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Controle interno no Brasil.

Dificuldades de padronização

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Agenda 06/09/2009 às 00:00

RESUMO

O tema desta pesquisa é o estudo de modelos de Sistema de Controle Interno na administração pública brasileira e as consequências da ausência de padronização nas estruturas organizacionais e metodológicas dos órgãos responsáveis pelo controle interno. Os objetivos gerais são demonstrar a dificuldade de padronização, a fragilidade e a vulnerabilidade às quais os órgãos do Sistema de Controle Interno estão submetidos e evidenciar a necessidade de se buscar um padrão, com vistas ao fortalecimento das instituições de controle e de sua posição de apoio à implementação de uma administração pública transparente e efetiva. A pesquisa é do tipo exploratória e consistiu em estudo de caso, com ênfase nas dificuldades de padronizações estruturais, organizacionais e metodológicas nos órgãos de controle interno no Brasil, concentrando a análise sobre os modelos presentes nos estados de Goiás, Santa Catarina e Distrito Federal. Procedeu-se ainda ao estudo dos trabalhos desenvolvidos pelo CONACI, os quais demonstram que os órgãos de controle interno não seguem uma padronização quanto a suas estruturas administrativas, formas de atuação, modalidades de auditoria realizadas, estruturas de carreiras, dentre outras divergências. Constatou-se que, no intuito de minimizar as divergências estruturais e funcionais dos órgãos de controle interno, o CONACI encaminhará Projeto de Emenda à Constituição ao Congresso Nacional, propondo alteração do art. 74. Diante dos resultados da pesquisa, propõe-se atribuir aos órgãos de controle interno a prerrogativa de unidades centrais do Sistema de Controle Interno, elevando-os ao patamar de órgãos permanentes de estado.


Palavras-chave: modelos de controle interno; órgão de controle interno; padronização do Sistema de Controle Interno; padronização estrutural, organizacional e metodológica nos órgãos de controle interno;


SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O controle interno avaliativo VS controle interno administrativo. 3. A história do controle governamental. 4. A contabilidade governamental. 5. Auditorias do setor público. 6. Controle interno no Distrito Federal, Goiás, e Santa Catarina. 7. Conselho Nacional dos orgãos de controle interno dos Estados brasileiros e do Distrito Federal(CONACI). 8. Conclusão. Referências.


1 INTRODUÇÃO

Neste trabalho será abordada a origem do controle do gasto público desde os primórdios sumérios, passando pelas alterações introduzidas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), até os dias atuais.

Durante o discorrer do tema conceituam-se os tipos de contabilização governamental, a expressão auditoria, as modalidades de auditorias: operacional, de conformação (contas), de gestão e de sistema, relatando sobre a estrutura organizacional, o quadro de pessoal, a vinculação do Sistema de Controle Interno e as competências básicas dos órgãos de controle interno do Poder Executivo do Distrito Federal e dos Estados de Goiás e Santa Catarina, bem como a origem e a missão do Conselho Nacional dos Órgãos de Controle Internos dos Estados e do Distrito Federal (CONACI) e os trabalhos que vem desenvolvendo.

1.2 Objetivo

Este trabalho tem por finalidade demonstrar a dificuldade de padronização, a fragilidade e a vulnerabilidade a que estão submetidos os órgãos do Sistema de Controle Interno.

As situações citadas são verificadas a cada alteração de objetivo político dos que estão à frente do Poder Executivo brasileiro. Tais órgãos sofrem alterações nas suas estruturas e nas competências como se pode exemplificar com o ocorrido no estado de Goiás, que teve o Gabinete de Controle Interno extinto na forma do Anexo IV da Lei n. 16.272, de 30 de maio de 2008, sendo que estava vinculado diretamente ao chefe do executivo e passou a ser subordinado ao Secretário de Fazenda do Estado por meio da Superintendência de Auditoria, ou seja, saiu do primeiro escalão e foi para o segundo, descumprindo inclusive o princípio da segregação de função.

1.3 Problema

Segundo Stephen Kanitz:

O Brasil não é um País intrinsecamente corrupto. Não existe nos genes brasileiros nada que nos predisponha à corrupção, algo herdado, por exemplo, de desterrados portugueses, A Austrália, que foi colônia penal do império britânico, não possui índices de corrupção superiores aos de outras nações, pelo contrário. Nós brasileiros não somos nem mais nem menos corruptos que os japoneses, que a cada par de anos têm um ministro que renuncia diante de denuncias de corrupção.

