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Entronizando a novíssima defesa social

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Agenda 23/10/2009 às 00:00

6. A DEFESA SOCIAL HOJE

Como se viu, o conceito de "Defesa Social" atendeu a várias interpretações: uma, em que o sentido era de proteção da sociedade contra o crime através de uma repressão vigorosa das infrações cometidas; outra, em que não implicaria outra coisa senão a sistematização das medidas de segurança; e mais uma, em que inova como movimento de Política Criminal, numa reação contra o sistema unicamente retributivo.

No Brasil, o lançamento do livro de Marc Ancel não impediu que a expressão perdesse brilho do final da década de 70 até 1985. Voltou a ter trânsito na área jurídica, na segunda metade da década de 90, em razão de fatores conjunturais, tais que a discussão do direito penal mínimo, criação de juizados especiais, superlotação e rebeliões em penitenciárias, presídios e cadeias, estímulo à aplicação de penas alternativas, dentre outros.

Bem antes, porém, o início da década de 80 já dava sinais de que seria esplendorosa para a consolidação de uma doutrina própria para as Forças Estaduais (as polícias militares) do Brasil, tal qual um furacão técnico-profissional, cujo epicentro estava no estado de Minas Gerais. Nas discussões sobre o planejamento e execução da atividade-fim, ficou claro que essa tarefa não se restringia, apenas, ao policiamento ostensivo, corrigindo um equívoco que se afigurava, incluindo-se outras operações de proteção e de socorro, como, por exemplo, as operações em casos de desastres e de comoções sociais. Fato relevante, também, é que a Polícia Militar iniciou discussão, interna corporis, de que as ameaças ao corpo social não se restringiam apenas às infrações anotadas no Código Penal. Iam além, aceitas as vertentes das ameaças físicas, representadas pelos riscos e os perigos, e das ameaças psicológicas, representadas pelos receios e medos, e que precisavam ser mais bem estudadas, compreendidas e entendidas, bem como seus reflexos e repercussões. Hoje, na linha de autores modernos, assimilou-se a necessidade de se pesquisar uma nova vertente, derivada do medo: a angústia, que se apresenta sob as formas de inquietude, ansiedade ou de melancolia.

Avançando no passado, ficou patente a oportunidade de se firmar o caráter de Força Estadual da Corporação, a serviço do Estado, da sociedade e, não mais, exércitos estaduais à disposição do Governador. Conforme já nos manifestamos em artigo anterior 6, Força Estadual que garante a ordem social, desenvolvendo atividades ora de Força Pública, garantindo os poderes constituídos, ora de Força de Defesa Social, atuando de iniciativa ou garantindo o poder de polícia dos órgãos que atuam na proteção social.

Quanto às ameaças-crime, se, até então, eram virtualmente amenas, observou-se que já se transformavam numa realidade extremamente preocupante, em variedade, intensidade, frequência e letalidade. As providências visando a sistematizar a proteção da sociedade contra as "calamidades" (como se viu, atualmente a expressão genérica, abrangente é "desastres") devem ter influenciado e acelerado as discussões sobre o leque da proteção social. Situação semelhante ocorreu em relação à intensificação de movimentos grevistas, em serviços essenciais, que exigiam, no mínimo, duas providências. Estrutura: ao Estado, provedor da proteção, caberia aumentar, qualificar e sistematizar órgãos encarregados de operacionalizar específicos mecanismos de defesa. Metodologia de controle: com destaque, em 80, para a parlamentação, nova tática de tropas de choque, que priorizou o diálogo e reduziu confrontos.

Surge a ideia de um sistema que reunisse os mecanismos de defesa da sociedade, órgãos estatais e entidades da sociedade civil com capacidade de atuar (antecipar, restringir, atenuar, controlar, minimizar, eliminar) sobre causas e efeitos de uma ameaça específica. Em 1986, a PM mineira apresenta proposta, ao Governador, de criação de um Conselho Estadual de Defesa Social, tendo início, oficialmente, a tentativa de reconhecimento governamental da necessidade de um esforço sinérgico, de órgãos estatais e de entidades da sociedade civil, para planejar a prevenção e o enfrentamento das ameaças como um todo, distribuídas nas cinco ameaças-tronco.

