VII -Uma outra ordem de considerações faz-se ainda necessária, quanto ao aspecto da devida informação técnica como requisito de validade do procedimento administrativo, e assim, do ato ou do contrato firmados pela Administração Pública que aquele procedimento visou a permitir que fossem realizados.
Não será possível a um órgão ou entidade públicos emitirem um ato decisório, ou firmarem um contrato administrativo, sem que os aspectos técnicos e econômicos envolvidos não hajam sido razoavelmente abordados e discutidos, sob pena de tornar-se a Administração Pública arbitrária, sujeitando o destinatário daquele ato decisório, ou ao interessado na contratação com a Administração Pública, às intempéries e inseguranças trazidas pelo acaso.
Mormente em se tratando de serviço público de fomento de atividade industrial ou comercial, não se pode admitir a absoluta aleatoriedade do sucesso ou do fracasso do investimento público realizado, já que aquele serviço é vinculado a uma finalidade pública que exige um resultado ótimo diante da equação custo – benefício envolvidos naquele investimento público.
Não à-toa, a falta de elaboração de laudo técnico pelo respectivo órgão envolvido em procedimento administrativo pode ensejar a sua responsabilização funcional, mas não desobriga o órgão que deverá decidir ao final de obter os elementos técnicos necessários à decisão de outro órgão, "dotado de qualificação e capacidade técnica equivalentes", na dicção dos arts. 42, § 2º. e 43 da Lei no. 9.784/99, "verbis":
"Art. 42 – Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada necessidade de maior prazo.
"(...) § 2º. – Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação, responsabilizando-se quem der causa ao atraso."
"Art. 43 – Quando por disposição de ato normativo devam ser previamente obtidos laudos técnicos de órgãos administrativos e estes não cumprirem o encargo no prazo assinalado, o órgão responsável pela instrução deverá solicitar laudo técnico de outro órgão dotado de qualificação e capacidade técnica equivalentes."
Mais que acertadas, portanto, as considerações de PATRÍCIA BAPTISTA, que seguem:
"Não há, de qualquer forma, que se descuidar do papel do processo administrativo como meio de processamento das informações e de preparação da decisão final pela Administração. O processo administrativo, considerado assim de forma objetiva, deve funcionar como ponto de encontro dos interesses, públicos e privados, suscetíveis de reconhecimento e de tutela pela Administração. E, na medida em que viabilize a pronta composição desses interesses, contribuirá para diminuir os conflitos e aumentar a eficiência da função administrativa. (...)
"Legitimação, eficiência e garantia são os principais objetivos dos processos administrativos no Estado Democrático de Direito. Todavia, não se esgotam aí as suas finalidades. Além dessas, a doutrina costuma ainda acentuar o papel que os processos administrativos exercem como meio de controle da Administração Pública, sobretudo no que se refere ao exercício do poder discricionário, que resta substancialmente limitado quando conformado à via processual participativa." (12)
VIII-Mesmo no âmbito do Direito Privado e dos "contratos preliminares", o adequado desenvolvimento das tratativas, consultas, e demais atos intermediários demonstrativos da vontade de se negociar, é de importância transcendental, na medida em que é a partir do exame da presença ou não da boa-fé no desenvolvimento daquelas negociações prévias que se estabelece a existência, ou não, de responsabilidade civil da parte que acabar por decidir não contratar, sequer preliminarmente.
Assim, e de acordo com CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA:
"Antes da proposta, primeiro temos as negociações preliminares, nas quais ainda não há vinculação, embora as partes necessariamente tenham que manter a mais absoluta boa – fé e probidade, no sentido de as tratativas não criarem expectativas na outra parte, no sentido de dar como certa a celebração da avença, realizando despesas ou deixando de contratar com outrem. Aqui, a responsabilidade ainda não é contratual, mas sim, aquiliana, tendo como fundamento a inobservância dos princípios da probidade e da boa – fé. Após as negociações preliminares, temos a fase da proposta, que já é obrigatória para o proponente. A proposta tem que conter todos os elementos necessários a que o oblato possa aferir o negócio e aceitá-lo ou não, devendo ser precisa, objetiva e séria. É uma manifestação receptícia da vontade, dependendo da aceitação do oblato para que possa se tornar obrigatória." (13)
Assim também, CARLOS ROBERTO GONÇALVES:
"Nem sempre, no entanto, o contrato nasce instantaneamente de uma proposta seguida de uma imediata aceitação. Na maior parte dos casos a oferta é antecedida de uma fase, às vezes prolongada, de negociações preliminares caracterizada por sondagens, conversações, estudos e debates (tractatus, trattative, pourparlers), também denominada fase da puntuação. Nesta, como as partes ainda não manifestaram a sua vontade, não há nenhuma vinculação ao negócio. Qualquer delas pode afastar-se, simplesmente alegando desinteresse, sem responder por perdas e danos. Mesmo quando surge um projeto ou minuta, ainda assim não há vinculação das pessoas. Tal responsabilidade só ocorrerá se ficar demonstrada a deliberada intenção, com a falsa manifestação de interesse, de causar dano ao outro contraente, levando-o, por exemplo, a perder outro negócio ou realizando despesas. O fundamento para o pedido de perdas e danos da parte lesada não é, nesse caso, o inadimplemento contratual, mas a prática de um ilícito civil.(CC, art. 186).