Somos, sim, um país onde a corrupção, pública e privada, é detectada somente quando chega a milhões de dólares e porque um irmão, um genro, um jornalista ou alguém botou a boca no trombone, não por um processo sistemático de auditoria. As nações com menor índice de corrupção são as que têm o maior numero de auditores e fiscais formados e treinados. A Dinamarca e a Holanda possuem 100 auditores por 100.000 habitantes. Nos países efetivamente auditados, a corrupção é detectada no nascedouro ou quando ainda é pequena. O Brasil, país com um dos mais elevados índices de corrupção, segundo o World Economic Fórum, tem somente oito auditores por 100.000 habitantes, 12.800 auditores no total, Se quisermos os mesmos níveis de lisura da Dinamarca e da Holanda, precisaremos formar e treinar 160.000 auditores. [01]

O autor conclui que "não serão CPI’s nem códigos de ética que resolverão o problema da corrupção. O Brasil não é um país corrupto. É apenas pouco auditado". [02]

Em face dessas sábias palavras e na ausência de normativo que proporcione uma padronização dos órgãos de controle interno do Poder Executivo dos estados brasileiros e do Distrito Federal, verifica-se que esse Sistema é constituído sobre várias denominações, estruturas organizacionais, carreiras, áreas de atuação, competências básicas não uniformes, conforme dados insertos no Relatório de Organização dos Órgãos de Controle Interno dos Estados Brasileiros e do Distrito Federal, elaborado pelo então Fórum Nacional dos Órgãos de Controle Interno dos Estados Brasileiros e do Distrito Federal (FNCI) em abril de 2006, em face da decisão Plenária do IV encontro do FNCI, realizado em Vila Velha, Espírito Santo, em outubro de 2005, e atualizado em maio de 2009 pelo CONACI, dos quais se importaram as tabelas sobre a denominação dos órgãos de controle interno no Brasil.

Nesse contexto, as disparidades estruturais e organizacionais dos órgãos que compõem o Sistema de Controle Interno prejudicam a melhoria quantitativa e qualitativa dos serviços públicos prestados à população brasileira, pois esses órgãos não têm a independência e isonomia técnica necessária para zelar pela racionalidade dos gastos públicos, pelo combate ao desperdício e pela avaliação da capacidade da organização de cumprir a missão e atingir seus objetivos e metas de forma a vir proporcionar a população brasileira melhoria na sua qualidade de vida.

Como se verifica nos gráficos 1 e 2, na estrutura organizacional dos órgãos de controle interno, do levantamento realizado em 2005 para o recentemente divulgado, houve pouca ou quase nenhuma alteração, permanecendo a diversidades de nomenclaturas por eles utilizadas.

Gráfico 1 – Denominação dos Órgãos de Controle – Diagnóstico realizado em 2005 [03]

Este trabalho tem como proposta evidenciar a necessidade de se buscar a padronização nos órgãos de Controle interno, para o fortalecimento destas instituições e de sua posição de apoio à implementação de uma administração pública transparente, para que a população brasileira possa ter a segurança da boa aplicação dos recursos públicos, pois, um Sistema de Controle Interno estruturado, com carreira própria em nível nacional, poderá exercer o seu papel de guardião da correta e boa aplicação dos recursos públicos, detectando a corrupção no seu nascedouro.

1.5 Justificativa da escolha do tema

Por acreditar que o País necessita urgentemente fortalecer o Sistema de Controle Interno do Poder Executivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Para isso é necessário alteração do art. 74 da CF/88, visando definir nomenclatura, estabelecer carreira de auditoria para esse sistema em nível nacional e estabelecer o nível de vinculação dos órgãos de controle interno, bem como torná-los unidades permanentes de estado, a exemplo das procuradorias.

1.6 Fundamentação

No decorrer deste trabalho, buscou-se apresentar os tipos de contabilização governamental e os modelos de auditorias utilizadas com mais freqüência pelos órgãos de controle interno, conforme consta do Gráfico 3.3 [05] do diagnóstico de 2009, bem como demonstrar as divergências estruturais e metodológicas dos órgãos de controle interno do Poder Executivo deste país, mediante estudo de vários autores, dos quais se destacam: Domingos Poubel de Castro, Lino Martins da Silva, Afonso Gomes Aguiar, Leice Maria Garcia e Rodrigo Pironti Aguirre de Castro.

1.7 Metodologia

A pesquisa utilizada como forma de estudo é documental, bibliográfica, pesquisas em sítios de organismos nacionais e internacionais, como Instituto dos Auditores Internos do Brasil (IIA), Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (INTOSAI), The Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission ou Comitê das Organizações Patrocinadoras (COSO), Tribunal de Contas da União (TCU), Conselho Nacional dos Órgãos de Controle Interno dos Estados e do Distrito Federal (CONACI) e Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), e participação dos encontros do CONACI realizados em Salvador, Pernambuco e Rio de Janeiro. Procedeu-se a estudo de caso, com base em entrevistas realizadas com as autoridades de órgãos de controle interno de Goiás e Santa Catarina e do CONACI.

