Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A proteção internacional ao direito à liberdade de consciência.

O sistema da ONU e o sistema europeu de proteção aos direitos do homem

Exibindo página 2 de 2
Agenda 22/07/2009 às 00:00

5. Conclusões

Chegada a etapa derradeira do presente trabalho, face à temática da proteção Internacional ao direito à liberdade de consciência no sistema da ONU e no sistema europeu de proteção aos direitos do homem, é possível pontuar-se algumas considerações finais.

1. Não se pode negar que os novos paradigmas da liberdade têm reflexo direto na relação do indivíduo com o Estado. E há ainda maior certeza quanto à necessidade de garantia da liberdade de ação subjetiva, segundo os patamares éticos do indivíduo.

2. A relevância da proteção ao direito à liberdade de consciência se projeta não só no plano conceitual, filosófico e sociológico – mesmo quando se conjuga a consciência como a prima face da liberdade – mas, sobretudo, na esfera normativa constitucional e jus internacional.

3 A liberdade, concebida como um direito inato e universal inerente à condição humana, também é patrocinada por normas de natureza de Direito Internacional Público.

4. É um direito previsto desde a Declaração Universal dos Direito do Homem de 1948. O primeiro catálogo internacional de caráter geral e universal referia-se à liberdade não só genericamente, como mencionava a liberdade de consciência, especificamente, em seu artigo 18.

5. Consoante o disposto no art. 2º do Pacto Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos Civis e Políticos os Estados obrigam-se tanto negativamente – posto que não podem obstar o exercício dos direitos – quanto positivamente – eis que, ao mesmo tempo, devem implementar os direitos previstos.

6. O Pacto excepcionou obrigações relacionadas a determinados direitos – face o disposto no seu art. 4º, 1 – sobre as quais muito excepcionalmente o Estado poderia eventualmente quedar-se inadimplente.

7. Todavia, em que se pese a favor desses direitos a garantia de que mesmo nessas situações excepcionais os Estados deveriam ater-se às demais normas de direito internacional, o direito à liberdade de consciência foi um dos direitos preservados, tendo permanecido livre de qualquer restrição.

8. Em 2005, a ONU reafirmou os direitos consagrados nos artigos 18 e art. 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos através da Resolução nº 38/2005. Com isso, fortaleceu a concepção da liberdade de consciência enquanto foro interno e foro externo.

9. Na realidade da Europa, destaca-se no plano institucional o sistema europeu de proteção aos direitos do homem, contando com um significativo aparato no âmbito dos estados europeus, e no plano normativo, o chamado Direito Europeu dos Direitos do Homem, cujo ordenamento se consolida no âmbito da União Europeia e do Conselho da Europa.

10. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem e seus protocolos anexos se destina aos cidadãos das partes contratantes e os estrangeiros, desde que dependentes da sua jurisdição, os quais podem, nos termos do art. 34º e seguintes, recorrer individualmente exercendo o seu direito de recurso através de petição para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

11. Instituído pela Convenção, cumpre ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem zelar pelo cumprimento daquelas obrigações jurídicas assumidas pelos Estados Europeus.

12. O artigo 9º da CEDH é expresso ao reconhecer à qualquer pessoa o direito à liberdade de consciência, em conjunto com outras liberdades como a liberdade de pensamento e de religião ou crença. Vale repetir, essas liberdades foram consideradas fundamentais pela Convenção.

13. Malgrado a CEDH proteja todas as convicções da pessoa humana, sejam elas de ordem filosófica, moral, políticas, etc, e em que se pese o reconhecimento do status de objetor de consciência (art. 9º combinado com o art. 14º) a objeção de consciência não tem consagração na Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou dos seus Protocolos adicionais.

14. Na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia a liberdade de consciência é tutelada em conjunto com a liberdade de religião, e a liberdade de pensamento (artigo 10º, 1). Embora tratada de maneira autônoma, teve o seu conceito relacionado ao conceito de liberdade de expressão, cuja tutela ficou a cargo do artigo 11º. Vale dizer, a objeção de consciência foi referida pela Carta como direito sob reserva de lei (art. 10º, 2).

