargos sem julgamento do mérito em virtude da perda do seu objeto devido à informação da Fazenda de que os pagamentos haviam sido efetuados com o código incorreto. Interposta apelação pela empresa, o Relator deu-lhe provimento, ensejando a interposição de agravo regimental, não-provido pelo Tribunal. Embargos de declaração rejeitados.

Recurso especial da Fazenda Nacional, alegando violação de diversos dispositivos do CPC, bem como do art. 26 da Lei de Execuções Fiscais, além de dissídio jurisprudencial em razão do não-cabimento de condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, haja vista que a execução fiscal foi extinta antes da sentença de primeira instância. Aduz, ainda, que se o processo foi extinto sem julgamento do mérito por perda do objeto, não há como se condenar a parte contrária ao pagamento de verbas de sucumbência. Contra-razões não-apresentadas.

2. Não comete violação do artigo 535 do Código de Processo Civil o acórdão que  expressou entendimento diverso do da parte. Isso não o acoima de vício, de nulidade por omissão.

3. Se o contribuinte realizou o pagamento de forma errônea, já que recolheu o débito exequendo com código de receita incorreto e quando notificado da sua inscrição em Dívida Ativa da União, quedou-se inerte, aguardando a execução judicial, deve, portanto, ser considerado o responsável pelo ajuizamento da execução fiscal.Destarte se fica demonstrado em embargos do devedor que a execução fiscal foi proposta por culpa do devedor, deve ser afastada a condenação da Fazenda Pública nos ônus sucumbenciais.

4. O princípio da sucumbência encontra-se contido em outro mais amplo, o princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve arcar com os encargos dele decorrentes.

5. Recurso especial provido.

(REsp 768.198/MG, Rel. Ministro  JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/09/2005, DJ 17/10/2005 p. 227)

Assim, conclui-se que a Fazenda Pública não pode ser automaticamente condenada em honorários advocatícios, ainda que reconheça o cancelamento do débito, fazendo-se absolutamente necessária a verificação da relação de causalidade entre a distribuição da ação executiva e a responsabilidade do contribuinte pelas informações prestadas nos casos de tributos sujeitos ao lançamento por homologação.  

Sobre as autoras
Beatriz Pereira da Silva

Procuradora da Fazenda Nacional; pós-graduanda em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional

Gislene Machado

Procuradora da Fazenda Nacional; Especialista em Direito Processual Civil e em Direito Empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Beatriz Pereira; MACHADO, Gislene. Observância do princípio da causalidade na condenação da Fazenda Pública em honorários advocatícios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2203, 13 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13139. Acesso em: 22 dez. 2024.

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