Em relação ao tema escolhido foram recolhidas, analisadas, transcritas e interpretadas as contribuições teóricas já existentes.

1.8 Estrutura da dissertação

No Capitulo 1, apresenta-se o tema, qual o resultado esperado com a pesquisa, qual o problema existente em relação ao tema, o porquê da escolha do tema e a relevância deste trabalho para a população, bem como a metodologia utilizada na realização do trabalhos.

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No Capitulo 2, conceitua-se o controle interno avaliativo e o controle interno administrativo, sendo este empregado pelos órgãos centrais de controle interno para avaliar a legalidade, eficácia, eficiência e efetividade dos atos de gestão e o outro, no controle para garantir atuação conforme aos modelos desejados anteriormente planejados, gerando uma aferição sistemática.

No Capitulo 3, apresenta-se a origem do controle do gasto publico, iniciando dos primórdios povos, como hindus e sumérios. Destaca-se o estabelecimento e a organização de mecanismos e procedimentos de controle dos gastos públicos em nosso país — que culminaram com a criação do Tribunal de Contas — desde a instituição do Império do Brasil, remontando ao período colonial, relatando, ainda que de forma breve, a evolução ocorrida naquele período, de modo a permitir uma melhor compreensão de todo o processo de transformação política e administrativa por que passou o Brasil, desde o descobrimento e a instituição dos primeiros governos, bem como das alterações introduzidas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 até os dias atuais.

O Capitulo 4 trata dos tipos de estrutura dos órgãos de contabilidade governamental. Esses tipos pressupõem a conjugação dos registros contábeis em um órgão central, que é o responsável pela apresentação dos demonstrativos contábeis e de resultados. Em face disso e no intuito de conhecer as estruturas de contadorias, apresentam-se os seguintes tipos de estruturas: centralizada, descentralizada, e integrada.

No Capitulo 5, busca-se a melhor compreensão sobre as atribuições dos órgãos de controle externo e interno, a definição do termo auditoria e das modalidades de auditorias de desempenho, de conformação, de gestão e de sistema, pois essas são as auditorias de maior incidência nos trabalhos realizados nos órgãos de controle interno dos estados brasileiros.

No Capitulo 6 aborda-se a estrutura, a vinculação e o quadro de pessoal do Sistema de Controle Interno do Distrito Federal, de Goiás e de Santa Catarina, desde suas origens até estruturas atuais.

No Capitulo 7 apresentam-se a origem e a missão do Conselho Nacional dos Órgãos de Controle Interno dos Estados Brasileiros e do Distrito Federal (CONACI).

No capitulo 8 conclui-se que o estudo demonstra o quanto a padronização do Sistema de Controle Interno pode contribuir para um controle mais efetivo da administração. Acredita-se que um controle de gestão institucionalizado e fortalecido seja o fator preponderante para o fiel cumprimento das normas e princípios constitucionais e os olhos incansáveis à vigília da boa aplicação dos recursos públicos.


2. CONTROLE INTERNO AVALIATIVO VS CONTROLE INTERNO ADMINISTRATIVO

Na largada deste trabalho, é necessário distinguir o que seja controle interno avaliativo, a cargo dos órgãos de controle interno, e controle interno administrativo, de responsabilidade dos gestores. A tradição normativa e doutrinária brasileira denomina órgãos de controle externo as instituições que desempenham o papel de auditoria externa e órgão de controle interno as instituições que desempenham o papel de auditoria interna.

Essa terminologia, por vezes, causa confusão nos gestores públicos e nos próprios auditores, pois gera a sensação de que o responsável pelo controle da gestão são os órgãos de controle – externos ou internos – quando, na verdade, eles realizam auditorias sobre a gestão e não são os responsáveis pelos controles administrativos.

Assim, não se deve confundir controle interno com os controles internos administrativos, pois estes constituem procedimento administrativo das organizações, como parte de um processo desenvolvido para garantir, com razoável certeza, que sejam atingidos os objetivos de uma entidade, sejam os objetivos de estratégia, informação ou conformidade.