15. Juntamente com a adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, a inserção definitiva da Carta dos Direitos Fundamentais no ordenamento jurídico europeu proporcionará àqueles Estados status de van guarda na proteção dos direitos do homem.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

16. Em síntese, o direito à liberdade de consciência traduz uma garantia de natureza jurídica internacional, cuja consagração no âmbito do Direito Internacional não se pode mais pôr a prova.

17. A tarefa de proporcionar todas as garantias necessárias à proteção desse direito, não apenas nos sistemas regionais, ou no sistema global da ONU, mas, sobretudo, no âmbito de cada ordenamento jurídico nacional, além de uma exigência inerente aos Estados Democráticos de Direito, consubstancia fundamento de proteção ao postulado da Dignidade da Pessoa Humana.


Referências Bibliográficas

AHMED, Tawhida. The european union and human rights: an international law perspective. The European Journal of International Law, vol. 17 no.4 EJIL 2006. Disponível em: <http://ejil.oxfordjournals.org/cgi/content/abstract/17/4/771>. Acessado em 17 de setembro de 2008.

ALEXANDRINO. José de Melo. Direitos Fundamentais - Introdução Geral. Cascais: Principia, 2007.

ALMEIDA, Francisco Ferreira de. Direito internacional público. 2 ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2003.

ARAMBURO, Mariano. Filosofia del derecho. Tomo Segundo. Nueva York. Intituto De Las Españas.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios (da definição à aplicação dos princípios jurídicos). Rio de Janeiro: Método, 2003.

BARRETO, Irineu Cabral. A convenção européia dos direitos do homem anotada. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2005.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

BECERRA, José Terol; MICHEO, Fernando Álvarez-Ossorio; Abraham Barrero. Las grandes decisiones del tribunal europeo de derechos humanos. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2005.

CHIASSONI Pierluigi. El estado laico según mater ecclesia libertad religiosa Y libertad de conciencia en una sociedad democrática. Isonomía Revista de Teoria y Filosofía Del Derecho, nº 27, México: Instituto Tecnológico Autónomo de México, 2007. p. 143-169.

DIAS, Augusto Silva. A relevância jurídico penal das decisões de consciência. Coimbra: Almedina.

DUARTE, Maria Luíza. União européia e direitos fundamentais no espaço da internormatividade. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2006.

_________________. A carta dos direitos fundamentais da união européia – natureza e meios de tutela. Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, Vol. I. Coimbra: Almedina, 2002.

________________. O direito da união européia e o direito europeu dos direitos do homem – uma defesa do "triângulo judicial europeu". Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra: Coimbra Editora, 2004.

DUPUY, René-Jean. O direito internacional. Coimbra: Almedina, 1993.

FERREIRA, Pedro Moura. Infracção e censura – representações e percursos da sociologia do desvio. Análise Social – Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. vol. XXXIV, nº 151-152. Lisboa, 2000. p. 639-671.

FILIBECK, Giorgio. Direitos do homem de João XXIII a João Paulo II. Cascais: Principia, 2000.

FIX-ZAMUDIO, Hector. Protección jurídico constitucional de los derechos humanos de fuente internacional en los ordenamientos de latinoamérica. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, nº 47, jul-dez.2005. Belo Horizonte, 2005. p.12-54.

GENTILE. Jorge Horácio. El fundamento de los derechos humanos. Revista Brasileira de Direito Constitucional, nº 6, Jul-Dez/2005, São Paulo : Escola Superior de Direito Constitucional, 2005. p. 56-63.

GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de direito internacional público. Introdução, fontes, relevância, sujeitos, domínio, garantia. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2007.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997.

HEGARTHY, Angela; SIOBHAN, Leonard. Direitos do homem. Uma agenda para o século XXI. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

HOMEM, António Pedro Barbas. A lei da liberdade: introdução histórica ao pensamento jurídico épocas medieval e moderna. Vol. I. Cascais: Principia, 2001.

KÄLIN, Walter. The EEA agreement and the european convention for the protection of human rights. The European Journal of International Law. Disponível em: <http://www.ejil.org/journal/Vol3/No2/art7-03.html>. Acessado em 17 de setembro de 2008.

LAMEGO, José Alberto. "Sociedade aberta" e liberdade de consciência – o direito fundamental de liberdade de consciência. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito, 1985.

MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2002.

