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Direito, literatura e a Lei de Introdução ao Código Civil.

Um estudo reflexivo-comparativo acerca do Direito e da Lei de Introdução ao Código Civil, partindo do auxílio literário

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Agenda 16/11/2009 às 00:00

Resumo: O presente texto visa ensinar determinados artigos da Lei de Introdução ao Código Civil, mas com três premissas: primeiramente, um estudo sucinto do direito lato sensu; além disso, uma leitura rápida a respeito da LICC, com comentários a respeito de cada artigo aqui utilizado; por fim, uma análise relacionando a LICC com a literatura – a partir de "O mercador de Veneza", de William Shakespeare; "Frankenstein", de Mary Shelley; e "O pagador de promessas", de Dias Gomes –, incitando ao estudioso do direito a criatividade e até mesmo uma análise crítica. A dogmática somente não basta, um operador do direito precisa ter um diferencial. O artigo, além de ensinar pontos específicos da LICC, resgata a criatividade do leitor, o que pode vir a ser um diferencial.

Palavras-chave: Literatura; lei de introdução; Civil


Introdução

O escopo deste breve esboço de direito civil é explicar a Lei de Introdução ao Código Civil (ou LICC, conforme é informalmente chamada) a partir de três diferentes obras literárias, tentando inicialmente facilitar a compreensão (função didática); alcançar a práxis (função pragmática, embora com criatividade do leitor); exercitar o raciocínio jurídico por meio de textos clássicos (na literatura), inclusive incitando a hermenêutica subjetiva do leitor (função exegética); e tornar mais palpável o enunciado abstrato (graças à Tatbestand, fattispecie ou hipótese normativa) presente na LICC (função compreensiva). As obras são: "O mercador de Veneza", de William Shakespeare; "Frankenstein", de Mary Shelley; e "O pagador de promessas", de Dias Gomes.

Ainda assim, um enunciado restrito à LICC não é muito amplo. Diversos livros da literatura auxiliam na compreensão do Direito lato sensu. Os estudos, inclusive, cada vez mais intensos sobre a relação direito-literatura, ressaltam este fato.

Apesar desta novidade, nada afasta a necessidade do conhecimento da dogmática. Esta, invariavelmente, mostra-se importante, pois subsidiárias são as elucubrações literárias – insuficientes sem a ciência em si. Por outro lado, a ciência jurídica, per si, também é insuficiente, tendo em vista a dinâmica realidade social que nos é apresentada.

O capítulo inicial tenta dar o impulso necessário para a compreensão dos temas específicos, a partir da chamada teoria (geral) do direito, e, logo depois, relacionando ao direito civil. No capítulo dois, são vistos aspectos gerais da LICC para, no terceiro, estudar cada artigo que aqui interessa. Como ela é uma lei extensa, mesmo se contar apenas os artigos referentes ao direito civil (não de direito internacional privado – vide infra), são tomados apenas os artigos (e partes de artigos) que aqui interessam, e é feito um breve comentário a respeito do artigo – afinal, a dogmática ainda é indispensável.

Vejamos, antes de começar a essência deste estudo, exemplos de reflexões jurídicas a partir de temas cuja essência não é (ao menos unicamente) do direito.

Niklas Luhmann, renomado sociólogo alemão, formula uma teoria de que os (sub)sistemas sociais estão isolados no espaço, ou seja, existem no ambiente mas não se enxergam uns aos outros (o direito não enxerga a política, a religião, etc.). Todos os subsistemas possuem um código binário próprio e característico (no caso do direito, um código binário legal/não-legal). O exame dos casos que necessitam do direito seria visto com uma legalidade em conformidade para com o código binário legal/ilegal, que é o que rege o funcionamento do sistema jurídico. A teoria, embora tenha um viés, a priori, fechado, por trás apresenta uma idéia mais complexa. Conforme enuncia o próprio autor, "trata-se (, em seu estudo,) de localizar (...) o direito através de sua função". [01] Propositalmente, Luhmann une o direito e a sociologia, demonstrando e evidenciando uma relação.

