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Medidas de urgência em sede arbitral

Agenda 17/12/2009 às 00:00

A arbitragem, atualmente, está sendo cada vez mais requisitada para dirimir litígios provenientes do meio coorporativo, em função das inúmeras vantagens que apresenta em relação ao Poder Judiciário, contudo dúvidas emergem quanto à efetividade da mesma diante de situações que demandam providências imediatas para evitar perigo de dano irreparável ou assegurar a efetividade da decisão a ser proferida ao fim do litígio.

Inicialmente, cumpre conceituar a arbitragem como um meio extrajudicial privado para solução de litígios, em que as partes escolhem livremente um ou mais árbitros para solucionar a querela decorrente exclusivamente de direitos disponíveis, tendo a decisão final natureza de sentença judicial.

Neste sentido a doutrina pátria:

"A arbitragem é a instituição pela qual as pessoas capazes de contratar confiam a árbitros, por elas indicados ou não, o julgamento de seus litígios relativos a direitos transigíveis. Esta definição põe em relevo que a arbitragem é uma especial modalidade de resolução de conflitos; pode ser convencionada por pessoas capazes, físicas ou jurídicas; os árbitros são juízes indicados pelas partes, ou consentidos por elas por indicação de terceiros, ou nomeados pelo Juiz, se houver ação de instituição judicial de arbitragem; na arbitragem existe o ‘julgamento’ de um litígio por ‘sentença’ com força de coisa julgada." (Alvim, José Eduardo Carreira. Tratado Geral da Arbitragem. Belo Horizonte. Mandamentos. 2000)

Ao firmar cláusula compromissória no sentido de dirimir litígios cujo objeto sejam direitos disponíveis, as partes, em que pese poderem renunciar a estes, não estão abrindo mão do direito de ver esta lide solucionada, pois apenas compuseram no sentido de eleger um terceiro para dirimir o conflito que não o Poder Judiciário, sendo tal decisão livre plenamente constitucional e válida.

Corroborando com este entendimento a doutrina abaixo transcrita:

"A interpretação falaciosa de que a arbitragem reduziria a abrangência do Poder Judiciário, pelos efeitos de impedir o exame pelo Juiz das demandas a ela submetidas, levou, no Brasil, a sustentar-se a tese de que a arbitragem seria inconstitucional, por ferir a norma tradicional no Direito brasileiro de que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’ (CF, art. 5º, XXXV). Ora, a prevalecer tal entendimento, qualquer ato de resolução de controvérsia (uma renegociação, uma transação extrajudicial, uma confissão, uma cessão de direitos...) somente seria válido se validado pelo Juiz! Na verdade a jurisprudência do STF já admitiu, conforme examinado no presente trabalho, que a solução pela via arbitral de pendências de caráter patrimonial e transigíveis não representa qualquer violação da norma constitucional." (Soares, Guido F. S. Arbitragens Comerciais Internacionais no Brasil. RT.)

"O mesmo sucede se essas pessoas em conflito, em lugar de se comporem mutuamente, deliberarem entregar ao Juízo de outrem a resolução do litígio para apaziguamento da controvérsia e contenda. Assim como o Estado, por estar em foco o direito disponível, deixa que os interessados solucionem, através da transação, suas desinteligências recíprocas, nada há de estranhável que, também, autorize, esses mesmos interessados, a submeterem a resolução do conflito a outras pessoas, em lugar de o levarem, através da propositura da ação, a juízes e tribunais. Nem há com isso transgressão ao artigo 141, §4º da Constituição Federal, ou infringência do princípio do Juiz natural. O direito individual, no caso, passa a ser, tal como na transação, aquele que, em virtude do acordo consubstanciado no compromisso, foi definido no laudo arbitral. O caráter disponível da relação contenciosa propiciava a alteração, por vontade dos interessados, que o laudo arbitral criou, assim como a que a transação teria trazido, se esta tivesse sido instrumento compositivo do litígio." (Marques, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 1ª Edição. Rio de Janeiro.)

Insta frisar que as discussões versando sobre a constitucionalidade e legalidade da lei da Arbitragem e suas consequências foram absolutamente afastadas por meio do julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, da Sentença Estrangeira nº 5206, que houve por bem declarar a constitucionalidade da Lei 9.307/96, nos termos da ementa abaixo transcrita:

"Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do Juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial especifica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV).

Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao Juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal." (destacamos)

Pelo didatismo dos ensinamos declarados em sede de discussão Plenária do STF, cumpre registrar o voto do Ministro Sepúlveda Pertence:

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"Não creio que – com relação às primeiras – as sentenças arbitrais brasileiras – à sua equiparação às sentenças judiciais se possa opor a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário.

O que a Constituição não permite à lei é vedar o acesso ao Judiciário da lide que uma das partes lhe quisesse submeter, forçando-a a trilhar a via alternativa da arbitragem (Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao C.Pr. Civil, Forense).

