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O contrato preliminar do art. 462 do Código Civil de 2002 e sua inaplicabilidade às empresas públicas federais que realizam investimentos

Estudo a partir de um caso concreto

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Agenda 20/10/2009 às 00:00

XI -A respeito da aplicação do art. 639 do CPC em matéria de contratos de investimento e fomento a serem celebrados por empresas públicas federais, de intervenção nas ordens econômica e social, creio serem aplicáveis as palavras de JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS:

"(...) Excluem-se do campo de atuação do art. 639 do CPC aquelas situações em que há atividade material do obrigado, a exemplo da promessa de doação, da promessa de casamento e de assumir obrigação cambial. (...) E, no que tange à Fazenda Pública, a lei baliza sua atividade e, sempre que decorrente de norma ou fixada em seus limites, exeqüível se afigura a obtenção do pronunciamento sub-rogatório do juiz. Por exemplo, o devedor tem direito à quitação regular da Fazenda Pública." (19)

E mais adiante, referindo-se ao art. 464 do CC de 2002:

"(...) O novo texto confirma a conclusão há pouco externada. Porém, impôs ao parceiro fiel o ônus de assinar ao inadimplente prazo para a celebração do contrato definitivo, a teor do art. 463, "caput", e, ainda, estipulou a necessidade de levar o contrato preliminar ao registro competente (art. 463, parágrafo único). Somente depois de assinado o prazo de cumprimento, reza o art. 464, parte inicial, surgirá a pretensão à sentença do art. 639. Assim, pelas razões expostas, o registro não constitui pressuposto desta última pretensão. Ele somente confere eficácia perante terceiros e assegura, tratando-se de imóvel, a aquisição de domínio." (20)

Creio, assim, que à Administração Pública não basta a formulação de um "mínimo de detalhamento" dos elementos da obrigação a ser contratada (21), para que se a tenha como vinculada a um contrato preliminar; ao revés, há necessidade de completo detalhamento desses elementos, e para essa finalidade é que existe e se desenvolve o procedimento administrativo preparatório da contratação definitiva.


CONCLUSÕES

As atividades de investimento e de fomento, realizadas por empresas públicas federais, no exercício de competência interventiva nas ordens econômica e social, não são recíproca e necessariamente excludentes;

Será a finalidade para a qual estiverem a atuar que definirá as vinculações normativas que terão que observar, e os modos segundo os quais suas atividades se materializarão;

A atuação dessas empresas públicas federais está vinculada às normas, princípios e valores essenciais à Administração Pública Federal, constitucionalmente explícitas, havidas como implícitas, ou como deles decorrentes;

A Administração Pública pode se valer de instrumentos típicos daqueles usados pelos particulares, inclusive os negociais, para o atingimento de fins públicos, sem que a atividade, por isso, deixe de ser de natureza pública;

Os contratos de investimento e fomento realizados pelas empresas públicas federais encontram-se subordinados aos requisitos da forma e do procedimento devidos;

A Administração Pública não tem liberdade de afastar a forma que a lei determinou que fosse observada, e menos ainda liberdade para não utilizar, ou não seguir do modo legalmente estabelecido, o procedimento imposto pela lei como o devido para a realização de determinado ato;

Jamais deixarão as empresas públicas federais de serem públicas, já que fazem parte da Administração Pública, em última análise;

A forma devida, nos atos e contratos administrativos, é não só um elemento e condição de existência válida desses atos e contratos, mas também um princípio constitucional implícito, já que objetiva garantir o respeito a princípios constitucionais explícitos, notadamente, os de justiça intrínseca das decisões, legalidade objetiva e da impessoalidade da Administração Pública;

O princípio da solenidade das formas dos atos e contratos administrativos está sendo chamado a desempenhar novos escopos, no sentido de servir de instrumento para a realização prática de princípios constitucionais voltados não só à organização administrativa do Estado, mas sim, e antes de tudo, dos princípios e valores da moralidade pública e da dignidade da pessoa humana;

Ao tempo do CC de 1916, a doutrina extraía do seu art. 1088 os fundamentos dos chamados – "contratos preliminares", ou "pré-contratos", tendo o art. 462 do CC de 2002 positivado essa linha de entendimento;

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Enquanto que, entre os particulares, a regra geral é a da liberdade das formas, salvo norma legal de ordem pública em contrário, em relação à Administração Pública o princípio é o da solenidade das formas, maior ou menor, mas presente, constituindo-se em exceção a liberdade, e apenas quando admitida expressamente em lei;

