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Efeitos penais e extrapenais do REFIS (Lei 9964/00)

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Agenda 01/02/2001 às 00:00

2) DA RETROATIVIDADE DA  SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA

Inicialmente, cumpre analisar a natureza jurídica do instituto sob comento, vez que paira certa controvérsia doutrinária.

Muito embora, haja corrente doutrinária, representada pelo eminente jurista Fábio Machado de Almeida Delmanto(21) defendendo que a Lei 9.964/00, que instituiu o Refis, trata-se de lei temporária, argumentando, para tanto, que a vigência desta expirou-se no dia 28 de abril, entretanto, entendemos que a referida lei não se coaduna com a construção expendida doutrinariamente acerca da lei temporária.

Na esteira do ensinamento do insigne penalista Damásio E. de Jesus, podemos conceituar leis temporárias assim: "São aquelas que trazem preordenada a data de expiração de sua vigência. Consumado do lapso de da lei temporária cessa a sua vigência."(22)

Não nos parece que o requisito da expiração da vigência integral da Lei 9.964/00, característico da lei temporária, está previsto no seu interior. É que a data assinalada como expiração da vigência pela primeira corrente, não se trata de termo ad quem, para a sua auto-revogação, mas sim, de data limite para que os contribuintes devedores do Fisco Federal formalize seu pedido de ingresso no programa do Refis.(23) Não é com o ingresso no programa do Refis que a sua vigência cessará, ao contrário, os efeitos penais da Lei do Refis perdurarão pelo período em que o contribuinte estiver incluído no programa, posto que a sua exclusão, em decorrência das hipóteses arroladas no artigo 5.º desta Lei, tem o condão de obstar a suspensão da pretensão punitiva e, assim, o Estado poderá livremente exercê-la. Como se vê, mesmo que este fato ocorra depois da data assinalada para a sua adesão, os efeitos da Lei do Refis, não cessarão, enquanto o contribuinte não quitar integralmente seu débito com a Fazenda Pública, pois só com a total quitação é que extinguir-se-á a pretensão punitiva do Estado, conforme se infere do parágrafo 3º do artigo 15 da Lei n.º 9.964/00.

Assim, o artigo 15 da Lei do Refis, que estabeleceu a suspensão da pretensão punitiva, por não se tratar de norma penal temporária, há que se reconhecer a retroatividade da Lei 9.964/00, vez que, em se tratando de norma penal com a característica de novatio legis in mellius mister é reconhecer a sua retroatividade, em respeito ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpida no parágrafo único do artigo 2º do Código Penal.(24)

Por outro lado, apesar de reconhecermos retroatividade do instituto da pretensão punitiva e assim, podendo abarcar todos os casos de crimes contra a ordem tributária, desde que incluídos no programa do Refis, entretanto, urge ressaltarmos uma exceção contida na própria Lei do Refis (Art. 15, "caput - in fine", da Lei). É que nos crimes cometidos contra a ordem tributária em que a ação penal já tiver sido proposta, através do despacho de recebimento da denúncia e antes do deferimento administrativo da inclusão do contribuinte no parcelamento do Refis, este não terá o efeito de suspender a pretensão punitiva, possibilitando ao Estado a pleno exercício da punibilidade para esses casos.

A exegese ora empreendida guarda consonância, inclusive, com o entendimento reiterado do Supremo Tribunal Federal, que, apreciando a questão do parcelamento dos débitos tributários, não se referindo àquele previsto no programa do Refis, mas sim, o previsto nas legislações tributárias, não tem o condão de extinguir a punibilidade, pois, para tal efeito, requer-se, a teor do artigo 34 da Lei n.º 9.249/95, o pagamento integral do tributo.(25)


3) DA IRRETROATIVIDADE DA SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL

O artigo 15, § 1º, da Lei n.º 9.964/2.000, que instituiu o programa do Refis, assim preceitua: "A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva"

O ordenamento jurídico destina-se, precipuamente, a realização da paz social, evidenciada pela convivência harmônica entre os sujeitos de direitos. Neste passo, é que se funda o instituto jurídico da prescrição, visto que este tem por fim a convalidação de uma situação existente, em razão do decurso de certo lapso temporal. Vale dizer, esvazia-se o efeito decorrente do direito, em razão da inércia do seu titular.

