4.Conclusão
Em conclusão, pode-se assinalar que o dispositivo legal em questão (§ 3º do art. 515 do Código de Processo Civil) consagrou o princípio da causa madura, permitindo não apenas maior celeridade processual, mas também menor desgaste do aparelho judiciário. Ele é plenamente compatível com o princípio do duplo grau de jurisdição (cuja conformação depende do legislador ordinário), não encontrando óbice na proibição da reformatio in pejus (uma vez que o próprio jurisdicionado assume o risco de ter o mérito de seu recurso denegado, caso assim queira).
Por fim, embora a Corte Suprema não sufrague tal entendimento, tem-se que o aludido preceito de lei deve ser aplicado também aos recursos ordinários em mandado de segurança, seja em prol da efetividade processual e da razoável duração dos processos, seja porque tal recurso é análogo ao recurso de apelação, estendendo-se-lhe desta forma as suas disposições.
Notas
- Posteriormente, a Lei 11.276/2006 acrescentou o § 4º ao aludido artigo, mas tal dispositivo não será discutido neste trabalho.
- "Diferente o direito reinol: em regra, provida apelação contra sentença terminativa, ao tribunal competia, em vez de mandar "tornar o feito ao juiz, de que foi apelado", ir "por ele em diante e julgá-lo finalmente" (Ord. Filip., L. III, Tít. LXVIII, princ.). É o caminho trilhado, agora, pela Lei nº 10.352, que tem, como se vê, antecedente remoto." (Barbosa Moreira, José Carlos in Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565./José Carlos Barbosa Moreira – Rio de Janeiro, Forense, 2004, pág. 429)
- Registre-se que após a Lei 10.352/2001, a Emenda Constitucional nº 45/2004 inseriu o inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição da República, que explicita a necessidade de se buscar meios que garantam a razoável duração dos processos judiciais e administrativos.
- Barbosa Moreira fala ainda de outros pressupostos para aplicação do dispositivo processual ora comentado: "O § 3º, cumpre registrar, não se aplica a todos os casos de apelação contra sentença terminativa. Antes de mais nada, convém explicitar três pressupostos que não figuram no texto, talvez porque considerados intuitivos:
- Neste sentido, confira-se: "Destarte, o ponto central da expressão é a necessidade ou não de retorno dos autos à primeira instância para julgamento do mérito, razão pela qual a reforma processual poderia ter sido mais clara nesse sentido, consagrando os casos que envolvem matéria de fato já provado ou mesmo incontroverso. Aliás, oportunas são as observações levantadas por Pedro Luiz Pozza quando afirma que:
- "...para que reste aplicada a regra do § 3º do art. 515 do CPC, é preciso que o apelante, em suas razões recursais, requeira expressamente que o tribunal dê provimento ao seu apelo e, desde logo, aprecie o mérito da demanda. Caso o apelante requeira que, após o provimento do recurso, sejam os autos devolvidos ao juízo de primeira instância para análise do mérito, por ignorância da nova regra ou por lhe ser mais conveniente, não poderá o tribunal, valendo-se do § 3º do art. 515 do CPC, adentrar no exame do mérito, sob pena de estar julgando extra ou ultra petita."(Cunha, Leonardo José Carneiro da in Inovações no Processo Civil (Comentários às Leis 10.352 e 10.358/2001), São Paulo, Dialética, 2002, págs. 85/86)
- Note-se que o caput do art. 515 assinala que a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada Por sua vez, o art. 512 dispõe que a decisão do tribunal substituirá a decisão atacada no que tiver sido objeto de recurso. Portanto, se o mérito não foi abordado na apelação, ele não foi devolvido ao tribunal, que não poderá julgar objeto que vai além daquele que foi impugnado no recurso.
- Neste sentido:
é preciso, obviamente, que a apelação seja admissível; se não o for, a única possível atitude do órgão ad quem será a de não conhecer do recurso, e nisso se exaurirá sua atividade cognitiva;
a sentença apelada deve ser válida; se o tribunal lhe achar vício invalidante, tem de declará-la nula e devolver os autos à primeira instância, para que outra se profira (exemplo: incompetência absoluta do juiz que a prolatou);
é mister que, aos olhos do órgão ad quem, não exista (ou já não subsista) o impedimento visto pelo órgão a quo ao exame do mérito, nem qualquer outro, conhecível de ofício ou alegado e rejeitado, mas não precluso (exemplo: o juiz deu pela ilegitimidade ad causam do autor, e o tribunal discorda, porém verifica existir coisa julgada)."(Barbosa Moreira, José Carlos in ob. citada, pág. 430).
"O legislador foi extremamente infeliz na redação do dispositivo, pois bastaria, para permitir a incidência da hipótese prevista no novo § 3º do art. 515, exigir, como requisito para a apreciação do mérito pelo tribunal, ao reformar sentença que não examinou o meritum causae, que a causa estivesse madura. Quer dizer: se a causa versar questão exclusivamente de direito, sempre poderá o tribunal suprimir o primeiro grau de jurisdição; porém se a causa versar, também, questões fáticas, a supressão poderá ocorrer, da mesma forma, desde que a instrução da lide esteja concluída, ou seja, reste esgotada integralmente a dilação probatória."
