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Limite da responsabilidade objetiva e subjetiva na prestação de serviços pelo profissional liberal

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Agenda 16/12/2009 às 00:00

4 A Responsabilidade do Profissional Liberal

Muitas profissões têm um regramento diferenciado, pois o profissional necessita de alguns pré-requisitos para o exercício de algumas atividades e, sem eles, não é possível ao profissional trabalhar. Esses requisitos geralmente são cursos técnicos, especializações, ou até mesmo um curso superior, dependendo esses critérios da área de atuação do profissional liberal.

Não se pode confundir o empresário com o profissional liberal, situação que é comum acontecer. Deve-se, então, tratar desta diferença, o que se torna fácil, já que o Código Civil, em seu artigo 966, diz quem é o empresário e, no parágrafo único, conceitua o empresário.

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Já o profissional liberal é aquele que exerce uma profissão, com autonomia, independente da escolaridade, tendo total autonomia técnica, mas pode-se colocar à disposição de um empregador, que pode utilizar-se de seus serviços, quando queira, embora não como queira. Isso porque o profissional liberal se submete aos regramentos do Código de Defesa do Consumidor, por ser considerada a prestação do seu serviço uma relação de consumo, e o profissional liberal neste caso é o fornecedor.

Mesmo tendo conhecimentos especializados para a sua área de atuação, muitas vezes o profissional pode cometer um dano para alguém, então terá de ser responsabilizado. A responsabilidade desses profissionais é subjetiva de acordo com o § 4° do CDC, que trata da responsabilidade dos profissionais liberais.

Relembrando que existe um bom motivo para não ter responsabilidade objetiva: não há contrato de adesão e também se trata de uma atividade exercida pessoalmente, mediante serviços negociados com certa igualdade entre as partes, diferente da relação que se dá no caso dos demais prestadores de serviços em massa.

Não se pode também esquecer que o profissional liberal poderá ter responsabilidade objetiva, pois a subjetiva é exceção e é somente para se aplicar nos casos de responsabilidade procedente de um acidente de consumo, e somente se oferece na defesa do consumidor, para o caso de responsabilidade pelo fato do serviço.

Então, podemos notar que, quando a responsabilidade for pelo vício do serviço, ou seja, quando o profissional liberal causar danos materiais, a sua responsabilidade será objetiva, então não precisa ser provada a culpa.

E também não podemos nos esquecer de que existe a inversão do ônus da prova, direito que o consumidor poderá usar contra o profissional liberal para que ele prove que não agiu com imprudência, imperícia ou negligência. Mas essa inversão não é automática, depende do critério do juiz que tem de analisar o contexto e conseguir a facilitação da defesa do consumidor quando for a alegação verossímil e o consumidor for hipossuficiente.

A inversão do ônus da prova se justifica por ter o profissional liberal vantagens sobre o consumidor, desde o conhecimento técnico ou científico até o domínio do serviço que ele oferece, conhecimento que o consumidor não tem.

4.1 Breve Relato Histórico

Sabe-se que já existe há muito tempo o trabalho, desde os primórdios através da pesca, da caça e até mesmo do plantio. No começo da civilização, não se tinha o objetivo de trabalhar para outros, e sim para garantir a subsistência pessoal e da família e só mais tarde começaram a ter algo mais parecido com o que se conhece hoje como trabalho.

Com a evolução do homem e da sociedade, as suas necessidades foram aumentando e então começaram as trocas. As pessoas trocavam entre si objetos e produtos de que precisavam, pois alguém, muitas vezes, produzia mais do que necessitava, mas continuava precisando de outras coisas, utilizando a troca para resolver as suas necessidades.

Ao longo do tempo, com as novas mudanças surgidas, novas maneiras de negociar também nasciam; alguns trocavam produtos por algum tipo de serviço e outros trocavam seus produtos ou serviços por moedas, outros objetos e até mesmo por outros serviços, chegando ao sistema de mercado que hoje a sociedade conhece.

