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Imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI)

Agenda 01/03/2000 às 00:00

Introdução

Esse imposto, conhecido como sisa, voltou para a competência impositiva municipal com o advento da Constituição de 1988. A Reforma implantada pela Emenda 18/65 havia transferido esse imposto para os Estados, abarcando a transmissão inter vivos e a transmissão causa mortis.

A Carta Política de 1988 cindiu a lógica desse imposto atendendo às pressões estaduais e municipais: de um lado, atribuiu aos municípios o imposto incidente sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos, a título oneroso e por atos inter vivos; de outro lado, outorgou aos Estados a instituição do imposto sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos retornando, nesse particular, ao sistema da Constituição de 1946 em que a transmissão de quaisquer bens corpóreos ou incorpóreos era tributada..


Fato gerador

O fato gerador desse imposto está definido, com maior amplitude, no artigo 35 do CTN, nos seguintes termos:

I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis, como definidos na lei civil;

II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos anteriores.

Como o fato gerador foi definido na vigência da ordem constitucional antecedente, quando o imposto era de competência estadual, pergunta-se, deverá a lei complementar definir especificamente o fato gerador deste imposto municipal? A Constituição Federal de 1988 prescreve em seu art. 146, III, letra a, que compete à lei complementar estabelecer a definição de tributos e de suas espécies, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Sabe-se que todas as leis estaduais sobre o adicional do imposto sobre a renda foram declaradas inconstitucionais por ausência de definição do fato gerador em nível de lei complementar. E aqui não iremos discutir se esse adicional é imposto novo, a exigir definição de fato gerador, ou se é o mesmo imposto já definido no art. 43. do CTN. Entendo dispensável definição específica do fato gerador do imposto municipal sobre transmissão de bens imóveis, primeiramente, porque o art. 35. do CTN restou recepcionado pela Constituição de 1998, que se limitou a subdividir o imposto em transmissão inter vivos a título oneroso, de um lado, e de outro lado, em inter vivos a título gratuito e transmissão causa mortis. Em segundo lugar, o preceito do art. 146,III, a, da CF não poderia ser interpretado com abstração do princípio maior, que é o princípio federativo, o qual, se constitui em uma das cláusulas pétreas referidas no § 4º do art. 60. da CF. Não se pode entender como possa o exercício do poder tributário, outorgado pela Carta Magna para assegurar a autonomia financeira, e, consequentemente, autonomia político-administrativa do Município, ficar na dependência da boa vontade do legislador infraconstitucional.

No Município de São Paulo, esse imposto foi implantado pela Lei nº 10.721, de 17 de janeiro de 1989, que, por padecer de graves defeitos, foi logo substituída pela Lei nº 11.154, de 30 de dezembro de 1991.

Segundo o art. 1º dessa lei o fato gerador do imposto é:

I. a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso:

a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física;

b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões;

II. a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.

Os conceitos de direito civil supra referidos são vinculantes para o Direito Tributário, pelo que, devem ser analisados à luz do direito privado.

Os bens imóveis por natureza são os definidos no art. 43, I, do CC, isto é, o solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo. As quedas d´água, bem como as riquezas do subsolo pertencem à União. Bens imóveis por acessão física, nos termos do inciso II do citado art. 43, compreendem tudo que o homem incorporar ao solo de forma permanente, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções, de modo que não se possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano. Os direitos reais são os definidos no art. 674. do CC, ou sejam, a enfiteuse(1), o usufruto, o uso, a habitação etc., com exclusão dos de garantia, como o penhor, a hipoteca e a anticrese(2). Cessão de direitos imobiliários, para fins de tributação, é equiparada à transmissão de propriedade imobiliária, porque, na prática, configura um verdadeiro instrumento de transmissão econômica de bens imóveis. Como o imposto é uma exação do tipo captação de riqueza, nada mais lógico do que eleger, como veículo de incidência tributária, atos ou fatos providos de conteúdo econômico.