Na verdade, a reforma poderia ter sido melhor se, ao invés de correlacionar duas situações, mencionasse apenas condições de imediato julgamento." (Mouta Araújo, José Henrique in Revista Dialética de Direito Processual nº 8, Novembro de 2003, Oliveira Rocha – Comércio e Serviços Ltda., pág. 73)
"EMENTA: - Depósito para recorrer administrativamente. - Em casos análogos ao presente, relativos à exigência do depósito da multa como condição de admissibilidade do recurso administrativo, esta Corte, por seu Plenário, ao julgar a ADI 1.049 e o RE 210.246, decidiu que é constitucional a exigência desse depósito, não ocorrendo ofensa ao disposto nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Carta Magna, porquanto não há, em nosso ordenamento jurídico, a garantia ao duplo grau de jurisdição. Por isso mesmo, também o Plenário deste Tribunal, ao indeferir a liminar requerida nas ADIMCs 1.922 e 1.976, se valeu desse entendimento para negar a relevância da fundamentação da inconstitucionalidade, com base nesses dois incisos constitucionais acima referidos, da exigência, para recorrer administrativamente, do depósito do valor correspondente a trinta por cento da exigência fiscal definida na decisão recorrida. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. - Por outro lado, inexiste ofensa ao artigo 5º, XXXV, "a", da Constituição, porquanto, no caso, não há pagamento de taxa, mas a exigência de depósito de parcela do valor da exação. Recurso extraordinário conhecido e provido." (g.n.) (RE 356287, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 19/11/2002, DJ 07-02-2003 PP-00047 EMENT VOL-02097-07 PP-01334)
Confira-se ainda: RHC 80.919 – SP – Rel. Min. Nelson Jobim; AI 2486761 – RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão; RHC 79785 – RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, AI 513044 AgR, Relator Min. Carlos Velloso, dentre outros. Saliente-se ainda que o princípio do duplo grau de jurisdição está previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (da qual o Brasil é signatário) como garantia no processo penal.
E ainda, no mesmo sentido: HC 88420, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, AI 601832.
I - pelo Supremo Tribunal Federal, os mandados de segurança, os habeas data e os mandados de injunção decididos em única instância pelos Tribunais superiores, quando denegatória a decisão; (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)
II - pelo Superior Tribunal de Justiça:(Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)
a)os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão" (g.n.)
Ora, a competência originária do STJ está, precisamente, definida nas hipóteses do inciso I do art. 105 da Constituição Federal, não sendo possível que uma norma legal altere, modifique ou amplie aquele rol. É que, como exsurge elementar, as competências constitucionalmente fixadas constituem normas de interpretação estrita, não sendo legítimo ao legislador infraconstitucional alterá-las. Assim, impetrado, por exemplo, um mandado de segurança, originariamente, num tribunal de justiça contra o Governador do Estado ou impetrado um remédio heróico, originariamente, perante um TRF contra um juiz federal ou contra membro do próprio TRF, não deve o STJ assumir tal competência e, aplicando o § 3º do art. 515 do CPC, julgar, originariamente, a causa, eis que essas não são hipóteses previstas nas alíneas do referido inciso I do art. 105 da Constituição da República. Essa, aliás, foi a razão que fundamentou a edição da Súmula 41 do STJ, que assim dispõe: "O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de outros tribunais ou dos respectivos órgãos."
Todas essas considerações atinentes ao recurso ordinário em mandado de segurança para o STJ aplicam-se, igualmente, à apelação interposta contra sentença de juiz de primeira instância. Isso porque a competência originária dos tribunais de justiça está fixada na respectiva Constituição Estadual, não devendo sofrer alteração por lei ordinária federal, em razão da necessidade de obediência ao pacto federativo. No tocando à Justiça Federal, a restrição parece ser a mesma, eis que a competência originária dos tribunais regionais federais está prevista, especificamente, no art. 108 da Constituição Federal, não devendo haver alteração por norma infraconstitucional.(...)
Tudo leva a crer, portanto, que o § 3º do art. 515 do CPC não se aplica à apelação nem ao recurso ordinário em mandado de segurança, sob pena de haver desrespeito às regras constitucionais de competência." (Carneiro da Cunha, Leonardo José in ob. citada, págs. 76/77)
RMS. ART. 515, § 3º, CPC.
Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo Estado-membro que se sentiu atingido pela sentença que isentou de IPVA a instituição financeira, em ação de busca e apreensão na qual o credor fiduciário pleiteia a recuperação de veículo alienado a devedor fiduciante, pois deixou de pagar as prestações de operação de compra e venda com alienação fiduciária em garantia. A Turma entendeu que, não intimado do acórdão, não se poderia exigir do Estado o conhecimento da referida ação e, consequentemente, a interposição de recurso contra a sentença. Logo, aplica-se o Súm. n. 202 do STJ. Entendeu, ainda, que, quanto ao mandado de segurança devidamente instruído e extinto sem julgamento de mérito, não pode este Superior Tribunal, após afastar a extinção, continuar a julgar a causa e apreciar o mérito da ação mandamental, pois, se assim o fizesse, atrairia para si a competência do Tribunal estadual, uma vez que compete a ele processar e julgar o mandado de segurança contra ato tido por ilegal do juiz de primeiro grau. Assim, não se aplica o art. 515, § 3º, do CPC ao recurso ordinário em mandado de segurança, pois se trata de competência constitucional. Precedente citado do STF: EDcl no RMS 24.309-DF, (g.n.) DJ 30/4/2004. RMS 27.368-PE, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 17/3/2009.