Os produtos daquela época eram feitos manualmente, sendo que a produção era pequena. Por mais que, muitas vezes, conseguissem trocar ou vender seus produtos, não o eram em grande quantidade como ocorre hoje em dia. O investimento era maior na agricultura, mas, mesmo assim, não era amplo.

O que se entende atualmente como trabalho é o esforço físico ou intelectual com o intuito de realizar ou de fazer qualquer coisa, com a finalidade de produzir riqueza ou utilidade com valor pecuniário. E o trabalho não é obrigatório, na medida em que cada um decide se quer ou não trabalhar, porém, para a pessoa, viver em sociedade sem trabalho é praticamente impossível, pois teria de viver de doações para garantir sua sobrevivência.

Cada pessoa decide que profissão irá seguir, mas, muitas vezes, terá de preencher determinados requisitos para a profissão escolhida, assim já está especificado o direito fundamental de liberdade de exercício profissional, na Carta Magna Brasileira, no artigo 5°, inciso XIII: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

Uma das principais características do profissional liberal é ser autônomo e não subordinado a alguém. Isso significa ter domínio sobre os seus horários, seus dias de trabalho, quando e como irá trabalhar; seus conhecimentos também são especializados e outro detalhe importante: são pessoas físicas, citando como exemplos de profissionais liberais a manicure, o carpinteiro, o advogado, o médico, o dentista, o engenheiro, entre outros.

Sobre o momento histórico em que surgiu o profissional liberal, Luís Fernando Barbosa Pasquini (2005, p.1) salienta:

Torna-se difícil, se não impossível, precisar o marco histórico do surgimento da profissão liberal, já que inúmeros são os modos pelo qual essas profissões são exercidas. Pode-se dizer que sua origem surgiu concomitantemente com as necessidades humanas. Desde longa data, há sinais de atividades humanas que posteriormente seriam consideradas liberais. A titulo exemplificativo, podemos citar os magos ou feiticeiros, que mesmo antes de Cristo já preparavam poções ditas milagrosas, visando curar os enfermos das mazelas da época; os "guarda-livros", conhecidos atualmente como contadores e que tiveram sua origem juntamente com a expansão comercial; a atividade advocatícia que, como defesa de pessoas, direitos, bens e interesses, teria surgido no terceiro milênio antes de Cristo, na Suméria.

Aos poucos é que foram surgindo profissionais com conhecimentos específicos e importantes para determinadas profissões e, então, foi necessário regularizar algumas dessas profissões para que aquele que quisesse exercê-las fosse obrigado a ter esse conhecimento diferenciado, muitas vezes tendo de possuir curso profissional e até mesmo um registro.

Houve um tempo em que os profissionais liberais tinham tratamento diferenciado em relação a outros trabalhadores, mas, com a Revolução Francesa, os privilégios desapareceram com a idéia de que todos são iguais perante a lei.

Hoje em dia, muitas profissões, não só as liberais, têm regulamentos próprios, cursos apropriados para cada profissão e até mesmo algumas tem de possuir registro e são até mesmo fiscalizadas pelo Estado.

4.2 A Responsabilidade Civil Subjetiva do Profissional Liberal

Na esfera do CDC, o que é dominante é a responsabilidade objetiva, mas, como já foi dito no subtítulo anterior, existe uma hipótese de responsabilidade civil subjetiva, que é a responsabilidade dos profissionais liberais. Para que ocorra a responsabilidade subjetiva, é necessária a culpa do agente, neste caso o agente será o próprio profissional liberal.

A culpa se refere à responsabilidade apresentada a alguém que tenha provocado, por meio de um ato, prejuízo material ou moral a outrem, é claro que essa conduta se submete a uma avaliação da conduta daquele que provocou o dano. Também pode ser conceituada como uma falta de cuidado que produz danos, sendo requisitos: a negligência, a imprudência e a imperícia [16].