Na esfera penal, "o transcurso do tempo incide sobre a conveniência política de ser mantida a persecução criminal contra o autor de uma infração ou de ser executada a sanção em face de lapso temporal minuciosamente determinado pela norma"(26)

Com a ocorrência de um delito, nasce para o Estado o jus puniendi em concreto, conforme já analisado. Porém, este direito de punir que o Estado é titular não pode ser exercido eternamente, ao revés, a própria lei penal, através do artigo 109, do Código Penal, fixa os marcos máximos, de acordo com o a sanção penal abstratamente cominadada, graduando-se conforme o bem jurídico lesado. Transcorrido esse prazo, ocorre a prescrição da pretensão punitiva, impedindo, destarte, que o Estado exerça o direito de punir. Por outro lado, se transitada em julgado a sentença penal condenatória, surge para o estado o direito de executá-la, mas, nos moldes dos argumentos supra-expendidos, se o Estado permanecer inerte, com o decurso de certo lapso temporal, ocorre a prescrição da pretensão executória¸ que tem o condão de impedir que o Estado execute a sanção fixada na sentença penal condentória.

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Tocante a natureza jurídica da prescrição, muito embora paira certa controvérsia doutrinária, na qual, minoritária corrente doutrinária defende que a prescrição tem natureza jurídica mista, pertencendo tanto ao Direito Penal, quanto ao Direito Processual Penal. Argumentam, para tanto, que o aspecto material, é evidenciado pela circunstância de que o Estado, em face do transcurso do tempo, não tem mais razões para aplicar ao fato o Direito Penal, extinguindo-se, destarte as razões sociais que exigiam a punição. Sob o ângulo processual, penal, aduzem que o decurso do tempo faz dificulta sobremaneira a produção de provas e, assim, possibilite sentenças injustas.

Com a devida vênia, entendemos, com apoio na majoritária doutrina, que a prescrição tem natureza jurídica exclusivamente penal, pois se a pretensão punitiva traduz-se na possiblidade de o Estado, perseguir em juízo a imposição da sanção penal, positivado exatamente no tipo penal, concretamente violado, revela o caráter material da pretensão punitiva, pois a norma penal exige uma estrutura complexa, compreendendo não só a descrição típica, (preceito primário), mas também a previsão da sanção penal abstratamente cominada (preceito secundário).

Restando demonstrado que a punibilidade possui natureza penal, mister reconhecer, até por coerência de idéias, que a prescrição penal também a possui, vez que esta é causa de extinção daquela, prevista expressamente no Código Penal, em seu artigo 107, inciso IV.

Neste sentido é o escólio do ilustre doutrinador Damásio E. de Jesus, que assim se manifesta: "Cremos, entretanto, que a prescrição tem natureza exclusivamente penal. Tanto que, constituindo causa extintiva da punibilidade, vem disciplinado no CP. O impedimento à persecução penal que dela decorre configura simples efeito de natureza processual penal, como acontece com outras causas, como a anistia, a renúncia ao direito de queixa, a reparação do dano no peculato culposo, etc..."(27)

Relativamente ao instituto da suspensão do prazo prescricional, percebe-se que não é novidade em nosso ordenamento pátrio. A Lei n.º 9.271, de 17 de abril de 1996, que deu nova redação ao artigo 366 do Código de Processo Penal(28) inaugurou este instituto, quando prevê a suspensão do processo penal, em razão da revelia.

Quando da sua edição, surgiram diversas manifestações doutrinárias, restando, ao nosso ver com absoluta razão, assentado a irretroatividade da suspensão da pretensão punitiva, por se tratar de instituto prejudicial ao réu.

A Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XL, conjugada com o parágrafo único do artigo 2º do Código Penal, expressamente veda a retroatividade da lei penal prejudicial ao réu.

