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Interpretação constitucional no caso da colisão de direitos fundamentais.

Liberdade de expressão e não-discriminação

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Agenda 11/07/2009 às 00:00

RESUMO

Esta monografia tem por escopo trabalhar a questão relativa à interpretação dos preceitos constitucionais, obtendo informações acerca dos postulados, peculiaridades, métodos de interpretação clássicos, modernos e a nova hermenêutica. Após faz análise de um caso concreto em que há colisão de dois direitos fundamentais, para tal são observadas as características dos direitos fundamentais, culminado com um confronto de métodos de interpretação constitucional.

Palavras-chaves: Interpretação constitucional, métodos de interpretação, nova hermenêutica, liberdade de expressão, dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO . CAPÍTULO I – Hermenêutica e Interpretação Constitucional . 1.1 Características Gerais. 1.2 Objeto da Interpretação Constitucional 1.3 Conceitos tradicionais no que tange à Interpretação Constitucional . 1.4 Singularidades da Interpretação Constitucional. 1.5 Principais Condicionantes da Interpretação Constitucional. CAPÍTULO II – Métodos de Interpretação Constitucional . 2.1 Considerações Preliminares. 2.2 Métodos Clássicos de Interpretação Constitucional.2.3 Métodos Modernos de Interpretação Constitucional . CAPÍTULO III – Nova Hermenêutica. 3.1 Considerações Preliminares. 3.2 Pensamentos da Nova Hermenêutica . 3.3 Considerações Conclusivas. CAPÍTULO IV – Liberdade de expressão versus direito à não-discriminação. 4.1 Considerações Introdutórias. 4.2 Algumas considerações históricas dos direitos fundamentais. 4.3 Características gerais dos direitos fundamentais . 4.3 Análise do HC 82424-2, RS, STF . CONCLUSÃO . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

A interpretação constitucional é, indubitavelmente, um dos temas mais discutidos pela sociedade científico-jurídica brasileira, no que tange a reformulações em sua sistemática. Dessa maneira, necessita de avanços constantes para que não cause em seu espectro sistemáticos conflitos que defluam na ineficiência deste instituto.

Várias propostas foram apresentadas, mas ainda não há sequer previsão de quando ocorrerá correção no seu conjunto de elementos insatisfatórios, visando à completude ideal de interpretações dos preceitos constitucionais.

O pensamento jurídico moderno necessita de novas perspectivas que visem à possibilidade de aproximação do conteúdo interpretativo com a realidade social que lhe permita solucionar problemas.

O trabalho em análise se propõe a dinamizar esse estudo relacionado à interpretação constitucional com o intuito de enfocar nas relações interpretativas, apresentando características, conceito e princípios aplicáveis ao desiderato constitucional, de modo que estas explicações sirvam de base para a construção de uma lógica ampla no que toca à hermenêutica constitucional.

Os questionamentos são prementes e importam na derrocada de um modelo arcaico de condução da orientação interpretativa estatal, bem como demonstram a necessidade de evolução dos procedimentos, o direito não pode manter-se inerte, a função principal do direito é garantir a efetivação da justiça, nem que para isso se tenha que criar diferenças dando efetividade ao principio da isonomia.

Com a finalidade de evitar contradições e incompatibilidades, serão utilizados critérios lógicos nos enunciados referentes à dogmática interpretativa constitucional. Nesse sentido, as técnicas que visem restabelecer enunciados que antes seriam incompatíveis, restarão de extrema importância para o trabalho [01].

Observar-se-á a imprescindibilidade de estabelecer diferenciações relativas à maneira de se interpretar o conteúdo constitucional em comparação às normas jurídicas em geral.

Os argumentos propostos nesse trabalho não terão a finalidade de apresentar um modelo completo e acabado, mas, sim, observar quais são os métodos contemporâneos que estão surgindo no meio jurídico e doutrinário e analisá-los conforme a realidade social que permeia nosso quotidiano.