A principal diferença entre a culpa e o dolo é que neste o agente tem intenção de praticar fato danoso que determine a responsabilidade, pois ele tem má-fé, enquanto que na culpa não há qualquer intenção de praticar aquele fato que gera o dano, portanto não se fala em má-fé.

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Então, para que haja ressarcimento dos danos na esfera da responsabilidade subjetiva, é indispensável que a vítima prove a culpa do agente, o dano e também o nexo de causalidade. É por isso que existe a responsabilidade objetiva, que se difere da subjetiva, já que não é necessário que ocorra a culpa e também que se tenha de provar eventual culpa, baseando-se na teoria do risco.

Contudo, o profissional liberal não está sendo beneficiado por acaso: há um sentido importante em ele ser responsabilizado apenas subjetivamente. A responsabilidade objetiva é importante para a relação de consumo, visto que o consumidor fica muito vulnerável com a produção em massa por parte de grandes empresas, ao passo que o profissional liberal está em uma relação de certa igualdade com o consumidor, pois seus contratos não serão de adesão, assim como as empresas de grande porte estabelecem para o consumidor. Os contratos com os profissionais liberais são bilaterais, uma vez que, no momento de contratar os serviços do profissional liberal, o consumidor pode discutir como serão prestados os serviços e como será pago o trabalho, o que é difícil acontecer com as empresas.

É importante ressaltar que o profissional liberal não será só responsabilizado subjetivamente, também existem hipóteses em que terá responsabilidade objetiva, pois o CDC estabelece que somente se aplica a responsabilidade subjetiva nos casos de responsabilidade procedente de um acidente de consumo.

Então, como podemos perceber, não é possível ser aplicada a responsabilidade subjetiva para pessoa jurídica, já que o profissional liberal é uma pessoa física que presta serviço determinado e é autônomo.

4.3 A Nova Tendência no Exercício das Atividades Liberais

Antigamente, havia uma maneira diferente de fazer negócios: era com base principalmente na confiança. Não há mais aquele vínculo entre o consumidor e o profissional, pois hoje existem várias formas de atendimento através de secretárias, empresas e até mesmo da internet, o que não deixa aqueles tão próximos.

Havia uma forma diversa de contratar: os clientes escolhiam o profissional por quererem especificamente aquela pessoa, e era aquela pessoa que faria diferença no negócio, o que hoje nem sempre acontece, já que, muitas vezes, o profissional liberal é vinculado a uma determinada empresa, pode começar o trabalho, mas não terminar. Porém, isso não significa que todas as relações sejam assim; ainda existem aquelas que são intuitu personae [17].

Entende a doutrina que o profissional liberal pode ser empregado, bastando que eles tenham certa autonomia e, óbvio, que obedeçam a seus regramentos e aos princípios éticos e profissionais. Isso tem um excelente motivo: como as empresas, cooperativas, associações, etc. estão dominando o mercado, é difícil para eles conseguirem clientes e sobreviverem diante de grandes corporações, sem falar de como é complicado abrir um negócio, já que está cada vez mais caro e fazer isso sozinho é muito difícil.

Então, alguns profissionais se submetem a vincular-se a empresas, cooperativas, associações por necessidades evidentes, adquirir experiência, salário decente, clientes, enfim para conseguirem um lugar no campo de trabalho. Com a tecnologia e várias mudanças na sociedade, o profissional liberal tem de atuar com outros profissionais de área diferente ou até mesmo da sua área, que tenham uma especialização ou um conhecimento que falta para ele.

4.4 Dos Profissionais Liberais

Quem exerce determinada profissão tem de se portar de forma adequada a ela, tendo que, muitas vezes, como já foi dito, preencher certos requisitos e, muitas vezes, sem esses requisitos não é possível exercer a atividade escolhida.

A partir desse momento, tratar-se-á de alguns exemplos de profissionais liberais, quais são suas responsabilidades, o que devem fazer e o que não podem fazer em hipótese alguma.

