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Considerações sobre um desconhecido Direito de Família e as dificuldades do advogado familiarista

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Agenda 28/11/2009 às 00:00

6. DA LIMITAÇÃO DA ESCOLHA DE BENS NO CASAMENTO DOS SEXAGENÁRIOS

Uma questão cômica, se não fosse grave, além de inconstitucional e que lamentavelmente ainda é campo de batalha para os juristas que labutam no campo do Direito de Família: a presunção, mantida pelo artigo 1.641, II, do Código Civil Brasileiro (haja vista os termos semelhantes descritos no artigo 258, II, do Código Civil de 1.916), de que os idosos não possuem plena capacidade de exercício para gerir seu próprio patrimônio, numa situação próxima da prodigalidade.

Quando descrevo cômica é porque logo me vem à mente um raciocínio constrangedor. Imaginemos um ministro do Supremo Tribunal Federal – a quem a Constituição outorga a guarda do principal termo legislativo do país, a quem é conferido os poderes de julgar Senadores da República, Presidentes da República, Ministros de Estado, da Marinha, Exército e Aeronáutica, litígios entre Estados estrangeiros e a União, extradições solicitadas por Estado estrangeiro, ações contra o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, além de, em caso de vacância do cargo de Presidente da República, ser o quarto na ordem de sua sucessão (em caso de ser o presidente desta Casa) – não ter, todavia, capacidade ou discernimento suficiente para decidir sobre o regime de bens de seu pretendido casamento, haja vista o temor legal, criado como presunção absoluta, de que poderia estar sendo enganado por seu consorte.

Ou situação pior: a presunção absoluta de má-fé, de pessoa inescrupulosa, criada sobre a pessoa que pretender tomar como seu consorte uma pessoa sexagenária!

E nem se imagine que isso seria uma situação vivida somente pelas entidades familiares a serem constituídas pelo casamento, atingindo igualmente os que optassem pela união estável, haja vista o princípio da isonomia constitucional. Os que defenderem que tal restrição somente abraça os que pretendem se casar estão tentando criar consequências desiguais para situações que possuem a mesma base fática, também em manifesta inconstitucionalidade.

Lembre-se, ademais, que se há alguma preocupação em proteger o maior de sessenta anos, impunha-se ao legislador proibir o seu casamento – que, por sinal, diz respeito a questão relativa ao seu estado civil, que é direito da personalidade. No entanto, o Código Civil, sem qualquer justificativa lógica, permite as núpcias do sexagenário, mas limita a escolha do regime de bens – que integra o rol de direitos disponíveis da esfera privada.

Sem dúvida, é um absurdo caso de presunção absoluta de incapacidade decorrente da senilidade, afrontando os direitos e garantias fundamentais constitucionais, violando, ainda, a dignidade do titular e razoabilidade entre a finalidade almejada pela norma e os valores por ela comprometidos. (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nélson. Direito das famílias, 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2.008, p. 219).

Desta forma, não só pela ofensa ao princípio da igualdade previsto no caput do artigo 5º da Constituição da República (já que tal argumento, por si só, já bastaria para explicitar a inconstitucionalidade), mas, sobretudo, pela ofensa maior ao direito da personalidade humana, com inequívoca violação da vida privada e do livre arbítrio do indivíduo, além do desrespeito à dignidade de ambos os consortes, criando-se um preconceito por causa da idade, manifestamente proibido pelos artigos 1º, inciso III, e 3º, inciso IV, da Constituição Federal, tal artigo de lei deve ser extirpado do sistema jurídico brasileiro de forma urgente. Afinal, nada há, em nenhum lugar, em nenhum estudo, em nenhuma ideologia isenta de preconceitos, que justifique esse tratamento desigual, desleal e humilhante a cidadãos que, por suas experiências de vida, encontram-se inclusive em melhores condições para decidir sobre tais questões que muitos nubentes jovens, que pouco ou nenhuma experiência detêm sobre a batalha travada anos a fio para a aquisição de um patrimônio digno, o qual, sem sombra de dúvidas, será adequadamente protegido e compartilhado (se assim o desejarem) pelos idosos.


7. ALGUMAS OUTRAS INCONSTITUCIONALIDADES DO NOVO CÓDIGO CIVIL

Por fim, tendo nos alongado mais do que o desejado, os advogados militantes no Direito de Família lutam ainda contra outras inconstitucionalidades flagrantes e costumes inadequados na labuta diária perante o Judiciário brasileiro, os quais citarei rapidamente no intuito de evitar tornar esta leitura extensa em demasia, e que são a exigência de demonstração de culpa da parte adversa para a obtenção da separação judicial ou do divórcio litigiosos, bem como as questões relativas à perda do nome pelo culpado da separação.

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O direito a romper o vínculo jurídico que une uma entidade familiar é assegurado constitucionalmente ao se garantir, em seu corpo legislativo, o divórcio, cujo único fato a comprovar é o lapso temporal, seja o de um ano da separação judicial, seja o de dois anos da separação de fato, e nada mais. Discussões dos motivos ensejadores que levaram à ruptura ocorrida – e suposta culpa – são absolutamente impertinentes e sequer devem ser conhecidos pelo Magistrado.

O que suscita dúvidas e deveria de pronto ser espancado pelo Judiciário – mas não o é – é a necessidade, mantida pelo novo Código Civil, de demonstração de culpa, ou seja, de ato da parte adversa que importe em grave violação dos deveres do casamento, para que seja outorgado ao interessado o direito à separação judicial, conforme descrito no caput do artigo 1.572 do Código Civil.

