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Dos crimes contra a previdência social

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Agenda 04/08/2009 às 00:00

3.Inserção de dados falsos (art. 313-A, CP)

O crime previsto no art. 313-A, do Código Penal, concebido como uma espécie de peculato eletrônico, está descrito nos seguintes termos:

Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000))

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. 

O delito em questão é perpetrado por meio da rede de acesso aos sistemas informatizados que interferem diretamente no banco de dados da Previdência, e consiste na alteração de cadastro de segurados, na alimentação fraudulenta de informações quanto a tempo de serviço, quitação de débito, emissão de notificações e de aviso de cobrança, etc. Porém, só há o crime se os dados excluídos forem os corretos, de modo que - em tese - não seria crime a exclusão de dados incorretos.

A figura típica é de crime comissivo próprio (inserir) ou omissivo (facilitar) quanto ao sujeito ativo, eis que somente o funcionário é quem pratica o crime. Trata-se de crime comum quanto ao sujeito passivo, eis que qualquer pessoa pode ser prejudicada, não somente o Estado. Porém, o conceito de funcionário público é o previsto no art. 327, do Código Penal:

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

Pelo texto acima, se a inserção de dados é realizada por trabalhador de empresa terceirizada, este – em tese - pode ser considerado funcionário público. O § 2º, do dispositivo citado prevê que a pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

O agente ativo do crime pode ser tanto quem insere quanto quem facilita, por exemplo, possibilitando o acesso de pessoa não autorizada à rede, seja fornecendo a senha ou apenas proporcionando o acesso ao sistema de dados.

A ação cabível é pública incondicionada.

O elemento subjetivo exigido é o dolo. Admite-se a tentativa, mas não existe a possibilidade de figura culposa.


4.Alteração não autorizada no sistema informatizado da Previdência (art. 313-B, CP)

O art. 313-B, do Código Penal estabelece:

Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente: 

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. 

Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.

Há certa semelhança entre as figuras típicas dos arts. 313-A e 313-B, sendo que este último pode ser praticado por qualquer funcionário, diferentemente daquele que exige funcionário autorizado a modificar os dados. A intenção do legislador foi punir de forma menos intensa o funcionário não autorizado.

O objeto jurídico tutelado é a integridade da Administração Pública, ao passo que o objeto material é o sistema de informações ou o programa de informática.

O elemento subjetivo exigido é o dolo, mas não se torna possível a figura culposa.

Poderá haver concurso formal de crimes nas hipóteses previstas nos arts. 313-A e 313-B? Relembre-se que o concurso formal, nos termos do art. 70 do Código Penal, ocorre quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Difere do concurso material que em mais de uma ação ou omissão o agente pratica mais de um crime. Sobre a pergunta formulada esclarece Luis Flávio Gomes (2009, P. 1):

Nossa conclusão: quem, com uma só conduta fraudulenta (dotada de periculosidade ex ante), produz vários resultados jurídicos (lesões ao bem jurídico tutelado, em contextos fáticos e momentos distintos), responde por concurso formal de crimes. O estelionato previdenciário reiterado, consistente no recebimento de parcelas mensais, configura, por conseguinte, hipótese de concurso formal (CP, art. 70). A prescrição, conseqüentemente, conta-se consoante o disposto no art. 119 do CP, que diz: "No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente".

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Em suma, é possível o concurso formal se, por exemplo, se um funcionário não autorizado altera o sistema para desviar recursos para a sua conta pessoal (Precedente: STJ, REsp 642571 / RS, julg. 12.8.2008, pub. 29.9.2008, Ministro Arnaldo Esteves Lima).