O COSO editou documento denominado Internal Control – Integrated Framework, em 1992, que traz o conceito mais utilizado por organizações internacionais sobre controles internos, a saber:

[...] um processo, efetuado pela gerência, pelos diretores, administradores e outras pessoas da entidade, implementado por fornecer razoável segurança no alcance dos objetivos, nas seguintes categorias: efetividade e eficiência das operações; fidedignidade dos relatórios financeiros; e cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis. [06]

Já o controle interno corresponde ao Sistema de Controle Interno da administração pública federal, estadual ou municipal, incumbidos, dentre outras funções, da verificação da consistência e qualidade dos controles internos, bem como apoio às atividades de controle externo exercidas pelos Tribunais de Contas. É sobre esse controle, visto sob a ótica de sistemas de instituições e organizações fiscalizadoras, que o presente estudo trata.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o controle interno da atividade administrativa pode ser definido como:

O controle de fiscalização e correção que sobre ela (a administração) exercem os órgãos dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico. [07]

Evandro Martins Guerra define com bastante propriedade o controle interno administrativo, de maneira a aclarar os entendimentos anteriores, destacando que:

Em síntese, controle da Administração Pública é a possibilidade de verificação, inspeção, exame, pela própria Administração, por outros Poderes ou por qualquer cidadão, da efetiva correção na conduta gerencial de um Poder, órgão ou autoridade, no escopo de garantir atuação conforme aos modelos desejados anteriormente planejados, gerando uma aferição sistemática. Trata-se, na verdade de poder-dever, já que, uma vez determinado em lei, não poderá ser renunciado ou postergado, sob pena de responsabilização por omissão do agente infrator. [08]

Por fim, cabe ressaltar que, no âmbito federal, o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu uma norma, a IN–TCU n. 57, de 27 de agosto de 2008, que estabelece distinção entre órgãos de controle interno e controles internos, como se vê na Tabela 1.

Tabela 1 – Distinção entre controles internos e órgãos de controle interno

Controles internos (sistemas e procedimentos)

Conjunto de atividades, planos, métodos, indicadores e procedimentos interligados utilizados com vistas a assegurar a conformidade dos atos de gestão e a concorrer para que os objetivos e metas estabelecidos para as unidades jurisdicionadas sejam alcançados.

Órgãos de controle interno (organizações e instituições)

Unidades administrativas integrantes dos sistemas de controle interno da administração pública federal, incumbidos, dentre outras funções, da verificação da consistência e qualidade dos controles internos, bem como do apoio às atividades de controle externo exercidas pelo Tribunal.


3 A HISTÓRIA DO CONTROLE GOVERNAMENTAL

Em função da multiplicidade de ações no dia adia do Estado a necessidade do controle dos gastos públicos requer controles que garantam a efetiva gestão dos recursos públicos, visando proporcionar satisfação das necessidades de uma sociedade.

Essa necessidade é tão antiga, que se acredita ter surgido com a evolução do próprio homem, haja vista que dos primeiros grupos sociais evoluiu-se para comunidades baseadas em relações de troca.

Com o fim de regular essas relações, surgiu o mercado e, a partir desse surgiram os governos, que passaram a funcionar como mediadores das relações entre os diversos mercados, impondo-lhes critérios, regras e limites pré-estabelecidos, como forma de garantir proteção ao próprio mercado e à comunidade.

Apesar de não haver consenso entre os historiadores quanto às origens do controle sobre a riqueza pública, há registros de que a origem do controle perpassa hindus, sumérios, Egito, Grécia e Roma, pois, com a formação dos governos, veio a necessidade da destinação de parcela dos bens produzidos pelas comunidades à conta desses governos, que posteriormente evoluiu para os impostos, com vistas a suportar as despesas necessárias a sua manutenção e à administração dos negócios da comunidade e dos mercados envolvidos.

Alguns autores referem-se ao surgimento e ao progresso do controle e da auditoria no setor público na Inglaterra. Inaldo da Paixão Santos Araújo [09] lembra que, mesmo de forma não muito sistemática, até o reinado da Rainha Elizabeth, as contas públicas já eram objeto de exame. Destaca que esse serviço era realizado por auditores da receita pública ou pelo auditor do tesouro, denominado Controlador Geral do Tesouro Público, antes mesmo de 1559, cujo cargo fora criado em 1314. Ressalta ainda que, no século XIII, na Inglaterra, durante o reinado de Eduardo I é que aparece o termo auditor.

Corroborando isso, pode-se afirmar que as primeiras organizações de Governo já presenciavam mecanismos e estruturas de controle, como se verifica no trabalho vencedor do concurso de monografia Prêmio Serzedello Corrêa 1998 [10].

