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A objetivação do recurso extraordinário na jurisdição contemporânea.

A criatividade judicial

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Agenda 04/10/2009 às 00:00

5.Equivalência dos controles difuso e abstrato. Efeitos erga omnes e vinculante são da essência do recurso extraordinário. O stare decisis.

O Princípio da Supremacia da Constituição foi absorvido pela Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) e o STF é a Corte Constitucional que exerce a atribuição de guardião de sua força normativa através de um sistema de controle misto (art. 60 c/c art. 102, caput, I, a e III, CRFB/88). No RE-ED 328.812/AM (STF, 2008b), o STF confirmou sua competência constitucional de intérprete autêntico. Nesse recurso, afastou o enunciado 343 de sua Súmula nos processos em que se identificam matéria constitucional de interpretação contraditória há época da discussão originária como medida de garantir a autoridade de suas decisões. Segundo este tribunal, as suas decisões conferem concretização à Constituição. A violação à norma constitucional é mais grave que a violação à lei, pois a afronta se dirige contra uma interpretação que é a própria realização constitucional. Desrespeitar as suas decisões representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema jurídico, sendo necessário, portanto, relativizar a coisa julgada material, a fim de efetivar a Constituição.

No entanto, de acordo com a Teoria da Cognição clássica, o controle de constitucionalidade realizado pelo STF através do recurso extraordinário não possui força geral e obrigatória. A explicação para esse fenômeno jurídico está na causa de pedir. Como o recurso é a extensão do exercício do direito de ação, o RE é um ato postulatório e, como todo ato postulatório, possui um fundamento, a base de seu pedido. O requisito de qualquer ato postulatório é composto pelas alegações de fato e de direito, isto porque o pedido de aplicação dos efeitos jurídicos de determinado fato jurídico envolve a incidência da norma jurídica ao fato. O fato e o fundamento jurídico compõem a causa petendi, sendo que aquele decorre de exposição in status assertionis e este é o enquadramento do fato à previsão abstrata contida no ordenamento de direito positivo (DIDIER JR., 2007a, p. 263-264).

Como o pedido do processo fundamenta-se na inconstitucionalidade de um ato normativo, causa de pedir, tal questão constitucional é apenas conhecida e não decidida (DIDIER JR., 2007a, p. 262), não incidindo os efeitos correlatos da coisa julgada. O pedido do recurso extraordinário refere-se a um interesse subjetivo no caso concreto, dando-se a declaração de inconstitucionalidade de forma incidental (incidenter tantum), prejudicialmente ao mérito (principaliter tantum) (AGRA, 2008, p. 219-220).

Ocorre que o recurso extraordinário tem como objeto imediato a tutela do direito constitucional objetivo. Somente protege o direito subjetivo das partes de forma reflexa ou mediata (ORIONE NETO, 2006, p. 30; MARINONI e ARENHART, 2007, p. 420). Inclusive, a Lei 11.418/06, a qual introduziu a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do RE, repete o procedimento já previsto na Lei 10.259/01 que, na sede dos Juizados Especiais Federais, regulamentava os recursos repetitivos. Com este procedimento, consagra-se definitivamente o recurso extraordinário como instrumento de defesa de defesa da ordem constitucional objetiva, pois há a possibilidade de liminar que suspenda a tramitação dos recursos semelhantes, baseando-se a decisão em processos de amostra que externem a questão constitucional controversa. Declarada a existência de repercussão geral e julgado o mérito do recurso, tal decisão valerá para os recursos sobrestados e, ainda, para os não distribuídos que versem sobre questão idêntica (STF, 2008a).

A questão de constitucionalidade não se confunde com a questão principal desejada pelas partes. Em ambos os instrumentos processuais de controle de constitucionalidade, o STF desempenha o papel hegemônico de decidir definitivamente as questões constitucionais (art. 102, caput, CRFB/88). Tanto o controle concentrado quanto o difuso tem como finalidade garantir a aplicação e a defesa da Constituição. As suas diferenças se complementam cooperativamente, potencializando o núcleo ontológico da Constituição: os direitos fundamentais (AGRA, 2008, p. 225-226).