Desenhava-se, nos primórdios de citada década, o surgimento de uma novíssima defesa social, não necessariamente concorrente ou divergente do entendimento de juristas e de cientistas sociais, mas. em atendimento à novel doutrina de emprego das forças estaduais. Assim, a PMMG sugeriu uma abrangência maior para a axiomática defesa social, até então restrita a caracteres penais sugeridos pelo neofensivismo.

Partindo da premissa de que cabe ao Estado realizar o provimento da proteção social e a regulação e a regulamentação da promoção do desenvolvimento social, a Novíssima Defesa Social reuniria as várias ações de defesa da sociedade, contra toda e qualquer ameaça, distribuídas em: defesa da evolução social (defesa do abastecimento, transporte, meio-ambiente, comércio e indústria, educação, habitação, lazer, tecnologia), defesa da seguridade social (defesa da saúde, assistência e previdência), defesa antiinfrações sociais (defesa antiinfrações administrativas e penais), defesa antiadversidades sociais (defesa antidesastres) e defesa anticomoções sociais (defesa antidistúrbios, sabotagem, terrorismo e outras situações de grave perturbação da ordem social).

Com a instalação da Constituinte, a expressão defesa social passou a adquirir maior visibilidade, em razão de haver sido levada para Brasília, junto aos constituintes, por uma equipe de oficiais da força estadual mineira, que lhes prestava assessoria técnico-doutrinária. A intenção era inserir, no título "Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas", um capítulo específico "Da Defesa Social". Porém, em virtude do intenso clamor, à época, por mais providências contra a assustadora ameaça da criminalidade, principalmente a violenta – do que se aproveitaram instituições e órgãos, através de intenso lobby para figurarem na Carta Magna – e a não percepção e inobservância, pelos constituintes, da profundidade e da relevância da proposta, o capítulo restringiu-se a uma parte da defesa social, no equivocado rótulo "Segurança Pública" que, em nosso país, é sinônimo de "proteção da sociedade contra infrações", ao invés de "ambiente livre de ameaças, proporcionado pelo Estado".

Algumas Constituições Estaduais cometem erro relativamente menor quando abordam o assunto. Ora inovam, abrindo uma Subseção para a Defesa Social, ora se equivocam, abrindo outra Subseção para a "Segurança Pública" (espécie, em relação às ameaças). Deveria haver uma Seção para a Defesa Social (gênero) e, se fosse o caso, Subseções respectivas para as ameaças-tronco. Além do mais, repetem o erro conceitual de "A segurança pública... é exercida... ", visto que se caminha para o consenso de que a segurança é um ambiente, em que predominam a paz e a harmonia, alcançado por ações de defesa respectivas. Segurança não se exerce, segurança é um ambiente que resulta do exercício de ações de defesa.

Parcialmente arranjada, ainda que conceitualmente mal compreendida, verifica-se uma tendência de sistematização da novíssima defesa social.

Alguns Estados já criaram "Secretaria de Defesa Social", para substituir antigas Secretarias de Segurança e/ou de Justiça, que continuam, porém, cuidando apenas da ameaça-crime. Conhecido o enunciado da missão destas Secretarias, constata-se que elas não participam da administração das duas outras ameaças-tronco. As ações de redução de desastres ficam a cargo de CEDEC’s e das Comissões Municipais (COMDEC). No caso de interrupção de serviços essenciais, secretarias respectivas administram o susto.

