Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Da inconstitucionalidade da criação da Defensoria Municipal

Exibindo página 2 de 2
Agenda 06/08/2009 às 00:00

7.) Das complicações de ordem prática:

A implantação de assistência jurídica municipal, a título de um paliativo à situação da população carente, escamoteia, em verdade, um problema ainda maior ao jurisdicionado, isto é, acesso meramente formal à justiça social.

Não há, aos Advogados municipais, a possibilidade de utilização das prerrogativas dos Defensores Públicos, contraposição ao ente público municipal, contagem do prazo em dobro, poder de requisição, dispensa de procuração, comunicação sobre os autos de prisão em flagrante, defesa efetiva da tutela coletiva e execução penal, independência funcional, autonomia, preocupação com a justiça restaurativa etc.

Em caso de não interposição de eventual ação, através de análise do Advogado municipal, este estará dispensado de apresentar ao assistido justificação própria, por escrito, o que também demonstra o descaso para com o direito alheio, o que não ocorre na Defensoria Pública pelo fato de que tal rejeição ter de ser referendada pelo Defensor Público Geral, que respeitará a independência funcional do órgão de execução que indeferiu a assistência originalmente, podendo, se o caso, nomear outro Defensor para atender os interesses do cidadão.

Outrossim, ficarão restritos a proporcionarem acesso dos necessitados ao Poder Judiciário, fazendo juízo de discricionariedade ao não postularem contra o ente instituidor, até mesmo por vedação (art. 30, I, da Lei n° 8.906/94, art. 321, do C.P. e art. 3°, III, da Lei n° 8.137/90), quebrando a ampliação e democratização do acesso à justiça e da orientação jurídica.

Igualmente, não se submetem ao obrigatório concurso público, embora existam profissionais vocacionados e aptos tecnicamente, e tampouco têm controle correcional próprio, o que pode comprometer a qualidade do serviço público que deve ser efetivo, principalmente por lidar com os direitos e garantias da pessoa humana.

Apenas para ilustração, em decisão liminar proferida em Ação Civil Pública, que tramita perante a 4ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Capital Mineira, sob o n° 002407744148-3, restou afastada a possibilidade da contratação de Advogados para prestarem serviços jurídicos perante o sistema penitenciário justamente por ser atribuição da Defensoria Pública, bem como pelo fato de se tratar de "contratação temporária, sem critério legal – objetivo de escolha pela capacidade técnica e científica – poderá comprometer a assistência jurídica dos necessitados"[...], com isso, querendo dizer, é óbvio, que só através deste controle prévio (concurso – provimento nato) e incorporação a uma instituição constitucional organizada, autônoma e permanente é que se viabiliza a efetiva assistência jurídica, desgarrada das influências políticas.

Não bastasse tal vertente, os Municípios não possuem orçamento para instituírem tal serviço, o que poderia acarretar um caos e continuidade noutros setores públicos, criando malversação do dinheiro público e ato de improbidade.


8.) Do posicionamento do Ministério Público sobre a Defensoria Pública municipal:

Além das orientações mencionadas, há de se advertir que o Ministério Público enfatizou no Procedimento n° 001/ 2006, que tramitou na 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Campo Belo/MG, da ofensa do princípio da legalidade (art. 37, da CF) ao se instituir a a Defensoria Pública municipal.

A quaestio exsurgiu em razão de o município Cristais/MG, abrangido pela comarca manter servidor exercendo atribuições exclusivas de Defensores Públicos mesmo ciente da impossibilidade da delegação de tais funções pelo Defensor Público Geral, ex vi legis do art. 9°, XXI, da Lei Complementar Estadual n° 65/03.

Em parte do seu relatório final, após diagnosticar a impossibilidade da transposição das atribuições da Defensoria Pública, que exige concurso específico [23] e consectária vedação de qualquer outra forma de provimento, o Promotor de Justiça enfatizou que, litteris:

"Não podemos admitir que se escuse sob a alegação de desconhecimento da lei: a uma, porque o Administrador só pode agir conforme determina a norma nos termos do princípio da legalidade; a duas, porque no caso específico a diligência mínima que deveria ter era consultar a Defensoria Pública Geral [...]"

"[...] Nesse contexto, emerge a ofensa ao Princípio da Legalidade e o conseqüente enquadramento da conduta à hipótese de improbidade administrativa descrita no art. 10, da Lei n° 8.429/92 [...]"

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Como desfecho do inquérito civil, o referido ente municipal, à luz da súmula n° 473, do STF, extinguiu a malsinada Defensoria Pública municipal, comprometendo-se a celebrar convênio com instituição de ensino superior para criação de um núcleo de assistência judicial gratuita sob a supervisão da Defensoria Pública, calhando no arquivamento do procedimento administrativo que foi homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público.

Percebe-se, deste modo, que as atribuições da Defensoria Pública são indelegáveis, por se tratar, o Defensor Público, de um agente público de transformação social com competência criada e estabelecida na Constitucional. Acarreta-lhe, desta forma, a obrigação de exercer pessoalmente suas atribuições, de maneira distanciá-lo de qualquer paradigma em sede municipal que se revela apenas e tão somente como um prestador de serviço impulsionador do Judiciário.

Por conseguinte, a ótica ministerial potencializa a exegese de que a criação da Defensoria Pública municipal ofende de forma direta e frontal o princípio da legalidade, gerando ato de improbidade, de maneira a revelar que os Municípios têm, em verdade, de cobrar do Estado [24] a inserção da Defensoria Pública Estadual em todas as comarcas em número proporcional ao de habitantes, auxiliando-as nos termos do art. 1°, da Lei n° 1.060/50, e não criá-la, por se revestir de ato ilegal.