Assim, embora a dogmática jurídica faça distinção entre as questões incidenter tantum e principaliter tantum, ontologicamente não há diferença na atividade cognitiva. Na verdade, apesar da questão principal depender da constitucional, esta é autônoma em virtude da posição que o STF ocupa na defesa da hierarquia das leis (CUNHA JR., 2007, p. 87). As decisões da Corte Constitucional também são fontes do Direito, produzindo diretrizes normativas gerais e obrigatórias.

O incidente de inconstitucionalidade dos tribunais disposto nos arts. 480 e 481 do CPC torna essa conclusão ainda mais clara. A tese de inconstitucionalidade é levada ao conhecimento da turma através da discussão de um caso concreto. Porém, a tese deve se deslocar da turma e ir à Plenário. Depois de decidida a tese de constitucionalidade, volta a decisão à turma para fundamentar a norma individual a ser criada na composição da lide. Note como o julgamento cindiu-se. O julgamento do plenário, a tese de constitucionalidade, se trata de decisão jurisdicional e não uma simples fundamentação. Essa matéria não precisará mais ser remetida ao plenário segundo o parágrafo único do art. 481 do CPC.

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Apenas por não ser a questão principal no recurso extraordinário, a tese de constitucionalidade criada pelo STF não terá efeitos erga omnes e vinculante como o tem no controle concentrado, tendo, para isso, de sujeitar-se à vontade do Senado Federal (art. 52, X, CRFB/88)? Essa posição vai de encontro ao princípio da igualdade, pois iguais serão tratados desigualmente em outros juízos e na Administração Pública em virtude da decisão do STF no âmbito do RE ter efeito inter partes e não vinculá-los.

O que realmente subjaz ao pensamento jurídico é a adequação e o poder convincente do pensamento axiológico e teleológico. À medida que o modelo jurídico (norma geral) criado pelo STF no recurso extraordinário seja racionalmente demonstrável, deve ser abarcado pelo sistema jurídico e servir como premissa cientifica (CANARIS, 2002, p. 66-75). Ou seja, conhecendo o Tribunal Constitucional de recurso em fiscalização concreta, deve decidir todos os recursos pendentes sobre a mesma questão de constitucionalidade de acordo com a premissa estabelecida (MIRANDA, 2007, p. 507).

O efeito inter partes do recurso extraordinário, além de prejudicar a unidade interna do sistema jurídico, também viola o princípio da segurança jurídica, uma vez que seu valor ‘exige a garantia da cognoscibilidade, aplicabilidade e efetividade do próprio Direito’ (KAUFFMAN, 2004, p. 281). O modelo jurídico criado pelo STF no RE como intérprete autêntico da Constituição não será aplicado a toda a sociedade, prejudicando a própria ‘finalidade desse recurso que é preservar a unidade e a autoridade da Constituição, tendo, assim, como objetivo o interesse público e não o interesse das partes’ (ORIONE NETO, 2006, p. 463).

É imperioso atribuir novo sentido ao art. 52, X da CRFB/88 para que produza um resultado hermenêutico compatível com a realidade social e jurídica atual. A tal processo informal de alteração da constituição chama-se mutação constitucional (MENDES; COELHO e BRANCO, 2007, p. 55). O artigo constitucional em questão foi criado na Constituição de 1934, na qual preponderava o Positivismo do Estado de Direito. Permeava como valor daquela constituição a rígida concepção de separação de poderes de Montesquieu, por isso colocou como necessária a participação do Senado Federal, quando a Corte Suprema atuar como legislador negativo em controle difuso. O processo subjetivo idealizado na CRFB/88 foi uma repetição das Constituições de 1934 (art. 91, IV), 1946 (art. 64) e 1965/67 (art. 42, VII), copiando o mesmo dispositivo (MENDES, 2007, p. 257-265).

Será que a realidade social atual não exige a "mutação constitucional"? Sim, pois considerar a resolução de suspensão da lei declarada inconstitucional pelo STF como mera publicação e não como pressuposto do efeito vinculante não seria uma legislatura constitucional, mas adaptar o texto constitucional à realidade contemporânea que pondera, com peso maior, os valores da economia e celeridade processuais. Da criação da interferência do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade até os dias atuais, muitas coisas mudaram.

