Conclusão
Na presente conclusão do trabalho, é oportuno dizer que não se buscou exaurir a matéria, até mesmo porque as divergências entre as leituras do texto de Kant não se esgotam apenas nos critérios propostos por Bobbio. Nesse diapasão, importa expor que o objetivo do trabalho foi alcançado - fornecer uma contestação à interpretação equivocada quanto à análise dos conceitos.
O entender de Bobbio sobre o conceito de Direito em Kant é negligente no sentido de não considerar o mesmo como parte da Filosofia crítica prática, fundamentando-o como uma espécie de adendo ao sistema e, consequentemente, tendo-se um Direito fora da moral, ou como um imperativo hipotético técnico. Confirma essa interpretação a caracterização do Direito como obediência à vontade heterônoma (pois o agir conforme o Direito seria apenas agir para evitar a sanção ou em função de um benefício), formulado por uma legislação apenas externa (não requerendo, portanto, uma adesão íntima aos seus comandos) e contendo, assim, sujeição aos imperativos hipotéticos técnicos.
O entendimento da doutrina especializada, por oposição, mostrou-se desfavorável a essa interpretação fragmentária, contida no texto de Bobbio. Observou-se que a moral deve ser compreendida como gênero, sendo a ética e o Direito espécies. Portanto, vê-se nitidamente que ao Direito incumbe o campo do estudo da moral. Assim, considera-se pertencente ao âmbito do Direito a autonomia da vontade, a forma da lei postulada internamente, sendo as leis promulgadas constituídas pela liberdade dos sujeitos e, deste logo, o fundamento sob imperativos categóricos.
Referências
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Notas
- Bobbio (1997, pg. 62) cita a passagem da Fundamentação sobre a autonomia: "’A autonomia da vontade é a qualidade que a vontade tem de ser lei para si mesma (independentemente de uma qualidade qualquer dos objetivos do dever)’ (p. 67)"
- Quanto à heteronomia, Bobbio (idem) cita: "’Quando a vontade busca a lei que deve determiná-la num lugar diferente de onde está acostumada, segundo as suas máximas a instituir uma legislação universal, quando, conseqüentemente, superando a si mesma, busca esta lei na qualidade de alguns dos seus objetos, resulta sempre e tudo isso uma heteronomia. A vontade não dá então a lei para si mesma: é o objeto, ao contrário, que lhe dá, por efeito das suas relações com ela". (ib., pg. 68)’
- Observa-se que a literatura jurídica pesquisada também segue a mesma orientação de Bobbio – Vide: Miguel Reale (2002, pgs 662 e 663) "De onde se pode concluir: 1) que a heteronomia é incompatível com a Moral, mas é compatível com o Direito; 2) que pode haver cumprimento da regra jurídica com plena correspondência entre a "vontade da lei" e a "vontade do obrigado". (Grifo meu) Também Moncada (1995, pg. 257) faz a mesma interpretação: "Ao lado d moral, o direito é uma normatividade que só pode definir-se como critério de liberdade, ou seja, como meio de permitir a realização da liberdade do homem em si e nas suas relações com a liberdade dos outros. A única diferença está em que a moral exige, por parte do homem, uma adesão íntima e convicta aos motivos éticos do obrar enquanto que o direito dispensa essa adesão interna da consciência e contenta-se com a conformidade externa ente acção e o preceito. A primeira pressupõe afecto; a segunda, pura observância externa; na primeira, a acção é incoercível; na segunda coercível; uma visa na sua valoração às intenções, a outra os actos humanos externos."(Grifo meu) Também Vide: Eduardo Bittar (2005, pg. 278s). Vide: Artur Kaufman (1994, pg. 295) sobre a autonomia em Kant – a autonomia estaria apenas no âmbito do pensado, é somente um princípio regulativo.
- Ver também Almeida in: Kriterion vol.47 no.114 Belo Horizonte Dec. 2006
- Cf Kant, 2003, pg. 78. Sobre o direito representado como a liberdade de todos de acordo com leis universais. Assim Kant afirma: "pode-se localizar o conceito do direito diretamente na possibilidade de vincular coerção recíproca universal com a liberdade de todos" (idem)