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É uma tentativa válida, sem dúvida, mas, equivocada, com vício de origem, visto que, se efetivamente cuidassem da defesa social como um todo, aceito o leque de atividades conceituais, constituir-se-iam em uma hipersecretaria de provimento da proteção. Isto, evidentemente, dispensaria as demais, exceto as que cuidam do outro pilar, a promoção do desenvolvimento. Por outro lado, se enfocam apenas a defesa antiinfracional, deveriam denominar-se Secretaria de Defesa Antiinfracional ou Secretaria de Polícia Criminal, mas, nunca Secretaria de Defesa Social.

Sob nossa ótica, um Conselho Estadual de Defesa Social (que já existe em MG), presidido pelo Vice-Governador, com reuniões periódicas, e respectivas Secretarias de Estado, para fazer frente à ameaça peculiar no dia-a-dia, é um bom arranjo. Referido Conselho deve ser uma agência estatal de macro-planejamento, uma agência de fazer-fazer, de cobrar-acontecer, de analisar resultados, contando com representantes dos demais poderes, da sociedade civil organizada e do próprio povo.

No fechamento deste capítulo, caberia aqui uma pergunta. No que diz respeito ao planejamento, à organização, à direção, ao controle e à execução (que é mais técnica que administrativa) dos mecanismos de defesa, nossos Estados estão em condições efetivas de oferecer a proteção adequada contra quaisquer ameaças, isto é, reduzir umas a níveis toleráveis, controlar outras em níveis satisfatórios? Estão em condições de prever e/ou enfrentar, minimizar o rompimento de uma barragem – que poderia causar situações semelhantes àquelas provocadas por um Katrina ou um Tsunami – ou o surgimento da gripe aviária, ou um "apagão" prolongado, ou um colapso no sistema de transportes ou no de abastecimento, ou – a grande inquietação atual – o crescimento da criminalidade violenta? Têm uma estrutura, de recursos humanos e de logística, adequada e planos de apresto, administrativos e operacionais, que permitam monitorar citadas ameaças e congêneres, antecipar-se às causas, atuar na causalidade com efetividade, restringir e reduzir efeitos? Provavelmente, a resposta será não, vistas as informações que estão disponíveis e os fatos que são noticiados diariamente, enfim, em razão do que chega a nosso conhecimento, no dia-a-dia. É a questão que se coloca, para todo o país, com os olhos voltados somente para fatos ocorridos em Minas Gerais, visto que se compilaram apenas informações sobre a defesa social mineira, bem razoável, se confrontada com o embasamento doutrinário original sobre o tema.

A expressão a novíssima defesa social pretende despertar e remeter o leitor à reflexão de como estão concebidos, articulados e operacionalizados os mecanismos específicos, que compõem a defesa da sociedade em nosso país. Mais ainda, se estão ajustados a uma conjuntural demanda social ou se é oportuno (conveniente e necessário) que se façam adequações, principalmente em relação à fundamental atuação preventiva.


7. A NOVÍSSIMA DEFESA SOCIAL: UMA PROPOSTA

É fundamental, para o acertado cumprimento de determinada missão, que ela esteja bem definida e, consequentemente, bem compreendida, internalizada e assimilada. Convém que se observem aspectos doutrinários, que regem a atividade, ou, em não os havendo, que se busque, que se trabalhe para consolidação de uma doutrina peculiar. E, para que se consolide referida doutrina, é fundamental que os discursos estejam sintonizados, não necessariamente em conteúdo, mas, no mínimo, na mesma frequência, isto é, que "se fale a mesma língua". Para tanto, pressupõe-se essencial uma terminologia-padrão, uma conceituação uniforme, que não significa imutável.

Convém lembrar que, pelo enfoque habermasiano, como se infere da Teoria da Ação Comunicativa desse moderno filósofo, os conceitos devem ser utilizados de forma consensual, com o escopo de propiciar o entendimento entre os sujeitos sobre determinado assunto. Com efeito, conforme HABERMAS, Jürgen:

Chamo ação comunicativa àquela forma de interação social em que os planos de ação dos diversos atores ficam coordenados pelo intercâmbio de atos comunicativos, fazendo, para isso, uma utilização da linguagem (ou das correspondentes manifestações extraverbais) orientada ao entendimento". À medida que a comunicação serve ao entendimento (e não só ao exercício das influências recíprocas) pode adotar para as interações o papel de um mecanismo de coordenação da ação e com isso fazer a ação comunicativa.