4.4.1 Médico

Atualmente é muito comum se verem ações de indenização que provêm de responsabilidade médica e, quanto mais o tempo passa, ao invés de diminuírem essas ações, aumentam ainda mais. Isso decorre dos péssimos serviços proporcionados por muitos médicos, muitas vezes por não terem tido uma formação adequada ou pela falta de aparelhos e de remédios, ou até mesmo pela existência de hospitais inadequados, entre outros problemas.

A maior parte dos problemas decorre de uma medicina de massa e de uma sociedade que só se preocupa com valores econômicos e não mais com a vida das pessoas, como seria o ideal, e é nessa cultura com valores distorcidos que os médicos atuam.

Hoje é fácil conseguir informações sobre tudo o que se quiser, então as pessoas já tem um bom conhecimento sobre seus direitos e, além de saberem seus direitos, ainda conseguem acesso à justiça com muito mais facilidade e até mesmo sem precisar gastar nada, utilizando-se dos serviços da Defensoria Pública, embora ainda não seja o acesso à justiça no país o ideal nos termos dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal.

Sergio Cavalieri Filho (2009, p. 369) trata de alguns casos como exemplificação.

Selecionei alguns casos, colhidos da nossa jurisprudência, a título de ilustração. Um motorista de táxi, cerca de dois anos depois de ter sido submetido a uma cirurgia num hospital público, morreu de infecção generalizada causada por resto de material cirúrgico, gaze deixada em seu abdômen quando da cirurgia. Um jovem de 21 anos, estudante, vida sexual normal, tornou-se impotente após uma simples cirurgia de fimose. Já fez três cirurgias plásticas, sem sucesso; deverá ser submetido a mais uma tentativa de recuperar a normalidade da sua vida sexual, mas sem muita esperança. A perícia constatou que quando da cirurgia da fimose uma veia foi interrompida, impedindo a circulação do sangue, o que acarretou necrose do tecido da glande – o que é praticamente irreversível. Um cidadão sério e respeitável, que não queria expor-se a certos riscos, submeteu-se a uma cirurgia de vasectomia. Tempos depois foi surpreendido por uma ação de investigação de paternidade na qual ele era incluído como réu. Protestou, foi o primeiro a pleitear a prova pericial, confiante na cirurgia que havia feito. Qual não foi a sua decepção quando o exame de DNA o apontou como sendo o pai biológico do investigante! O pior é que esse cidadão era casado e sua mulher não tinha a menor noção das suas aventuras extramatrimoniais.

Para discutir acerca da responsabilidade médica, há que se considerarem duas situações: a primeira em que o médico presta serviço como profissional liberal e a segunda hipótese é quando a prestação de serviço é configurada como empresarial.

Para analisar a responsabilidade do médico, importa saber qual o tipo de obrigação que é gerado, se obrigação de meio ou de resultado, entendendo como obrigação de resultado aquela em que o devedor assume conseguir um resultado certo e determinado, enquanto que, na obrigação de meio, ele apenas admite colocar sua habilidade técnica, prudência e diligência para atingir um resultado sem se comprometer em conseguir alcançá-lo.

A obrigação de resultado tem a culpa presumida, tendo o profissional que reparar o dano causado por não ter atingido aquele resultado esperado, enquanto que, na obrigação de meio, tem de ser provada a inexistência de diligência do profissional.

A regra é que a responsabilidade do médico seja de obrigação de meio, pois é impossível que um médico assuma que vai conseguir determinado resultado com o paciente, já que existem muitos obstáculos que não teriam como ser superados, como uma doença terminal, por exemplo, mas ele também pode ser responsabilizado pela obrigação de resultado.