MACHADO, Jónatas E. M. Direito internacional: do paradigma clássico ao pós 11 de Setembro. Coimbra: Coimbra Editora, 2003.

MARTINS, Ana Maria Guerra. Direito internacional dos direitos humanos. Lisboa: Almedina, 2006.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva. 2007.

MIRANDA, Jorge. A Declaração universal e os pactos internacionais de direitos do homem. Lisboa: Livraria Petrony, 1976.

ONU. Comissão de Direitos Humanos. Resolução 2004/42. 55ª sessão. 19 de abril de 2004. Disponível em: <http://ap.ohchr.org/Documents/mainec.aspx>. Acessado em 18 de setembro de 2008.

ONU. Comissão de Direitos Humanos. Resolução 2045/87. 58ª sessão. 21 de abril de 2004. Disponível em: <http://ap.ohchr.org/Documents/mainec.aspx>. Acessado em 18 de setembro de 2008.

ONU. Comissão de Direitos Humanos. Resolução 2005/38. 57ª sessão. 19 de abril de 2005. Disponível em: <http://ap.ohchr.org/Documents/mainec.aspx>. Acessado em 18 de setembro de 2008.

OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública - o sentido da vinculação da administração à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003.

PEREIRA, André Gonçalves e QUADROS, Fausto de. Manual de direito internacional público. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2007;

PEREIRA. Jane Reis. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

PIOVESAN, Flávia. Globalização e direitos humanos: desafios contemporâneos. Globalização Desafios e implicações para o Direito Internacional Contemporâneo. Organizador: Sidney Guerra. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006, p.369 a 396.

QUADROS, Fausto de. Direito da união européia. Coimbra: Almedina, 2004.

QUEIROZ, Cristina. Autonomia e direito fundamental à liberdade de consciência, religião e culto. Os limites da intervenção do poder público. Estudos Em Comemoração dos Cincos Anos (1995-200) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p. 291-343

SANTIAGO. José Maria Rodriguez. La ponderacion de bienes e intereses em el derecho adminsitrativo. Madrid: Marcial Pons, 2000

SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. 3 ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008.

VELASCO, Manuel Diez de. Instituciones de derecho internacional público. Madrid: Tecnos, 1997.

________________. 50 Anos de Europa Os Grandes Textos da Construção Européia. 2 ed. rev. e aum. Portugal: Parlamento Europeu.