Ora, se por um lado existe uma lei infraconstitucional exigindo que a parte inocente da entidade familiar demonstre os atos que a parte adversa perpetrou e que ensejaram os motivos de sua pretendida extinção, por outro lado o próprio texto constitucional trouxe, logo em seu início, como cláusula pétrea, o direito à dignidade da pessoa humana, o que inclui a plena tutela de seus direitos da personalidade, como privacidade, intimidade e a vida privada.

A vida em família, mesmo durante a existência da sociedade conjugal, não outorga a qualquer dos companheiros o direito de violar a privacidade ou a intimidade do outro e nem outorga o direito de que a vida privada, do qual o cônjuge é coautor, seja vilipendiada.

Tais deveres de respeito subsistem durante a convivência familiar e devem ser mantidos mesmo após a sua dissolução, como é natural em todo o Direito, v.g., como os atos de boa-fé que unem os contratantes desde a fase pré contratual e que devem persistir mesmo após o seu adimplemento e a consequente extinção do vínculo obrigacional.

O objetivo a chegar é o seguinte: como demonstrar violação dos deveres do casamento em uma audiência judicial, que, não obstante corra em segredo de justiça, envolve juízes, desembargadores, promotores de justiça, assistentes sociais, psicólogos, escrivães, escreventes, advogados, arquivistas e testemunhas, sem violar o direito à privacidade, à intimidade ou à vida privada do outro membro familiar? Isso seria uma ficção jurídica, ou, como preferem alguns autores, uma mentira jurídica. E não se pode, por ficção jurídica infraconstitucional, violar o direito à dignidade humana exposto na Carta Magna.

Outra questão interessante: e se foi a própria pessoa que pretende separar-se quem cometeu uma falta matrimonial grave que a impossibilita, por motivos especialmente de honra subjetiva, de continuar a conviver com seu outro consorte, a quem lesou e que todos os dias, pelo simples ato de revê-lo, se lembre da falta cometida, causando-lhe doloroso constrangimento? Ou seja, se ela reconhece que a vida em comum se tornou insuportável por falta cometida por si mesma? Não teria o direito de, no intuito de querer recomeçar e reconstruir sua autoestima, extinguir este vínculo familiar, extinção essa porventura não desejada pela outra parte? Seria possível puni-la todos os dias, retirando-a o direito de constituir uma nova família mediante o laço do matrimônio?

Ou, em tom semelhante: quais os motivos ainda levam o Judiciário a recusar a ver o desamor como causa suficiente para o rompimento de um vínculo matrimonial?

Supondo-se que se tratasse de uma união estável em quaisquer dos dois casos anteriormente citados, a vontade consciente de qualquer dos nubentes, ainda que do culpado, não seria prontamente respeitada e desfeita a união familiar, sem maiores delongas?

Então somos obrigados a reconhecer que a lei infraconstitucional está a tratar diversamente duas situações faticamente iguais, o que configura, mais uma vez, uma manifesta inconstitucionalidade, só que, agora, agravada pela figura do desrespeito aos direitos da personalidade de um ser humano, no intuito de conservar a figura jurídica do casamento, o que é intolerável.

Por fim, a custosa questão do nome de casada. Utilizando-se dos argumentos já descritos no presente capítulo, o que faltou ao legislador, ao redigir o artigo legal de nº 1.578 do Código Civil Brasileiro, foi a sensibilidade de compreender que, a partir do instante em que um cônjuge adota o nome de família do outro, tal nome de família passa a constituir seu próprio sobrenome de forma irrevogável, não se tratando de um empréstimo de nome ou qualquer situação análoga.

E, como se trata de elemento constitutivo de seu próprio nome, a partir da celebração do ato que criou a nova família, esse nome passou a ser tutelado expressamente pelo artigo 16 do mesmo Código Civil, o qual, por sua vez, por estar tutelando um direito da personalidade, tem seu assento constitucional no mesmo artigo 1º, incisos II e III da Constituição da República.

Daí se demonstrar o quão impertinentes – por inconstitucionais – são as discussões de culpa em seara de família visando a retirada do nome de família pelo ex-consorte culpado, como se ao término de uma relação conjugal fosse possível também identificar, em lados opostos, sempre um inocente e um culpado.


CONCLUSÃO

Após todo o exposto, o objetivo da presente análise foi tão somente tentar levantar algumas discussões complexas que estão a surgir no campo do Direito de Família, bem como tentar reavivar a memória para que antigos preconceitos sejam, de uma vez por todas, extirpados do ordenamento jurídico brasileiro, sem ficarmos nós, operadores do Direito, à espera de novos e desnecessários textos legislativos, os quais, para virarem realidade, demandam um tempo precioso que a vida intranquila dos contendores não parece ser capaz de suportar.

Que se adote, cada vez mais, a interpretação civilista-constitucional e que os casos de família sejam tratados sem preconceitos, com os olhos abertos ao futuro, às necessidades dos seres humanos ali envolvidos e com a devida dedicação e imparcialidade que os casos sempre requerem, a fim de que as sentenças judiciais possam ser efetivamente justas e, sempre que possível, fruto da tão desejada autocomposição das partes, observados os reflexos daí advindos, especialmente quando houver crianças e adolescentes envolvidos.

Fincado o norte de que o Direito de Família deve ser efetivado pelo afeto e despindo-nos dos preconceitos que rondam a sociedade atual, a felicidade humana será inegavelmente alcançada, ainda que seja necessário atravessarem-se imensos mares inquietos.


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Sobre o autor
Roberto Lins Marques

Advogado militante. Pós-graduando em Direito Civil. Ex-membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG .Graduado no Curso de Formação de Governantes da Escola de Governo do Triângulo Mineiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Roberto Lins. Considerações sobre um desconhecido Direito de Família e as dificuldades do advogado familiarista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2341, 28 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13927. Acesso em: 23 dez. 2024.

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