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Limite dos juros moratórios no Código Civil

Agenda 03/08/2009 às 00:00

RESUMO: O objetivo deste trabalho é esclarecer qual seria o limite de juros moratórios nas obrigações civis. Para tanto, será analisada a vigência do Decreto Federal nº 22.626 de 1933 (a Lei de Usura) face ao Código Civil de 2002.

SUMÁRIO: 1. Introdução. – 2. Interpretações apropriadas da norma. – 3. Revogação da Lei de Usura. – 4. Conclusão. – 5. Referências bibliográficas.


  1. INTRODUÇÃO

Antes de se adentrar no tema proposto, torna-se relevante fazer alguns comentários sobre a metodologia usada neste estudo, principalmente no que toca a interpretação literal da lei. A interpretação literal da norma em geral é, por vezes, desprestigiada pelos profissionais do Direito devido a uma crença de que se constituiria em uma forma limitada ou ultrapassada de se ler a norma. Contudo, tratando-se, principalmente, de normas gravosas ou que tratem de direitos fundamentais e indisponíveis, a interpretação literal somente poderá não ser utilizada se, após uma interpretação sistemática, a letra da lei estiver em patente desconformidade com o ordenamento jurídico ou se prejudicar de alguma forma o bem jurídico que a própria norma busca proteger.

Interpretações extensivas aplicadas a normas que já são suficientemente claras, além de desnecessárias, são as causas para a criação de entendimentos pouco técnicos e assistemáticos, onde cada um aplica o seu bom-senso sem nem mesmo verificar a norma escrita ou investigar seus objetivos.

Sem prejuízo de opiniões contrárias, opina-se que os juristas brasileiros devem dar ênfase à interpretação que confira uma maior efetividade à justiça de uma norma, do que simplesmente depreciar o legislador. Deve-se sempre exercitar e expressar o senso crítico em relação aos trabalhos legislativos, pois erros habitualmente ocorrem, mas jamais alegar que o legislador cometeu um erro sem antes promover uma extensa análise do texto legal.

Como a Constituição Brasileira de 1988, o Código Civil de 2002 segue bem a fase atual do Positivismo Pós-moderno, na medida em que inclui valores morais na norma escrita e também as chamadas "cláusulas abertas" e conceitos jurídicos indeterminados especialmente criados para que a doutrina e jurisprudência exercitem a hermenêutica jurídica e mantenham a Lei, na medida do possível, atual e dinâmica. Porém a interpretação de normas que já são suficientemente claras é desnecessária e prejudicial ao bom direito.

É necessário que se busque analisar os fenômenos jurídicos com uma visão mais ampla e não limitada por um positivismo irredutível, mas não se deve abolir a leitura da letra da lei, tendo em vista que ainda se tem a norma positiva como a principal reguladora da convivência dos indivíduos da sociedade. Abolir o positivismo de vez seria condenar a sociedade a um caos social, no qual todos os seus membros agem da forma que mais lhe agradam.


3.REVOGAÇÃO DA LEI DE USURA.

O Decreto Federal nº 22.626, conhecido como a "Lei de Usura", foi criado na vigência do Código Civil de 1916. O Decreto vinculava-se expressamente ao Código Civil vigente à época, por meio da norma principal de seu artigo 1º, que transcrevemos: "É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. 1062)".

A justificativa do decreto estava na ausência de limites para estipulação de juros, pois o antigo Código Civil, Lei Federal nº 3.071 de 1916, determinava:

"Art. 1.062. A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (art. 1.262), será de 6% (seis por cento) ao ano.

Art. 1.063. Serão também de 6% (seis por cento) ao ano os juros devidos por força de lei, ou quando as partes se convencionarem sem taxa estipulada".

Levando em conta que a "Lei de Usura" apenas mencionava o art. 1.062 do vetusto Código Civil, sempre foi discutível se sua aplicação se restringia apenas ao contrato de mútuo (empréstimo de coisas fungíveis).

"Art. 1.262. É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis.

Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (art. 1.062), com ou sem capitalização".

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Resumindo, naquele contexto, o Decreto nº 22.626 era uma norma que criava condições especiais para determinadas situações que o Código Civil de 1916 regulava.

O artigo 2° da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (LICCB), aprovada pelo Decreto-lei n° 4.657 de 1942, reza:

"Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência".