2. Sites Relacionados

http://www.mercosur.int

http://europa.eu/index_pt.htm

http://eur-lex.europa.eu/pt/traties/index.htm

http://www.ecb.int/ecb/history/emu/html/index.pt.html

http://www.europarl.europa.eu/factsheets/default_pt.htm

http://www.travail.gouv.fr

http://www.diplomatie.be/fr/belgium/belgiumdetail.asp?TEXTID=1678

http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf

http://www.echr.coe.int/echr/

http://www.coe.int/

http://www.oas.org/OASpage/humanrights_esp.htm

http://www.gddc.pt

Notas

  1. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997.
  2. Enquanto no primeiro momento enfatizava-se a autonomia moral do indivíduo no segundo momento as Constituições, legislações e declarações de direitos consagravam de um lado, os direitos, garantias e liberdades, e, de outro, os direitos sociais.
  3. Essa igualdade, para os cristãos, está na vida interior dos seres humano, já que Deus atribui a todos de vontade. Para o cristão, diferente do antigo, não existe o homem trágico, que escolhe, há o homem pecador, que escolhe errado.
  4. Santo Agostinho visualizou ser possível desejar algo que não se pode fazer, e a possibilidade de realizar algo que não se deseja. E que era possível mesmo sem estar diante de qualquer impedimento externo, querer e ao mesmo tempo ser incapaz de realizar o que se queria.
  5. Na modernidade a liberdade de consciência tem marco na teologia da Reforma do protestantismo luterano que, contrapondo-se à idéia do cristianismo de vinculação à vontade de Deus, afirma-se como religião de liberdade de consciência, exaltando a exclusividade da autonomia na regulação da conduta, independentemente, portanto de fatores outros externos. Ou seja, após a reforma protestante não era mais preciso ser cristão para ser livre, e o homem poderia escolher a sua religião de acordo com a sua consciência.
  6. Por não haver pretensão de se tratar da dimensão exclusivamente constitucional da liberdade de consciência, este trabalho priorizará a esfera internacional da proteção a essa liberdade.
  7. O novo órgão criado através da Resolução A/RES/60/251, 3 de abril de 2006 Assembléia Geral das Nações Unidas é composto por 47 Estados-membros, eleitos pela Assembléia Geral da ONU, por períodos de três anos, com a seguinte representação geográfica: 13 países africanos, 13 asiáticos, 8 da América Latina e Caribe, 6 da Europa do Leste e 7 da Europa Ocidental e outros países. Tem sede em Genebra (Suíça), e deve realizar no mínimo três sessões ordinárias por ano, podendo convocar seus membros para sessões especiais sempre que necessário.
  8. O direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião é referido nas comunicações individuais e nos Comentários Gerais do Comitê de Direitos Humanos, a exemplo do Comentário Geral nº 22 de 30/07/1993.
  9. Tais resoluções enunciam a preocupação da ONU com as violações aos direitos fundamentais – nomeadamente o direito à liberdade de expressão, informação, pensamento e opinião – instando os Estados a respeitar e garantir o respeito pelos direitos humanos, adotando as medidas necessárias para evitar tais violações e compensar as suas vítimas, inclusive examinando suas políticas de governo, e seus procedimentos e práticas legislativas.
  10. Resolução da assembléia Geral 2174 (111), UN Doc A/810, p. 71, adotada em 10 de dezembro de 1948.
  11. Poucos meses antes, a Conferência Interamericana de 1948 aprovou a Declaração Americana de Direitos do Homem, que juntamente com a Carta Interamericana de Direitos Sociais serviu de antecedente para a proteção dos direitos humanos no âmbito do Sistema Interamericano de proteção aos Direitos do Homem.
  12. Em particular a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, e os aditamentos à Constituição dos EUA (Carta de Direitos) de 1791. HERGARTHY, Angela; siobhan, Leonardo. Direitos do homem. Uma agenda para o século XXI. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. p. 44.
  13. A Carta das Nações Unidas foi assinada em 26 de junho de 1945 e entrou em vigor em 24 de outubro de 1945. Estabelecia que os direitos humanos eram matéria de preocupação internacional, afirmando entre os propósitos das Nações Unidas o de "realizar a cooperação internacional… promovendo e estimulando o respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião" (Carta da ONU, art. 1 (3) HEGARTHY, Angela; SIOBHAN, Leonardo. Op cit. p. 26.