Segundo Artur Adolfo Cotias e Silva, com a formação dos governos, surgiu a necessidade de separar uma parte dos bens produzidos pela comunidade a conta daqueles governos, o que depois se tornariam os impostos, para a manutenção e administração dos negócios da comunidade e dos mercados envolvidos. Quando a intervenção dos governos se intensificou, abrangendo a vida e as finanças privadas, tornou-se necessário fiscalizar e controlar os atos desses governos, bem como as despesas por eles efetuadas, "tendo sido tais mecanismos de controle adotados em escalas e tempos diferentes pelos diversos povos, dependendo do grau de relacionamento existente entre os governantes e governados".

Não é possível estabelecer um marco inicial da constituição de organismos voltados para o controle dos gastos, pois a historia universal registra que as despesas públicas há muitos séculos são custeadas pelos povos, cabendo, desde o principio, ao arrecadador a obrigação de prestar contas dos recursos arrecadados.

Robert Cohen registra, em seu livro Direito e Administração, que os primeiros vestígios de tribunais de contas estão na história grega a mais de 2.000 anos, pois naquela época todos que exerciam parcela da administração tinham o dever de prestar contas dos dinheiros recebidos perante os dez tesoureiros da deusa Atenas. Entretanto mesmo naquela época o principio do dever de prestar contas e da publicidade se faziam presentes, haja vista que após aprovação das contas em assembléia, os dados eram gravados em pedra para permitir um exame perene dos cidadãos.

Com o passar do tempo, as atividades do Estado foram se tornando mais complexas, seja pelo aumento da intervenção do estado na economia privada ou pela crise dos próprios regimes institucionais. Com isso aumentava-se a necessidade de intensificar o controle da administração financeira e orçamentária e a publicidade dos atos de governo, fazendo com que, nos primeiros anos do século passado, vários países constituíssem Cortes de Contas.

3.1.1 O controle das contas públicas no Brasil Colônia [11]

Objetivando uma melhor compreensão de todo o processo de transformação política administrativa perpassada no Brasil e como o estabelecimento e a organização de mecanismos e procedimentos de controle dos gastos públicos são anteriores à instituição do Império do Brasil, relata-se, ainda que de forma breve, a evolução ocorrida desde aquela época.

Na tentativa de povoar o Brasil, por volta de 1530, o rei D. João III encarregou Martim Afonso dessa missão, porém como os resultados foram inferiores aos planejados, face ao abandono das capitanias ou por sua própria falência, buscou-se reverter essa situação em 1549, com a criação do Governo Geral no Brasil, tendo como o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, quando iniciou efetivamente a organização administrativa do Brasil colonial.

Na estrutura administrativa daquele governo existiam as Juntas Gerais, com o perfil de Conselho de Estado, e as Juntas de Fazenda das Capitanias, responsáveis pela administração econômica e fiscal.

Àquela estrutura administrativa foi incorporado o Conselho Ultramarino, como forma de centralizar as relações entre Portugal e suas colônias, com deliberação sobre todos os assuntos da colônia – políticos, administrativos e econômicos – e, por seu intermédio, os governadores-gerais, denominados vice-reis, prestavam contas à Coroa.

Com a escassez dos recursos enviados da Colônia, assevera-se a necessidade de um controle mais eficiente sobre a arrecadação de impostos. Em 1720, já no reinado de D. José I, os vice-reis passaram a ser os governadores do Estado do Brasil, com numerosas atribuições, dentre as quais se destaca o controle da arrecadação dos dízimos, donativos e impostos para a Coroa Portuguesa.

Registra-se que, com a transferência da sede do governo da Bahia para o Rio de Janeiro e com extinção das capitanias hereditárias, as capitanias do Estado do Brasil passaram a ter autoridade real, cabendo aos vice-reis o poder fiscalizador e disciplinador, período denominado de Era Pombalina, que se encerrou em março de 1777, sem que a Coroa obtivesse êxito na questão do controle sobre as contas da Colônia.

Buscando reverter mais uma vez a crise financeira da Coroa, foi nomeado o vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa, o qual mandou ordenar a escrituração das finanças da Colônia (auditoria contábil). Pois no relatório apresentado por seu antecessor, Luiz de Almeida Portugal, estava consignado acúmulos de déficits desde 1761, comprovando que desde então já se gastava mais do que se arrecadava.

Com a expedição de alvará real, em 1808, foi criado o Erário Régio, com a missão de guardar os tesouros reais, e o Conselho da Fazenda, responsável pelo controle dos gastos públicos. Porém, o Ministério da Fazenda, foi criado somente em 1821.