Nesse sentido, a jurisprudência tem se manifestado pela responsabilização do médico nos casos em que ocorre a imperícia do médico, como se pronunciou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisão da lavra do relator Accioli Freire:

Indenização – Responsabilidade Civil – Erro médico – Mamoplastia – Admissibilidade – Artigos 159, 948 e 1538 do Código Civil – Comprovada a imperícia do cirurgião – Culpa do réu decorre da não-observância à flacidez da pele da autora – Cirurgia que devia prever o resultado indesejado da deformação – Cirurgia embelezadora que recai em obrigação de resultado – Recurso não provido. A obrigação preexistente é a verdadeira fonte da responsabilidade, e deriva, por sua vez, de qualquer fator social capaz de criar normas de conduta (TJSP – AP. Cível 233.608-2, 9-6-94, Rel. Accioli Freire). Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 128).

Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 129) trata sobre isso.

O médico obriga-se a empregar toda a técnica, diligencia e perícia, seus conhecimentos, da melhor forma, com honradez e perspicácia, na tentativa da cura, lenitivo ou minoração dos males do paciente. Não pode garantir a cura, mesmo porque a vida e morte são valores que pertencem a esferas espirituais. Vezes haverá, no entanto, em que obrigação médica ou paramédica será de resultado, como na cirurgia plástica e em procedimentos técnicos de exame laboratorial e outros, tais como radiografias, tomografias, ressonâncias magnéticas etc. Desse modo como em toda a responsabilidade profissional que representa risco, a responsabilidade do médico será, em regra, aferida mediante o cauteloso exame dos meios por ele empregados em cada caso. Em Medicina, como em Direito, há casos semelhantes, mas não idênticos. Mesmo porque não existem pessoas iguais, embora a ciência já admita produzir clones.

Essa opinião tem o apoio de muitos autores, além da jurisprudência. Por motivos lógicos, um médico comum não tem como prever se o paciente irá reagir ou não ao tratamento, por mais que seja adequado aquele caso, enquanto que um cirurgião plástico terá como saber o resultado daquela cirurgia.

Será avaliado não apenas se o médico agiu com diligência, mas também se tinha equipamentos, estrutura física, pessoal, já que, muitas vezes, o atendimento será em um hospital público devendo então ser avaliada a condição e o que qualquer outro médico faria naquela situação.

O médico tem responsabilidade subjetiva, como já foi visto anteriormente, mas, como se sabe, a responsabilidade subjetiva é uma exceção que o CDC estabelece em seu artigo 14, § 4°, e essa restrição é apenas para o profissional liberal, não beneficiando a pessoa jurídica na qual ele trabalhe como empregado ou de cuja sociedade faça parte.

E não existe favorecimento algum, pois o médico ainda tem deveres a cumprir como o de informar ao paciente a condição de sua saúde, a possibilidade de cura, quais procedimentos serão utilizados para que melhore e quais os riscos que terá de enfrentar. Além disso, também poderá ser responsabilizado caso não atue com diligência. Também o dever de sigilo, de conselho e o dever de cuidado são destinados a este profissional.

A relação entre o médico e o paciente é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, como já se tem conhecimento, então a obrigação de dar todas as informações corretas e necessárias para o paciente não é apenas decorrência da profissão que exerce o médico, mas também é um dever que o próprio CDC estabelece. E Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 130) também discute a respeito.

O dever de informação, não fosse por si só inerente à atividade médica, é um dos direitos básicos do consumidor: informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem (art. 6 °, III). Com o devido temperamento, a norma aplica-se inelutavelmente à conduta e tratamento ministrados pelos médicos, odontólogos e profissionais afins. Essa aplicação do Código de Defesa do Consumidor à atividade médica independe do exame da natureza da responsabilidade, que é questão a ser examinada a posteriori, no caso concreto, tendo em vista ser ela subjetiva, quando se tratar de profissional liberal (art. 14, § 4 °).

Pode se perceber que é extremamente importante o dever de informação, já que o paciente é geralmente leigo e vulnerável, e sua procura por médico ocorre justamente quanto está doente, daí a necessidade de receber uma informação adequada e correta, o que poderá ajudá-lo a sair da situação em que se encontra. O que as pessoas enfermas buscam é o melhor que a medicina tem a oferecer.