No tocante à "novíssima defesa social", verifica-se que isso começa a acontecer, de forma ainda muito frágil, quando, ainda que sem o vigor e o conhecimento necessários, pessoas, instituições, entidades começam a discutir a atividade, abrangendo seu raio de ação, seu conteúdo, suas conexões e sua capilaridade. Mas, infelizmente, ainda não há consenso sobre alguns verbetes. É provável que, dessa emergente discussão, frutifique uma terminologia própria que auxiliará na consolidação de uma doutrina de defesa social. Se, anteriormente, havia uma ligeira noção, uma tênue percepção do que sejam vulnerabilidades e ameaças, hoje, certamente, a grande contribuição de geógrafos, operadores de direito, comunicadores, cientistas sociais, assistentes sociais, religiosos, médicos, biólogos, policiólogos, psicólogos, antropólogos e outros, tem sido a análise minuciosa, a caracterização de vulnerabilidades e de ameaças.

Deve ficar claro que os envolvidos diretamente com a Defesa Social, no país, ainda não falam "a mesma língua", ou seja, não há uma terminologia padrão, não há consenso em matéria de conceitos e, em decorrência, não há homogeneidade na comunicação de tal tema. Tem-se como certo, portanto, que a administração da defesa social, conforme a ótica policiológica, ainda não está estruturada, nem posicionada hierarquicamente, para coordenar a plena proteção do corpo social, porque está formatada estanquemente, sem considerar uma sistematização ampla.

O que se pretende alcançar com eliminação, minimização de vulnerabilidades e controle das ameaças? Objetivamente, a tranquilidade social. Que seria, em tese, um estágio em que a sociedade se encontraria, serena e confiante, num clima de convivência harmoniosa e pacífica, representando, assim, uma situação de bem-estar social.

Arrisca-se, aqui, a oferecer uma proposta de conceituação da novíssima defesa social. Ratifica-se que a extensão, a ampliação do conceito da nova defesa social, do Direito Penal, é decorrente da percepção policiológica de que as ameaças não se resumem apenas a ataques do homem ao próprio homem, ou de que a proteção da sociedade não é apenas contra o crime (espécie) e, sim, contra as ameaças (gênero), consideradas suas origens, que são fatores bióticos e abióticos. Estes é que dão causa às agressões, além do homem contra o homem, do homem contra a natureza, da natureza contra o homem, do homem contra a sociedade. Interessante reiterar, ainda, que, em nossos dias, as ameaças não são apenas as de ordem física, material, que são os riscos e os perigos. A estas se juntam, com bastante intensidade, as de ordem psicológica, emocional, que são os receios e os medos.

Isso posto, apresenta-se o conceito de Novíssima Defesa Social:

"Conjunto de atividades de restrição de vulnerabilidades e de mitigação de ameaças à sociedade, visando a tranqüilidade social. "

A seguir, algumas premissas para a novíssima defesa social, que, após discutidas e analisadas, podem dar origem – talvez, nem todas – a princípios, conjunturalmente aceitos, fundamentais para consolidação de doutrina pertinente ao tema que se propõe:

I - Cabe ao Estado prover a proteção social e promover o desenvolvimento social.

II - A proteção visa a preservar e perpetuar, finalisticamente, a espécie humana e, subsidiariamente, bens e interesses enquanto eleitos pela própria sociedade. É, portanto, um dever do Estado e um direito e responsabilidade de todos.

III - O provimento da proteção é realizado através de instrumentos específicos, que detêm mecanismos de defesa nacional e de defesa social, contra vulnerabilidades e ameaças, à nação ou ao corpo social. A participação do Estado na promoção do desenvolvimento, fundamentalmente, deve ocorrer através da regulação e da regulamentação da atividade.