Na concepção do Ministro Agenor de Roure, o Conselho da Fazenda foi o embrião do Tribunal de Contas. Pois, não havendo uma distinção clara entre a coisa pública e os tesouros reais, e como os nobres da corte portuguesa na colônia não estavam preocupados em efetuar os gastos dentro do limite da arrecadação, aquele conselho concentrou esforços muito mais em dar uma aparência legal à desordem e aos saques efetuados ao Erário Régio do que no controle das contas.

3.1.2 O Império do Brasil [12]

Na fase do Império do Brasil, já se constituíra uma aristocracia intelectual no país, graduados nas universidades européias. Eles exerceram forte influência na formação política do país, dando inicio, inclusive, ao processo de controle dos gastos públicos, por meio do parlamentarismo.

Foi outorgada a primeira constituição política do Império do Brasil, consignando as atribuições da Câmara dos Deputados, consoante dispunham os incisos I e II do art. 37: "Também principiarão na Câmara dos Deputados: I. O exame da administração passada, e reforma dos abusos nela introduzidos. II. A discussão das propostas, feitas pelo Poder Executivo".

Nessa primeira constituição estava previsto, em seu artigo 170, que a "receita e a despesa da Fazenda Nacional será encarregada a um Tribunal, debaixo do nome de Thesouro Nacional".

Em face dos dispositivos contidos no artigo 172 da Carta Magna de 1824, nascia no Ministério da Fazenda e na Câmara dos Deputados as primeiras tentativas de controle da gestão governamental no Brasil, por meio da instituição do orçamento público e balanços gerais:

Art. 172. O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido dos outros Ministros os orçamentos relativos ás despezas das suas Repartições, apresentará na Camara dos Deputados annualmente, logo que esta estiver reunida, um Balanço geral da receita e despeza do Thesouro Nacional do anno antecedente, e igualmente o orçamento geral de todas as despezas publicas do anno futuro, e da importancia de todas as contribuições, e rendas publicas.

Apesar de o exame previsto no art. 170 da Constituição de 1824 não se revestir do caráter de julgamento da gestão, prestando-se somente a oferecer um quadro comparativo da receita e da despesa, a instituição daquele tribunal viria a ser, de fato, uma espécie de ponto de partida para a criação do Tribunal de Contas.

3.2 Controle interno contemporâneo

Lino Martins da Silva registra que os estudos dos sistemas de Controle Interno no Brasil revelam que, desde 1922, havia o envolvimento do controle no setor público na ação de três órgãos clássicos, a saber:

1) Tesouro Nacional – arrecadava a receita, recolhendo ao Banco do Brasil, e pagava a despesa legalmente processada.

2) Contadoria Geral da República – centralizava o registro de todos os atos relativos à arrecadação da receita e ao pagamento das despesas. Sua Jurisdição estendia-se a todo o território nacional e tinha a competência para coordenar, orientar, dirigir e fiscalizar todos os serviços de escrituração e contabilidade.

3) Tribunal de Contas – acompanhar, diretamente ou por delegações, a execução orçamentária, bem como julgar as contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos e da legalidade dos contratos celebrados pela União. [13]

Segundo Arizio de Viana, o controle orçamentário naquela época processava-se em três sistemas: Controle Administrativo, Controle Judiciário e Controle Legislativo. [14]

Segundo Lino Martins da Silva, esses sistemas eram assim conceituados:

1) Controle Administrativo era o mais eficiente, por ser exercido diretamente ao vivo, à medida que o ato administrativo se completava, em função da ordem hierárquica de responsabilidade que se estabelece entre os superiores e os agentes subalternos;

2) Controle Judiciário – de competência do Tribunal de Contas, não se justificava, como intervenção antecipada (a priori), mas com a apuração "a posteriori" da responsabilidade pelos atos praticados;

3) Controle Legislativo – era estruturado em três fases distintas:

a) Antes de iniciado o exercício fiscal, pela votação do orçamento na qual o Legislativo limita os gastos do Governo;

b) Durante o exercício, pelo acompanhamento da execução orçamentária; e

c) Após o encerramento do exercício com o exame e aprovação das contas da gestão, após parecer do Tribunal de Contas. [15]

O mesmo autor registra que, desde aquela época, o Sistema de Controle Interno estava voltado para o exame e a validação dos aspectos da legalidade e da formalidade. Para tal os órgãos de controle eram estruturados de forma a atender sua ação institucional, estruturando-se em contabilidade orçamentária, financeira e patrimonial, visando preocupação com seus produtos finais, qual seja: balanço orçamentário, balanço financeiro e balanço patrimonial.