  14. O tema já ensejou mais polêmica. Houve quem entendesse que a DUDH teria o mesmo valor jurídico que as outras resoluções da Assembléia Geral, sem obrigar os Estados membros das Nações Unidas ao seu cumprimento. Outros firmaram que a Declaração deveria ser vista como um elemento constitutivo de regras consuetudinárias pré-existentes. Ainda houve quem defendesse o seu caráter vinculativo perante os Estados membros das Nações Unidas. Por fim, houve aqueles que sustentaram a DUDH como um instrumento pré-jurídico, a servir de fonte de inspiração a todas as outras normas, sendo que, ela própria não teria força vinculativa. Atualmente, a maioria da doutrina entende que por tratar-se de uma resolução da ONU, e sem consubstanciar tratado internacional, não haveria ali uma força normativa, embora alguns Estados a tenham incorporado em suas Constituições, e inúmeros tratados tenham sofrido a sua influência direta. Daí afirmar-se que do ponto de vista formal a Declaração efetivamente não tem juridicamente caráter vinculativo.
  15. Esse tem sido o posicionamento adotado pela maioria da doutrina, por todos cite-se ALMEIDA, Francisco Ferreira de. Direito internacional público. 2 ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2003.
  16. A própria Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993 reiterou a concepção da Declaração de 1948, quando em seu parágrafo 5º afirmou: "todos os direitos humanos são universais, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase". PIOVESAN, Flávia. Globalização e Direitos Humanos: desafios contemporâneos. Globalização Desafios e implicações para o Direito Internacional Contemporâneo. Organizador: Sidney Guerra. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006, p. 375.
  17. A universalização dos direitos humanos, proveniente da extensão universal dos direitos humanos, aliada à sua natureza indivisível – porque não há como dividir-se os direitos sociais, econômicos e culturais dos direitos civis e políticos, e vice-e-versa - permitiu a formalização de um sistema internacional de proteção destes direitos. Mesmo assim aquele conjunto de direitos historicamente foi dividido em dois grandes grupos, e a consagração dos direitos humanos através de tratado internacional ocorreu a partir de dois instrumentos jurídicos independentes.
  18. Por exemplo, o art. 24 dispõe que "Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma ´limitação razoável´ da duração do trabalho e a férias periódicas pagas".
  19. Prestando grande contributo para a internacionalização dos direitos humanos, a Carta das Nações Unidas refere-se aos direitos humanos em vários dispositivos: parágrafo 3º do preâmbulo; art. 1º, nº 3; arts. 55 e 56º; art. 76º, al; art. 13º, nº 1, al; art. 62º nºs 2 e 3; e art. 68º. Cfr. Ana Maria Guerra Martins. Direito internacional dos direitos humanos. cit. p. 123 e 124.
  20. Aliás, como fizeram a Declaração Universal e Convenção Regional Européia sobre os Direitos do Homem. Daí alguns autores entenderem que o conteúdo dos pactos foi influenciado pela fase de fortalecimento dos países socialistas e em desenvolvimento, que formulavam alianças com o intuito de proteger-se da dominação ocidental. Nesse sentido HEGARTHY, Angela; SIOBHAN, Leonard. Op cit. p. 48-49.
  21. Arts. 27º; 12º; 13º; 23º; 14º, nº 2 a 5 e 10º, nº 5.
  22. Vale dizer, os direitos situados na Parte III do Pacto também aparecem em outros instrumentos internacionais tais como a Convenção sobre os Direitos das Crianças (arts. 24º a 31º); a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (art. 5º) ou a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (art.1º).
  23. Resolução nº 38/2005, nº1. 57ª reunião, em 19 de abril de 2005. Aprovado sem votação. Veja chap. XI, E/CN.4/2005/L.10/Add.11.
  24. A proteção internacional dos direitos humanos no continente americano tem sido promovida pela Organização dos Estados Americanos – OEA. Criada pela Carta de Bogotá aprovada na 9ª Conferência Interamericana de 30 de abril de 1948, a OEA entrou em vigor em 13 de dezembro de 1951, tendo sofrido revisões em 1967, 1985, 1992 e 1993. Em 1959 foi criada a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, aprovada através de uma resolução, inicialmente com status de entidade autônoma em relação à OEA, e em seguida, em 1969, tornando-se um dos principais órgãos da Organização. Neste mesmo ano foi aprovada a Convenção Americana de Direitos Humanos, contando atualmente com 24 Estados partes.
  25. Em face da opção metodológica adotada, além do sistema da ONU o presente trabalho priorizará o sistema europeu de proteção aos direitos do homem em face dos outros sistemas de proteção mencionados.
  26. A exemplo da Carta Social Européia, de 18 de outubro de 1961; a Convenção Européia para prevenção da tortura e das penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, de 26 de novembro de 1987; a Convenção-quadro para a proteção das minorias nacionais, de 10 de novemrbro de 1994; a Convenção sobre os Direito do Homem e a Biomedicina, de 4 de abril de 1997, entre outros. DUARTE, Maria Luíza. O direito da união européia e o direito europeu dos direitos do homem – uma defesa do "triângulo judicial europeu". Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 735-760.
