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Favorecimento pessoal e real no Código Penal antes e após as Leis n.º 11.466/2007 e 12.012/2009

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Agenda 13/10/2009 às 00:00

Sumário: I – Introdução; II – Favorecimento pessoal e real; III - Conclusão; IV - Notas. Palavras-chave: Favorecimento Real; Ingresso de aparelhos de comunicação, sem autorização, em estabelecimento prisional; Lei 11.466/07; Lei 12.012/09.


I - Introdução:

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em 15/07/2009 (1), o Projeto de Lei nº 81 de 2008 (do Deputado Alberto Fraga), remetendo-o à sanção presidencial, o que se concretizou em 06/08/09.

Assim, surgiu no ordenamento jurídico, após acrescentar o art. 349-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, o crime de ingresso de aparelhos de comunicação, sem autorização, em estabelecimento prisional, sendo sancionado e transformado na Lei nº 12.012 (2), de 6 de agosto de 2009.

O novo comando normativo entrou em vigor no dia da publicação (art. 3º da Lei 12.012/09), sendo que a Lei foi publicada no Diário Oficial da União em 07/08/2009, entrando em vigor, portanto, no dia 07/08/2009.

Será objeto de análise deste artigo apenas o favorecimento pessoal e real previsto nos artigos: 348; 349 e 349-A.


II - Favorecimento pessoal e real:

Primeiramente, faz-se necessário fazer uma distinção entre o favorecimento pessoal, previsto no artigo 348 do Código Penal do artigo 349, do mesmo diploma legal.

No desempenhar das funções policiais, não se surpreendem as autoridades policiais ao encontrar situações em que há auxilio de um terceiro ao criminoso após o delito. Algumas vezes, este terceiro que favorece o criminoso não tem nada a ver com o crime, mas acaba incorrendo nas penas na medida em que exterioriza o seu favorecimento. Incide, in casu, a determinação do comando normativo previsto no art. 348, in litteris:

Favorecimento pessoal

Art. 348 - Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão:

Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.

§ 1º - Se ao crime não é cominada pena de reclusão:

Pena - detenção, de quinze dias a três meses, e multa.

§ 2º - Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento de pena. (Grifos meus)

Segundo relatórios policiais, a situação mais comum é o sujeito que ajuda o criminoso, escondendo-o em sua casa ou qualquer outro local de que tenha posse ou propriedade.

Nas palavras de Soraya Taveira Gaya (3), Procuradora de Justiça do MPE-RJ, "se houver promessa de ajuda antes do sujeito cometer o crime, já haverá participação no crime e não simples favorecimento pessoal".

Cita-se, no exemplo acima, uma situação cotidiana nas investigações criminais, o elemento que promete ao criminoso que o esconderá após a consumação do roubo. Desta forma, nas palavras da procuradora (4), "é evidente que aqui o sujeito que prometeu ajuda vai responder como partícipe do roubo, crime mais grave e não por mero favorecimento pessoal, que constitui delito de menor potencial ofensivo".

Corrobora esse entendimento o recurso criminal RCCR 26826 MS 93.03.026826-1 (5) (Grifos meus):

TRF3 - RECURSO CRIMINAL: RCCR 26826 MS 93.03.026826-1 - Relator(a): JUIZ THEOTONIO COSTA - Julgamento: 07/12/1993 - Publicação: DJ DATA:22/02/1994 PÁGINA: 5282

Penal. Favorecimento real. ROUBO. Participação. Caracterização.

Ementa - PENAL. FAVORECIMENTO REAL. ROUBO. PARTICIPAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. 1. RESPONDE PELO CRIME DE ROUBO E NÃO DE FAVORECIMENTO REAL. O AGENTE QUE SEM PARTICIPAÇÃO DIRETAMENTE NA SUBTRAÇÃO, ACERTA PREVIAMENTE O TRANSPORTE DO VEICULO ROUBADO ATE O PARAGUAI PARA A VENDA. 2. RECURSO PROVIDO.