A filosofia também possui encaixe com o direito. O estudo dos paradigmas, e. g., segundo Celso Ludwig: Thomas S. Kuhn foi o original elaborador do conceito de paradigma, mas ele "não se preocupa em definir objetivamente o conceito de paradigma. Porém, utiliza-o para explicar que a transformação do conhecimento científico não cresce de modo cumulativo e contínuo." [02] Na jusfilosofia, são três os paradigmas em sentido amplo: jusnaturalismo, positivismo jurídico e pós-positivismo jurídico. Outra evidência do direito relacionado a temas que não essencialmente jurídicos. Ambos, por sinal, auxiliam em uma compreensão de qualidade da ciência jurídica, que é o objetivo de qualquer estudo.

Esta fala se deu, prioritariamente, para mostrar que é possível explicar o direito a partir de realidades que o cercam, sejam elas a sociologia, a filosofia, ou até mesmo a literatura. O momento não é oportuno para um aprofundamento maior destas teorias, quiçá em outra oportunidade o façamos.

O próximo passo é uma dogmática inicial a respeito da teoria do direito, para dar o impulso necessário para o alcance da LICC, e a relação literária que se pretende – o método, no caso, se inicia do simples para o mais complexo e abstrato.

Iniciemos, portanto.


Capítulo I – Impulso da Teoria do Direito

Como dito, é necessário ter como impulso inicial a teoria do direito. O motivo é explicitar que a Lei de Introdução ao Código Civil está inserida no Código Civil, e este, por sua vez, no Direito – e é aí que a teoria do direito auxilia. A título comparativo, de que adiantaria estudar Teoria do Crime sem entender os princípios regentes do Direito Penal? Mais que isso: como se estudar o Direito Penal sem ter antes um mínimo de introdução ao Direito?

I.1. Tentativa de conceituação.

Logicamente, é vã. Apesar de nenhum doutrinador ter chegado a um conceito completo, as tentativas devem ser apreciadas e estudadas.

Procurando em um dicionário jurídico, como o de Deocleciano Torrieri Guimarães, o verbete direito é explicado como:

Ciência que sistematiza as normas necessárias para o equilíbrio das relações entre o Estado e os cidadãos e destes entre si, impostas coercitivamente pelo Poder Público. Universalidade das normas legais que disciplinam e protegem os interesses ou regulam as relações jurídicas. (...) O direito objetivo (jus norma agendi) recebeu a seguinte definição de Miguel Reale (e é este que nos interessa no momento): ‘Vinculação bilateral imperativo-atributiva da conduta humana para a realização ordenada dos valores de convivência’. [03]

Tentativa, não muito mais que isso.

Um leitor mais atento pode questionar o motivo para tentar conceituar o Direito, algo que mesmo os maiores doutrinadores não conseguiram. De nada adiantaria estudar a Lei de Introdução ao Código Civil sem estabelecer uma relação com o Direito lato sensu, e para isso, é mais lógico iniciar pela conceituação. O conceito, por si só, já fornece um grande esclarecimento a respeito de qualquer tema – mesmo que um conceito insuficiente (o que necessariamente é o caso), gera reflexão, a partir do momento que estudado.

I.2. Direito e direito civil

Logo no primeiro ano da faculdade, ao estudante é apresentada a clássica divisão entre direito público e privado, e diz-se que o direito civil está no setor privado.

Para Maria Helena Diniz, "o direito civil é (...) o ramo do direito privado destinado a reger relações familiares, patrimoniais e obrigacionais que se formam entre indivíduos encarados como tais, ou seja, enquanto membros da sociedade" [04].

Já segundo Francisco Amaral, "direito civil é o conjunto de princípios e normas que disciplinam as relações jurídicas comuns de natureza privada (...), é o direito que regula a pessoa, na sua existência e atividade, a família e o patrimônio" [05].

Passemos à LICC propriamente dita.


Capítulo II – A Lei de Introdução ao Código Civil

Antes de se fazer a relação da LICC com a literatura aqui selecionada, é necessário uma introdução, mesmo que básica. O escopo não é primordialmente ensinar a LICC (embora seja isso também uma conseqüência direta), mas abrir caminho a novos métodos de estudo e reflexão. Manuais e Códigos comentados nada acrescem quanto à produção de conhecimento, ensinam a matéria, mas não ensinam a pensar a matéria – e as duas atividades serão aqui feitas.

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II.I. A (atual) LICC

"Tal como ocorre com o Código civil alemão, o brasileiro tem, na atualidade, uma Lei de introdução, que, como a daquele, o acompanha" [06].

No Brasil hodierno, está vigente o Decreto-lei n. 4657/42, que institui a atual LICC, e que revogou a antiga LICC n. 3071/16.