No primeiro capítulo, serão estudados os conceitos referentes a hermenêutica e interpretação constitucional, definindo o objeto da interpretação constitucional, os conceitos clássicos da interpretação, as singularidades da interpretação constitucional e os principais condicionantes da interpretação constitucional.

No segundo capítulo, abordar-se-ão os métodos de interpretação constitucional, iniciando pelos métodos clássicos, depois, pelos métodos modernos.

No terceiro capítulo, será feito um estudo crítico da nova hermenêutica constitucional, cujas propostas advêm de HABERLE, VIEHWEG, HESSE, MULLER, entre outros.

No quarto capítulo, faz-se estudo de caso concreto referente à colisão de normas de cunho fundamental, sendo estes a liberdade de expressão e o direito à não-discriminação (este enquanto decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana).

Conclui-se que deverá haver modificações profundas no que tange aos riscos dos modelos interpretativos aplicáveis, principalmente naquelas relativas aos critérios jurídico-normativos clássicos. Haverá profundeza no tema, principalmente nos requisitos previstos nos conteúdos interpretativos contemporâneos, percebendo a contribuição que a nova hermenêutica traz à baila para os métodos de interpretação.

Dessa maneira, o estudo ora apresentado pretende abordar os principais temas relacionados com a interpretação constitucional, e assim contribuir para o meio acadêmico, sob uma análise mais comprometida com o estudo.


CAPÍTULO I – HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

A hermenêutica constitucional, sabidamente, é um dos temas mais importantes da sistemática jurídica, sendo objeto de vertentes de discussão aprofundadas em todos os ramos de aplicação do direito. De modo geral, a hermenêutica é termo utilizado que pode significar a busca do sentido de uma palavra [02]. O constitucionalista Uadi Lammêgo BULOS observa que "tudo gira em torno da compreensão e apreensão de sentido, significado e alcance das normas enfeixadas na Constituição, uma vez que todos os ramos do Direito estão fundados nela" [03].

O problema da ciência do direito reduziu-se, de certa maneira, à melhor interpretação da lei. [04] Uma interpretação que parecia adequada pode ser demonstrada incorreta, uma vez que sempre são possíveis novas e melhores interpretações, levando-se em conta a época histórica em que vive o intérprete e o que ele sabe. [05]

Os preceitos constitucionais necessitam, assim, de apreensões nos seus sentidos mais precisos e amplificados, sempre na busca da máxima eficácia do desiderato constitucional, devido à sua extrema importância.

O grande esforço rumo à objetividade e à controlabilidade do resultado da interpretação consistirá em conceber métodos e critérios que, de um lado, assegurem a autonomia essencial da norma, mas sem impedir que o intérprete debruce-se sobre o objeto da interpretação [06] .

A interpretação do conteúdo constitucional, portanto, precisa alcançar valores que possuam a virtude de colocar a Constituição em sua posição eminente e posicionando-a conforme as expectativas sociais.

O operador do direito cumpre uma função essencial no trabalho jurídico, que é o de mediar o objeto da interpretação e o destinatário da norma. Nesse momento, ele deverá aplicar critérios científicos, objetivos e transparentes.

Nesse capítulo, há a preocupação em prestar esclarecimentos referentes ao estudo da interpretação constitucional, definindo também qual o seu objeto.

O objeto de estudo da interpretação constitucional será estudado nesse capítulo, eis a necessidade em definir o campo de atuação do presente trabalho.

Serão analisados, inicialmente, alguns métodos referentes à interpretação constitucional, de maneira a observar distinções que recairão necessariamente para a compreensão da clareza e efetividade do estudo em relação à hermenêutica, interpretação e construção constitucional, e, posteriormente sua aplicação.

Ademais, as peculiaridades das normas constitucionais impõem a necessidade de uma interpretação diferenciada das demais normas jurídicas em razão de sua complexidade. Dentre as pertinências existentes estão a supremacia da constituição (crivo hierárquico), a natureza da linguagem, normas programáticas, o conteúdo específico da norma constitucional e o seu caráter político.