  27. Em que se pese a proteção dos direitos fundamentais não ter sido mencionada nos tratados institutivos das Comunidades Européias, deve-se levar em conta a ocorrência de inúmeros debates prévios a respeito, mesmo que a versão aprovada tenha sido silente quanto a este objetivo.
  28. Especificamente, merece destaque o acórdão de 12 de novembro de 1969 (V. Proc. 26/69, Rec. 1969, p. 419) proferido no caso Stauder, marcando o início de uma fase de reconhecimento pleno dos direitos fundamentais, inseridos nos princípios norteadores do direito comunitário, e assegurados pelos tribunais. Até então, o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias rechaçava a vinculatividade dos direitos fundamentais como parâmetro de apreciação da validade dos atos adotados pelos órgãos comunitários. DUARTE, Maria Luíza. Op cit. p. 741.
  29. Conforme considerações contidas no seu preâmbulo, e enunciado expressamente no art. 1º, "b".
  30. Segundo os artigos 19º a 51º da Convenção, com redação dada pelo Protocolo nº 11, foi instituído como um órgão jurisdicional por excelência, composto por juízes eleitos peã Assembléia Parlamentar, em número igual ao de Estados-membros.
  31. Com a entrada em vigor do protocolo nº 11, tendo em vista que todas os Estados Parte pactuaram o mecanismo de controlo jurisdicional, inclusive no que se refere ao direito de recurso individual, a competência do Tribunal torna-se obrigatória.
  32. Dentre outras alterações, o Protocolo nº 14 modificou os critérios para a não admissibilidade das queixas, ampliando-os aos casos de incompatibilidade da com as disposições da Convenção ou dos Protocolos; caso seja manifestamente infundada, ou se configure abuso do direito de queixa; nos casos em que o queixoso não tenha sofrido uma grande desvantagem, a não ser que o respeito dos direitos humanos tal como definido na Convenção e nos Protocolos lhe exija um exame de mérito, e desde que tenham sido esgotados os recursos internos.
  33. Por sua vez, também é notória a influência da Convenção Européia dos Direitos Humanos na Convenção Americana dos Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica. Todavia, no que tange ao catálogo de direitos civis e políticos a CADH é considerada inovadora em relação à CEDH, e a outros instrumentos internacionais.
  34. Portugal aderiu em 1978.
  35. Em 01 de Novembro de 1998 entrou em vigor o Protocolo n.º 11 à CEDH pondo termo à Comissão Européia dos Direitos do Homem, que se manteve em operação por mais um ano até a resolução dos processos pendentes.
  36. Segundo o art. 13º da CEDH "qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem o direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que atuarem no exercício das suas funções oficiais".
  37. Pela primeira vez os direitos individuais foram colocados acima do princípio da soberania nacional, tornando a pessoa sujeito real de direitos na própria área do Direito Internacional. Deste modo, como afirmou Robert Schuman, esta Convenção "fornece as fundações sobre as quais basear a defesa da personalidade humana contra todas as tiranias e contra todas as formas de totalitarismo". _______________. Dicionário de termos europeus. Lisboa: Alêtheia Editores, 2005, p. 84.
  38. Em 25 de setembro de 1981, o Comitê de Ministros do Conselho da Europa atribuiu ao Comitê para os Direitos Humanos a missão de elaborar um projeto, na forma de protocolo adicional à Convenção Européia dos Direitos do Homem, com o intuito de instrumentalizar a abolição da pena de morte em tempo de paz. Embora conste no artigo 15º da Convenção situação de derrogação das obrigações previstas na convenção - em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação – o artigo 3º do protocolo nº 6 esclarece que mesmo nestes casos não é permitida qualquer derrogação à disposições deste protocolo. Aliás, por conta do art. 4º do Protocolo nº 6, e com fundamento no art. 57º da Convenção, também não são admitidas reservas à disposições deste protocolo.
  39. Veja-se o preâmbulo do mencionado protocolo: Os Estados membros do Conselho da Europa, signatários do presente Protocolo: "Convictos de que o direito à vida é um valor fundamental numa sociedade democrática e que a abolição da pena de morte é essencial à proteção deste direito e ao pleno reconhecimento da dignidade inerente a todos os seres humanos; Desejando reforçar a proteção do direito à vida garantido pela Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir designada «a Convenção»); Tendo em conta que o Protocolo n.º 6 à Convenção, relativo à abolição da pena de morte, assinado em Estrasburgo em 28 Abril de 1983, não exclui a aplicação da pena de morte por atos cometidos em tempo de guerra ou de ameaça iminente de guerra (…)".