Ora, não é preciso maiores lucubração para se verificar que a norma instituidora da suspensão da pretensão punitiva é prejudicial ao réu, pois a prescrição do crime contra a ordem tributária representa direito subjetivo do réu. A Carta Magna preceitua como imprescritíveis os crimes de racismo e de ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, previstos nos incisos XLII e XLIV do artigo 5º da Lei Maior, respectivamente. Ao prescrever a imprescritibilidade destes dois delitos, ao "contrario sensu", a Constituição Federal garantiu aos demais delitos a prescritibilidade, o que nos afigura como verdadeiro direito público subjetivo do réu.

Portanto, a suspensão do prazo prescricional só poderá incidir sobre os crimes perpetrados a partir do dia 11 de abril de 2000, data em que a Lei n.º 9.964/00 foi publicada e, assim, entrou em vigor, a teor do seu artigo 18.

Por outro lado, conforme já demonstrado alhures, um dos requisitos para o contribuinte ingressar no programa do Refis é que o débito para com o Fisco Federal, eventualmente, decorrente de crime contra a ordem tributária, tenha ocorrido até 29 de fevereiro de 2000.

Desta forma, vemos como inócua a figura da suspensão do prazo prescricional, concernente ao programa do Refis, pois se a suspensão do prazo prescricional para os crimes contra a ordem tributária não pode retroagir antes da data de 11/04/2000 e, por outro lado o programa do Refis admite somente os crimes cometidos até 29/02/200, há mais de um mês antes da vigência da Lei n.º 9.964/00, portanto, jamais a haverá suspensão do prazo prescricional para os contribuintes que ingressarem no programa do Refis, em respeito ao princípio constitucional da irretroatividade da lei penal prejudicial ao réu.

Conseqüentemente, para os contribuintes que cometeram crime contra a ordem tributária e em razão deste débito para com a Fazenda Pública, ingressou no programa do Refis, haverá a suspensão da pretensão punitiva, por ser norma penal benéfica ao réu, mas não incidirá a suspensão da pretensão punitiva, por evidente benefício que a prescrição proporciona ao réu. Como se vê, em face da impossibilidade da instauração da ação penal durante a suspensão da punibilidade, que terá tempo indeterminado, decorrido certo lapso temporal, mesmo que o contribuinte seja excluído do programa do Refis, em razão da inadimplência ao parcelamento, por exemplo, provavelmente será impossível o Estado exercitar o jus puniendi, em face da punibilidade já se encontrar extinta pela prescrição.

Oportuno, neste particular, recorrermos a máxima pauliana, segundo a qual nem tudo que é lícito (conforme ao ordenamento jurídico), é honesto (conforme à moral).


NOTAS

1. Lei 9.964/2000. "Art. 2º caput - O ingresso no Refis dar-se-á por opção da pessoa jurídica, que fará jus a regime especial de consolidação e parcelamento dos débitos fiscais a que se refere o art. 1º. (grifo não original)

2. Lei 9.964/2000. "Art. 2º, § 2º - Os débitos existentes em nome do optante serão consolidados tendo por base a data da formalização do pedido de ingresso do Refis".

3.Rodrigues, Silvio. Direito Civil. São Paulo. Saraiva. 1988, p. 231.

4. Código Civil. "Art. 1003. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário". (grifo não origina).

5. Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991. "Art. 60 Será concedida redução de quarenta por cento da multa de lançamento de ofício ao contribuinte que, notificado, requerer o parcelamento do débito no prazo legal de impugnação.

§ 1º. Havendo impugnação tempestiva, a redução será de vinte por cento, se o parcelamento for requerido dentro de trinta dias da ciência da decisão da primeira instância.

§ 2º. A rescisão do parcelamento, motivada pelo descumprimento das normas que o regulam, implicará restabelecimento do montante da multa proporcionalmente ao valor da receita não satisfeito."