Ao final, serão estudados os principais condicionantes do sistema constitucional, ou seja, algumas imposições dirigidas àqueles que pretendem exercer a atividade interpretativa, são estes: unidade da constituição, concordância prática ou harmonização da força normativa da constituição e a máxima efetividade do efeito integrador da interpretação. [07]

1.2.Objeto da interpretação constitucional

A definição do objeto da interpretação constitucional passa por dois momentos prévios: a noção de interpretação e a de Constituição, para que se possa definir o objeto da interpretação constitucional.

A interpretação, que será estudada com mais rigor no tópico seguinte, consiste na tarefa de atribuir um sentido a determinado conteúdo. Parte da premissa de que a interpretação não é um fenômeno absoluto ou atemporal [08].

A noção de Constituição é, sem dúvida, matéria complexa, pois ela encontra vários aspectos que complementam seu fundamento. Pode-se dizer que a Constituição a ser estudada no presente trabalho será Constituição formal, rígida e escrita que se distingue da material e substancial. [09]

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Nesse sentido (formal) pode ser conceituada, em poucas palavras, como "um conjunto de normas legislativas que se distinguem das não-constitucionais em razão de serem produzidas por um processo legislativo mais dificultoso, vale dizer, um processo legislativo mais árduo e mais solene". [10]

Enquanto a Lei ostenta alto grau de precisão e de determinação, na maioria das vezes, podendo ser imediatamente aplicável, a Constituição, por outro lado, apresenta-se como sistema aberto de regras e princípios que necessitam da mediação de legisladores e juízes para lograrem efetividade [11].

Definido o campo de atuação, pode-se dizer que o objeto de interpretação constitucional é o texto da Constituição, com todas suas correlações e implicações explícitas e também implícitas.

Parece óbvia a definição do campo de atuação, mas é salutar fazer algumas considerações com respeito ao tema, eis que falar em constituição implica em acepção nos quais vários fatores devem ser considerados pelos constitucionalistas, tendo em vista que na literatura jurídica o termo assume várias concepções. Segue, portanto, algumas breves considerações que permeiam o mundo jurídico sob a ótica constitucional, esclarecendo que nosso estudo refere-se à Constituição formal, escrita e rígida.

A rigidez constitucional traduz a necessidade de um processo especial para reforma da Constituição, distinto e mais complexo do que o necessário para a edição de leis infraconstitucionais [12]. A importância da rigidez constitucional clareia a posição dominante da Constituição frente às demais normas, e é essencial para conceber a idéia de Superioridade da Constituição.

A Constituição não visa à solução de uma lide, como acontece geralmente no direito privado, mas se destinam, sim, a regular as relações políticas entre Estado e Sociedade [13].

Notadamente, é necessário refletir acerca do conteúdo existente na constituição formal que por vezes inserem no texto constitucional aspecto de índole ordinária que não pertencem ao conteúdo histórico de natureza constitucional.

Nesse sentido, BONAVIDES alertou:

"(...) a Constituição, em seu aspecto material, diz respeito ao conteúdo, mas tão-somente ao conteúdo das determinações mais importantes, únicas merecedoras, segundo entendimento dominante, de serem designadas como matéria constitucional" [14].

Assim, o constitucionalista supracitado alertou a importância do conteúdo material do preceito constitucional, sendo estas as merecedoras, sob a ótica temporal, em permanecerem no texto constitucional.

O autor continua:

"(...) Essa diversidade de órbitas entre o que é constitucional só na esfera formal e aquilo o que é em sentido substancial, logicamente só se produz nas Constituições escritas, desde que, nas consuetudinárias, unicamente a interpretação racional determina quais as regras do sistema jurídico que têm caráter constitucional." [15]

Dessa maneira, concluindo pela existência de vários significados de constituição, observa-se que BONAVIDES critica a determinação de regras de fulcro ordinário nos preceitos constitucionais.

A definição de Constituição, ainda assim, merece tratamento dos demais autores, a fim de que sejam resguardados posicionamentos distintos referentes à matéria.