  40. Situado no art. 12º da Convenção Americana dos Direito do Homem o direito à liberdade de consciência é citado naquele diploma juntamente com o direito à liberdade de religião. Merece destaque o fato de que o dispositivo só faz referência aos aspectos relativos à crença (nº 1 a 4). Assim, a maior parte do conteúdo referente ao conceito de liberdade de consciência – entendido no seu sentido amplo – ficou para ser tutelado no art. 13º, que versa sobre a liberdade de pensamento e de expressão. Vale dizer, embora o artigo 13º não seja considerado pela doutrina como sede de direitos considerados intangíveis, deve-se aplicar uma interpretação extensiva para contemplar, principalmente, o direito à liberdade de pensamento. Tratando-se de direito indissociável do direito à liberdade de consciência, é natural que a liberdade de pensamento receba o mesmo tratamento hierárquico daquela norma contida no art. 12º. Caso contrário, seria como restringir o todo pela limitação da parte.
  41. Acórdão Kokkinakis, de 25 de março de 1993, A 260-A, pág. 17, § 34.
  42. BARRETO, Irineu Cabral. A convenção européia dos direitos do homem anotada. cit. p. 201.
  43. Decisão de 8 de junho de 1999, Queixa nº 22 838/93, Déc. Rap. 80-A, pág. 147, ente outras. BARRETO, Irineu Cabral. Op cit. p. 202.
  44. Decisões de 9 de maio de 1984, Queixa nº 10 684/83, Déc Rap. 38, pá. 219, de 11 de outubro de 1991, Queixa nº 17 086/90, Déc. Rap. 72, pág. 245. BARRETO, Irineu Cabral. Op cit. p. 202.
  45. A exemplo das Decisões de 6 de dezembro de 1991, Queixa nº 17 086/90, Déc Rap. 72, pág. 245, e de 7 de março de 1996, Queixa nº 20 972, Déc. Rap. 84-A, p. 17.
  46. Conforme se nota no caso Autronic AG, de 22.05.1990.
  47. Acórdãos Fuentes Bobo, de 29 de fevereiro de 2000, § 38, Õzgur Gundem, de 16 de março de 2000, R00-III, pág. 58, § 43, e Appleby e outros, de 6 de maio de 2003, R03-VI, pég. 221, § 39. BARRETO, Irineu Cabral. Op cit. p. 207.
  48. Acórdãos Wingrove, de 25 de novembro de 1996, R96-V, pág. 1957, § 58, De Haes e Gijsels, R97-I, pág. 233, § 37, e Demuth, de 5 de novembro de 2002, R02-IX, pág. 35, § 42. BARRETO, Irineu Cabral. Op cit. p. 213.
  49. Embora não faça parte desta investigação, há que se mencionar a função complementar da Carta Social Européia, assinada na cidade de Turim, em 18 de outubro de 1961. Após uma revisão em maio de 1996, uma nova carta, prevendo novos direitos entrou em vigor em 1999. Consistiu numa declaração que estabeleceu um conjunto de obrigações morais com o intuito de assegurar o respeito por determinados direitos sociais nos Estados-membros da União Européia. O documento colocou os direitos sociais na pauta do Conselho da Europa, completando o âmbito material de proteção definido pela CEDH.
  50. Cfr. __________________. Dicionário de termos europeus. cit. p. 42.
  51. Estes direitos baseiam-se, nomeadamente, nos Tratados comunitários, nos direitos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Convenção Européia dos Direitos do Homem, pelas tradições constitucionais dos Estados-membros da UE, Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, assim como por outras convenções internacionais subscritas pela UE ou por seus Estados-membros.
  52. QUADROS, Fausto de Quadros. Direito da união européia. Coimbra: Almedina.
  53. A Comissão formada pelos 62 representantes das instituições européias e dos governos e dos parlamentos nacionais dos Estados-Membros foi precursora da Convenção sobre o Futuro da Europa, que elaborou a proposta do malsucedido tratado constitucional. A Carta Européia dos Direitos Fundamentais integrava o Tratado Constitucional no seu capítulo II, mas também em razão do insucesso do referido tratado ainda não se torno um texto juridicamente vinculativo, exibindo apenas um valor proclamatório.
  54. Como exemplo dessa vinculação, cite-se ainda no âmbito da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas, nos clássicos moldes da objeção de consciência religiosa como razão invocada para eximir-se de obrigações militares, as Comunicações nºs 1321/2004 e 1322/2004 da República da Coréia, datadas ambas de 18/10/2004.
Sobre o autor
Alex Ian Psarski Cabral

Advogado, Especialista em Direito do Estado e mestrando em Ciências Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Alex Ian Psarski. A proteção internacional ao direito à liberdade de consciência.: O sistema da ONU e o sistema europeu de proteção aos direitos do homem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2212, 22 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13204. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!