A LICCB sempre foi a principal referência para a sistemática de leis no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que poucos contestam a sua aplicabilidade (Pelo raciocínio que será exposto mais adiante, a Lei Complementar nº 95, ao regular a forma de elaboração de leis, teria revogado tacitamente diversos dos dispositivos da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro). Todavia, existe a dúvida se as disposições de juros moratórios do Código Civil de 2002 em relação à "Lei de Usura" se enquadram no § 1° ou no § 2° do art. 2° da Lei de Introdução ao Código Civil

De um lado, sustentando a aplicação do § 1° do artigo mencionado, o Código Civil teria revogado o Decreto Federal nº 22.626 de 1933 quando tomou para si a responsabilidade de regular o instituto de juros moratórios por completo.

Por outro lado, defendendo a aplicação do § 2° do art. 2° da LICCB, as disposições do Decreto nº 22.626 permaneceriam em vigor em tudo que não colidisse com os artigos do Código Civil.

Porém, compartilha-se da primeira posição de que o Decreto nº 22.626, "A Lei de Usura", encontra-se revogado tacitamente pelo Código Civil de 2002, uma vez que o Código regula claramente todo o instituto de juros moratórios nos artigos 406 e 407. Essa posição também é fundamentada no art. 7°, IV, da Lei Complementar (LCP) n° 95 de 1998, que dispõe sobre a redação de leis (regulamento do art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal), que determina: "o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei básica, vinculando-se a esta por remissão expressa". Entende-se que o inciso mencionado dispõe sobre a revogação tácita de leis.

O Código Civil não faz nenhuma menção ao Decreto Federal nº 22.626, diferente da Lei Federal n° 8.245 de 1991 – A Lei do Inquilinato – a qual o Código teve o cuidado de manter em vigor mediante uma remissão expressa no art. 2.036.

O Código Civil não faz nenhuma menção ao Decreto Federal nº 22.626, diferente da Lei Federal n° 8.245 de 1991 – A Lei do Inquilinato – a qual o Código teve o cuidado de manter em vigor mediante uma remissão expressa no art. 2.036, o que leva à conclusão lógica da revogação da "Lei de Usura".

Em uma interpretação sistemática do Código Civil, parece claro que o legislador, quando há necessidade, protege a vigência de leis que considera compatíveis com o Código. Outro exemplo seria a Lei Federal n° 6.404, que trata das Sociedades Anônimas, cuja vigência foi mantida pelo art. 1.089: "a sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código."

Caso análogo é o do Decreto Federal n° 2.681 de 1912, que regulava a responsabilidade civil nas estradas de ferro, e que foi revogado tacitamente pelo Código Civil, uma vez que o Código disciplina tanto o Transporte de bens e pessoas quanto a Responsabilidade Civil. Da mesma forma que o Decreto Federal (decreto do Poder Legislativo) n° 3.708 de 1919, que regulava a constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, e que também foi revogado tacitamente pelo Livro II da Parte Especial do Código Civil (Direito da Empresa).

É possível que os que advogam a vigência da antiga "Lei de Usura" não tenham ainda se acostumado com a forma com que o instituto de juros moratórios é abordado no Código Civil de 2002. Por esse motivo, insistem em fundamentar suas posições ou decisões no antigo decreto e resistem às novidades do Código. Constantemente se voltam para o decreto por não encontrarem previsão específica no Código Civil. Só que as "lacunas" que existem no Código devem ser preenchidas pela livre negociação das partes e não pela imposição de uma norma derrogada.


4. CONCLUSÃO.

Considerando os argumentos expostos, conclui-se que não há um limite legal para a estipulação de juros em obrigações civis, e essa ausência deve ser preenchida pela razoabilidade das partes, sem prejuízo de eventual rediscussão por via arbitral ou judicial. Os intérpretes e aplicadores do Direito devem se acostumar com a forma com que o Código Civil aborda seus institutos jurídicos, pois o apego a normas já revogadas impossibilita que os benefícios do novo Código sejam plenamente aproveitados. As "lacunas" que existem no Código devem ser preenchidas com racionalidade e de acordo com o tempo em que se vive.

A única hipótese em que o Código impôs algum limite para juros convencionados foi no art. 591, aos juros remuneratórios em contratos de mútuo com fins econômicos, cujo índice não pode superar o limite do art. 406, muito embora o Superior Tribunal de Justiça entenda que esse limite não seria exigível durante o período de inadimplência (Súmula nº 296).