Nesse sentido, LASSALE salienta que a Constituição deva ser:

"Essa norma que fundamenta todas as outras leis que regem o país deve ser efetiva, ou seja, baseada na realidade social e histórica de um povo, caso contrário a Constituição está fadada a ser mera folha de papel" [16].

Dessa maneira, LASSALE defende que o texto constitucional reflita a realidade social e histórica de um povo. Observa que não há que se falar em Constituição, caso esta não venha a partir da realidade social. Utiliza, portanto aspectos sociológicos para designar o que venha ser Constituição.

O entendimento de LASSALE implica numa criação do preceito constitucional numa perspectiva meramente sociológica. Alguns autores discordam, entretanto, do entendimento teórico deste autor, pois entendem que tal proposta afaste os preceitos constitucionais de seu caráter normativo.

Contudo, sob outra perspectiva Konrad HESSE rebate afirmando:

"Se as normas contidas na Constituição não são mais nada do que expressão de relações fáticas altamente mutáveis, é de se reconhecer que a ciência da Constituição serve tão-somente para dar fundamento às relações do poder dominantes, sem qualquer outra função digna" [17]

A critica de Konrad HESSE em relação ao preceito teórico de Lassale determina que a ciência da Constituição seja contrária à mera expressão de relações fáticas, que fundamentam as relações do poder dominante, pois, raciocinando nesse sentido (mera expressão de relações fáticas), chega-se ao absurdo em afirmar que a função do preceito constitucional nada mais é do que confirmatório dos costumes dos segmentos da sociedade.

A Constituição não figura, portanto, apenas uma expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que simples reflexo das condições fáticas de sua vigência; particularmente as formas sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. [18]

O significado de Constituição que merece tratamento mais acurado no presente trabalho refere-se à Constituição formal, escrita e rígida, embora se reconheçam as considerações dos autores supramencionados, em relação ao sentido jurídico da norma constitucional e o sentido sociológico da Constituição.

Assim, embora não seja abandonada a idéia de que Constituição esteja necessariamente ligada aos fatores reais da sociedade, pressupõe-se que o estudo ora utilizado seja sentido formal de Constituição, uma vez que a interpretação do preceito constitucional tem por objeto necessário esse texto constitucional escrito.

Vale notar que toda norma necessita de interpretação, uma vez que essa é a ferramenta de trabalho do operador do direito, ainda que a norma esteja clara ou obscura, pois é subjetiva a afirmação de que uma norma jurídica seja clara ou obscura.

Celso Ribeiro de BASTOS assinala que o objeto da interpretação não é o sistema jurídico-constitucional, mas a Constituição considerada em seu conjunto. [19]

Conclui-se a partir dessa afirmativa que o objeto de estudo da interpretação constitucional é apenas o texto constitucional.

Há autores que afirmam que as sentenças em questões submetidas às supremas cortes integram o objeto da interpretação constitucional diretamente, quando estas (sentenças) forem referentes ao campo constitucional.

O Celso Ribeiro de BASTOS, ao citar Hans KELSEN, afirma que o idealizador da teoria pura do direito entende ser possível a interpretação das sentenças constitucionais, enquanto conteúdo do texto da Constituição, no entanto na qualidade de norma infraconstitucional, hierarquicamente inferior a leis ordinárias [20].

Outro autor citado por BASTOS, cujo nome é MORTATI, defende, ao contrário de KELSEN, que as sentenças constitucionais estão em posição hierarquicamente superior às leis ordinárias, ou seja, em patamar quase semelhante das normas constitucionais [21].

A realidade jurídica brasileira pode reduzir sobremaneira o entendimento dos autores supramencionados, eis que, de acordo com a realidade nacional, é possível chegar a conclusões diversas das propostas dos doutrinadores citados por BASTOS.

É possível concluir que, assim como defende BASTOS, a princípio as sentenças constitucionais não sejam objetos de interpretação constitucionais, e que estas constituam métodos adotados para proceder-se a uma interpretação [22].