Acórdão: A UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

No parágrafo segundo do referido artigo, se o elemento que fornecer o auxílio for (por ordem de ocorrências policiais) irmão (a), cônjuge, pais, filho (a), avós ou, até mesmo, netos do criminoso, este ficará isento de pena.

A renomada Procuradora (6) entende que "a lei considerou os laços afetivos existentes entre essas pessoas (...) e que não teria sentido e seria desumano punir uma mãe que auxiliou o filho a fugir da Polícia, após ele ter cometido um crime".

Ressaltando que, se essa mesma mãe, acima citada, estiver de acordo com a conduta delituosa do filho, responderá ela como partícipe do ato criminoso cometido por este.

Entendeu o legislador que é uma situação onde um parente não tem conhecimento e nem está de acordo com o cometimento de um crime por ente familiar seu e, assim, busca ajudá-lo, em momento de desespero, a se ocultar, seja para que este em situação posterior possa encontrar meios para provar sua inocência, seja para evitar uma prisão iminente.

Diferentemente, é a situação onde o parente tem conhecimento prévio e planeja favorecer, de alguma forma, o ato criminoso; caso este, em que este parente é tido como partícipe do crime, incorrendo em outro crime e, não mais, na isenção de pena do artigo 348.

Situação diferente da prevista no artigo 348 do Código Penal é o favorecimento real. Desta forma, assim dispõe o Código Penal, em seu art. 349, in verbis:

Favorecimento real

Art. 349 - Prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime:

Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.

A distinção reside no fato de que esse crime é praticado por aquele que deseja tornar seguro o proveito do crime, agindo em favor do autor do ato criminoso e não tem a intenção de tirar proveito para si, ou seja, proveito próprio, ou, ainda, para terceiro que não seja o autor do delito em questão, como ocorre na receptação. Sendo assim, no favorecimento real a ação do elemento visa prestar auxílio ao autor do crime; na receptação a conduta típica incide justamente sobre o objeto material do crime.

Na lição de Julio Fabbrini Mirabete, "a vontade de auxiliar o autor do crime, conhecendo previamente o fato delituoso, é o dolo do crime de favorecimento real. Na dúvida a respeito do crime antecedente, há dolo eventual. Exige-se, porém, o fim específico da conduta: o de tornar seguro o proveito do crime por seu autor." O mesmo autor sublinha, nesse sentido, que "no favorecimento real, delito contra a administração da justiça, o agente não visa a proveito, que pode ser de qualquer natureza (patrimonial, moral, sexual, etc.), mas tão-somente beneficiar o criminoso" (Manual de Direito Penal. Vol. 3. 14 ed.). (7)

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Neste sentido, os julgados abaixo esclarecem o entendimento de favorecimento real (Grifos meus):

TACRSP - "As figuras do favorecimento real e da receptação dolosa, embora mantenham certas semelhanças, diferem no tocante ao dolo. Para a receptação é preciso que o auxílio praticado o seja no sentido de conseguir vantagem para si ou para outrem que não seja o criminoso. No favorecimento, o agente não visa um proveito econômico, mas tão-somente beneficiar o criminoso". (JTACRIM 71/377)

TACRSP - "Se o agente não visa a um proveito econômico próprio ou de terceiro, mas, sim a assegurar o proveito do autor do furto, a figura delituosa desloca-se da receptação dolosa para o favorecimento real". (RT 573/400).

TJDF - APELAÇÃO CRIMINAL : APR 1680896 DF

Relator(a): RIBEIRO DE SOUSA

Julgamento: 05/12/1996

Órgão Julgador: 1ª Turma Criminal

Publicação: DJU 02/04/1997 Pág. : 5.458

Ementa - Penal - processo penal - receptação - desclassificação para o delito de favorecimento real.

Não se caracteriza o delito de favorecimento real, se o agente visa proveito econômico próprio. Indícios concludentes e seguros conduzem à certeza de que o apelante era conhecedor da origem criminosa da res. Acórdão PROVER, EM PARTE, O RECURSO. UNÂNIME.