O compromisso arbitral, contudo, funda-se no consentimento dos interessados e só pode ter por objeto a solução de conflitos sobre direitos disponíveis, ou seja, de direitos a respeito dos quais podem as partes transigir

." (destacamos)

Assim, analisando as normas legais inerentes e correlatas ao instituto da arbitragem, tem-se que a sustentação da constitucionalidade do procedimento arbitral repousa essencialmente na voluntariedade do acordo bilateral mediante o qual as partes de determinada controvérsia, embora podendo submetê-la a decisão judicial, optam por entregar a um terceiro, particular, a solução da lide, desde que esta, girando em torno de direitos privados disponíveis, pudesse igualmente ser composta por transação.

Esclarecida esta premissa, cabe afirmar que no intuito de expressar a forma e princípios que deveriam reger os litígios a serem dirimidos através da arbitragem, a Lei Federal n° 9.307 de 23 de setembro de 1996, veio disciplinar a matéria, e assim fez constar em seu artigo 4º:

"Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato"

As vantagens da arbitragem são inúmeras, primeiramente se pode destacar o fato do dissídio surgido ser dirimido por pessoa com profundos conhecimentos técnicos sobre a matéria em debate, bem como a celeridade para proferimento da Sentença Arbitral, que possui o mesmo caráter vinculante de sentença judicial, sendo que esta não é passível de recurso ao Poder Judiciário [01], o que torna o procedimento ainda mais célere.

Porém, uma vez que o árbitro não possui o denominado imperium [02]característico dos Juízes togados, as partes, após a prolatação da sentença arbitral deverão encaminhar esta ao Poder Judiciário, para que este determine o cumprimento compulsório do quanto decidido pelo Tribunal Arbitral.

Todavia, situação que merece análise surge quando as partes litigantes necessitam de uma tutela urgente, sob pena de dano grave irreparável, antes, ou após a instauração do Tribunal Arbitral.

Nos termos acima referidos, ao árbitro falta o poder de impor a sua decisão em caráter imediato, assim, questiona-se: como deverá proceder a parte que necessita de uma tutela urgente a fim de evitar imensurável prejuízo ou a ineficácia da sentença final a ser proferida?

A Lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem), antevendo esta hipótese dispôs em seu artigo 22, §4º [03], que, caso após a instauração do Tribunal Arbitral [04] seja necessário um provimento urgente, o árbitro poderá o determinar, encaminhando sua decisão ao Judiciário para que este exija o seu imediato cumprimento.

Contudo, há uma lacuna na Lei acerca da hipótese do contrato obter cláusula compromissória, mas a necessidade da tutela urgente ocorrer antes da instauração do Tribunal Arbitral.

Neste caso a parte teria de aguardar todo o ínterim necessário à conclusão da instauração do Tribunal Arbitral, correndo grave risco de sofrer um prejuízo irreparável? Logicamente que não.

O artigo 5º, XXXV [05] da Constituição Federal determina como direito fundamental a toda pessoa, o direito de apreciação de lesão ou ameaça a direito pelo Poder Judiciário.

Assim, em que pese os contratantes terem optado pelo Juízo Arbitral para dirimir conflitos provenientes da relação jurídica mantida, este procedimento, em função do trâmite para instauração, não será capaz de evitar a lesão ao direito que irá ocorrer de forma iminente, sendo evidente que o artigo acima referido cravou como garantia fundamental o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.

Corroborando com este entendimento, cabe transcrever trecho extraído de Parecer formulado pela Dra. Selma M. Ferreira Lemes [06]:

"É importante notar, ainda, que a convivência entre a instância arbitral a judicial se operaria mesmo que nada estivesse disposto na lei de arbitragem, haja vista a aplicação do princípio constitucional da tutela jurídica efetiva. Sempre, existindo convenção de arbitragem, seria possível o socorro prévio do Judiciário, fosse na fase inicial em que a demanda arbitral ainda não estivesse instaurada, ou no curso do processo arbitral." (Selma Maria Ferreira Lemes. Parecer Medidas Cautelares Prévias à Instituição da Arbitragem. Análise à luz do artigo 19 da Lei de Arbitragem) [07]

No mesmo sentido, o posicionamento do Dr. Carlos Alberto Carmona [08]:

"Resta ainda por analisar uma última situação: o que fazer se houver necessidade de medida de urgência antes de instituída a arbitragem?

Tive oportunidade de manifestar-me, já sob a égide da nova Lei, acerca do assunto. Disse então – e repito agora – que a questão deve ser dirimida com a invocação de tradicional princípio do direito luso-brasileiro, segundo o qual quando est periculum in mora incompetentia non attenditur. Dito de outro modo, as regras de competência podem ser desprezadas se houver algum obstáculo que impeça a parte necessitada de tutela emergencial de ter acesso ao juízo originariamente competente, o que aconteceria na hipótese de a parte interessada não poder requerer a medida cautelar ao árbitro (como deveria) pelo simples fato de não ter sido ainda instituída a arbitragem (os árbitros ainda não aceitaram o encargo, art. 19 da Lei). Diante de tal contingência, abre-se à parte necessitada a via judicial, sem que fique prejudicada a arbitragem, apenas para que o juiz togado, cabendo aos árbitros, tão logo sejam investidos no cargo, manter, cassar, ou modificar a medida concedida." (Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei 9.307/96. 2ª Edição. São Paulo. Atlas. 2004.)