O Decreto-lei n. 4657/42 foi publicado no Diário Oficial da União em 1942, retificado um mês depois da publicação, e novamente alguns meses depois.

É interessante também notar que ela é válida de modo amplo, ou seja, por ser um agrupamento de normas que se refere a outras normas, rege questões importantes a todas as normas, como o início da sua vigência. Assim, ainda que anexa ao Código Civil, é um conjunto autônomo de leis, com caráter universal e aplicação a todos os ramos do direito.

Ainda assim, não é uma lei introdutória ao Código Civil, afinal, refere-se a normas de direito lato sensu, não apenas a normas de direito privado. Por ter como abrangência todos os discursos legais, é uma lei de introdução às demais leis.

Assinala Maria Helena Diniz:

É uma Lex legum, ou seja, um conjunto de normas sobre normas, constituindo um direito sobre direito (...), um superdireito, ou melhor, um direito coordenador de direito. Não rege, portanto, as relações da vida (ao menos diretamente), mas sim as normas, indicando como aplicá-las, determinando-lhes a vigência e eficácia, suas dimensões espácio-temporais, assinalando suas projeções nas situações conflitivas de ordenamentos jurídicos nacionais e alienígenas, evidenciando os respectivos elementos de conexão determinantes das normas substantivas, deste ou daquele outro ordenamento jurídico (...). [07]

Didaticamente, os autores de direito civil partem a LICC em duas partes: a primeira, de interesse nesta disciplina, por regulá-la mais que a segunda parte, refere-se do artigo 1º ao 6º; e a segunda, que a maioria dos doutrinadores de direito civil não tratam, vale do artigo 7º ao 19, e seu tema prioritário é o direito internacional privado. Fica como opção do civilista tratá-la, ou não.

Seus dois primeiros artigos tratam da vigência das leis, da vacatio legis, da eficácia das normas e quanto ao vigor das normas; o art. 3º trata da inalegabilidade da ignorantia iuris; o art. 4º prevê utilização de analogia em caso de lacunas, além de outros recursos (costumes e princípios) em situação de omissão legal; o art. 5º adianta os critérios de hermenêutica na aplicação; o art. 6º regula a solução de casos de conflito de normas no tempo, para garantir segurança (em casos de ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada); por fim, o art. 7º e seus seguintes, até o 19, tratam de uma disciplina específica, conforme já dito, que é o direito internacional privado (basicamente, quando ao conflito de normas no espaço)

A restrição que a LICC se impõe é a descrição das linhas iniciais do ordenamento jurídico; ou seja, a LICC, ao estabelecer os princípios regentes de todas as outras normas que a cercam, evidencia que a sua limitação é a temática normativa, apesar da aplicação geral. Deste modo, não seria plausível à Lei de Introdução tematizar diretamente sobre um tema de direito material, pois não cabe a ela esta regulação, mas sim ao Código Civil, que recebe grande espaço para tal encargo jurídico.

No capítulo seguinte, os principais artigos comparados com a literatura são rapidamente explicados, para iniciar o trabalho de nexo.


Capítulo III – Os artigos da LICC que interessam ao estudo – breves comentários [08]

Novamente, aqui consta a dogmática, necessária e sempre presente, em seu auge neste texto. Abaixo, rapidamente, constam os artigos e sua interpretação, mas apenas os que interessam ao trabalho. O art. 1º, e.g., possui a mesma importância que o art. 6º para os aplicadores do direito, mas aqui não será estudado e comparado com a literatura.

III.I. Artigo 2.º

Art. 2.º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique e revogue.

Comentário: A lei pode ter caráter definitivo, ou seja, sua duração não é determinada por um prazo, ou pode ter vigência temporária, valendo para uma margem de tempo predeterminada.