TJSC - Apelacao Criminal: ACR 347767 SC 1988.034776-7

Parte: Apelante: Claudio Antonio Folador

Parte: Apelada: A Justiça, por seu Promotor

Relator(a): Rogerio Lemos

Julgamento: 16/11/1990

Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal

Publicação: DJJ: 8.155DATA: 20/12/90PAG: 13

Ementa - Apelação criminal. Condenação por receptação dolosa. Denúncia que narra o crime de favorecimento real. Desclassificação. Recurso provido parcialmente.

Se o agente, motorista de táxi, mesmo pressentindo tratar-se de produto de furto, aceita efetuar o transporte, bem como de seus autores, presta-lhes auxílio a tornar seguro o proveito de crime, pratica o delito de favorecimento real.

TACRIM-SP — AC — Relator Ricardo Andreucci — JUTACRIM 90/388 O favorecimento real supõe, para sua configuração, que o agente ponha o bem fora de perigo, garantindo o proveito do crime praticado por terceiro.

"Pratica o crime de favorecimento real aquele que, fora dos casos de co-autoria ou receptação, presta auxílio a infrator para tornar seguro o proveito da transgressão, não obstante ter sido a ajuda em proveito de menor inimputável". (STF — HC — Relator Néri da Silveira — JUTACRIM 96/429).

TACRIM - 6ª Câm. Ap. nº 904.507-7- Itanhaém - Rel. Juiz Ivan Marques - 07.06.1995 - RECEPTAÇÃO DOLOSA E FAVORECIMENTO REAL - Indivíduo que auxilia a irmã menor inimputável a transportar e a esconder o produto de furto que ela praticara. Diferença entre as duas figuras penais. Na receptação dolosa, o agente busca alcançar proveito próprio ou para terceira pessoa, excluído o autor do crime. No favorecimento real, não objetiva proveito econômico para si ou para terceiro, mas apenas beneficiar o responsável pelo delito anterior. No caso em testilha, observa-se que o indivíduo auxiliou sua irmã a transportar e esconder o produto de furto, que ela havia praticado na mesma data, agindo em proveito de ambos. Destarte, evidencia-se que o benefício almejado fora em favor da autora da subtração criminosa, tendo em vista a alegação fundamentada no estado de necessidade pelo fato de ter a mãe doente e acamada. Portanto, excluída a forma penal prevista no artigo 180 do Código Penal, que trata do crime de receptação dolosa. Recurso provido.

Conceitua o favorecimento real, com muito brilhantismo, o Desembargador Marcus Basílio, em seu julgado abaixo transcrito (Grifos meus):

TJRJ - APELACAO: APL 1628 RJ 2009.050.01628

Relator(a): DES. MARCUS BASILIO

Julgamento: 20/05/2009

Órgão Julgador: PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL

Publicação: 03/06/2009

Ementa - Penal - distinção entre roubo e favorecimento real - reparação mínima à vítima ofensa ao principio da correlação.

Não se incluem no tipo penal do favorecimento real a pessoa que é co-autora (inclua-se, também, o partícipe), tendo em vista o seu natural interesse de favorecer ocultando o produto do delito, bem como o receptador, que possui tipo específico para sua punição. A promessa de auxílio feita antes do cometimento do crime configura modalidade de participação e não o crime de favorecimento real. Para o delito do art. 349 do Código Penal é preciso que o agente forneça o auxílio depois da prática do crime, sem ter feito qualquer promessa nesse sentido anteriormente. No mais, a Lei n. 11.719, de 20 de junho de 2008, responsável, conjuntamente com a Lei n. 11.689, pela recente reforma do Código de Processo Penal, entre outras novidades, acrescentou o parágrafo único ao art. 63, bem como determinou nova redação ao inciso IV do art. 387, agregando ao Sistema Processual Penal Brasileiro o instituto da reparação mínima da vítima. Violação ao princípio da correlação e, por conseguinte, do contraditório. Doutrina. Posição da Câmara sobre o tema. Acórdão: A UNANIMIDADE DE VOTOS, O RECURSO FOI PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA DECOTAR DA SENTENCA A VERBA INDENIZATORIA FIXADA SEM PEDIDO. (8)