IV - Vulnerabilidade é a resultante do desequilíbrio entre ameaça e proteção. É o espaço vazio por onde fluem as ameaças.

V - Ameaças são adversidades, reais ou potenciais, advindas de forças da natureza, de antagonismos surgidos entre integrantes do próprio grupo ou entre grupos rivais, e de pressões, internas ou externas, que afetam diretamente a preservação ou a perpetuação da espécie humana ou que perturbam a vida social ou a vida nacional. Riscos, perigos, receios e medos são categorias indissociáveis das ameaças.

VI - As cinco ameaças-tronco ao corpo social são a exclusão social, o crime, o desastre, a interrupção de serviços essenciais e a comoção social:

A exclusão social é uma ameaça decorrente de vulnerabilidade socioeconômica, visível nas crises de moradia, seguridade, fome, miséria, educação, transporte, saneamento, desemprego, desocupação, remuneração, concentração de renda.

Crime é violação de norma moral; é uma violação à lei penal; é uma ofensa a um bem jurídico individual ou coletivo; é a ação ou omissão típica, ilícita e culpável.

Desastre é o resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais. São quantificados em função dos danos e prejuízos, em termos de intensidade, enquanto que os eventos adversos são quantificados em termos de magnitude. A intensidade de um desastre depende da interação entre a magnitude do evento adverso e o grau de vulnerabilidade do sistema receptor afetado. Normalmente o fator preponderante para intensificação de um desastre é o grau de vulnerabilidade do sistema receptor.

Interrupção de serviços essenciais advém de fenômenos naturais ou é provocada pelo próprio homem, variando de pequenos transtornos a situações em que há grandes prejuízos materiais e perdas de vida, em razão de paralisação de atividades de utilidade pública, que preenchem necessidades inadiáveis e indispensáveis à manutenção da vida e dos direitos.

Comoção Social são atos e fatos caracterizados como grave perturbação da ordem social, tangenciando a perturbação à ordem nacional.

VII - Restrição de vulnerabilidades e mitigação de ameaças são de responsabilidade do organismo social, como um todo, integrado pela sociedade política (a autoridade estatal), a sociedade civil organizada (a elite dirigente privada) e o povo em geral.

VIII - A defesa compreende o conjunto de ações metódicas, através adoção de medidas e instalação de dispositivos de minimização de vulnerabilidades e controle de ameaças, visando reduzir a insegurança. Ainda, o conjunto de mecanismos destinados a proteger efetivamente os bens e interesses nacionais e sociais ameaçados ou passíveis de sê-lo. A primeira hipótese – bens e interesses nacionais – se circunscreve à Defesa Nacional, enquanto a segunda hipótese – bens e interesses sociais – fica restrita à Defesa Social.

IX - A Defesa Social, sob a óptica policiológica, visa proteger o corpo social contra ameaças que coloquem em risco a preservação e a perpetuação da espécie humana, congregando os mecanismos preventivos, repressivos e sustinentes para restringir vulnerabilidades e mitigar as ameaças genéricas que impedem a instalação do ambiente de segurança social, seja minimizando, restringindo ou eliminando-as.

X - A Defesa Social pressupõe uma variedade muito grande de atividades de inserção e de reinserção sociais, distribuídas em duas grandes vertentes: defesa da inteiração social e defesa da salvaguarda social. A defesa da inteiração social compreende ações de inclusão e de reinclusão sociais distribuídas em defesa da evolução social e em defesa da seguridade social. A defesa da salvaguarda social compreende ações de integração e de reintegração sociais distribuídas em defesa antiinfracional, defesa antidesastres e defesa antidesordens sociais.

XI - Defesa Social não é sinônimo de prevenção e controle de criminalidade, nem muito menos de segurança pública.

XII - Em paralelo ao estímulo de exercício de cidadania (gozo de direitos civis e políticos), para que a defesa social atinja seu objetivo, é imperioso que se estimulem atividades que conduzam à consolidação da societania (conhecimento e prática de deveres e direitos de integrantes de uma sociedade).