Na década de 1960, em volta da reforma administrativa, surgem dois documentos de suma relevância. Um foi a Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964 e o segundo foi o Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, tendo este proporcionado significativa mudança ao controle interno, pois instituiu o Sistema de Controle Interno, conforme apregoa o art. 30 do TÍTULO V – Dos Sistemas de Atividades Auxiliares, o qual foi institucionalizado pelo artigo 71 da Constituição de 1967, cabendo-lhe:

a) criar condições indispensáveis para eficácia do controle externo e para assegurar regularidade à realização da receita e da despesa;

b) acompanhar a execução de programas de trabalho e do orçamento; e

c) avaliar os resultados alcançados pelos administradores e verificar a execução dos contratos.

Porém, a regulamentação do controle interno viria a ser definitivamente implementada por meio do Decreto n. 61.386, de 19 de setembro de 1967, promovendo, no lugar da Contadoria Geral da República, as Inspetorias Gerais de Finanças como órgãos do sistema de administração financeira, contabilidade e auditoria, localizadas em cada ministério civil, ficando o órgão central situado no Ministério da Fazenda.

Nessa época foi estabelecida uma estrutura descentralizada com dupla subordinação, pois, em cada Ministério existia uma Inspetoria Geral de Finanças, subordinada administrativa ao titular do Ministério e, tecnicamente, à Inspetoria Geral das Finanças do Ministério da Fazenda, que tinha a função de ser o órgão central do sistema.

No ano de 1986, com a criação da Secretaria do Tesouro Nacional, vivenciou-se uma substancial modificação no controle interno, de tal sorte que esta Secretaria passou a comandar o movimento financeiro da União.

Apesar de que nessa estrutura manteve-se a idéia da dupla subordinação, registrou-se avanço significativo quando as auditorias passaram a focar também nos resultados decorrentes da execução dos programas de governo, libertando-se das algemas das auditorias focadas somente nos aspectos financeiros do orçamento.

Mesmo assim, esse modelo, focado no aspecto do Tesouro, representou sensível melhora em relação aos modelos anteriores. Porém, cabe registrar, que no tocante à contabilidade e à auditoria pairavam fragilidades ao modelo posto, pois subordinava o órgão central de controle interno à Secretaria do Tesouro Nacional, que era responsável pelo financeiro, pela contabilidade e pela auditoria. Tal situação infringia um dos princípios básicos de qualquer sistema de controle: a segregação das funções contábeis, de auditoria e da função financeira.

Com a edição da Constituição de 1988, embora a realidade brasileira clame pela permanência da auditoria de conformidade, que é essencialmente importante aos órgãos de controle interno e externo, a auditoria operacional vem ganhando corpo, pois cada vem mais é necessário verificar a eficiência, a eficácia e a efetividade na aplicação dos recursos públicos. Isso está fazendo com que os sistemas tradicionais de auditoria sejam gradativamente abandonados e, consequentemente, a contabilidade e a auditoria passam a estar mais voltadas para os aspectos gerenciais, ou seja, auditoria operacional.

Domingos Poubel [16] afirma que a Constituição de 1988 foi escrita, inicialmente, para um regime parlamentarista de governo. Tal assertiva é devida à redação aprovada para os artigos que tratam do controle interno, pois esses foram direcionados para acompanhamento dos programas de governo e da gestão dos administradores e, por último, como apoio do controle externo.

Nesse diapasão, ao se comparar o disposto no art. 72 da Constituição de 1967 com o art. 74 da CF/88, verifica-se a existência de mudanças radicais quanto ao apoio do controle interno para o controle externo, haja vista que, no primeiro dispositivo legal, o apoio do Poder Executivo ao controle externo era grafado no primeiro inciso, já em 1988 esse apoio foi inserido no último inciso do art. 74.

O Decreto n. 93.874, de 23 de dezembro de 1986, criando o Sistema de Controle Interno, representou uma grande guinada de foco, forma e conteúdo nas áreas de controle interno, proporcionando várias mudanças das quais se destacam as seguintes:

- a Comissão de Coordenação de Controle Interno INTERSON, passou a ter o Secretário do Tesouro Nacional como vice-presidente, o qual de fato, coordena a parte técnica das normas do sistema;

- a Secretaria do Tesouro Nacional passou a ser o Órgão Central de Controle Interno (CISET);

- na organização fixada pelo decreto, a Secretaria do Tesouro Nacional passou a contar com unidades administrativas no Distrito Federal e em cada capital de Estado, denominadas Delegacia do Tesouro Nacional (DTN), como órgãos seccionais do sistema, responsáveis pela contabilidade analítica na região e suporte na implantação do SIAFI;

- com este decreto, as atribuições de auditoria que antes estavam subordinadas ao órgão central do sistema passaram para as CISETs dos respectivos ministérios. [17]

Foi criada, por meio do Decreto-Lei n. 2.346, de 23 de julho de 1987, a carreira de finanças e controle, com dois níveis de servidores, visando dar suporte permanente de recursos humanos ao Sistema de Controle Interno e à Secretaria do Tesouro Nacional.