Sujeito ativo

A competência impositiva desse imposto é do Município da situação dos bens imóveis a serem transmitidos e dos direitos a eles relativos (art. 156, § 2º, II da CF). Assim, irrelevante que a escritura aquisitiva seja lavrada em outro Município ou em outros Estado.


Sujeito passivo

O art. 42. do CTN deixou a critério de cada entidade política a eleição do contribuinte, que poderá ser qualquer uma das partes na operação tributada. A legislação paulistana, Lei n. 11.154, de 30 de dezembro de 1991, considera como contribuinte do imposto o adquirente em relação à transmissão de bens ou direitos, e o cedente, em relação à cessão de direitos decorrentes de compromissos de compra e venda. A maioria dos Municípios seguiram a mesma orientação.


Base da cálculo

Segundo o art. 38. do CTN a base de cálculo desse imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. O art. 7º da nossa lei municipal dispõe no mesmo sentido. Entretanto, o art. 8º da lei impõe a observância de uma valor piso, representado pelo valor venal do imóvel para efeito de lançamento do IPTU, atualizado desde 1º de janeiro até a data do instrumento de transmissão ou cessão. Ora é sabido que vários imóveis, por não terem sido vistoriados, não tiveram detectados os fatores desvalorizantes, ensejando a superestimação do valor venal para efeito do IPTU, causando uma distorção da realidade, agravada com a atualização monetária. Todos sabem que, numa conjuntura inflacionária, como aquela que antecedeu a implantação do plano real, a valorização inflacionária supera em muito a real valorização do imóvel. Esse critério legal conduziu a uma situação irreal, relativamente aos terrenos situados ao longo da marginal do rio Pinheiros, no trecho compreendido pela Zona de uso 1, onde o valor comercial é baixíssimo, quer em virtude da irregularidade topográfica, quer em razão do uso estritamente residencial em local de grande poluição sonora. Assim, entendo que o art. 8º encerra uma impropriedade, pois a base de cálculo só poderá ser o valor venal, como definido no art. 38. do CTN que, consoante doutrina pacífica, corresponde ao preço de venda do imóvel, à vista, em condições normais de mercado.

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O art. 24. da lei faculta o arbitramento do valor venal, sempre que houver fundada suspeita de que a transmissão operou-se pelo valor superior ao mencionado no título respectivo. Só que o seu parágrafo único assegura ao contribuinte a apresentação de avaliação contraditória, fato que implica, obviamente, na prévia notificação do sujeito passivo. A pretexto de arbitrar a Prefeitura vem procedendo ou a atualização do preço do compromisso de venda e compra ou a deflação do valor venal do imóvel desde o exercício da cobrança da suposta diferença até a data da ocorrência do fato gerador, numa e noutra hipótese, sem prévio conhecimento do sujeito passivo. Esse fato acabou ensejando a formação de duas correntes perante o 1º TAC: uma pela nulidade do lançamento suplementar por vício de procedimento e uma outra pela validade desse lançamento porque as duas formas de apuração do valor venal, que acabamos de mencionar, estariam albergadas no conceito de arbitramento. Temos para nós que sendo o lançamento um ato vinculado não há como deixar de observar o procedimento prescrito na lei, bem como que a atualização do valor do compromisso de venda e compra acaba se distanciando do fato gerador, que é a transmissão e não a promessa de transmissão de bens imóveis.


Alíquota

O Senado Federal não mais interfere na fixação de alíquota máxima, como acontecia no regime constitucional antecedente. O Município é livre para dosar a carga tributária. A lei do nosso Município instituiu alíquotas progressivas de 2% a 6% de conformidade com o valor venal. Manteve, entretanto, a alíquota fixa de 0,5% sobre o valor financiado pela SFH conforme prescrição do art. 8º do Ato Complementar n. 27/66 que, no nosso entender não foi recepcionado (art. 151, III da CF). Abordaremos a questão da progressividade, mais adiante, em tópico a parte.