XIII - Segurança, em seu sentido amplo, é um ambiente, é um estado em que objetivamente as ameaças estão relativamente controladas e há a crença subjetiva de que estão efetivamente controladas, concomitantemente.

XIV - Segurança Social é um ambiente em que o organismo social está objetivamente protegido, face o controle relativo de ameaças, realizado por entidades estatais e particulares, e confiante neste controle, concomitantemente. É o somatório de Segurança Pública e de Segurança Privada.

XV - Segurança Pública é a fração do ambiente de segurança social cuja responsabilidade de instalação é de entidades estatais.

XVI - Segurança Privada, fração do ambiente de segurança social cuja responsabilidade de instalação é de entidades particulares e de pessoas físicas, ainda que terceirizada.

XVII -Restrição de vulnerabilidades e mitigação de ameaças são de responsabilidade do organismo social, como um todo, integrado pela sociedade política (a autoridade estatal), a sociedade civil organizada (a elite dirigente privada) e o povo em geral.

XVIII - Insegurança é um clima, ambiente, estado, situação em que vulnerabilidades e ameaças permanecem sob precário controle e há a percepção da precariedade desse controle. Ou, ainda, uma situação em que objetivamente as ameaças estão sob relativo controle, mas não há, concomitantemente, a crença subjetiva de que estão controladas, e vice-versa. Insegurança, portanto, é decorrente da inexistência e/ou insuficiência e/ou deficiência e/ou ineficiência de proteção física e/ou emocional.

XIX - Tranquilidade Social seria o estágio em que a sociedade se encontraria, serena e confiante, num clima de convivência harmoniosa e pacífica, representando uma situação de bem-estar social.

XX - Marginalização, à margem social, e marginalidade, à margem da lei, são fenômenos sociais distintos que, excepcional e eventualmente, guardam interligação. Marginalizado raramente é marginal e nem todo marginal é marginalizado. Marginais são aqueles que violaram, com intensidade, regras sociais, com os quais deve ser trabalhada a Moral, cujo esforço de reinserção social é realizado através da reintegração social. Não devem ser confundidos com marginalizados, aqueles que estão ou foram colocados em oposição a valores sociais, com os quais deve ser trabalhado o Moral, cujo esforço de reinserção social é realizado através da reinclusão social.

XXI - Autoridade é a capacidade de o Estado atuar/interferir na vontade das pessoas;

Poder é a capacidade de o Estado influenciar/alterar a vontade das pessoas;

Força é a capacidade de o Estado impor sua vontade sobre pessoas e grupos.

XXII - Polícia é a instituição ou atividade estatal de proteção social, desenvolvida através de estruturas de poder e de força, garantidora da ordem social. As Polícias Administrativas, Judiciária e Penal detêm o poder de polícia. A Força Estadual detém a força de polícia. No Executivo estadual, o ciclo completo de polícia tem cinco fases, que correspondem às eventuais intervenções, não obrigatoriamente nesta ordem:

A Polícia Administrativa, com a maior ramificação, como as de meio-ambiente, alfandegária, fazendária, sanitária, de viação, de trânsito e tráfego, de edificações, do meio-circulante e outras.

A Força de Polícia, com o inconveniente cognome de Polícia Militar, realiza atividades de Força de Defesa Social, ora de iniciativa, ora garantindo o poder de polícia de outros órgãos, e de Força Pública, garantindo os poderes estaduais.

A Polícia Judiciária Estadual, com inadequado cognome antagônico ao da força, Polícia Civil, auxilia o Poder Judiciário, seja através de trabalho cartorial, seja através da investigação de autoria e materialidade de delitos.

O Corpo de Bombeiros, que é a intrépida polícia de desastres.

A Polícia Penal, incipiente, sob a denominação restritiva de Administração Penitenciária, que participa da reinserção social, através da reintegração social de marginais.

