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Uma (breve) análise jurídica do Sócio do Futebol, do Cruzeiro Esporte Clube

Agenda 11/11/2009 às 00:00

Os futuros associados do programa Sócio do Futebol, lançado pelo Cruzeiro Esporte Clube, são obrigados a concordar com o regulamento do programa, a fim de que possam usufruir seus benefícios, tratando-se de um verdadeiro contrato de adesão, pois não existe a menor possibilidade do torcedor discordar de qualquer das cláusulas impostas.

A figura jurídica do torcedor equipara-se na sua plenitude à do consumidor e, assim sendo, torna-se aplicável à espécie, complementarmente, o Código de Defesa do Consumidor, na análise das cláusulas do regulamento e para a defesa do consumidor/torcedor.

Devemos lembrar que quando uma determinada categoria exerce predomínio sobre a outra, ditando as regras de um contrato de forma livre e sem fiscalização alguma, não se poderá cogitar em relações equilibradas. Se um dos contratantes observa a vontade do outro reduzida à mera aceitação do contrato, sem que lhe fosse possibilitado barganhar, aquele que usufrui de posição dominante estabelecerá regras que protejam somente os seus interesses, e, nesse caso, não se poderá falar em contrato de prestações equilibradas.

O principio da livre contratação não pode conduzir a situações de excessivo prejuízo a um dos contratantes, justificando-se, neste caso, a intervenção do Poder Judiciário.

A primeira cláusula a se questionar é a 4.1. Eis o seu teor:

Eventual impossibilidade de acesso do público aos jogos em que o CRUZEIRO for mandante, seja em decorrência de punições impostas pelo poder público ou em decorrência de punições na esfera da Justiça Desportiva ou da Administração Pública, o CRUZEIRO não poderá ser considerado responsável pelas medidas, e nem estará obrigado a ressarcir, reembolsar ou conceder descontos nas Anuidades ao Sócio do Futebol, fatos que serão considerados "caso fortuito" ou força maior", conforme o caso, excluindo o CRUZEIRO de qualquer responsabilidade.

Referida cláusula está a violar diversos artigos do Código de Defesa do Consumidor. O Cruzeiro não pode querer transferir a sua responsabilidade para terceiros, muito menos exonerar a sua responsabilidade, até mesmo porque, é diretamente responsável pelo serviço e pelo evento que oferece.

O CDC não prevê as hipóteses de caso fortuito ou força maior como excludentes de responsabilidade.

O art. 14, § 3º diz que o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste e/ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

O fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Aliás, o simples fato do Cruzeiro sofrer algum tipo de punição por parte do poder público ou da Justiça Desportiva, pressupõe que o mesmo praticou algum ato não condizente com a pratica esportiva, dando ensejo a punição sofrida. Ora, se o Cruzeiro pratica o ato que determinará sua punição, como pode pretender se eximir de qualquer responsabilidade perante o consumidor/torcedor e não lhe garantindo, quanto menos, abatimento em sua anuidade?

Assim, aplicando-se o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, referida cláusula é nula de pleno direito:

Art. 51. São nulas de pleno direito entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I – Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos;

...

III – transfiram responsabilidades a terceiros.

A segunda cláusula que entendo deverá ser revista pelo Cruzeiro é a 4.11: Eis o seu teor:

Em caso de alteração, impedimento do uso ou limitação de lugares ou setores do estádio Mineirão ou de cada "modalidade", determinados pelo Poder Público ou por interesse do CRUZEIRO, o Sócio do Futebol inscrito na modalidade do Cartão referente ao setor alterado, impedido ou limitado terá automaticamente alterado o setor do estádio para adequação da mudança, enquanto durar a alteração, mas mantendo-se as cominações, preços e condições deste regulamento.

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Referida cláusula fere a boa-fé e a equidade, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada. Aliás, tal cláusula cria a possibilidade de reforma apenas para piorar a condição do consumidor.

Senão, vejamos.

O associado paga a mensalidade referente ao melhor setor do Estádio, cujo valor previsto é de 80 reais mensal. Em virtude de um ato de exclusivo interesse do Cruzeiro, o sócio inscrito na modalidade referente ao setor alterado, impedido ou limitado, terá automaticamente alterado o setor do estádio para adequação da mudança, enquanto durar a alteração, mas mantendo-se as cominações, preços e condições do regulamento.

Ora, e suponhamos que o sócio foi transferido para o pior lugar do Estádio, cujo valor em relação ao lugar em que paga religiosamente a mensalidade é bem menor. Como não garantir ao associado qualquer abatimento no preço da mensalidade/anuidade.

