Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A recente deliberação do ministro Ricardo Lewandowski quanto à vedação da liberdade provisória prevista na Lei nº 11.343/2006

Agenda 16/10/2009 às 00:00

Em decisão proferida no dia 30 de setembro de 2009, o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski indeferiu pedido de liminar em habeas corpus (HC 100831) impetrado pela Defensoria Pública da União, objetivando a soltura do paciente indigitado como traficante de drogas, tendo em vista a expunção do óbice legal à liberdade provisória antes presente no art. 2º, inciso II, da Lei 8.072/90 pela Lei 11.464/2007, além da inconstitucionalidade remanescente no art. 44 da Lei 11.343/2006.

Este dispositivo traz cláusula genérica de proibição à concessão de liberdade provisória, quando tratar-se de tráfico de drogas, nos seguintes termos: "Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos."

Registrou o ministro Lewandowski que apesar de "o tráfico ilícito de drogas ser tratado como equiparado a hediondo, a Lei 11.343/06 é especial e posterior àquela – Lei 8.072/90. Por essa razão, a liberdade provisória viabilizada aos crimes hediondos e equiparados pela Lei 11.464/2007 não abarca, em princípio, a hipótese do tráfico ilícito de drogas".

Com a devida vênia, não se pode corroborar com o entendimento esposado pelo ilustre julgador(1). Primeiro porque a clausura cautelar é motivada pela necessidade de assegurar o normal deslinde do caso e, portanto, deve estar sustentada pelos requisitos legais com a demonstração do fumus comissi delicti e periculum libertatis.

A liberdade, como consectário dos princípios da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência, não pode ser tolhida de plano pelo legislador; deve sua restrição ser objeto de análise pelo juízo competente, pois somente ele tem condições de aferir sobre a imprescindibilidade da medida, a qual é revestida pelo caráter da excepcionalidade.

Em segundo lugar, a Lei 8.072/90 equipara a hediondo o tráfico ilícito de drogas, conferindo igualdade de tratamento a tais delitos consoante as disposições daquele Diploma. Do cotejo entre as leis em aparente conflito, na verdade, nota-se que a retirada da proibição genérica concernente à liberdade provisória da Lei dos Crimes Hediondos foi posterior ao advento da Lei Antidrogas. Por conseguinte, neste mote, resta superada a justificativa, atinente ao aspecto temporal, de que a Lei 11.343/2006 é (simplesmente) posterior à Lei 8.072/90, tendo em vista justamente a atualização desta pela Lei 11.464/2007.

Também o critério da especialidade, ventilado naquela decisão, não serve como supedâneo para o afastamento da possibilidade de concessão de liberdade provisória. Ora, quanto ao tratamento dado à hediondez e respectiva equiparação, o que justifica a adoção de medidas mais severas, a lei específica é a 8.072/90. Portanto, se esta traz dispositivo mais benéfico para o rol dos delitos de maior repulsa social, incogitável a exasperação no trato de um destes crimes por outra lei que não vise alterar aquela ou dedicar-se à regência da hediondez.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Ora, há evidente desproporção ao conferir tratamento diferenciado para os crimes de mesma natureza, admitindo para alguns a concessão de liberdade provisória e para outros não. Em que restaria, então, a equiparação aos crimes propriamente hediondos quando estes (art. 1º, Lei 8.072/90) são regidos por disposição mais favorável?

Contudo, é suficiente para concluir pelo afastamento da norma do art. 44 da Lei Antidrogas, no que tange à vedação irrestrita da liberdade provisória, a pecha de inconstitucionalidade. Esta mácula não guarda vínculo com a natureza (ou melhor: "a gravidade") do delito. Qualquer que seja a hipótese de eventual proibição abstrata e genérica à liberdade provisória ferirá a Constituição Federal. Seu art. 5º, inciso XLIII, apenas permitiu que a lei considerasse como "crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos".

Os mesmos fundamentos admitidos para o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 21 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), na apreciação da ADI 3112/DF(2), vale para o citado enunciado da Lei 11.343/2006. Espera-se que nesse sentido delibere o Colendo Supremo Tribunal Federal quando proceder à análise do mérito do HC 100831.


Notas:

(1) Entendimento esse já firmado em outras oportunidades como aludiu o próprio ministro.

(2) Registrou-se na ocasião: "(...) Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente. (...)". (ADI 3112/DF, Relator Min. Ricardo Lewandowski, julgamento de 02/05/2007, publicação no DJe-131 de 26-10-2007 e DJ de 26-10-2007).

Sobre o autor
Thiago Amorim dos Reis Carvalho

advogado em Anápolis (GO), especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Católica de Goiás e Academia Estadual de Segurança Pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Thiago Amorim Reis. A recente deliberação do ministro Ricardo Lewandowski quanto à vedação da liberdade provisória prevista na Lei nº 11.343/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2298, 16 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13691. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!