"(...) Como assevera RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, em lição já referida, o princípio da boa – fé, durante as tratativas preliminares, é fonte de deveres de esclarecimento, situação que surge seguidamente quando uma das partes dispõe de superioridade das informações ou de conhecimentos técnicos, que devem ser repassados amplamente e de forma compreensível à contraparte, para que esta possa decidir com suficiente conhecimento de causa. Também surgem, nas tratativas, deveres de lealdade, decorrentes da simples aproximação pré-contratual. Censura-se, assim, quem abandona inesperadamente as negociações já em adiantado estágio, depois de criar na outra parte a expectativa da celebração de um contrato para o qual se preparou e efetuou despesas, ou em função do qual perdeu outras oportunidades. A violação a esse dever secundário pode ensejar indenização, por existir uma relação obrigacional, independentemente de contrato, fundada na boa – fé.
"(...) A fase das negociações ou tratativas preliminares (fase da punctuação) antecede à realização do contrato preliminar e com este não se confunde, pois não gera direitos e obrigações. Nela os interessados em negociar entabulam conversações e estudos, mas podem afastar-se, simplesmente alegando desinteresse, sem responder por perdas e danos. Tal responsabilidade somente advirá se ficar demonstrada a deliberada intenção de prejudicar o outro contratante, com a falsa manifestação de interesse para levá-lo, por exemplo, a perder outro negócio ou realizar despesas, configurando hipótese de ato ilícito (CC, art. 186)...". (14)
Ainda, EDUARDO SECCHI MUNHOZ:
"Acrescente-se que, a par do alongamento do procedimento negocial e, em decorrência dele, tornou-se comum a técnica das punctuações, ou seja, da celebração de acordos progressivos sobre diferentes pontos do negócio a ser celebrado, até a sua pactuação definitiva. A doutrina bem ressalta que, durante as negociações, é muito comum que as partes elaborem e celebrem pré-contratos, que versem sobre pontos já acordados. Assim, por meio da chamada técnica das punctuações, dá-se força vinculante a determinados pontos, sobre os quais não paira mais a dúvida (cf. Mueller, Die Minuta vulgo von Punctationem, Joane, 1960; no mesmo sentido, Fábio Konder Comparato, "Reflexões sobre as Promessas de Cessão de Controle Acionário", in Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial, Rio de Janeiro, Forense, 1981, pp. 231 e ss.)".
"(...) Assim, surgiu com grande intensidade o tema da natureza jurídica e da eficácia das cartas de intenção, dos protocolos, das minutas, enfim, dos documentos que se produzem durante o procedimento negocial. Com efeito, as partes no iter de formação dos contratos, no curso das negociações, na maioria das vezes, produzem documentos destinados a fixar alguns pontos sobre os quais já há concordância, permitindo progressivamente a resolução de todas as inúmeras questões que circunscrevem a celebração do negócio definitivo.
"(...) Tomando a lição de Orlando Gomes, esses acordos provisórios, essas negociações preliminares, não têm força vinculante. Com efeito, todos reconhecem que esses entendimentos têm por objetivo permitir às partes averiguar se é possível realizar o negócio, de modo que nenhuma delas pretende, ao produzir tais documentos, vincular-se, desde logo, ao outro. Dessas negociações, portanto, que não se confundem com a proposta e aceitação, não pode decorrer a obrigação de contratar."
"(...) Tal característica dos acordos provisórios, realizados no curso das negociações, segundo a doutrina tradicional, permitiria distingui-los dos contratos preliminares. Ainda valendo-nos da lição de Orlando Gomes, em passagem lembrada por Waldirio Bulgarelli, o que diferencia essas figuras negociais dos pré-contratos seria o caráter eventual das primeiras. De fato, os acordos provisórios criariam um vínculo obrigacional eventual, só surgido, realmente, se for celebrado o contrato em vista. O pré-contrato, ao contrário, criaria um vínculo definitivo. (...)". (15)
Se não é possível admitir-se a figura do "contrato preliminar" em relação à Administração Pública, quando estiver a exercer serviço público, ainda que intervindo na ordem econômica para tal, como se dá em se tratando de fomento, assim a matéria ora sob exame, muito menos ainda é possível admiti-la quando desacompanhada de quaisquer estudos e laudos técnicos, demonstrativos das repercussões econômico – financeiras, inclusive no que se refere ao equilibro de custeio, ou seja, tendo-se em vista os patamares da fonte de financiamento dos programas de investimento e financiamento respectivos.