A própria origem do controle difuso de constitucionalidade no direito norte-americano, que inaugurou o Princípio da Supremacia da Constituição, atribuía efeito vinculante às decisões da Suprema Corte. É o princípio do stare decisis, ou seja, os precedentes da Suprema Corte americana são vinculantes, visto que estes precedentes são a fonte de suas norma. Esse princípio, assim, assume ares de eficácia erga omnes e vinculante. Rui Barbosa, no entanto, quando importou o judicial review dos EUA, não importou também o stare decisis para a CF/1891. Preferiu continuar com o princípio da livre convicção motivada (CASTRO, 2008, p. 22-24; CUNHA JR., 2007, p. 78-81; AGRA, 2008, p. 217).

A não adoção do controle difuso no Brasil está ligada à questão do "governo dos juízes". Expressão cunhada pela primeira vez nos Estados Unidos por L.B. Bodin, representava a crítica direcionada à Suprema Corte norte-americana que não esporadicamente intervinha em decisões políticas do Executivo e do Legislativo ao invalidá-las frente à Constituição daquele país. Os fundamentos da teoria existente por trás dessa expressão estavam diretamente vinculados à criação normativa pelos tribunais (GARCIA, 2007, p. 33-34).

Para exercer esse controle político no Poder Judiciário, a Constituição de 1934 criou a interferência do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade para atribuir-lhe efeito vinculante. Ocorre que as atribuições do Senado na CF/1934 eram totalmente diferentes das que possui hoje. Não fazia parte do legislativo. Não auxiliava a Câmara na feitura de leis, mas era coordenador dos Poderes (art. 22 e 91, I). Estava acima dos demais Poderes, por isso seus integrantes possuíam imunidades e a atribuição disposta no art. 91, IV. Além disso, a comunicação ao Senado da declaração de inconstitucionalidade era realizada pelo Procurador Geral da República (PGR) (CASTRO, 2008, p. 56-57).

A CF/1946 reinseriu o Senado Federal no Poder Legislativo e retirou a sua função de coordenação de poderes, porém manteve-se a competência para suspender lei declarada inconstitucional. A Emenda Constitucional (EC) 16/65 introduziu o sistema concentrado com a representação de inconstitucionalidade ajuizada pelo PGR, tendo sido reduzida a participação do Senado Federal nesse sistema a partir do dia 18/04/1977 pelo STF através da técnica de redução teleológica e incorporado no art. 187 de seu Regimento Interno que, mais tarde, foi objeto da EC 7/77. Assim, o STF deixou de comunicar ao Senado para o fim de editar o ato legislativo necessário à suspensão do ato normativo, pois suas decisões em controle concentrado passaram a ter efeitos vinculante e erga omnes (CASTRO, 2008, p. 59 e 29-30; CUNHA JR., 2007, p. 86).

Noutro passo, a doutrina dominante está equivocada ao equiparar a suspensão da Resolução do Senado Federal (art. 52, X, CRFB/88) com a revogação de lei. O Senado Federal, por si só, não tem competência constitucional para revogar uma lei, visto que é necessária a aprovação de uma outra lei que a revogue de forma tácita ou implícita.

Para que uma lei seja revogada, o processo legislativo previsto na CRFB/88 deve ser obedecido e isso significa a participação da Casa Legislativa Revisora (Câmara) e a sanção do Presidente da República. Além disso, o Congresso Nacional, ao exercer sua atividade legislativa, representa a União, assim não seria possível "revogar" leis municipais, estaduais e distritais. Portanto, tendo em vista que a suspensão prevista no art. 52, X da CRFB/88 coloca o Senado Federal como órgão de representação nacional, a suspensão prevista é a declaração de nulidade por inconstitucionalidade típica de controle constitucionalidade que é de competência do STF (MENDES, 2007, p. 243-247)..

Na prática, não adianta extremar as contraposições entre o controle difuso e o concentrado, pois o stare decisis e os efeitos erga omnes e vinculante, respectivamente, aproxima-os (MIRANDA, 2007, p. 533). Mesmo que não se entenda desta forma, deve-se notar que as constantes alterações realizadas pelo Congresso Nacional no CPC e as novas leis criadas para regulamentar as inovações da EC 45/04, legitimam legislativamente a atribuição desses efeitos às decisões do STF em sede de recurso extraordinário quando objeto de apreciação do Plenário.