A conclusão a que se chega nesse trabalho com relação ao objeto da interpretação constitucional, analisando a premissa da realidade advinda da estrutura jurídica brasileira, de acordo com decisões jurisprudenciais, compreende-se que o modelo apresentado por MORTATI está mais adequado à realidade jurídica brasileira, pois quando o Supremo Tribunal Federal (Corte Constitucional Brasileira) emite uma decisão, no caso concreto e que vincule somente as partes, atribuindo inconstitucionalidade de preceito normativo (leis, resoluções, etc), os órgãos judiciais aplicam imediatamente, ou quase, o entendimento da Corte Suprema. Dessa maneira, é inequívoco que há semelhança entre as decisões constitucionais e o preceito constitucional, daí a possibilidade de se considerar estas decisões como sendo objeto da interpretação constitucional.

No presente trabalho, entretanto, será adotado o entendimento proferido pelo Celso Ribeiro de BASTOS, em relação ao objeto da interpretação constitucional, que será o texto escrito da Constituição, e que considera as decisões da Corte Suprema como instrumentos hábeis a auxiliar o processo de interpretação.

Portanto, o objeto de trabalho da interpretação constitucional é a determinação dos significados que integram a Constituição formal que pode assumir, pelo menos, duas hipóteses de incidência, a aplicação direta do conteúdo constitucional ou a operação de controle de constitucionalidade.

1.3.Conceitos tradicionais no que tange à interpretação constitucional

Num estudo relacionado à interpretação, é necessário que o modelo advenha com preocupações no seu aspecto lingüístico, eis que as palavras e expressões não podem ser usadas indistintamente, pois a força do argumento pode ser minorada em razão da amplitude inesperada do argumento. Assim, os dados aqui propostos serão criteriosamente diferenciados, a saber: hermenêutica, interpretação, construção e, por fim, aplicação.

A hermenêutica consiste no processo de tornar algo compreensível, mormente no que diz respeito à linguagem, vez que ela é o principal meio neste processo [23]. O procedimento de tornar compreensível está subentendido nas três vertentes primárias existentes no significado de hermenêutica, dizer, explicar e traduzir. Existe algo que demanda representação, esclarecimento ou tradução e que se transforma, de certo modo, em acessível, decifrado [24].

Dessa maneira, a definição de hermenêutica remonta à decifração, elucidando, racionalizando e esclarecendo algo, nesse sentido Palmer defende:

"a hermenêutica tem a ver com textos simbólicos com múltiplos significados; estes podem constituir uma unidade semântica que tem um significado superficial totalmente coerente, tendo ao mesmo tempo um significado mais fundo. A hermenêutica é o sistema pelo qual o significado mais fundo é revelado, para além do conteúdo manifesto" [25].

Assim, a concepção de PALMER far-se-á uma das mais importantes da ciência jurídica, que é composta por determinado ordenamento jurídico que contém normas gerais e abstratas, que, por sua vez, necessitam de um sistema que revele seus significados mais profundos, que melhore seu conteúdo manifesto. Hermenêutica é, portanto, a teoria científica na arte de interpretar [26].

Interpretar uma norma é, portanto, atribuir ao conteúdo a ser interpretada clareza em seu sentido que anteriormente aparentava obscuridão. Dentre várias escolhas possíveis, decidir por aquela que tenha a melhor definição, interação por convergência e força argumentativa. Nas palavras de CANOTILHO:

"Interpretar as normas constitucionais significa compreender, investigar e mediatizar o conteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que formam o texto constitucional". [27]

A diferença entre interpretação e construção se encontra na determinação do conteúdo, pois enquanto uma (interpretação) está, na maioria das vezes limitada à exploração do texto, a outra (construção) vai além, podendo considerar passos extrínsecos. Portanto, construção tem significado mais amplo que interpretação.

A aplicação do preceito constitucional é a efetiva materialização da norma mediante a incidência no caso concreto. É, no dizer de BASTOS, "voltado à produção de efeitos práticos" [28].