Como mencionado, a "Lei de Usura" era uma norma que criava condições especiais para determinadas situações que o Código Civil de 1916 regulava, condições estas que o atual Código Civil decidiu não acolher.

A atitude do legislador, por um lado, permite que as partes tenham a liberdade de convencionar juros e, por outro, permite que qualquer taxa de juros possa vir a ser questionada judicialmente sob a luz da proporcionalidade das obrigações e onerosidade excessiva. Caso houvesse um limite legal expresso aos juros convencionados em obrigações civis, esse limite dificultaria ou até impossibilitaria revisões.

Também é relevante ressaltar que não se deve tratar o inadimplente como "vítima" do sistema jurídico-obrigacional brasileiro. Devendo-se analisar em que grau o inadimplente prejudica a outra parte quando descumpre sua obrigação.

A título de exemplo, na hipótese de condomínio edilício, quando ocorre inadimplência, todos os demais condôminos devem suportar as despesas do proprietário que não pagou sua quota de condomínio. Os condôminos que pagam suas quotas em dia podem se ver obrigados a alienar seus imóveis por não suportarem mais sucessivos aumentos de condomínio. Por essa razão, aos condomínios deve-se atribuir o direito de fixar juros mais elevados.

Outro exemplo diametralmente oposto é o das relações de consumo, onde não deve haver juros muito elevados, levando em conta a vulnerabilidade do consumidor e o fato de que o fornecedor/produtor é que assume o risco pelo seu negócio, muito embora também se deva verificar o porte financeiro do fornecedor/produtor, pois nunca foi intenção do Código de Defesa do Consumidor causar a quebra em massa de empresas.

Enfim, os juros moratórios têm a finalidade de equilibrar a relação obrigacional evitando ou penalizando a inadimplência. E ao invés de fixar índices que poderiam ser considerados baixos ou elevados demais, o Código Civil de 2002 deixou a cargo da própria sociedade a responsabilidade dessa fixação na base do "caso a caso". Opina-se que esta é uma norma apropriada para uma democracia.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 25 nov. 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei complementar federal n. º 95, de 26 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp95.htm>. Acesso em: 25 nov. 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei ordinária federal n. º 3071, de 01 de janeiro de 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm>. Acesso em: 25 nov. 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei ordinária federal n. º 6404, de 15 de dezembro de 1976 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6404consol.htm>. Acesso em: 14 abr. 2008.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei ordinária federal n. º 8078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078compilado.htm. Acesso em: 18 nov. 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei ordinária federal n. º 8245, de 18 de outubro de 1991. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8245.htm>. Acesso em: 25 nov. 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei ordinária federal n. º 10406, de 10 de janeiro de 2002 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 18 nov. 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Decreto federal n. º 2681, de 7 de dezembro de 1912. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2681_1912.htm>. Acesso em: 25 nov. 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Decreto do Poder Legislativo n. º 3708, de 10 de janeiro de 1919. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DPL/DPL3708.htm>. Acesso em: 25 nov. 2007.

BRASIL. Presidência da República. Decreto federal n. º 22626, de 7 de abril de 1933. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D22626.htm. Acesso em: 18 nov. 2007.

BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei federal n. º 4657, de 4 de setembro de 1942. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657.htm. Acesso em: 18 nov. 2007.

Sobre o autor
André Luiz Junqueira

Professor, advogado com mais de 18 anos de experiência e autor do livro “Condomínios – Direitos & Deveres”. Sócio titular da Coelho, Junqueira & Roque Advogados, atuante em todo o Brasil e representa cerca de 10% dos condomínios do Rio de Janeiro. Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Certificado em Negotiation and Leadership pela Universidade de Harvard (HLS). Professor convidado da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/RJ, SECOVIRio, ABADI, ABAMI e GáborRH. Membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário (CDUDI) da OAB/RJ. Membro da Comissão de Turismo (CT) da OAB-RJ. Membro e ex-diretor jurídico da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI). Colunista dos portais SíndicoNet e Universo Condomínio. Consultor da Revista Condomínio etc. da empresa CIPA e da Revista Síndico da empresa APSA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUNQUEIRA, André Luiz. Limite dos juros moratórios no Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2224, 3 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13258. Acesso em: 22 dez. 2024.

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