O caput utiliza o termo "revogação". Os Códigos de outros países também tratam desta matéria. Segundo o Código da Argentina, em seu art. 17, "Las leyes no pueden ser derogadas en todo ó en parte, sinó por otras leyes. El uso, el costumbre ó práctica no pueden crear derechos, sino quando las leyes se refieren a ellos". Na Guatemala, no art. 6º de seu Código, "Contra a observância da lei não se pode alegar desuzo, costume ou prática em contrário". Por fim, no art. 7º do Código venezuelano, "Las leyes no pueden derogarse sino por otras leyes; y no vale alegar contra su observancia el desuso, ni la costumbre o práctica en contrario, por antiguos y universales que sean". A revogação, segundo vários doutrinadores, afirma que a revogação é um ato que faz com que outra lei cessa sua existência, no todo ou em parte, ou seja, é quando uma lei validada a posteriori retira a eficácia de uma lei validada anteriormente. Quando a cessação se dá inteiramente, ocorre a chamada ab-rogação (revogação total), e, quando a revogação é parcial, o termo usado é derrogação. Além disso, existe a classificação de revogação expressa e revogação tácita. "A revogação expressa é, algumas vezes, singular, taxativa, e refere-se especialmente à disposição abolida; noutras, porém, é geral, compreensiva, e aplica-se a todas as disposições contrárias, sem individualização." [09] A revogação tácita é a situação em que uma lei, por apresentar antinomia com relação a outra, anterior, faz com que esta deixe de viger, sem apresentar, entretanto, menção (ao menos escrita formalmente) para tanto. De modo geral, a expressão usada é "revogam-se as disposições em contrário". Também existe a chamada "revogação de fato", que é quando a lei entra naturalmente em desuso na sociedade.

§ 1.º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

Comentário: Na primeira situação, o legislador trata da revogação expressa, enquanto que, no segundo caso, a revogação citada é a tácita (vide supra).

§ 2.º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

Comentário: No caso em questão, o que ocorre é que a lei nova acaba complementando as anteriores, sem, entretanto, modificá-las.

III.II. Artigo 3.º

Art. 3.º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Comentário: Na realidade, o artigo trata de um princípio básico do direito. "Do exposto se dá conta do relevante papel que a publicação desempenha na obrigatoriedade da lei." [10] É conhecido como o princípio da inalegabilidade da ignorantia iuris, ou seja, não é possível a um sujeito alegar que, por desconhecimento (ou ignorância) de determinada lei, não a cumpriu. É um subterfúgio não admitido pelo direito.

Alguns autores, entretanto, tentam trazer uma visão mais crítica. Segundo Paolo Grossi, o direito aparece para os indivíduos como algo que vem do alto e de longe, um comando que lhe aparece. Diz Grossi:

Tudo isso transforma o direito para o homem comum numa realidade comum, e, em todo caso, numa realidade estranha, que ele sente como enormemente distante de si e de sua vida. Com um resultado que é duplamente negativo para o cidadão e para o direito: o risco provável de uma separação entre direito e sociedade, ficando o cidadão mais pobre porque lhe escapa das mãos um instrumento precioso do convívio em sociedade, com um direito substancialmente exilado da consciência comum, e ficando o jurista – ou seja, aquele que conhece o direito – relegado a um canto e participando muito pouco da complexa circulação cultural. [11]

Apesar da incontestabilidade desta visão crítica, o direito não pode aceitar a alegação de ignorantia iuris. Primeiramente, seria impossível provar se existia realmente ignorância. Além disso, é dever do cidadão ter um mínimo domínio jurídico do ordenamento que lhe é pátrio. Supondo uma situação de um debate a respeito do tema de aborto. Um indivíduo que inicie sua retórica afirmando que o aborto é crime no Brasil. De fato, o Código Penal, em seus arts. 124-127, localiza o ato do aborto como crime. No entanto, a proibição não é absoluta, pois, segundo o art. 128, o aborto é tido como permitido, desde que a vida do nascituro concorra com a vida da gestante, ou que a consumação da gestação tenha se dado por estupro. Deste modo, ao se alegar que ele é totalmente proibido, o indivíduo está cometendo um equívoco, e demonstra que não possui conhecimento pleno do direito que o rege.

Para provar que é um princípio geral do direito, é possível utilizar, novamente, o direito comparado. A Colômbia, no art. 9º de seu Código, mostra que "La ignorancia de las leyes no sirve de excusa", semelhante no artigo 2º do espanhol, em que "La ignorancia de las leyes no excusa de su complimento". No Código chileno, em seu art. 8º, "No podrá alegarse ignorancia de la lei por ninguna persona, despues del plazo comum o especial, sino cuando por algun accidente hayan estado interrumpidas durante dicho plazo las comunicaciones ordinarias entre los dos referidos departamentos. En este caso dejará de correr el plazo por todo el tiempo que durare la inconmunicacion". Em Portugal, "Ninguem póde eximir-se de cumprir as obrigações impostas por lei, com o pretexto de ignorancia desta, ou com o do seu desuso" (art. 9º). Na Luisiânia, "After the promulgation, no one can allege ignorance of the law" (art. 7º).