O procedimento de interpretação na dogmática jurídica é indispensável ao operador do direito e deve ser melhorada quanto maior for o grau de abstração do conteúdo a ser interpretado, eis que num processo de concatenação de normas assevera-se que a sistematização das normas integrantes corroborará com a finalidade interpretativa, de forma a compatibilizar o sentido e alcance de uma norma à vocação sistemática.

Conforme se observa, os constitucionalistas em geral são praticamente uníssonos de que a interpretação constitucional está inserida no rol da hermenêutica jurídica ordinária, contudo enunciam que a especificidade do modelo constitucional necessita de processo interpretativo peculiar, à sua maneira. As peculiaridades dos mandamentos constitucionais foram expostas por vários autores e serão analisadas em sua maioria nesse momento.

1.4.Singularidades da interpretação constitucional

A constituição federal precisa, como já foi parte de discussão, de interpretação diferenciada, tendo em vista seu posicionamento diante da estrutura normativa do Estado, bem como de acordo com peculiaridades que lhe são inerentes.

Vários doutrinadores são convergentes no que tange às peculiaridades referentes ao preceito constitucional, no entanto divergem nos aspectos avaliativos e descritivos em relação a essas peculiaridades. Por isso, optou-se em defender o elenco oferecido por Luis Roberto de BARROSO [29]. Dessa maneira, serão proferidas as singularidades previstas nos mandamentos interpretativos constitucionais propostos pelo constitucionalista.

BARROSO [30] oferece quatro características que merecem destaque na diferenciação das normas constitucionais em relação às demais normas jurídicas, a supremacia da constituição, a natureza da linguagem, o conteúdo específico e o caráter político.

A supremacia da constituição, ou superioridade hierárquica (como se referem alguns autores), designa o que há de mais importante quando da interpretação da constituição, em razão de sua relevância na cadeia normativa, eis que esta define a peculiaridade mais prevalente de seu caráter. Todo o ordenamento jurídico será subordinado ao desiderato constitucional, de tal modo que nenhum ato subsistirá validamente se não houver obediência ao seu comando prescritivo ou teleológico.

Neste sentido, Celso Ribeiro de BASTOS ensina:

"(...) sendo a Lei Suprema, a Constituição não encontra acima dela outros textos normativos que a vinculem. Daí esse caráter de inicialidade, que do ângulo estritamente interpretativo impõe que seus termos e vocábulos sejam interpretados a partir dela mesma". [31]

A compreensão de supremacia da constituição é inevitável para o estudo da interpretação, pois decorre dessa singularidade da norma que se chega aos demais requisitos, bem como às demais peculiaridades.

A natureza da linguagem constitucional se refere aos preceitos de especificação ideológica ou de valoração principiológica, atribuindo a tais perspectivas maior amplitude de significados nos enunciados constitucionais. Implica por dificultar a precisão de sua interpretação, dessa maneira, serão necessários paliativos à conjugação dos argumentos. BARROSO ensinou com muita riqueza que "a natureza da linguagem constitucional, própria à veiculação de normas principiológicas e esquemáticas, faz com que estas apresentem maior abertura, maior grau de abstração e, conseqüentemente, menor densidade jurídica" [32].

Dessa maneira, a natureza da linguagem constitucional confere ao intérprete um significativo espaço de atuação.

O conteúdo específico de segmentos do arcabouço constitucional fez com que este se diferenciasse sobremaneira dos demais ramos normativos. O conteúdo material do espectro constitucional já se define como sendo distintas das demais normas, como por exemplo, a separação de poderes, as normas de organização do Estado, a atribuição de direito e garantias fundamentais, entre outros.

O documento constitucional é singularizado também pela existência de normas programáticas. Estão contidas nelas disposições indicadoras de valores a serem preservados e de fins sociais a serem alcançados [33]. Seu objeto é o de estabelecer princípios e fixar programas de ação.