6. Lei 9.964/2000. "Art. 2.º (...)

II – será pago em parcelas mensais e sucessivas, vencíveis no último dia útil de cada mês, sendo o valor de cada parcela determinado em função de percentual da receita bruta do mês imediatamente anterior, apurada na forma do art. 31 e parágrafo único da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995, não inferior a:

a) 0,3% (três décimos por cento), no caso de pessoa jurídica optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de

Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples e de entidade imune ou isenta por finalidade ou objeto;

b) 0,6% (seis décimos por cento), no caso de pessoa jurídica submetida ao regime de tributação com base no lucro presumido;

c) 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento), no caso de pessoa jurídica submetida ao regime de tributação com base no lucro real, relativamente às receitas decorrentes das atividades comerciais, industriais, médico-hospitalares, de transporte, de ensino e de construção civil;

d) 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), nos demais casos." (grifo não moriginal)

7. In Direito Constitucional. 7ª Edição. São Paulo. Atlas. p. 59.

8. QUIROGA, Lavié. Derecho Constitucional. Buenos Aires. Depalma, 1993 p . 123.

9. BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil.2.º Volume. São Paulo Saraiva. p. 172/173.

10. In Curso de Direito Penal Brasileiro. 2ª Edição. São Paulo. Revista dos Tribunais. p. 83.

11. Jesus, Damásio E. Direito Penal. São Paulo. Saraiva. 20ª edição. 1997. p. 154.

12. Prado, Luiz Regis, op. cit. p. 555.

13. apud SILVA, Ovídio A Batista, GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 2ª Edição. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2000. p. 62

14. MORAES, Alexandre. Op. cit. p. 96

15. op. cit. p. 99.

16. In Direito Previdenciário.[et al], 2ª edição. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 1999. p. 32.

17. JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 7ª Edição. Rio de Janeiro. Forense. 1999. p. 99.

18. TOLEDO, Francisco de Assis, Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª Edição. São Paulo. Saraiva. 2000.p. 19.

19. NERY Jr, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil em Vigor. 4ª Edição. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1999. p. 87.

20. Código Penal. "Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:

(...)

VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código"

21. In O REFIS instituído pela Lei n.º 9.964/00 e os crimes tributários, publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais n.º 91 - Junho de 2000, p. 8

22. In Direito Penal. Volume 1 - Parte Geral. São Paulo. Saraiva. 20ª Edição. 1997. p. 69.

23. Lei 9.964, de 10 de abril de 2000. Art. 2º, § 1º "A opção poderá ser formalizada até o ultimo dia do mês de abril de 2000"

24. Código Penal. "Art. 2º. (...)

Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado."

25. A propósito o STF deixou assentado:

"EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PARCELAMENTO DA DÍVIDA. ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL, INCLUSIVE DO STF NO SENTIDO DA NECESSIDADE DE QUITAÇÃO INTEGRAL DA DÍVIDA.

"Nos crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90), a extinção da punibilidade ‘quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia’ (Lei 9.249/95, art. 34) pressupõe a satisfação integral do débito, e não apenas o seu parcelamento. Precedente citado: Inq (QO) 1.028-RS (DJU de 30.08.96); HC 74.754-SP (julgado em 4.3.97, acórdão pendente de publicação, v. Informativo 62) (HC 77.010.RS, rel. Min. Néri da Silveira, j. em 24.11.98, in informativo STF 133)."

26. JESUS, Damásio E, op. cit. p. 711.

27. JESUS, Damásio E, op. cit. p. 712

28. Art. 366, do CPP "Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o Juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 312.

§ 1º. As provas antecipadas serão produzidas na presença do Ministério Público e do defensor dativo.

§ 2º. Comparecendo o acusado, ter-se-á por citado pessoalmente, prosseguindo o processo em seus ulteriores atos. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 9.271, de 17.04.1996)"

Sobre o autor
Rudson Marcos

bacharel em Direito, servidor da Coordenadoria Criminal do Ministério Público de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCOS, Rudson. Efeitos penais e extrapenais do REFIS (Lei 9964/00). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1363. Acesso em: 23 dez. 2024.

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