De outra parte, muitas vezes não adianta em nada o consumidor ter a informação se não sabe o que fazer com ela, e é então que surge outro dever, o de conselho, que se configura em instruir o paciente acerca das prevenções necessárias pela condição em que se encontra.

O médico deve sugerir o tratamento ideal, além de ser indispensável aconselhar o paciente a se submeter a uma internação hospitalar e não em casa, caso haja necessidade, e advertir os riscos dos tratamentos ou até mesmo de não os fazer adequadamente. E se o paciente não tiver condições psíquicas de ter essas informações, o médico fica com o dever de informar aos familiares que têm responsabilidade sobre o doente.

Outro dever importante é o dever de cuidado: é quando o profissional negligencia as visitas ou não atende a um chamado do doente, quando existe essa necessidade e, se houver outro médico para substituí-lo, não configura a obrigação, desde que esse médico tenha também conhecimento necessário para atender ao paciente.

Para configurar a responsabilidade nesse sentido, é preciso que seja maliciosa essa falta de atendimento ao paciente, até mesmo querendo impor um preço alto para que ocorra a visita. Porém, não configura em outras hipóteses já que, muitas vezes, o médico está em cirurgia ou atendendo outro paciente ou até mesmo distante não podendo chegar a tempo de socorrer o doente, daí decorre a necessidade de ser avaliada cada situação.

E ainda resta o dever de sigilo, que o autor José de Aguiar Dias (2006, p. 346) explica muito bem.

Questão ligada à obtenção de informações, como acima relatada, é a da divulgação das informações recebidas do paciente ou apuradas no exercício da atividade médica, sendo, ainda aqui, restrita a liberdade do médico e, também, a do hospital. Cláudia Lima Marques e seus colegas citam caso de divulgação de resultado de exame para identificar o vírus da AIDS que resultou na condenação solidária do médico e do hospital, por danos materiais e morais, entendendo ter ocorrido quebra de sigilo a que ambos estavam obrigados. A decisão conta com nosso total apoio, já que o sigilo não é apenas dever imposto aos médicos e instituições hospitalares, mas direito do paciente, que há de ser respeitado, admitindo-se, quando muito, informações genéricas em situações especialíssimas, como, por exemplo, na hipótese de acidentes coletivos ou na de hospitalização de pessoas públicas.

É importante frisar que há situações em que o hospital poderá revelar a situação do paciente, contrariando a idéia do sigilo, como para a seguradora de saúde, pois até poderá não receber o pagamento pelos serviços caso não revele a situação real do doente. Claro que não é uma decisão absoluta, podendo ocorrer casos em que não será permitido expor a condição do paciente [18].

Além de cumprir com seus deveres, todos os atos do médico precisam respeitar a ética médica, que nada mais é do que a conduta que deve ser seguida com base em determinados princípios: todos os atos do ser humano são analisados em relação a outras pessoas.

A ética, de acordo com Silvio de Salvo Venosa (2008, p.141), pode ser entendida como:

A ética, como ciência, trata da moral e dos costumes, do mundo do dever-ser. Cuida do modo de proceder da pessoa dentro do grupo social. Daí existir uma ética profissional e, por conseguinte, a ética médica. Toda classe profissional necessita de instrumentos reguladores de suas atividades. No dizer de Fernando Antônio de Vasconcelos, ética profissional é o conjunto de princípios que regem a conduta funcional em determinada profissão (2002: 103). A ética agrupa conceitos que devem ser seguidos por determinado grupo social em determinado momento histórico. Esse compartimento da ciência social abrange conceitos sociológicos, psicológicos, econômicos e morais que devem orientar cada membro de um segmento social.

Essa conduta ética profissional, como se pode perceber, não é apenas do médico, mas sim de todas as profissões, cada uma com seu regramento e até mesmo uma forma de considerar, porém todas devendo ter condutas éticas.