Sem que as partes tenham demonstrado a efetiva existência de um efetivo e sério intercâmbio de condições, solicitações, e exames – inclusive, de viabilidade econômico – financeira -, tal como se dá na prática das relações comerciais de direito privado, regra geral, não é possível ter-se por esgotada a fase ou período de elaboração do que seria o futuro – e ainda não tornado presente, atual, e atuante, muito menos, válido e eficaz, consubstanciando-se, pois, em expectativa simples de fato – contrato preliminar.
Isso com base na teoria da responsabilidade pré-contratual, segundo ANTÔNIO CAMPOS RIBEIRO:
"2ª.) A outra subespécie relativa aos contratos de execução sucessiva, quanto à sua formação, constitui-se, inicialmente, dos denominados pré-contratos, entendimentos preliminares, tratativas preliminares, negociações preliminares, em que não há a vinculação contratual oriunda do acordo de vontades em torno de elementos tidos como essenciais à consecução de um contrato (preliminar ou futuramente definitivo). No entanto, uma série de fatos, de circunstâncias, de conversações, de gestos, discussões escritas ou verbais, situações fático – jurídicas geram, para uma (algumas) pessoa (s), expectativa, confiança, possibilidade de, ou elaborar futuramente um contrato, ou de obter alguma prerrogativa, vantagem, benefício que entender ser-lhe útil ou necessário." (16)
IX-Pode-se dizer, assim, que, nos contratos de investimento e de fomento celebrados por empresas públicas federais, com recursos provenientes de fundos públicos, e por isso sujeitos a controle posterior pelo TCU, a forma é elemento essencial à existência e à validade do negócio jurídico. Daí porque não seria correta uma afirmação no sentido de que "tal formalização não nulifica ou invalida o acordo", já que, "quando da formalização não poderão as Partes, salvo novo acordo, disporem de forma diferente do já estipulado".
Será apenas a partir do momento em que o contrato de renegociação do financiamento for formalizado, com o esgotamento das fases procedimentais que necessariamente antecederam essa formalização, que o negócio jurídico passará a existir e a gozar de presunção de validade e de eficácia entre as partes. A ausência de forma não invalida e nem torna ineficaz, simplesmente impede que exista o próprio negócio jurídico.
X-Ainda que se entenda, "ad argumentandum", ter existido e se configurado, por inteiro, uma legítima expectativa do particular interessado no contrato de investimento e de fomento, no sentido de vir a contratar em definitivo, não teria aquele o direito subjetivo de compelir a empresa pública federal respectiva a formalizar a almejada contratação definitiva, já que não exaurido o período de elaboração do instrumento contratual; na verdade, o mais que assistiria ao particular, se reconhecida a interrupção abrupta das fases procedimentais tendentes àquela contratação definitiva seria a reclamação de indenização por perdas e danos, com base em responsabilidade aquiliana, e não a substituição da vontade da Administração Pública, através de declaração judicial emitida em via própria.
Quanto à responsabilidade aquiliana verificada na fase de elaboração do contrato preliminar, novamente segundo a doutrina de ANTÔNIO CAMPOS RIBEIRO:
"(...)A teoria da responsabilidade pré-contratual enriqueceu-se notadamente com as apreciações do jurista italiano G. FAGGELLA ("Dei periodi precontratualli e della loro Vera ed exata costruzione scientifica – Studi Giuridichi in onore de Carlo Fadda, 1906,t. III, p. 271 e segs.). Conforme o autor citado, no período de preparação de qualquer contrato devem distinguir-se três momentos: um primeiro período de elaboração, o momento pré-formativo da oferta; um segundo período de aperfeiçoamento ou de concretitude da proposta, e um terceiro período que ele denominou "momento operativo" ou de colocar em movimento, operacionalizar a proposta. Destaca-se a colaboração de FAGGELLA, pela importância que fez destacar no primeiro dos períodos mencionados, no qual, para a doutrina da época, as partes poderiam retirar-se, a qualquer momento, sem que tivessem nenhuma obrigação de ressarcimento.