III.III. Artigo 4.º

Art. 4.º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Comentário: Sobre este artigo, só com as quinze primeiras palavras já seria possível elaborar um livro, de tão vasto que o tema é. O artigo trata das fontes do direito, e expressa a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito como as fontes formais (ou diretas) do direito. Muitos doutrinadores falam também na doutrina e na jurisprudência como fontes, mas são não-formais (ou indiretas), por serem apenas fontes de fato, não expressas ou positivadas. É necessário que, diante de uma lacuna, o juiz resolva o caso (afinal, o juiz não pode abster-se de decisão) de acordo com as fontes formais do direito que encontrar. É importante lembrar que a lei também é uma fonte, a chamada fonte por excelência do direito.

Novamente, a metodologia de (tentativa de) conceituação é, no mínimo, plausível.

Analogia é um processo em que se tem como embasamento situação semelhante, a qual é utilizada – fazendo-se, logicamente, as alterações necessárias para adquirir coerência – como dispositivo básico justificador de uma decisão, em que a lei se apresenta omissa para decidir.

Costume é a reiteração (repetição) de determinada conduta, uniforme e constantemente, de tal modo que a conduta é encarada como obrigatória. É algo mais presente em países de tradição jurídica costumeira, como a Inglaterra e os EUA (países com sistema chamado "common law"), sendo que, em países de sistema romano-germânico (como o Brasil), o costume é elemento subsidiário. É um "procedimento social reiterado, espontâneo, com a convicção de que é necessário e correto. (...) No Brasil ele está mais presente no Dir. Comercial." [12]

Em relação à lei, o costume pode apresentar-se numa das seguintes categorias: praeter legem, secundum legem e contra legem. No primeiro caso, ele se caracteriza pelo seu cunho supletivo só intervém na ausência ou omissão da lei; no segundo, o preceito, não contido na norma, é reconhecido e admitido com eficácia obrigatória; no terceiro, surge como norma contrária à lei. [13]

O costume, se comparado à lei, oferece vantagens – é flexível, pois pode alterar-se de acordo com sua sociedade –, mas também desvantagens – é mais obscuro, incerto. [14]

Por fim, a última fonte apontada na LICC, em caso de omissão legal, são os princípios gerais de direito. São eles que encaminham o correto entendimento do sistema jurídico lato sensu. "São decorrentes do subsistema normativo" ou "são derivados das idéias políticas, sociais e jurídicas vigentes". "Não são preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito." São, ainda, dispositivos "de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico", positivados ou não. [15] Como exemplos, o rol mais vasto é, indiscutivelmente, a Constituição brasileira. Ela possui incontáveis princípios, mas o critério para estabelecê-los não é taxativo numerus clausus, pois nenhuma positivação encerra as possibilidades. Para dar apenas um exemplo, é possível citar o princípio da função social da propriedade, presente no art. 5º, XXIII (e outros artigos).

III.IV. Artigo 5.º

Art. 5.º  Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Comentário: Este é mais um tema vasto que certamente renderia um livro inteiro a ele dedicado. É preciso, ao interpretar este artigo, compreender a intenção do legislador ao elaborá-lo. O aspecto teleológico é, basicamente, os "fins sociais a que ela (a lei) se dirige", além do bem comum. A função social da propriedade (vide supra) é exemplo típico da preocupação com tais fins. O aspecto do bem comum é a ponderação necessária do juiz, os fins sociais devem ser atingidos, desde que no viés de um bem comum. A Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, também tem esta imposição judicial, pois, segundo seu art. 6º, "o juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum". Hermenêutica é um termo essencial: o juiz, para aplicar uma lei, precisa, primeiramente, interpretá-la, ao menos para uma aplicação correta e de acordo com todas as bases teóricas do direito.

Sendo a interpretação um conceito tão essencial, é preciso uma noção mais aprofundada sobre este tema.