Assim, ressalta-se que uma vez instaurado o Tribunal Arbitral, com a aceitação dos árbitros indicados nos termos do artigo 19 da Lei 9.307/96 [09], deverá o Poder Judiciário providenciar a remessa dos autos da medida preventiva ao referido Tribunal, para nova apreciação do pleito de urgência, conforme já pacificado pela jurisprudência pátria:

"EMENTA: AÇÃO CAUTELAR INOMINADA PREPARATÓRIA -- CLÁUSULA ARBITRAL - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO JUÍZO ESTADUAL - POSSIBILIDADE - DEFERIMENTO DA MEDIDA - POSTERIOR AJUIZAMENTO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL - REMESSA DOS AUTOS AO ARBITRO PARA MANUTENÇÃO OU NÃO DA TUTELA CONCEDIDA. Sendo a medida CAUTELAR aviada antes de instaurada a ARBITRAGEM é cabível ao juízo estatal a concessão da medida perseguida, devendo, contudo, serem os autos remetidos ao juízo arbitral para que o mesmo aprecie a manutenção ou não da tutela concedida assim que iniciado o procedimento arbitral. De ofício, determinaram a remessa dos autos ao juízo arbitral para manutenção ou não da tutela concedida." (TJ/MG Agravo nº 1.0480.06.083392-2/001 – Relator Des. Domingos Coelho)

"EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO - JUÍZO ARBITRAL - INSTAURAÇÃO.

Não obstante a eleição da ARBITRAGEM como meio de solução de conflitos, a ação CAUTELAR de sustação de protesto, se ainda não instaurado o juízo arbitral, poderá ser ajuizada perante juiz estatal, que, comunicado da instauração do juízo arbitral, providenciará a remessa dos autos para a devida apreciação da manutenção ou não da tutela concedida." (TJ/MG Agravo nº 2.0000.00.410533-5/000. Relator Des. Alvimar de Ávila)

"EMENTA: AGRAVO INOMINADO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO- AÇÃO CAUTELAR INOMINADA PREPARATÓRIA - CLÁUSULA ARBITRAL - AJUIZAMENTO NO JUÍZO ESTADUAL - POSSIBILIDADE - INDEFERIMENTO DA MEDIDA - AGRAVO DE INSTRUMENTO - EFEITO ATIVO CONCEDIDO - CIÊNCIA DA POSTERIOR INSTAURAÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL - INCOMPETÊNCIA SUPERVENIENTE DA JUSTIÇA ESTATAL - REMESSA DOS AUTOS AO ARBITRO PARA MANUTENÇÃO OU NÃO DA TUTELA CONCEDIDA." (TJ/MG - Agravo n° 1.0024.07.600275-7/002 Relator Des. Elias Camilo)

Desta maneira, conclui-se que o Poder Judiciário é competente para apreciar pedido de tutela de urgência, na pendência da instauração do procedimento arbitral, sendo que após o deferimento, ou não, do pleito imperativo requerido, o Juiz determinara a remessa do processo ao Juízo Arbitral para que este prossiga com as diligências necessárias à solução final do litígio.


Notas

  1. Com exceção dos casos previstos no artigo 32 da Lei 9.307/96, sendo atacáveis apenas nulidades formais da decisão e não o seu mérito.
  2. Poder de constrição inerente ao Juiz togado.
  3. Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.
  4. § 1º O depoimento das partes e das testemunhas será tomado em local, dia e hora previamente comunicados, por escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros.

    § 2º Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem.

    § 3º A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral.

    § 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.

    § 5º Se, durante o procedimento arbitral, um árbitro vier a ser substituído fica a critério do substituto repetir as provas já produzidas.

  5. Nos termos do artigo 19 da Lei 9.307/96, a arbitragem somente é considerada instituída após a aceitação do encargo pelo árbitro, ou árbitros nomeados pelas partes, procedimento este que demanda certo tempo, tendo em vista que primeiramente o árbitro deverá ser escolhido, posteriormente indicado e após estes atos, caso não ocorra a recusa, aceitar a indicação.
  6. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
  7. (...)

    XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

  8. Mestre em Direito Internacional – Pós-Graduação. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo FADUSP, 2000.
    Doutora em Integração da América Latina - Universidade de São Paulo – PROLAM/USP. 2005.
    Membro da Comissão Relatora do Anteprojeto de Lei sobre Arbitragem (Projeto nº 78/92 - Senado e Câmara dos Deputados nº 4.018/93). Lei nº 9.307/96.
  9. http://www.selmalemes.com.br/artigos/artigo_juri29.pdf
  10. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo.
  11. Membro da Comissão Relatora do Anteprojeto de Lei sobre Arbitragem (Projeto nº 78/92 - Senado e Câmara dos Deputados nº 4.018/93). Lei nº 9.307/96.

  12. Art. 19. Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários.
Sobre o autor
Pedro Magalhães Humbert

Advogado, Formado na Universidade Católica de Salvador, Pós-graduando em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (EDESP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMBERT, Pedro Magalhães. Medidas de urgência em sede arbitral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2360, 17 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14034. Acesso em: 22 dez. 2024.

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