Nas palavras de Soraya Taveira Gaya, "o sujeito que guarda o objeto furtado por outrem ou o enterra, com vistas a auxiliar o autor do furto. Diverso será o crime, se o sujeito comprar o objeto furtado, pois incidirá nas penas da receptação e não no favorecimento real. Nesse tipo de crime, não importa que quem tenha guardado o produto do crime seja pai, mãe, filho, cônjuge ou irmão, a lei não dá nenhuma colher de chá aqui como ocorre no primeiro caso – favorecimento pessoal – e a pessoa vai ser punida pelo auxilio prestado. Assim, é bom ter muita cautela aos pedidos suspeitos de ajuda para não acabar processado e punido". (9)

Renato Marcão (10), membro do MPE-SP, entende que "no manejo das atividades criminosas, o uso de aparelhos de telefonia celular se tornou componente de acentuada magnitude na agilização das negociatas, constituindo, ainda, uma das formas de se "fazer presente e ter voz ativa" dentro dos seguimentos das facções que desafiam a vida ordeira, esteja o agente submetido ou não aos rigores de um estabelecimento penal".

O mesmo autor ressalta que "Instados inicialmente os Tribunais a se pronunciarem a respeito de configurar ou não falta grave no cumprimento de pena privativa de liberdade a conduta consistente em portar aparelho de telefonia celular no interior de estabelecimento prisional, a jurisprudência dominante firmou-se no sentido negativo, ou seja, de não configurar falta grave, isso em razão da inexistência de previsão legal tratando da matéria, conforme demonstram os julgados que seguem indicados: STJ, HC 59.436/SP (...); STJ, HC 73.295/SP (...); TJRJ, Ag. 2005.076.00233 (...); TJSP, AE 964.801.3/7-0000 (...); TJSP, HC 1.118.677-3/7, 1ª CCrim. (...). Em sentido contrário, consultar: TJSP, HC 474.433.3/0, 4a Câm., (...); TJSP, AE 00999728.3/4-0000-000, 5a Câm. da S. Crim.(...)". (11)

Neste sentido, quanto à falta de previsão legal:

STJ - HABEAS CORPUS: HC 59436 SP 2006/0109089-9

Relator(a): Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Julgamento: 14/08/2006

Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA

Publicação: DJ 04.09.2006 p. 316

Ementa - Habeas corpus. Execução penal. Posse de aparelho celular. Conduta prevista como falta grave em resolução estadual. IMPOSSIBILIDADE. Constrangimento ilegal caracterizado. Ordem concedida.

1. Não cabe à autoridade estadual, de acordo com o art. 49 da Lei de Execução Penal, dispor sobre as faltas disciplinares de natureza grave, aplicando-se, nessa seara, as normas constantes da Lei de Execuções Penais.

2. A definição de falta grave, por implicar a restrição de diversos benefícios na execução da pena, como a perda de dias remidos (art. 127 da LEP)e a regressão de regime de cumprimento de pena (art. 118, inciso I, da LEP), deve ser interpretada restritivamente, nos termos do art. 50 do referido diploma legal.

3. A posse de aparelho celular ou de seus componentes, no interior do estabelecimento prisional, não caracteriza falta grave, pois não está elencada no rol taxativo previsto pelo art. 50 da Lei de Execução Penal.

4. Não obstante as conseqüências nefastas que o uso de aparelho celular no interior do cárcere pode representar, não é permitido ao Poder Executivo nem ao Judiciário imiscuir-se na atividade do legislador.

5. Ordem concedida Acórdão - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Isso posto, ocorre que após o advento da Lei 11.466/2007, quem portar aparelho de telefonia celular no interior de estabelecimento prisional incorrerá em falta grave no cumprimento de pena privativa de liberdade. Desta forma, ao entrar em vigor no dia 29/03/2007, esta lei solucionou uma questão polêmica e divergente, ao acrescentar o inc. VII ao art. 50 da Lei de Execução Penal, estabelecendo que (Grifos meus):

Art. 50.

Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:

(...)

VII - tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº

11.466, de 2007)

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.

Porém, o comando normativo em questão só pode ser aplicado a fatos posteriores à entrada em vigor da referida lei. A superveniência desta lei não pode e nem deve alcançar situações anteriores à sua vigência, em virtude do princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais gravosa. Neste sentido, o julgado abaixo (Grifos meus):

TJSE - AGRAVO CRIMINAL: AGV 2008303655 SE

Parte: Agravante: CLAUDIO ANDRE DE AGUIAR ALVES

Parte: Agravado: MINISTERIO PUBLICO

Relator(a): DES. NETÔNIO BEZERRA MACHADO

Julgamento: 09/06/2008 - Órgão Julgador: CÂMARA CRIMINAL

E M E N T A - AGRAVO CRIMINAL - LIVRAMENTO CONDICIONAL - PROCESSO ADMINISTRATIVO - AUSÊNCIA DE ADVOGADO - SÚMULA VINCULANTE N.º: 5 DO STF - POSSE DE CELULAR - IMPUTAÇÃO DE FALTA GRAVE - INCABIMENTO - FATO ANTERIOR A LEI N.º: 11.466/2007 - DIREITO AO BENEFÍCIO DA PROGRESSÃO DE REGIME - AGRAVO PROVIDO.

O processo administrativo disciplinar que imputou falta grave ao condenado flagrado no uso de aparelho celular, anteriormente a inserção do inciso VII ao art. 50 da Lei de Execuções Penais, não pode vicejar, devido a afronta ao princípio constitucional da lei penal incriminadora.

Nas palavras de Renato Marcão, a Lei n. 11.466/2007 também "introduziu o art. 319-A ao Código Penal Brasileiro, possibilitando punir com detenção, de 3 (três) meses a 1(um) ano, o Diretor de Penitenciária e/ou agente público que deixar de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo". (12)

Por fim, surge a Lei n. 12.012/09, após alguns anos de espera. A verdade é que, sempre se questionou a ausência de tipificação para esse comportamento, como bem salienta o Promotor de Justiça José Cláudio Zan (13), "haja vista a forma descarada com que detentos são frequentemente surpreendidos dirigindo e controlando o crime. Mesmo estando encarcerados, ordenam à execução de desafetos e adversários, negociam entorpecentes, fazem remessas de valores, organizam e dirigem seqüestros etc.".

Trata-se, portanto, de outra conduta de favorecimento real, prevista no artigo 349-A do Código Penal e; é, resumidamente, a conduta tipificada como crime quanto ao porte, sem autorização, de celulares em presídios, punindo assim, quem favorece desta forma que os presos tenham acesso à celulares.

Art. 349 - A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. (Incluído pela Lei nº 12.012, de 2009).

Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. (Incluído pela Lei nº 12.012, de 2009).

Sendo assim, estamos diante de uma novatio legis incriminadora, ou seja, a lei nova (Lei 12.012/09) incrimina, agora, fatos antes considerados lícitos (que na verdade, são condutas reprováveis, porém na ausência de previsão legal, assim se definiam no ordenamento jurídico e se beneficiavam àquelas pessoas que cometiam tal conduta, amparando-se na ausência de previsão do tipo).

Porém, a lei supracitada é irretroativa na medida em que prejudica o sujeito. A fundamentação da não aplicabilidade aos fatos anteriores se dá pela Constituição Federal (artigo 5º, XL, "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu") e pelo Código Penal, em seu artigo 2º ("ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória"). Atingindo, assim, somente os fatos praticados depois de sua entrada em vigor com a publicação no DOU.

Interessante observação se dá no sentido de que, agora, o sujeito ativo deste ato típico pode ser qualquer pessoa, o detento ou quem o auxilie, excetuando-se, apenas, com o diretor ou servidor público do estabelecimento (319-A do CP), pois a tipificação para o cometimento deste ato ilícito está previsto em outro dispositivo legal.