Imunidade

A CF instituiu a imunidade tributária em relação a esse imposto, tornando insuceptível de tributação as transmissões decorrentes de conferência de capital, de fusão, de incorporação, de cisão ou de extinção de pessoas jurídicas, salvo se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, a locação de bens imóveis ou o arrendamento mercantil (art. 156, § 2º, I da CF).


Aspectos controvertidos

Examinemos em rápidas pinceladas alguns aspectos ligados à prática.

a) Incide o imposto sobre a aquisição da propriedade por usucapião?

Pela doutrina dominante, a transmissão pressupõe uma vinculação decorrente da vontade ou da lei entre o titular anterior (promitente) e o novo titular (adquirente). No usucapião não há transmissão, porque não há um alienante voluntário. Inexiste vínculo entre aquele que perde a propriedade e o que o adquire. Daí a originalidade da aquisição, isto é, o direito do usucapiente não se funda no título anterior. Por isso o STF considera inconstitucionais as leis que exigem o imposto nas aquisições por usucapião.

b) Outra dúvida consiste em saber se é constitucional a exigência do imposto, quando da outorga da escritura de compra e venda, como determina a legislação municipal.

É verdade que a transmissão só se opera com o registro do título de transferência na circunscrição imobiliária competente. Porém, é certo, também, que pela assinatura das partes no instrumento de transmissão ocorre a transferência econômica do bem, tornando certo a ulterior ocorrência do fato gerador, isto é, o registro desse instrumento. Ainda que o vício do título aquisitivo viesse a impedir o seu registro posterior, esse fato não teria menor relevância jurídica em face do que dispõe o art. 118. do CTN, segundo o qual, a definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, bem como da natureza de seu objeto ou dos seus efeitos. De qualquer forma, a Emenda 3/93, que introduziu a figura do fato gerador presumido, encerra a discussão pois convalidou eventual vício que a legislação municipal pudesse ter. Daí o caráter meramente acadêmico dessa discussão.

c) Existem, ainda, discussões quanto à constitucionalidade ou não das normas da legislação municipal, que impõem aos notários e oficiais de registro de imóveis uma série de obrigações acessórias, prescrevendo multas indexadas em UFMs, nas hipóteses de descumprimento.

Alguns estudiosos entendem que são inconstitucionais tais disposições, porque pelo art. 22, inciso XXV é da competência privativa da União legislar sobre registros públicos. Entendemos, no entanto, que não se trata de legislar sobre registros públicos, mas se estatuir obrigações acessórias. A entidade política competente para instituir determinado imposto tem competência, também, para estabelecer normas impondo, a terceiros relacionados com o contribuinte, a prática de ato ou a sua abstenção no interesse da fiscalização e da arrecadação desse imposto. As chamadas "guias de sisa", por exemplo, tem sido transcritas pelos notários em geral sem que, até hoje, ninguém tivesse questionado a sua exigência. As obrigações acessórias podem ser impostas pelo poder tributante inclusive em relação às entidades imunes.

d) Finalmente, examinemos a questão da progressividade de alíquotas.

Como se sabe, existem duas espécies de progressividade: a fiscal, fundada no interesse da arrecadação tributária (art. 145, § 1º da CF) e a extra-fiscal, fundada no poder de polícia para regular as atividades de competência da entidade tributante. Cada entidade política pode utilizar livremente o imposto de sua competência para regular matéria inserida no âmbito de suas atribuições. No entanto, o exercício do poder ordinatório, através de instrumento tributário, que era amplo, sofreu sérias restrições na Constituição de 1988, em relação ao IPTU (arts. 156. , § 1º e 182, § 4º, II da CF) que só poderá regular a função social da propriedade urbana, nada mais. Sem essas distinções não é possível o exame da progressividade de qualquer imposto.

Interessante notar, que os defensores da tese do efeito confiscatório da progressividade, reconhecem que o Texto Magno não previu limite de alíquotas para esse imposto. Assim, em princípio a alíquota poderia ser de 4% ou 6%.Insurgem-se apenas contra a progressividade de 2%., 4% e 6%.