À vista do fato de que as empresas públicas, conquanto regidas pelo direito privado, jamais serão inteiramente equiparadas às demais pessoas jurídicas de direito privado que com ela estiverem a atuar no domínio econômico, vez que as empresas públicas são objeto de controles que as últimas desconhecem;

Considerando que os contratos administrativos, especialmente os de fomento, portanto, jamais serão plenamente regidos somente pelo Direito Privado, muito ao contrário, este, quando incidir sobre uma determinada relação jurídica administrativa, terá papel subsidiário, e será interpretado segundo institutos próprios do Direito Administrativo;

E em razão da inafastabilidade da forma devida pelo administrador público, a outra conclusão não se pode chegar, senão à de que a figura do "pré-contrato", ou "contrato preliminar", não é equiparável ao contrato definitivo, para o fim de estabelecer vínculos, direitos e obrigações entre a Administração Pública e os particulares;

Não será possível a um órgão ou entidade públicos emitirem um ato decisório, ou firmarem um contrato administrativo, sem que os aspectos técnicos e econômicos envolvidos não hajam sido razoavelmente abordados e discutidos, sob pena de tornar-se a Administração Pública arbitrária, sujeitando o destinatário daquele ato decisório, ou ao interessado na contratação com a Administração Pública, às intempéries e inseguranças trazidas pelo acaso;

Mesmo no âmbito do Direito Privado e dos "contratos preliminares", o adequado desenvolvimento das tratativas, consultas, e demais atos intermediários demonstrativos da vontade de se negociar, é de importância transcendental, na medida em que é a partir do exame da presença ou não da boa-fé no desenvolvimento daquelas negociações prévias que se estabelece a existência, ou não, de responsabilidade civil da parte que acabar por decidir não contratar, sequer preliminarmente;

Sem que as partes tenham demonstrado a efetiva existência de um efetivo e sério intercâmbio de condições, solicitações, e exames – inclusive, de viabilidade econômico – financeira -, tal como se dá na prática das relações comerciais de direito privado, regra geral, não é possível ter-se por esgotada a fase ou período de elaboração do que seria o futuro – e ainda não tornado presente, atual, e atuante, muito menos, válido e eficaz, consubstanciando-se, pois, em expectativa simples de fato – o contrato preliminar;

O particular não tem direito público subjetivo de compelir uma empresa pública federal a contratar investimento e/ou fomento, em definitivo, quando não exaurido o período de elaboração do instrumento contratual; será possível pedir indenização por perdas e danos, com base em responsabilidade aquiliana;

A substituição judicial da vontade da Administração Pública, quando possível, só poderá se dar através de ação própria, constitutiva, e não incidentemente, por meio de simples petição juntada nos autos;

O Poder Judiciário não pode afastar a forma devida, para a seguir ter por vinculada a Administração Pública, sem lei que expressamente estabeleça essa espécie de sanção contratual contra o Estado;

À Administração Pública não basta a formulação de um "mínimo de detalhamento" dos elementos da obrigação a ser contratada, para que se a tenha como vinculada a um contrato preliminar; ao revés, há necessidade de completo detalhamento desses elementos.


NOTAS DE REFERÊNCIA

(1)BACELLAR FILHO, Romeu Felipe, Direito Administrativo e o Novo Código Civil, Ed. Fórum, Belo Horizonte, 2007, p. 192.

(2) SANTOS FILHO, José Carvalho dos, Manual de Direito Administrativo, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 1999, 3ª. ed., p. 71/72.

(3) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, 1991, p. 78.

(4) BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo, Celso Bastos Editor, São Paulo, 2002, p. 148/149 e nota 57.

(5) op. cit., págs. 173, "fine"/176.

(6) CRETELLA JÚNIOR, José. Empresa Pública, EDUSP, São Paulo, 1973, p. 220, "fine"/221.

(7) op. cit., p. 247, e 248, "fine"/249.

(8) BAPTISTA, Patrícia. Transformações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, págs. 89 e 93 e nota 36, citando Eduardo García de Enterría, Curso de Direito Administrativo, v. I, p. 82.

(9) RAMOS, José Joaquim Pereira da Silva."Apontamentos Jurídicos sobre Contratos", Laemmery, Rio de Janeiro, 1868, p. 26/28.

(10) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro, Forense, 7ª. ed., 1984, págs. 59/60.

(11) op .cit., p. 149.

(13) in MELLO, Cleyson de Moraes; FRAGA, Thelma Araújo Esteves (coord.), O Novo Código Civil Comentado, v. 1, Freitas Bastos Editora, 2003, p. 330.