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. CONCESSÃO INDEVIDA DE APOSENTADORIAS. DEMISSÃO. REEXAME DAS PROVAS. VIA INADEQUADA. AUTORIDADE COMPETENTE. FORMALIDADES ESSENCIAIS. PROPORCIONALIDADE. COMPROVAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. O Mandado de Segurança não se mostra adequado para o reexame de provas produzidas em Processo Disciplinar, especialmente quando a decisão administrativa foi exarada por autoridade competente e observando-se as formalidades essenciais do rito. 2. No caso, a impetrante, na qualidade de Supervisora Operacional de Benefício e Arrecadação da Agência de Previdência Social de Itapetininga/SP, concedeu, indevidamente, 15 benefícios previdenciários, forjando tempos de serviço e vínculos trabalhistas dos beneficiários, mediante a prática de alteração dolosa do sistema de dados da Previdência Social. 3. A materialidade da conduta infracional restou verificada na auditoria realizada pela Equipe do Setor de Controle Interno do Serviço de Benefícios da Gerência Executiva do INSS na APS de Itapetininga. Diante das irregularidades detectadas, foram instaurados processos de revisão dos benefícios concedidos indevidamente, que culminaram com o cancelamento dos mesmos e determinação de devolução dos valores auferidos pelos seus beneficiários aos cofres do INSS. 4. A autoria foi identificada tanto pela auditoria no sistema eletrônico de concessão de benefícios previdenciários, verificando-se que a impetrante atuou em todas as fases do processo concessório dos 15 benefícios citados, desde o protocolo do pedido até a formatação (concessão) das pensões e auxílio doença. Além disso, as testemunhas confirmaram a prática da impetrante de manter processos separados dos demais, nos quais fazia pessoalmente o trabalho de concessão dos benefícios via sistema informatizado e revelaram fortes indícios da existência de conluio entre a servidora e a advogada Marilene Leite da Silva, que agenciava os interessados na concessão de benefícios previdenciários, enquanto a outra garantia os tempos de serviço e vínculos empregatícios inexistentes, necessários para a obtenção das pensões. Logo, tanto as provas documentais, quanto as testemunhais, corroboram a existência da infração administrativa, que restou induvidosamente comprovada. 5. Há proporcionalidade na aplicação da pena de demissão a servidor público, decorrente de infração apurada em Processo Administrativo Disciplinar, quando devidamente comprovada a conduta e suficientemente motivadas as razões da punição. 6. Ordem denegada. (STJ, 3ª Seção, julg. 27.2.2008, Dje 07.3.2008, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho).

No caso do concurso formal, aplica-se a pena mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade


5. Sonegação de contribuição (art. 337-A)

A redação do art. 337-A, embora extensa, vem atrelada a duas elementares do tipo que consistem em suprimir ou reduzir.

Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:  I - omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; 

II - deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; 

III - omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias: 

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. 

§ 1o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. 

§ 2o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: 

I - (VETADO) 

II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. 

§ 3o Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa. 

§ 4o O valor a que se refere o parágrafo anterior será reajustado nas mesmas datas e nos mesmos índices do reajuste dos benefícios da previdência social. 

O objeto jurídico tutelado é a integridade da Administração Pública, ao passo que o objeto material é o sistema de informações ou o programa de informática.

O elemento subjetivo exigido é o dolo, mas não se torna possível a figura culposa. Trata-se de crime material e omissivo próprio. E por ser crime material exige-se a comprovação da constituição do crédito tributário.

São sujeitos ativos o direito, sócio, gerente, contador, chefe de setor ou responsável pela emissão do documento de arrecadação, ao passo que o sujeito passivo é a União.

A consumação ocorrerá no momento em que a GFIP ou GPS for recebida pelo órgão arrecadador.

O elemento subjetivo é o dolo. Admite-se a tentativa, mas não existe a possibilidade de figura culposa.

Relativamente a aplicação da extinção da punibilidade, aplica-se o art. 34, da Lei 9249, conforme comentário já apresentado na análise do crime previsto no art. 168-A.

O dispositivo traz como causa de redução de pena se o empregador é pessoa física e a sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais). Em tal situação a pena pode ser reduzida de um terço até a metade ou poderá incidir apenas multa.