Referida cláusula é abusiva e exagerada e deverá ser declarada nula, conforme art. 51 do CDC.

Já em relação a cláusula 6.2, temos:

O não pagamento de qualquer parcela da data do seu vencimento importará em bloqueio imediato do Cartão, independentemente de aviso prévio. Ocorrido o bloqueio do Cartão por inadimplemento, o mesmo somente retomará o seu uso regular com o pagamento das parcelas em atraso e da multa e juros decorrentes deste atraso.

A cláusula supra não estipula o percentual de juros e multa a serem cobrados em caso de atraso, violando o dever de informação e o princípio da transparência previstos no CDC.

Contudo, conforme se extrai do boleto emitido para o associado a cobrança de multa será em patamar superior a 2% ao ano.

Do boleto anexo vê-se a seguinte inscrição:

APÓS O VENCIMENTO, COBRAR MULTA DE 5% + 0,003 DE JUROS POR DIA DE ATRASO.

Ora, a cobrança de multa em patamar superior a 2% viola o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 52.

Pelo exposto, deverá o Cruzeiro alterar referida cláusula para que eventual cobrança de multa por atraso não ultrapasse o patamar de 2%.

A cláusula 8.1 também fere o direito do consumidor. Eis o seu teor:

A qualquer tempo, o CRUZEIRO poderá alterar este Regulamento, ao seu único e exclusivo critério, comunicando no Portal do Programa Sócio do Futebol, do envio de correspondência ou por qualquer outro meio hábil de comunicação.

Mais uma vez o Cruzeiro elabora uma cláusula abusiva, pois se permite alterar sumariamente, atendendo seu único e exclusivo interesse as cláusulas do Regulamento do Programa Sócio do Futebol.

De acordo com o art. 51, XII, é nula de pleno direito a cláusula que autorize o fornecedor de serviço a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após a sua celebração.

E o regulamento do Sócio do Futebol e que o associado precisa concordar ao final para aderir ao programa, nada mais é do que um contrato. Sendo assim, referida cláusula deverá ser declarada nula, pois o Código de Defesa do Consumidor não admite a modificação unilateral do contrato, como pretende o Cruzeiro.

Melhor sorte também não assiste a cláusula 8.3. Eis o seu teor:

Fica eleito pelas partes o foro da comarca de Belo Horizonte/MG, para dirimir qualquer controvérsia oriunda deste Regulamento, renunciando as partes a qualquer outro, por mais privilegiado que seja.

Referida cláusula atenta contra os torcedores/consumidores.

O consumidor pode renunciar ao foro privilegiado e litigar no domicilio do fornecedor ou optar pelo foro de eleição.

Mas não pode uma cláusula contratual desconsiderar o foro privilegiado que possui o consumidor e previsto no art. 101, I, do CDC.

O CDC visa facilitar a defesa dos direitos dos consumidor, devendo a ação ter lugar na comarca que lhe for mais favorável.

Diante disso, deverá o Cruzeiro ajustar referida cláusula, por afastar o foro privilegiado do consumidor, em total ofensa a norma de ordem pública inserta no CDC, art. 101, I.

Da mesma forma é abusiva a cláusula 6.4, que prevê:

Conforme consta no item definições, o valor para Inscrição ao Programa é anual (anuidade), considerado o período de 1º de junho a 31 de maio do ano subsequente a Inscrição, sendo que este valor poderá ser alterado após cada ano de vigência do Cartão, em valores estabelecidos a critério do CRUZEIRO.

Referida cláusula é abusiva e excessivamente prejudicial ao consumidor, bem como viola o princípio da boa-fé, da transparência, da informação adequada e do equilíbrio contratual.

Tal cláusula permite que o Cruzeiro altere o valor do Programa sem que o consumidor tenha conhecimento dos critérios e índices que justifiquem eventual aumento.

Nesta seara, o art. 39, incisos X, XI, veda ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços e aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.

Portanto, resta evidenciado a abusividade de diversas cláusulas presentes no Regulamento do Programa Sócio do Futebol, sendo algumas destas cláusulas nulas de pleno direito, conforme artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor.

Certamente, para que o Cruzeiro prolongue a vida útil do seu programa de relacionamento, diretoria e departamento de marketing deverão ajustar as cláusulas que são contrárias ao ordenamento jurídico vigente, a fim de se evitar questionamentos futuros perante o judiciário mineiro.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IRRTHUM, Louis Augusto Dolabela. Uma (breve) análise jurídica do Sócio do Futebol, do Cruzeiro Esporte Clube. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2324, 11 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13828. Acesso em: 22 nov. 2024.

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