Embora esses registros, há de se ressaltar que a CF/88 atribuiu aos Sistemas de Controle Interno dos três poderes da República relevantes funções, dentre elas a de apoiar o Controle Externo a cargo do Congresso Nacional e do Tribunal de Contas da União, no exercício de sua competência institucional. Porém a Constituição tratou o Sistema de Controle Interno somente como atividade de auditoria, o que não agradou as áreas técnicas.

Com o advento da Lei n. 10.180, de 06 de fevereiro de 2001, foram estabelecidos sistemas específicos para as atividades de controle interno, contabilidade pública e programação financeira e de planejamento e orçamento. A segregação entre as atividades de contabilidade pública e de controle interno foi considerada um marco importante, seguindo-se a linha definida na CF.

Entretanto, a obrigatoriedade dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário terem de manter, de forma integrada, Sistema de Controle Interno, com a finalidade de apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional, não foi aplicada homogeneamente nas esferas de governo.

Verifica-se que no poder Executivo Federal foi criada a Secretaria Federal de Controle Interno, estando organizada na linha do art. 74 da CF/88 como se fosse uma auditoria interna do governo, cuidando da melhoria da gestão governamental, como proteção ao gestor e suporte ao controle externo e integrando-se ao ciclo de gestão: Planejamento e Orçamento, Finanças, Contabilidade e Auditoria. Todavia em 2002, o controle mudou seu foco para a correição, quando ficou subordinado à Corregedoria e, a partir de 2003, embora com o nome de Controladoria, o foco passou a ser combate à corrupção. Em cinco anos, o Poder Executivo modificou a estrutura administrativa que desenvolvia as atividades de controle interno três vezes.

Nos estados essa alternância de estrutura também se repete, pois existem as mais variadas estruturas (institucional, administrativa e de recursos humanos), haja vista o Distrito Federal, que tem seu órgão de controle interno dentro da estrutura da Secretaria de Estado da Ordem Pública e Social e Corregedoria-Geral do DF (SEOPS), o Estado de Goiás reestruturou o seu órgão do Sistema de Controle Interno, saindo do primeiro escalão de governo e passando para o segundo por meio da Superintendência de Controle Interno dentro da estrutura da Secretaria de Fazenda do Estado de Goiás e o Estado de Santa Catarina exerce suas atividades por meio da Diretoria de Auditoria Geral (DIAG), a qual pertence a estrutura administrativa da Secretaria de Estado de Fazenda de Santa Catarina.

Já em alguns municípios, a existência de controles internos deveria ser o pilar da accountability. Portanto, a ausência de regulamentação para todos os entes federados deixa, na maioria dos municípios brasileiros, o controle interno à mercê da ingerência política, quase sempre contrária aos interesses da boa governança.

Em pesquisa realizada pelo TCU, verificou-se que, na quase totalidade dos pequenos municípios com até 30.000 habitantes, não há estrutura mínima de atuação independente para o Sistema de Controle Interno. Nesses casos, verifica-se a nomeação de políticos para ocuparem o cargo de controlador e seus auxiliares, geralmente dois servidores, os quais são simplesmente nomeados por meio de portarias ou decretos, assinados pelo prefeito municipal. Constatou também que esses servidores que complementam o quadro da controladoria, na maioria das vezes, nem sequer recebe algum tipo de gratificação, logo, pode-se inferir o ânimo e a disposição deles em fiscalizar de forma diligente e autônoma qualquer ato do poder executivo local.

Como visto, o controle interno é coisa velha – no sentido figurado de antigo – na Administração Municipal, mas a maioria, até hoje, ainda não o implantou, ou quando implantou foi, na maioria das vezes, na forma supracitada.

Em face disso e em função da multiplicidade de ações que o Estado desenvolve, faz-se necessário aprimorar os controles a fim de garantir à sociedade brasileira a efetiva gestão dos recursos públicos, proporcionada pela adoção de técnicas e procedimentos de administração e gestão.

Sobre o autor
Manoel Luiz Camilo de Morais Antunes

Auditor de Controle Interno/Formação em Ciências Plenas com habilitação em matemática pela UNICEUB com especialização em Controle de Gestão Pública pela Universidade de Brasilia-UNB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Manoel Luiz Camilo Morais. Controle interno no Brasil.: Dificuldades de padronização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2258, 6 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13435. Acesso em: 25 dez. 2024.

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