O STF, no HC 82.424 (STF, 2004), admitiu a participação de amicus curiae em sede de controle difuso de constitucionalidade e os parágrafos do art. 482 do CPC admitem a participação de interessados, do Ministério Público e dos legitimados do art. 103 da CRFB/88 nos incidentes de inconstitucionalidade dos tribunais. Além disso, o parágrafo único do art. 481 do CPC dispensa a remessa do incidente ao plenário do tribunal caso a tese constitucional já tenha sido decidida pelo plenário do STF em sede de RE. Note-se que esses artigos foram alterados pela Lei 9.756/98, abstraindo o controle difuso ao democratizar a discussão da tese de inconstitucionalidade (consenso social) e dando efeito vinculante à decisões tomadas pelo STF em sede de controle difuso (DIDIER JR., 2007b, p. 105-108).

O art. 557, §1º-A do CPC permite que o relator negue seguimento ao RE caso refira-se à matéria de direito substancial cuja tese esteja em confronto à súmula ou jurisprudência dominante do STF. Conforme já estudado, as súmulas são formuladas através do recurso extraordinário, ou seja, através do controle difuso, assim como acontece com a jurisprudência dominante. Mais uma vez, o Congresso Nacional, através da Lei 9.756/98, atribui efeito vinculante à decisão em controle difuso (MENDES, 2007, p. 277).

O STF tem jurisprudência dominante no sentido de atribuir efeitos erga omnes e vinculante às teses de constitucionalidade decididas em face de leis municipais. Baseado na Teoria da Transcendência dos Efeitos Determinantes, atribui eficácia vinculante à ratio decidendi das decisões em controle difuso contra leis municipais (MENDES, 2007, p. 279). Mais uma vez, aplica institutos típicos do controle concentrado em controle difuso.

Deve-se mencionar, ainda, a E.C. 45/04 que criou a súmula vinculante do STF em teses constitucionais, admitindo o manejo de Reclamação, a fim de atribuir validade e eficácia às normas constitucionais através da interpretação (art. 103-A, §1º, CRFB/88). Como já visto, a súmula é consequência de reiteradas decisões em controle difuso e passa a ter efeito vinculante independentemente da participação do Senado Federal (DIDIER JR., 2007, b, p. 101-103). Assim, o sistema positivo incorporou a criatividade judicial, compreendendo que "toda norma só vigora [...] na interpretação que lhe atribui o aplicador (SOARES, 2008, p. 107).

Além disso, como há uma proximidade entre a súmula vinculante e a repercussão geral, o recurso extraordinário acaba por adquirir efeito vinculante sem precisar adequar-se aos pressupostos do art. 103-A da CRFB/88. Isto porque, por exemplo, há a presença de matéria que ultrapassa os interesses subjetivos da causa "[...] sempre que o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal" (art. 543-A, §3º, CPC) e, decidido o mérito do recurso de amostra, tal decisão valerá para os recursos sobrestados e para os não distribuídos que versem sobre questão idêntica.

Nesse sentido, o STF, em questão de ordem no RE 579.431/RS (STF, 2008c), decidiu que o recurso extraordinário cuja tese de constitucionalidade vá de encontro à súmula ou à jurisprudência dominante desse Tribunal deve ser julgado improcedente (art. 557, CPC) e ser aplicado o procedimento dos §§ 1º e 3º do art. 543-A do CPC para os demais que versem sobre questão idêntica. Por último, na questão de ordem no AI 715.423/RS (STF, 2008d), o STF decidiu aplicar o procedimento da repercussão geral, salvo o disposto no art. 543, §2º do CPC, mesmo nos recursos interpostos anteriormente à regulamentação desse instituto.

Portanto, é nítido e claro que o próprio Congresso Nacional tem o mesmo objetivo do STF na Rcl 4335-5/AC. Não se trata de criacionismo jurisdicional em afronta à CRFB/88. Não se pode é fechar os olhos para a realidade social e admitir que o art. 52, X da CRFB/88 sofreu mutação constitucional, apontando para o entendimento de que as todas as decisões do plenário do STF com 2/3 dos votos dos Ministros tem eficácia erga omnes e vinculante, independentemente do instrumento processual utilizado.

Sobre o autor
Anderson Estevam de Souza Leite

Advogado e Professor Universitário. Especialista em Processo Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Anderson Estevam Souza. A objetivação do recurso extraordinário na jurisdição contemporânea.: A criatividade judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2286, 4 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13625. Acesso em: 5 nov. 2024.

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