Força Federal são as Forças Armadas.

Polícia Federal é a Polícia Judiciária da União. Às vezes, realiza trabalhos de força federal de defesa social, pela inexistência desta instituição.

Força Nacional é a recém-criada pseudo-força federal de defesa social. Por não ter caráter de instituição permanente, não tem sedimentadas identidade e credibilidade.


8. CONCLUSÃO

Conforme Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, no Dia Internacional para Redução das Catástrofes Naturais, comemorado em todo o mundo no dia 10 de outubro de 2005, "as catástrofes naturais... fizeram centenas de milhares de mortos e deixaram milhões de pessoas sem recursos. "Ainda, no discurso de Kofi Annan, encontra-se "A lição que temos de retirar de todos estes acontecimentos está resumida no tema escolhido este ano para o Dia Internacional para a Redução das Catástrofes Naturais: ‘Investir na prevenção das catástrofes’. Não podemos impedir as catástrofes naturais, mas podemos e devemos preparar melhor as pessoas e as comunidades para as enfrentarem". Suas pragmáticas palavras referem-se às catástrofes, aos desastres, a apenas uma das ameaças, mas, aplicam-se, certamente, a todas as ameaças-tronco. Sem dúvida, elas são o permanente e eterno desafio a ser enfrentado, conhecida a peculiaridade, por todos os países.

Portanto, as sociedades, e particularmente os governos, devem estar preparados, respectivamente, para enfrentar aquelas ameaças que são peculiares a seu corpo social, isto é, onde o alvo, a vítima é ou está em sua sociedade, cuja intervenção governamental basicamente se processa através da instrumentalização de sua polícia, entendido este vocábulo, em seu sentido lato, como atividade estatal de proteção social. Grosso modo, verifica-se que, em nosso país, a atividade de defesa social não está sistematizada; que o enfrentamento das ameaças-tronco está cometido a pulverizadas secretarias respectivas, que atuam estanquemente; não há definição de coordenação e controle, em caso de ocorrência simultânea de ameaças bióticas e abióticas; esta hipótese não é despropositada, em razão de as ameaças terem características próprias, tais como o inopinado e o imponderável; ainda que os órgãos estivessem individualmente preparados, é de se considerar que uma determinada ameaça não tem incidência e efeito sobre uma atividade apenas, e, mais ainda, a ausência de coordenador impede a aplicação do princípio da antecipação.

Em Nova Orleans, ficou claro que a superpotência EUA foi surpreendida com a eclosão simultânea das três ameaças-tronco, o que agravou sua extensão.

No Brasil, apenas uma, a ameaça-criminalidade, vem surpreendendo e superando o Governo. Se ocorrem duas simultâneas, um caos. Três? Nem pensar! Ouve-se falar muito em cidadania, o que é muito bom. A novíssima defesa social, conhecida, entendida, internalizada, praticada e difundida, entronizando a societania, restringindo vulnerabilidades e mitigando as ameaças à sociedade, certamente em muito contribuirá no esforço de proteção social, para a redução da insegurança em nosso exacerbado ambiente de insegurança. Que pode ser aplacado, com vontade e sinergia.


Notas

1 2 As expressões estão contidas no livro "Entendendo a nossa insegurança" (2003), de Lúcio Emílio Espírito Santo e Amauri Meireles.

3 Ancel, Marc (1979), A Nova Defesa Social. Rio de Janeiro: Editora Forense.

4 Abordadas em "Entendendo a nossa insegurança" (2003).

5 Revista Veja, Edição 1.921, 07 Set 2005

6 "As Vísceras da Violência", Jus Navigandi, edição nº802 (13.9.2005). Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7286/as-visceras-da-violencia>.

Sobre o autor
Amauri Meireles

Coronel Veterano da PMMG Foi Comandante da Região Metropolitana de BH

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRELES, Amauri. Entronizando a novíssima defesa social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2305, 23 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13728. Acesso em: 22 dez. 2024.

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