"Torna-se assim possível, já neste primeiro período, a responsabilidade pré-contratual, face a que gera em cada sujeito, a confiança de que o outro perseverará até chegar ao acordo. A ruptura das tratativas, sem que estes hajam chegado, ou tido seu desenvolvimento esperado, normal, significa a violação do acordo tácito pré-contratual, que, ainda que sempre revogável, gera, em caso de retirada intempestiva, a obrigação de ressarcimento dos gastos, danos, efetuados ou sofridos pela outra parte."
"(...) Assim, a ruptura nas negociações preliminares, no Brasil, se comprovadamente cause danos à outra parte e não se justifique por motivos de caso fortuito ou de força maior, ensejará apenas a indenização como ato ilícito, com base, portanto, em conduta desleal ou abusiva.
"Também a jurisprudência tem se inclinado para tal entendimento, e citaremos como exemplo a decisão adotada no acórdão oriundo da 3ª. Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, por unanimidade, em 11.10.1988, em ação de reparação de danos, com fulcro nos artigos 159 e 1080 do Código Civil, em que o autor foi indenizado pelas despesas sofridas ante o fato de não haver a ré, sociedade imobiliária, cumprido a proposta de locação de um imóvel, pelo preço que fora divulgado." (17)
E outra vez com a doutrina de EDUARDO SECCHI MUNHOZ:
"Em realidade, somente é de se admitir a intervenção jurisdicional quando esta se limitar a emitir a declaração de vontade inadimplida pela parte, fazendo-a incidir sobre cláusulas e condições já estipuladas no ajuste. Com efeito, o princípio da autonomia da vontade e do livre arbítrio, que informam os contratos, não se coadunariam com intervenção estatal que se substituísse à parte para determinar o conteúdo do ajuste. É o que prelecionam José Barbosa Moreira, Flávio Yarshell e Orlando Gomes em trechos que se transcreveu anteriormente.
"Não obstante ser unânime essa exegese do artigo 639 do Estatuto Processual Civil, certamente, ela não conduz à conclusão de que somente pode haver contrato preliminar se presentes todos os elementos. Significa apenas que, nessa hipótese, ela não comporta execução específica, mas não que ele não tenha força vinculante e que não possa gerar a obrigação de indenizar em virtude de eventual inadimplemento, nos termos do art. 1056 do Código Civil. Essa solução, aliás, está expressamente prevista no artigo 461, parágrafo 1º. do Código de Processo Civil, que prevê a solução da indenização por perdas e danos, nas hipóteses em que é impossível a tutela específica.
"Face ao princípio da autonomia da vontade, não há como deixar de reconhecer a possibilidade de os particulares, no curso de uma negociação contratual, fixarem acordo irretratável e irrevogável quanto à obrigação de celebrar o contrato e quanto a determinado ponto, deixando outros para acerto posterior. Então, tais documentos, subscritos pelas partes, não teriam validade ou eficácia, constituindo meras minutas?
"É evidente a enorme distância que separa tais ajustes de simples minutas e protocolos de intenção. Nesses contratos preliminares, as partes declaram sua vontade, expressamente, de se obrigar a celebrar o contrato principal e de não voltar atrás quanto a determinados pontos da negociação. Sendo assim, diante da autonomia da vontade, é de se reconhecer a validade e eficácia de tais instrumentos que, obviamente, possuem força vinculante.
"Que não comportem execução específica, em vista da falta de elementos essenciais do contrato definitivo, muito que bem, vez que não se pode, nem pela via jurisdicional, suprir a vontade de alguém para determinar o conteúdo de uma negociação, como se demonstrou. Todavia, isso não vem significar, de modo algum, que não tenham eficácia, vez que o eventual inadimplemento de uma das partes, configurado pela recusa de assinar o contrato definitivo, pode dar ensejo à responsabilidade contratual por perdas e danos, nos termos do artigo 1056 do Código Civil Brasileiro." (18)
A possibilidade jurídica de uma empresa pública federal voltada à intervenção nas ordens econômica e social, no sentido de contratar investimentos e exercer função de fomento, vir a ser compelida a contratar definitivamente fora de ação própria, constitutiva, é nenhuma; a possibilidade jurídica de o Poder Judiciário afastar a forma devida como elemento essencial do contrato administrativo, para a seguir ter por vinculada a Administração Pública, sem lei que expressamente estabeleça essa espécie de sanção contratual contra o Estado, também é nenhuma; e até mesmo a possibilidade de o particular vir a reclamar indenização por perdas e danos, a meu ver, e somente a título argumentativo e hipotético, é remota – dependeria de, com base em uma expectativa para lá de incentivada por parte da empresa pública federal, haver assumido despesas, buscado reestruturar suas atividades ou vinculações societárias, e assim por diante.