(14) GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. III, Ed. Saraiva, 2004, págs. 49, 50 e 89.

(15) MUNHOZ, Eduardo Secchi. Contrato Preliminar – (Promessa de Contratar) – no Direito Empresarial – Estrutura, Função, Validade e Eficácia, texto disponível em http://www.socejur.com.br/artigos/contrato_preliminar.doc, acesso em 13.11.2007.

(16) RIBEIRO, Antônio Campos.
(Responsabilidade Pré-Contratual, Revista Direito, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, jan/jun 1999, pág. 18, texto disponível em http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/1999/revdireito1999A/est_responsprecontrat.pdf, acesso em 13.11.2007. (grifei)

(17) op. cit., p. 19 e 25.

(18) op. cit., s/p.

(19) Comentários ao CPC, v. VI, Forense, 2004, p. 432. (grifei)

(20) op. cit., p. 434, "fine"/435. (grifei)

(21) MACHADO, Antônio Cláudio Costa. Código de Processo Civil Interpretado. Barueri: SP. Manole. 5ª. ed., 2006, p. 1105, "fine"/1106, comentando o art. 639 do CPC: "(...) Para que o pedido seja acolhido, é necessário, segundo o texto sob exame, o preenchimento de dois requisitos: a) que seja possível pelo título; b) que não seja excluído pelo título. O primeiro significa a necessidade de que o ato documentado (compromisso, promessa, pré-contrato, etc.) identifique exatamente os contratantes, o objeto do contrato e a coisa com um mínimo de detalhamento, as condições de pagamento, etc.; a possibilidade é, ainda, sinônimo de validade do negócio. (...)".


BIBLIOGRAFIA

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe, Direito Administrativo e o Novo Código Civil, Ed. Fórum, Belo Horizonte, 2007;

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo, Celso Bastos Editor, São Paulo, 2002;

BAPTISTA, Patrícia. Transformações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003;

CRETELLA JÚNIOR, José. Empresa Pública, EDUSP, São Paulo, 1973;

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. III, Ed. Saraiva, 2004;

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, 1991;

MACHADO, Antônio Cláudio Costa. Código de Processo Civil Interpretado. Barueri: SP. Manole. 5ª. ed., 2006;

MUNHOZ, Eduardo Secchi. Contrato Preliminar – (Promessa de Contratar) – no Direito Empresarial – Estrutura, Função, Validade e Eficácia, texto disponível em http://www.socejur.com.br/artigos/contrato_preliminar.doc, acesso em 13.11.2007;

OLIVEIRA, Carlos Santos de, in MELLO, Cleyson de Moraes; FRAGA, Thelma Araújo Esteves (coord.), O Novo Código Civil Comentado, v. 1, Freitas Bastos Editora, 2003;

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro, Forense, 7ª. ed., 1984;

RAMOS, José Joaquim Pereira da Silva."Apontamentos Jurídicos sobre Contratos", Laemmery, Rio de Janeiro, 1868;

RIBEIRO, Antônio Campos.
Responsabilidade Pré-Contratual, Revista Direito, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, jan/jun 1999, pág. 18, texto disponível em http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/1999/revdireito1999A/est_responsprecontrat.pdf, acesso em 13.11.2007;

SANTOS FILHO, José Carvalho dos, Manual de Direito Administrativo, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 1999, 3ª. ed;

Sobre o autor
Alberto Nogueira Júnior

juiz federal no Rio de Janeiro (RJ), mestre e doutor em Direito pela Universidade Gama Filho, professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), autor dos livros: "Medidas Cautelares Inominadas Satisfativas ou Justiça Cautelar" (LTr, São Paulo, 1998), "Cidadania e Direito de Acesso aos Documentos Administrativos" (Renovar, Rio de Janeiro, 2003) e "Segurança - Nacional, Pública e Nuclear - e o direito à informação" (UniverCidade/Citibooks, 2006); "Tutelas de Urgência em Matéria Tributária" (Forum/2011, em coautoria); "Dignidade da Pessoa Humana e Processo" (Biblioteca 24horas, 2014); "Comentários à Lei da Segurança Jurídica e Eficiência" (Lumen Juris, 2019).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA JÚNIOR, Alberto. O contrato preliminar do art. 462 do Código Civil de 2002 e sua inaplicabilidade às empresas públicas federais que realizam investimentos: Estudo a partir de um caso concreto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2302, 20 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13661. Acesso em: 22 dez. 2024.

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