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Reflexões de um advogado sobre a relação com juízes

Agenda 10/10/2009 às 00:00

Li o artigo do Juiz de Direito Edison Vicentini Barroso, publicado neste respeitável portal jurídico na edição nº 2285 de 03/10/2009, cujo título foi "Reflexões dum juiz sobre contato com advogados", e resolvi desenvolver as presentes reflexões como advogado, mas não na tentativa de suprir aquelas brilhantemente formuladas por Piero Calamandrei na sua obra intitulada "Eles, os Juízes, Vistos por um Advogado", o que provavelmente seria difícil de se fazer. Nas reflexões que ora faço também não tenho a intenção de criticar o teor do artigo apresentado, até porque o considerei digno de se pensar, mas simplesmente trazê-lo a um juízo racional a fim de que todos nós, operadores do direito, possamos caminhar um mesmo e belo caminho.

O referido artigo, para quem não leu (e vale a pena ler), trata, em breve resumo, de uma situação cotidiana em que um advogado formulou uma petição para um magistrado, autor do texto, no sentido de exigir que este o recebesse no gabinete a qualquer tempo e hora no expediente forense ou, se não o quisesse, que externasse por escrito para que as providências fossem tomadas. Na petição, segundo consta do texto, o advogado fez insinuações ao juiz quanto à suposta prática deste em não receber advogados e juntou conhecido precedente do Conselho Nacional de Justiça para fortalecer a sua tese. O autor deste texto, após fazer as suas considerações sobre a transparência, a igualdade de tratamento entre as partes e o contraditório, afirmou não se furtar à oitiva pretendida pelo causídico. Este resumo tem por objetivo iniciar as minhas reflexões sobre o artigo que trata de um tema tão importante e em voga no mundo jurídico, mas seria interessantíssimo que o leitor acessasse o conteúdo do texto original.

Na leitura do artigo de desabafo do doutor Edison Vicentini tentei abstrair-me da condição de advogado e imaginar a posição de uma pessoa humana recebendo um requerimento, com inúmeras insinuações e ameaças, mas simplesmente para que o signatário do documento tivesse a oportunidade de conversar com o destinatário.

Diante do referido requerimento me vem ao pensamento dois pontos de vista para o destinatário, sem fechar as possibilidades para outros, sendo um deles as insinuações e ameaças do documento, enquanto o outro a necessidade do signatário em ter uma audiência em particular com ele a ponto de escrever da referida forma. Nessas duas situações acredito que as sensações do destinatário do requerimento seriam de duas ordens diversas. Na primeira viriam à tona os sentimentos humanos mais primitivos, dentre eles, a raiva, a competição e a arrogância, o que certamente levaria à crítica e ao desejo de não ter "contato" com o subscritor é nunca; na segunda viriam à tona os sentimentos humanos mais bem elaborados pelo pensamento, dentre eles, a compreensão, a preocupação e a humildade, o que levaria a não se delongar na oitiva do subscritor. Qual seria mais apropriado para que os envolvidos no requerimento caminhassem um mesmo caminho?

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O que parece ocorrer conosco, operadores do direito, com várias exceções, é a constante perda do caminho pela vontade de trilhá-lo sozinho. Já dizia o saudoso Raul Seixas que sonho que se sonha só e sonho e sonho que se sonha a dois, ou mais, é realidade. Nesta busca pela melhor trilha fechamos várias possibilidades de entroncamentos e quem perde somos todos e, principalmente, os jurisdicionados. Mas, afinal, que caminho é esse que não a abstrata justiça? Enquanto nós operadores do direito ficamos discutindo sobre o dever do magistrado em receber o advogado em seu gabinete e o direito deste último em ser recebido por aquele os jurisdicionados só estão querendo a rápida, justa e eficaz tutela jurisdicional. E para que esta seja atingida todos os operadores do direito são importantes e devem dialogar nos autos e, por vezes, fora dele, mas amparado por ele.

O advogado, quando procura o juiz em seu gabinete, deve essencialmente estar munido de uma petição para ser despachada, pois, caso contrário, estaríamos diante de uma consulta e, sabemos, o Poder Judiciário, via de regra, não é órgão consultivo. A petição, neste caso, daria transparência ao ato judicial e adentraria "no mundo dos autos" (expressão do autor texto comentado).

De outro lado, salvo melhor entendimento, o fato do advogado ir ao gabinete do magistrado despachar uma petição não afronta a igualdade ou paridade de armas e o contraditório. Este, aliás, deve ser amplamente respeitado pelo magistrado. Quando o juiz recebe o advogado de uma das partes em seu gabinete para o despacho de uma petição importante ele não fecha as portas do local para o advogado da parte contrária, bastando que este também necessite utilizar tal expediente. Se o magistrado for proferir um despacho positivo (deferimento) na petição da parte que o procurou através de advogado ele, com seu conhecimento, certamente saberá da necessidade ou não da intimação da parte contrária para que não seja ferido o contraditório. Não seria razoável que o magistrado observasse o contraditório imediato, num despacho positivo da petição despachada no gabinete na presença do advogado, quando ele pudesse impedir a efetividade da decisão. Nesse caso, o contraditório ficaria diferido, o que não significaria ausência de contraditório.

Na vida forense, e aqui coloco a minha visão de advogado, parece que o juiz tem medo de conversar com o causídico por receio do que falarão dele, afinal, a sociedade tem a crença de que aquele que está investido nesta função não é humano, e sim sobre-humano. Nós, seres humanos, temos mesmo a mania de endeusar coisas e pessoas e a partir daí ficamos tão longe delas que nos tornamos diferentes e, provavelmente, inferiores. O advogado, ao seu turno, não conversa com o juiz e isola-se no seu mundo por complexo de inferioridade, por receio de desacatar e, também, por falta de oportunidade. Veja-se que quando digo advogado estou aí incluído, pois pertenço a esta classe profissional.

E, assim, cada um no seu mundinho jurídico, vamos caminhando distantes de uma verdadeira relação humana e, consequentemente, do caminho da verdadeira justiça, desonrando os postos que nos foram confiados e vivendo no chamando "mundo dos autos", o qual é permeado de papéis e nos faz esquecer que por detrás desses existem pessoas que necessitam acolhimento e respeito.

Sobre o autor
Cesar Augusto Costa Ribeiro

Advogado. Especialista em direito dos contratos pelo Centro de Extensão Universitária e Pós-graduado em direito empresarial pela Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de São José do Rio Preto/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Cesar Augusto Costa. Reflexões de um advogado sobre a relação com juízes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2292, 10 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13668. Acesso em: 22 dez. 2024.

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