O caráter político, enfim, dos comandos constitucionalmente estabelecidos pressupõem uma análise histórica de seu conteúdo específico, pois o nascedouro de sua perspectiva é atribuído a partir da instituição do poder constituinte originário, mediante, na maioria das vezes, Assembléia Nacional Constituinte, na qual grupos de interesse pressionam os legisladores constituintes a designarem da maneira que melhor lhe aprouverem.

Segundo BARROSO, o caráter político pode ser assim definido:

"A despeito de seu caráter político, a constituição materializa a tentativa de conversão do poder político em poder jurídico. Seu objeto é um esforço de juridicização do fenômeno político" [34].

A jurisdição constitucional, nesse passo, por mais técnica e apegada ao direito que possa e deva ser jamais se libertará de uma dimensão política [35].

1.5.Principais condicionantes da interpretação constitucional

O BARROSO utilizou a nomenclatura princípios condicionantes [36] que serão considerados como pressupostos para uma análise constitucional íntegra, correta. Os pressupostos serão utilizados, quando for feita a interpretação constitucional, como premissas ou mesmo postulados de um dado conteúdo jurídico-constitucional para que se chegue conclusão idônea, sem falhas.

Há de se ressaltar a distinção entre norma e princípio antes de aprofundar-se no estudo.

A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas podem ser enquadradas em duas categorias distintas: as normas-princípio e as normas-disposição, enquanto a primeira tem conteúdo com maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada no sistema, a segunda tem eficácia restrita a certos episódios, a situações específicas [37].

Para iniciar o estudo das condicionantes, é indispensável que se comece pela Força normativa da Constituição, eis que este postulado fundamenta a existência de todo o modelo de interpretação constitucional.

A Força normativa da Constituição e a missão atribuída ao poder judiciário na sua defesa têm papel de destaque no sistema geral de freios e contrapesos concebido pelo constitucionalismo moderno como forma de conter o poder. Eis que na conjugação desses dois fatores, valores e direitos previstos na Carta Magna ficam protegidos por eventuais conturbações existentes entre os poderes da República, em razão de disputas políticas [38]. Daí a importância elástica da superioridade hierárquica da Constituição e sua rigidez, com efeito, para a primazia da ordem constitucional.

O escalonamento das normas determinou que a Constituição prevaleça sobre os demais conteúdos normativos, pois nada subsistirá validamente sem a proteção do desiderato constitucional. O autor KELSEN nesse sentido defende em sua teoria pura do direito:

"(...) A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas" [39].

O criador da teoria pura do direito continua:

"A sua unidade é produto da relação de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por seu turno, é determinada por outra, e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental–pressuposta." [40].

Assim, pode-se definir que a força normativa da Constituição deva prevalecer sobre todo o ordenamento para que seja possível validar o sistema de escalonamento proposto por KELSEN.

O postulado da força normativa do preceito constitucional é, sem dúvida o mais importante para o modelo de interpretação constitucional.

O princípio da Unidade da Constituição significa que não há incompatibilidades no texto constitucional, de modo que não possa haver incoerência no preceito da Constituição. O princípio em questão afirma que não pode haver dualidade de entendimento no decorrer da Constituição, sendo necessário harmonizar os preceitos que a primeira vista possam parecer controversos [41].

Ademais, as determinações constitucionais defendem uma lógica na qual não possa haver contradições no ordenamento jurídico, bem como nos seus preceitos internos, dessa maneira almeja-se a unidade constitucional enquanto princípio [42].

Afinal, é possível haver pluralidade de interpretações de mandamentos constitucionais, revela-se, portanto imprescindível estabelecer-se uma unidade de interpretação, segundo a utilização do princípio que será estudado logo adiante da harmonização.