Explica Espinola que "procura-se, interpretando a norma jurídica, explicar-lhe o sentido; e, pois, a interpretação, em referência às fontes do direito objetivo [16], vem a ser a declaração precisa do conteúdo e do sentido da norma jurídica." [17] Aduz ainda "que, podendo o direito escrito" – novamente aqui o direito objetivo – "e o direito consuetudinário ter papel e eficácia diversos no ordenamento jurídico positivo de cada povo, os critérios para a respectiva interpretação têm de variar, conforme essa finalidade e essa importância". [18]

No Código Civil português, "A lei que faz exceção às regras gerais não pode ser aplicada a nenhum caso, que não esteja especificado na mesma lei" (art. 11). Na Venezuela, no art. 4º de seu Código, "Cuando se trate de aplicar la ley debe atribuirsele el sentido que aparece evidente del significado proprio de las palavras, según la conexión de ellas entre si y según la intención del legislador". Ainda no mesmo Código, "Las disposiciones contenidas em los Códigos y leyes nacionales especiales, se aplicarán con preferencia a las de este Código em las materias a que ellas se contraigan" (art. 14).

O juiz, na aplicação a que o artigo se refere, pode, quando achar conveniente, recorrer às fontes do direito (vide supra) para explicar ou encontrar os fins sociais. Em outras palavras, as fontes do direito (e.g., a doutrina) podem exercer imensurável auxílio para o juiz encontrar os fins sociais a que a lei se refere. Logicamente, não há doutrina que encerre tal tema, pois a seara jurídico-social não pode ser finalizada em nenhum critério taxativo numerus clausus. A sociedade sempre exerce sobre o direito grande necessidade de dinamicidade, com suas novas demandas, novos problemas e novas exigências. Afinal, que fim teriam os operadores do direito, sem as demandas sociais? Onde estaria o direito, sem os problemas da sua sociedade?

III.V. Artigo 6.º

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Comentário: A Constituição federal, em seu art. 5º, XXXVI, anuncia preceito semelhante – utiliza a expressão "não prejudicar" ao invés de respeitar.

Após o cumprimento da sua vacatio legis, a lei deve ser aplicada indistintamente – nesse caso, novamente está a consagração (ou simplesmente uma "positivação conforme" [19]) de um princípio constitucional, o da igualdade, perante a lei, descrita no caput do art. 5º da CF –, mas com a ressalva do respeito ao ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Basicamente, o que ocorre é que, em casos de ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada, o efeito é ex nunc, ou seja, ocorre irretroatividade (o oposto é a retroatividade, com efeito ex tunc) [20]. "É retroativa a norma que atinge os efeitos de atos jurídicos praticados sob o império da norma revogada. É irretroativa a que não se aplica a qualquer situação jurídica constituída anteriormente". [21]

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

Comentário: Segundo Maria Helena Diniz, "ato jurídico perfeito é o que já se consumou segundo a norma vigente ao tempo em que se efetuou" [22].

Conforme o art. 104 do Código Civil brasileiro, os requisitos para um ato jurídico ser considerado perfeito são: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

Comentário: Segundo Maria Helena Diniz, "direito adquirido é o que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular" [23].

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

Comentário: Maria Helena Diniz explica que "coisa julgada é a decisão judiciária de que já não caiba mais recurso". [24] Diz Eduardo Espinola:

A compreensão generalizada, na doutrina pátria, é de que se considera caso julgado a sententia judicis, de que não caiba recurso algum. Daí, a distinção entre sentença passada em julgado e coisa julgada, ou caso julgado; a sentença se diz que passou em julgado, quando pode ser executada, embora seja ainda suscetível de reforma, por virtude de algum recurso; a coisa julgada, ou o caso julgado, só se tem, quando nenhum recurso, absolutamente nenhum, pode haver, que eventualmente leve a modificá-la; seja embora recurso extraordinário, ou ação rescisória. [25]

Como o tema também é presente no Direito Processual Civil, o CPC não se mostra omisso: no seu art. 467, aduz que "denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

E assim fica encerrada a parte dogmática dos aspectos da LICC que serão estudados para relacionar com obras literárias. Que venha a literatura.

Sobre o autor
Diogo Rodrigues Manassés

Estudante de direito da Universidade Federal do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANASSÉS, Diogo Rodrigues. Direito, literatura e a Lei de Introdução ao Código Civil.: Um estudo reflexivo-comparativo acerca do Direito e da Lei de Introdução ao Código Civil, partindo do auxílio literário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2329, 16 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13845. Acesso em: 24 nov. 2024.

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