Não se pode esquecer que o conceito de ética não é o mesmo em todo lugar, pois, como é baseada na moral e nos bons costumes, o que é certo em determinado lugar pode ser errado em outro, pois os costumes mudam totalmente para cada pessoa ou grupos de pessoas.

Como já é esperado, o principal mandamento dos médicos no Código de Ética é zelar pela vida e pela saúde do paciente, sem discriminação, estando isso até mesmo incluso no seu juramento de colação de grau.

O médico tem de agir de forma ética, além de satisfazer muitas obrigações, podendo ser até mesmo responsabilizado caso as descumpra. Além das obrigações e dos deveres discutidos, ainda existem outros que não foram mencionados, mas que geram também responsabilidade por parte dele. Depois desse breve estudo a respeito dos médicos, passa-se a estudar a realidade da atividade dos dentistas.

4.4.2 Odontólogo

No Brasil, a odontologia não é considerada como parte da medicina como acontece em outros países. Os odontólogos possuem obrigação de resultado, já que são mais previsíveis os resultados de um tratamento dentário. São exemplos de tratamentos com responsabilidade objetiva os serviços prestados pelo dentista quando faz um tratamento de canal, coloca uma jaqueta de porcelana ou até mesmo um implante no dente. Nesses procedimentos, é possível haver uma idéia do resultado do tratamento.

É evidente que existem também casos em que a obrigação será de meio quando, por exemplo, o dentista tenha de fazer um tratamento de emergência, até mesmo sem ter, muitas vezes, o consentimento da parte.

Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 153) cita algumas situações em que a responsabilidade do odontólogo gera uma obrigação de meio.

Nas últimas décadas, os equipamentos e recursos odontológicos desenvolveram-se expressivamente. Há, no presente, várias especialidades da odontologia. Há especialidades que se constituem claramente obrigações de resultado, como a restauração de dentes, a odontologia preventiva, a prótese dental e a radiologia. Outras situações, a exemplo da atividade médica, não admitem que se assegure um resultado, constituindo-se geralmente obrigação de meio, como a traumatologia buco-maxilo-facial, a endodontia, a periodontia, a odontopediatria, a ortodontia, entre outras, que merecem exame casuístico (Kfouri Neto, 1998:211). Os dentistas que podem realizar em seus consultórios ou em ambulatórios cirurgias passíveis de serem realizadas com anestesia local. Cabe à jurisprudência definir os contornos da atuação culposa do dentista.

Verifica-se, então, que dependendo da situação, a obrigação do odontólogo poderá ser de meio ou de resultado, assim como a do médico, não havendo possibilidade de generalização de todos os casos, tratando como se obrigação de resultado fossem, por mais que haja uma grande chance de o ser.

O dentista não pode aplicar anestesia geral, apenas a local; então, se por acaso tiver que, em determinada situação, o paciente ser submetido a anestesia geral, o procedimento terá de ser feito por um médico e não pelo dentista e, se ocorrer algum problema com relação à anestesia, quem será responsabilizado será o médico e não o dentista.

Não se pode pensar em responsabilizar o odontólogo por conseqüências da anestesia, nem por acidente decorrente da anestesia, pois quem tem responsabilidade nessa situação é o médico que anestesiou o paciente. Para responsabilizar o dentista por algum possível incidente que tenha decorrido por causa da anestesia, há que se provar a negligência ou imperícia dele.

4.4.3 Advogados

Antes de encerrar o capítulo, é necessário tratar brevemente sobre a responsabilidade do advogado, já que esta profissão está vinculada ao Direito, além de ser uma das atividades mais importantes na área jurídica, pois o advogado tem uma função fundamental, que é a de representar em juízo os jurisdicionados, devendo, assim como o médico, ter atos com base na conduta ética e no caso do advogado obedecer ao Código de Ética dos Advogados e também ao Estatuto da Advocacia e à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Para conseguir atuar na profissão, o advogado, além de ter curso superior também precisa ser inscrito na OAB e, para isso, necessita passar em um exame que essa instituição faz para saber se o advogado está ou não apto para atuar. O advogado não é obrigado a aceitar qualquer cliente; ele só aceita o caso se quiser, pois a Constituição Federal garante o direito à liberdade profissional.