Na jurisprudência duas teses diferentes foram acolhidas para condenar a progressividade.

No E. § 1º TAC foi declarada a inconstitucionalidade do art. 10, II da Lei nº 11.154/91 porque a progressividade deve ser prevista expressamente no texto constitucional, sendo de interpretação estrita sua prvisão incabível ampliação a impostos não beneficiados (Argüição de inconstitucionalidade nº 558.437.4/701). Essa decisão ensejou a edição da Súmula nº 45.

Verifica-se que o E. Tribunal examinou a questão sob a ótica da progressividade extra-fiscal para condená-la em face de não previsão expressa na Lei Maior, a exemplo do IPTU. Há que se ponderar, contudo, que o ITBI não se presta para regular a função social da propriedade, porque tem como fato gerador não o uso da propriedade, mas, a sua transmissão. O uso da propriedade urbana e não a sua transmissão pode conferir ou não a função social exigida pela Carta Política, nos termos da lei do plano diretor da cidade (art. 182, § 2º da CF). Outrossim, a progressividade do IPTU está prevista na Carta Magna para limitar o exercício do poder regulatório através desse imposto, ou seja, a progressividade só poderá ser desencadeada para assegurar a função social da propriedade urbana. O poder de polícia é inerente ao Poder Público tributante, de sorte que, não fora expressa previsão o Município poderia empregar o IPTU para regular qualquer atividade de competência local.

O STF, por sua vez, examinou a matéria sob o aspecto da progressividade fiscal, prevista no § 1º do art. 145. da CF, para concluir pela inconstitucionalidade das alíquotas progressivas, porque imposto de natureza real que é, não pode variar na razão presumível da capacidade contributiva do sujeito passivo (RE 234.105-SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Informativo STF, de 14-4-99).

Nota-se que a Corte Suprema partiu da classificação doutrinária, que distingue o imposto de natureza real do imposto de natureza pessoal. Hoje, essa classificação perdeu a nitidez, principalmente, a partir do advento da Súmula 539 do STF, que validou a redução do IPTU incidente sobre imóvel ocupado pela residência de proprietário, que não possua outro. Somente o exame do fato gerador em todos os seus aspectos permitirá classificar determinado imposto em real ou pessoal. No caso do ITBI, exatamente a graduação de alíquotas conferia a esse imposto o caráter pessoal. Com a supressão das alíquotas progressivas o imposto passou a ter natureza real, isto é, todos pagarão o mesmo percentual levando-se em conta exclusivamente a matéria tributável, ou seja, o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

Na verdade, a progressividade do ITBI tinha pleno amparo no § 1º do art. 145. da CF. Afinal, quem adquire um bem de valor venal expressivo revela, objetivamente, capacidade contributiva maior do que aquele que adquire um bem de diminuto valor venal. Por isso, concluimos que a rejeição do ITBI progressivo, sob a eiva de inconstitucionalidade, tem a sua verdadeira motifivação no caráter excessivo da carga tributária. Afinal, um imposto que, tradicionalmente, vinha sendo tributado pela alíquota máxima de 2%, da noite para o dia, teve o seu teto fixado em 6%, o que não é razoável. Diferente teria sido o resultado do julgamento em ambos os tribunais retro referidos se a progressividade iniciasse com 0,50% para findar com 2%. De fato, se se pode tributar com alíquota fixa de 2%, como ninguém contesta, difícil de objetar que sua alíquota não possa variar de 0,50% até 2% conforme o valor venal dos bens transmitidos, com fulcro no preceito programático do § 1º do art. 145. da CF.


Notas

  1. Dá-se a enfiteuse quando por ato entre vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro anual, certo e invariável, conforme art. 678. do CC.

  2. Ato do devedor de entregar ao credor um imóvel cedendo-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos, conforme art. 805. do CC.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1218, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1400. Acesso em: 22 nov. 2024.

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