Dependendo das circunstâncias, no caso concreto, teremos no tipo subjetivo a forma dolosa ou dolosa específica, pois inexiste a forma culposa. Da redação extraímos que a tipificação prevista não exige, em nenhum momento, que a consumação ocorra com a chegada do aparelho às mãos do preso ou, ainda, que este preso (específico ou não) use o aparelho em questão. Não estamos, portanto, diante de um crime material, mas sim, de um crime formal na medida em que a lei estabelece: "Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional".

Na lição de José Cláudio Zan (14), se torna mister que o aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar "seja apreendido e submetido a exame de corpo de delito a fim de se constatar a sua eficiência e funcionamento. Caso seja imprestável para o fim de permitir a comunicação de um detento com outros presos ou com o ambiente externo, o fato será atípico".

Em outra passagem, o mesmo autor ainda destaca "outra questão que merece ser abordada é no que se refere a componentes e acessórios de aparelho telefônico, rádio ou similar. Mais uma vez, o legislador foi omisso, sendo certo que também é atípica a conduta consistente em fazer ingressar no estabelecimento prisional baterias, carregadores, carcaças ou qualquer componente de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar". (15)

Quanto à pena, ensina, brilhantemente, José Cláudio Zan que "com a pena máxima de um ano de detenção, quis o legislador, com o projeto substitutivo do deputado Paulo Teixeira, que o crime em questão fosse classificado como delito de pequeno potencial ofensivo (Lei nº 9.099/95, art. 61). Assim, se o agente for primário e não tiver sido beneficiado com a transação penal há menos de cinco anos, e assumir o compromisso de comparecer ao juizado, não poderá se preso em flagrante e fará jus à transação penal (Lei nº 9.099/95, art. 69 e seguintes). Outrossim, mesmo que não faça jus à transação penal, o agente poderá ser beneficiado com a suspensão condicional do processo (Lei nº 9.099/95, art. 89)". (16)

É claro, que, o Juiz deve avaliar cada caso concreto e ao aplicar a dosimetria da pena, deve buscar a melhor resposta que atenda à Justiça.

Por exemplo, no Presídio de Igarassu, na Região Metropolitana do Recife, uma garota de 21 anos foi visitar o seu companheiro, que cumpre pena por furto, tentando entrar com um celular escondido no Presídio. Ela foi detida por agentes penitenciários que chamaram a Polícia Civil e em depoimento à polícia, a jovem alegou que havia esquecido que levava o celular no bolso. (17)

Em outro caso concreto, J., 24 anos, e J., 21 anos, foram "presas por policiais militares do 9º Batalhão no momento que tentavam entrar com celulares dentro do presídio Monte Líbano, em Cachoeiro de Itapemirim. Os aparelhos foram encontrados durante a revista íntima realizada pelas militares da guarda do presídio. (...) Um aparelho celular estava escondido dentro do órgão genital de Jane. De acordo com as mulheres presas, os aparelhos seriam usados por seus companheiros para pagar dívidas com outros detentos". (18)

É imprescindível o rigor na fiscalização para fazer cumprir a lei e punir os criminosos que se enquadrarem no tipo legal. Há casos em que um agente penitenciário chegou a capturar um pombo (19), que trazia o aparelho amarrado ao corpo, na Penitenciária II de Sorocaba, interior de São Paulo (20). No presídio de São Joaquim de Bicas, Belo Horizonte, uma mulher de 26 anos foi presa depois de confessar ter tentado entrar no presídio com um aparelho dentro do ânus. (21)

Sobre o autor
Marcelo José dos Santos

Administrador. Pesquisador. Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Metodista Bennett.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marcelo José. Favorecimento pessoal e real no Código Penal antes e após as Leis n.º 11.466/2007 e 12.012/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2295, 13 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13672. Acesso em: 23 dez. 2024.

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