A condicionante efetividade da Constituição determina que o operador do direito, quando em exercício de sua função interpretativa, deverá atribuir ao comando constitucional aquele que atribua maior eficácia ao dispositivo em análise. O que implica em relação ao axioma é o afastamento da idéia de que algo previsto no conteúdo constitucional seja considerado inócuo ou sem efeito algum. [43]

Nesse sentido, BASTOS também afirmou, "por derradeiro, há o princípio da maior efetividade possível, segundo o qual deve ser aplicada ao caso concreto toda a carga material contida em cada norma, atribuindo-lhe a maior eficácia possível, de forma que não existam normas constitucionais inócuas." [44]

A eficácia jurídica dos preceitos constitucionais se coaduna com a premissa de que a Constituição não pode ser considerada mera folha de papel, mas voltado sempre à produção de efeitos jurídicos. Nesse ínterim, cuida-se da concretização do comando normativo, sua força operativa no mundo dos fatos. [45]

O princípio da efetividade contempla a noção de eficácia do preceito constitucional, eis que este dá sentido e valor aos mandamentos da Constituição.

O princípio da Harmonização almeja conformar as diferentes normas e valores em conflito no texto constitucional, de forma que a aplicação de um não implique necessariamente a exclusão do outro. A manutenção da unidade constitucional depende da harmonização dos conteúdos expressos inicialmente.

O princípio da harmonização ou concordância prática expõe que não são admissíveis no sistema constitucional contradições ou exclusões dentro do sistema.

Os princípios da unidade da Constituição e da harmonização, pressupõem que se deve proceder à interpretação de modo a evitar as contradições entre as normas e, se existirem, num caso específico, harmonizar as suas diferenças para atingir a conclusão que mais atenda à coesão constitucional. [46]

O postulado da harmonização significa que os comandos constitucionais não poderão sofrer desarmonia, pois, assim acontecendo, estaria ocorrendo a não-aplicação de uma norma, o que evidentemente deve ser evitado a todo custo. [47]

Os bens constitucionalmente protegidos, em caso de conflito ou concorrência, devem ser tratados de maneira que a afirmação de um não implique o sacrifício do outro, agindo assim estará contemplado o princípio da harmonização ou concordância prática [48].

O princípio da conformidade funcional ou da justeza define que o intérprete dos preceitos constitucionais não pode chegar a um resultado que subverta o esquema de organização de repartição de funções estabelecido pelo poder constituinte originário.

CANOTILHO ensina que:

"O princípio da conformidade funcional tem em vista impedir, em sede de concretização da Constituição, a alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecida. O seu alcance primeiro é este: o órgão encarregado da interpretação constitucional da lei constitucional não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido." [49](grifo nosso)

Dessa maneira, reflete-se que é de vital importância para o sistema constitucional o princípio da conformidade funcional, em razão de sua função prática em relação aos órgãos do emanados do preceito constitucional.

O princípio do efeito integrador impõe ao intérprete prioridade aos pontos de vista que favoreçam a integração política e possibilitem o reforço da unidade política, eis que esta é uma das aspirações essenciais do preceito normativo constitucional.

Princípio da interpretação conforme a Constituição estabelece ao aplicador do preceito constitucional que, ao se deparar com normas de caráter polissêmico ou plurissignificativo, deve este preferir o sentido que priorizar a conformidade com a Constituição. [50]

Nas palavras do constitucionalista Gilmar Ferreira MENDES, "oportunidade para interpretação conforme a Constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição." [51]

Assim, a interpretação conforme a Constituição estipula que, quando o intérprete se deparar com alguma norma que possa admitir mais de uma interpretação, deve-se adotar o entendimento que coadune com o preceito constitucional, sob pena de violar a carta magna, caso contrário.

Definidas, resumidamente, as características gerais da interpretação constitucional, serão apresentados os principais métodos de interpretação constitucionais citados pelos doutrinadores, levando-se em consideração os novos métodos hermenêuticos que estão surgindo com força no complexo interpretativo constitucional.

Sobre o autor
Kleber Vinicius Bezerra Camelo de Melo

Defensor Público Federal. Especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas (IDP/2011). Especialista em Direito Processual nos Tribunais Superiores (UniCEUB/2013).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Kleber Vinicius Bezerra Camelo. Interpretação constitucional no caso da colisão de direitos fundamentais.: Liberdade de expressão e não-discriminação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2201, 11 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13146. Acesso em: 5 nov. 2024.

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