6. Divulgação de informações sigilosas ou reservadas (art. 153, § 1º, CP)

Dentre os crimes que afetam o bom funcionamento da previdência, destaca-se o ato de dar publicidade a informações que – uma vez expostas ao público - possibilitam a ocorrência de violação de segredo. Assim, dispõe o § 1º do art. 153, do Código Penal:

Art. 153 - Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º Somente se procede mediante representação. 

§ 1o-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública: 

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 

§ 2o Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada. 

A primeira parte do tipo penal ora apreciado visa evitar que informações ou detalhes relevantes sejam passados adiante, por envolverem dados sobre a vida privada das pessoas ou sobre o funcionamento das instituições, tais como as doenças que ensejaram o direito a um determinado benefício, os valores a que tem direito, o número da conta corrente do beneficiário, etc. Em tal situação a ação penal depende de representação, exceto se houver dano para a Administração pública, hipótese em que a representação será prescindível em face da forma qualificada do ilícito penal.

A informação exposta precisa ser reservada e sigilosa. A reserva é implícita ao documento ou informação, ao passo que o sigilo decorre de uma proibição legal ou contratual. A informação reservada é aquele que – mesmo sem o pedido expresso da pessoa – supõe-se que uma vez divulgada poderá causar embaraço ou constrangimento. Assim, se alguém escreve uma carta a outrem afirmando que está com HIV, nem é preciso solicitar reserva, pois está implícito que a divulgação pode configurar ou facilitar a discriminação.

A doutrina discute se a informação revelada a uma única pessoa configura o tipo "divulgar". Duas correntes posicionam-se sobre a questão. A primeira defendida por Nelson Hungria exige que a divulgação seja intensa, não se configurando tipo penal se a informação foi repassada a um grupo restrito de pessoas. Para uma segunda corrente a lei não exige que a divulgação seja pública. Nesse sentido esclarece Greco (2009, p. 363):

"Apesar da autoridade dos renomados autores, ousamos deles discordar, uma vez que o núcleo divulgar, de acordo com nosso entendimento não exige coletividade. Basta que seja dado indevido conhecimento a alguém, como no caso do caput do art. 153 do Código Penal, sobre o conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, sendo dela destinatário ou detentor, e que, devido a essa divulgação, haja uma potencialidade de dano, moral ou material, a outrem."

O sigilo pode decorrer de lei, a exemplo do que estabelece o art. 116, inciso VIII, da Lei 8112, que diz ser dever do servidor público federal guardar sigilo sobre assunto da repartição. Assim uma informação em tese pode prejudicar uma empresa, se um funcionário revela a um empresário informação sigilosa que obteve por ocasião de uma atuação da fiscalização da Receita Federal.

Não cometerá a figura típica se, motivadamente, alguém revelar uma informação ou fato com objetivo de coibir um crime ou dano a outrem. Observe-se que o elemento do tipo exige que a violação será crime se não houver uma justa causa. Também não cometerá o crime quem divulga documento público, cuja informação – por força do princípio constitucional da publicidade - não tem índole privativa.

Trata-se de crime próprio, quanto ao agente ativo, pois este é especificamente aquele que é destinatário ou detentor de documento particular ou confidencial. É crime comum quanto ao agente passivo, já que em tese qualquer um pode ser a vítima.

O objeto jurídico tutelado é a inviolabilidade do segredo, de modo que o crime é consumado com a divulgação do conteúdo da informação contida em documento particular.

O objeto material é o documento particular ou a correspondência confidencial.

O elemento subjetivo é o dolo, mas não se torna possível a figura culposa. Admite-se a tentativa.

Sobre o autor
Zéu Palmeira Sobrinho

Juiz do Trabalho da 21ª Região (RN), mestre e doutor em Ciências Sociais, professor da UFRN, membro do GESTO - Grupo de Estudos Seguridade Social e Trabalho da UFRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PALMEIRA SOBRINHO, Zéu. Dos crimes contra a previdência social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2225, 4 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13270. Acesso em: 22 nov. 2024.

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