A responsabilidade do advogado é contratual [19] em relação ao seu cliente e suas obrigações são defender o cliente e dar conselhos profissionais, porém, se for vinculado a uma empresa ou ao poder público, quem responde é a pessoa jurídica de direito público ou privado.

Quando aceita firmar um contrato com um cliente, o advogado está assumindo a responsabilidade que gera obrigação de meio, não de resultado, pois, mesmo que esteja bem fundamentada a peça e tenha direito, pode o juiz entender que não merece prosperar a ação. Então, não depende somente do advogado, e sim de um conjunto de requisitos, de provas, da decisão do juiz, do desenrolar do processo, enfim, não há como ele assumir um resultado.

Por mais que o advogado seja bom e se esforce, ele não pode prever o resultado, mas isso não significa que ele não tenha de demonstrar competência: ele tem a obrigação de defender seu cliente com o maior empenho possível, atenção e diligência, porém não se comprometerá em ganhar a causa.

Assim como no caso do médico, também a relação entre o cliente e o advogado é de consumo por ser este um profissional liberal e, portanto, já que é regrada pelo CDC têm de ser respeitados os princípios e deveres que o CDC estabelece, além dos que o próprio Código de Ética e o Estatuto que a profissão estabelece.

Alguns deveres e princípios merecem ser mencionados, tais como a boa-fé, a informação, a transparência e o sigilo profissional, Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 389) comenta sobre o assunto.

No exercício do seu mister o advogado, não há dúvida, é um prestador de serviços aos seus clientes, pelo que submete-se também aos princípios do Código do Consumidor, principalmente o da boa-fé (objetiva), da informação, da transparência e do sigilo profissional. Deve, por isso, prestar ao cliente aconselhamento jurídico cuidadoso, informá-lo dos riscos da causa e de tudo o mais que for necessário para o seu bom andamento e guardar segredo sobre fatos de que tenha tomado conhecimento no exercício de sua atividade profissional.

Esses são os mais presentes e freqüentes na relação do advogado e cliente, não podendo se restringir apenas a esses princípios e obrigações, existindo ainda obrigações como agir com cautela e atenção, comunicar o andamento do processo e também prestar contas do que recebeu ou não, entre outras.

O advogado não irá responder simplesmente por não ter obtido êxito na lide, ele tem de ter agido com dolo ou culpa. Também será responsabilizado se agiu com desídia, perdeu prazo ou demorou a propor a ação, causando, por isso, prejuízos ao cliente.

Para conseguir adquirir o direito à indenização, o consumidor terá de provar que, com certeza, a vantagem perdida resultou em prejuízo, devendo o juiz ponderar e analisar se realmente a perda daquela oportunidade faria a diferença ao lesado.

Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 264) trata brevemente a respeito de um caso em que o advogado demorou a propor uma ação trabalhista e disso resultou o arquivamento do processo. Nesse caso, ocorreu perda da chance por culpa do advogado.

(...) na perda da chance por culpa do advogado, o que se indeniza é a negativa de possibilidade de o constituinte ter seu processo apreciado pelo judiciário, e não o valor que eventualmente esse processo poderia propiciar-lhe no final. O mesmo se diga quando a parte se vê obstada de seu processo ser revisto em segundo grau, porque o advogado deixa de interpor recurso.

Quando se configura essa perda, surge o dever de indenizar, e essa indenização levará em consideração a potencialidade da perda e não a perda efetiva.

Sobre a autora
Suellen Kathlen Teixeira

Advogada. Pós-graduada em Direito Público, pela Faculdade Meridional - IMED. Pós-graduanda em Direito Tributário pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Suellen Kathlen. Limite da responsabilidade objetiva e subjetiva na prestação de serviços pelo profissional liberal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2359, 16 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14027. Acesso em: 4 nov. 2024.

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