A conjugação de esforços resultará na melhor eficiência do serviço público, com ganhos, porquanto estudos e diagnósticos elaborados pelo Ministério da Justiça [25] demonstram certa relação entre a estruturação da Defensoria Pública e a melhora do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) nos Estados.


9.) Conclusão:

Do que acima se expôs, conclui-se que o exercício do direito fundamental do cidadão hipossuficiente de acesso à ordem jurídica justa é garantido pela Defensoria Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, quando houver, não havendo aos Municípios competência para legislarem sobre Defensoria Pública e muito menos para prestar esse serviço.


Notas

  1. "[...] A Advocacia não se confunde com a Defensoria Pública. Esta é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXXIV (CF, art. 134). O Defensor Público, ao contrário do advogado exerce função pública. O advogado, designado para exercer defesa de alguém, exerce múnus publicum [...]" (STJ. RHC n° 3.900/SP – RO em HC - 6ª T – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJ 3/4/ 1995, P. 8.148);
  2. "O acesso à Defensoria Pública é decorrente de garantia constitucional como segmento do exercício da cidadania. Não é a pobreza que assegura esse direito, e sim a cidadania, pois de outro modo estar-se-ia abrindo espaço para o preconceito". in, GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 2ª ed. Rev. e Ampl., Rio de Janeiro: Ed. Lumem Júris, 2007, p. 39;
  3. STF - ADIN – 3700-5/RN;
  4. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10ª ed. rev., atual. e ampl - São Paulo: Ed. Método, março/ 2006, pág. 569;
  5. STF - ADIN n° 3700-5/RN;
  6. CARVALHO, Leandro Coelho de. "As atribuições da Defensoria Pública sob a ótica do acesso à ordem jurídica justa". In: Revista de Processo. São Paulo: RT, n.° 156, 2008.
  7. v.g. - O art. 13, da Lei nº 10.741/03;
  8. Nesse sentido é o Parecer n° 19/ 2008, elaborado pelo Defensor Público Leandro Coelho de Carvalho - Assessor da Defensoria Pública Geral do Estado de Minas Gerais;
  9. in, GOMES, Luis Flávio. Direito Penal: Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica/ - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais – 2008, pág. 103.
  10. http://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=5738;
  11. STF - ADI 3819/PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, julgado em 02.04.2007, DJ 11.05.2007.
  12. http://www.defensoriapublica.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=836&Itemid=110
  13. GALLIEZ, Paulo César Ribeiro. op. cit. pág. 02, pág 15;
  14. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/EXPMOTIV/MJ/2007/143.htm;
  15. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10ª ed. rev., atual. e ampl - São Paulo: Ed. Método, março/ 2006, pág. 467;
  16. JUNKES, Sérgio Luiz. Defensoria Pública e o Princípio da Justiça Social. Curitiba: Ed. Juruá, 2006, pág. 88;
  17. http://www.camara.gov.br/sileg/integras/588084.pdf
  18. http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=343927
  19. Extrai da fundamentação do Deputado-Relator, ao analisar a proposta de autonomia orçamentária da Defensoria Pública Municipal que, "até mesmo o dispositivo constitucional escolhido para dar suporte à sua autonomia orçamentária (art. 99, § 2.º) indica sua inadmissibilidade, posto que faz referência ao encaminhamento da proposta pelo Presidente do Tribunal. Inexistindo Tribunais nos Municípios, tem-se clara a quebra da sistemática constitucional e, desta feita, ameaça,também, à separação dos poderes."
  20. http://www.defensoria.ba.gov.br/index.php?site=1&modulo=eva_conteudo&co_cod=1333;
  21. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil. Vol. 1, 6ª ed., p. 116 – São Paulo: Saraiva, 2009;
  22. AFONSO, José da Silva. Comentário Contextual à Constituição. 2.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 615.
  23. A necessidade de concurso público de provas e títulos para ingresso na carreira, por exemplo, já foi reafirmada pelo Supremo no julgamento das ADI’s 362/AL (Rel. Min. Francisco Rezek) e 1267/AP (Rel. Min. Eros Grau, DJ 10.08.2006). A única exceção está prevista no art. 22 do ADCT, que assegura aos Defensores Públicos investidos na função até a data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte (01.02.87) o direito de opção pela carreira.
  24. http://www.defensoriapublica.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=833&Itemid=110#A
  25. Disponíveis em www.mj.gov.br/reforma ou www.anadep.org.br.

Referências Bibliográficas.

Parecer n° 19/ 2008, elaborado pelo Defensor Público Leandro Coelho de Carvalho - Assessor da Defensoria Pública Geral do Estado de Minas Gerais.

CARVALHO, Leandro Coelho de. As atribuições da Defensoria Pública sob a ótica do acesso à ordem jurídica justa. Revista de Processo. São Paulo: RT, n.° 156, 2008.

GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 2ª ed. Rev. e Ampl. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil. Vol. 1, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009.

GOMES, Luis Flávio. Direito Penal: Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica - São Paulo: Revista dos Tribunais – 2008, pág. 103.

JUNKES, Sérgio Luiz. Defensoria Pública e o Princípio da Justiça Social. Atualizado de acordo com a Emenda Constitucional 45, de 31/12/2004. Curitiba: Juruá, 2006.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10ª ed. rev., atual. e ampl - São Paulo: Método, 2006.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 615.

Sobre o autor
Roger Vieira Feichas

Defensor Público substituto em Minas Gerais. Professor de Processo Civil do Curso de Direito da Faculdade São Lourenço. Pós-graduado "lato sensu" em Direito Público – Anamages/Newton Paiva. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEICHAS, Roger Vieira. Da inconstitucionalidade da criação da Defensoria Municipal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2227, 6 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13284. Acesso em: 25 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!