6. Ausência de informação e aumento da pobreza social
A ausência de informação e educação ambiental no Brasil é ostensiva e conflitante com a legislação já vigente sobre o tema. Somente através da educação e o acesso às informações sobre o meio ambiente, os indivíduos poderão participar do processo de tutela preventiva de danos. É mister conhecer o perigo da degradação ambiental, os recursos naturais disponíveis, a possibilidade de renovação destes recursos e o impacto ambiental do desenvolvimento econômico. Esclarece Lucivaldo Vasconcelos Barros, que:
"A Constituição Federal procurou dar ao meio ambiente a proteção necessária conferindo a todos a responsabilidade pela defesa de um meio ambiente sadio, não só para a presente, mas também para futuras gerações, convidando o cidadão a participar desse processo.
Previu igualmente, ao longo de seu texto, de forma genérica, o direito de acesso à informação pública e, ao estabelecer no caput do art. 225, I, e IV, que em caso de instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, seja exigido pelo Poder Público Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), dando publicidade a toda sociedade por meio de divulgação das informações ambientais contidas no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).
Na verdade a Constituição de 1988 tratou de recepcionar o direito à informação ambiental que já constava como um dos objetivos da Política nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), como forma de assegurar a todo cidadão o conhecimento de atividades potencialmente causadoras de impactos ambientais."[21]
O Estado possui o dever de informar e educar. A ingerência nesta seara, por si só, já abarca o campo da responsabilidade civil. Com muito mais razão, também, a omissão dolosa quanto ao acesso à informação de assuntos relevantes e de grande repercussão nacional, causadores de graves danos ao meio ambiente e à saúde humana, o que certamente, culminará no aumento da pobreza social.
O desenvolvimento sustentável parte da premissa de um desenvolvimento responsável, com a tutela do Estado e de seus administrados, onde cada qual possui sua parcela de contribuição, fiscalização e proteção. Na medida que cada cidadão contribui, conscientemente, para atos decisórios que possam repercutir no meio ambiente, tornam-se responsáveis, também, por estes atos.[22]
Qualquer violação ao meio ambiente está diretamente ligada a uma violação à saúde humana e à sua qualidade de vida. A má qualidade da água, causada pela contaminação de uma construção irregular de fossa de resíduos sólidos, poderá causar prejuízo à toda uma população e não somente aos residentes da casa onde foi construída. O mesmo pode-se afirmar com relação à energia nuclear pela instalação, contenção, manuseio, aplicação e pouco conhecimento em novas técnicas de utilização.
O episódio ocorrido com o material Césio 137 demonstra o baixo grau de instrução da população em relação ao meio ambiente e seus potenciais causadores de danos. População que não se restringe aos catadores da bomba de césio e seus familiares, alcançando, também, os médicos, membros da defesa civil e técnicos. Muitas vidas poderiam ter sido poupadas caso houvesse conhecimento e esclarecimentos dos e pelos agentes públicos na época do fato. E, muitas vidas estariam sendo salvas, até os dias atuais, se as pesquisas tivessem alcançado a importância necessária, como fator de prevenção à futuros danos e suas seqüelas.
O Estado democrático é aquele que abarca os valores e direitos também das minorias. O Estado Social de Direito busca atender todas as necessidades básicas de todos os indivíduos, mas a legislação tutelar pertinente, na prática, não raro, se restringe a meras normas programáticas.[23]
O Estado não consegue arcar com o ônus das conseqüências de seus atos e omissões, quando atua de forma negligente e ineficaz no serviço público de prevenção.
O limite de intervenção assistencial do Estado deve estar intimamente relacionado com a falha ou falta de serviço de prevenção e reparação a danos ambientais, doenças e sinistros. A vulnerabilidade do administrado e a ausência de recursos disponíveis ao conhecimento devem ser considerados como nexos causais da responsabilidade estatal.[24]
A ausência de orientação conduz, progressivamente, ao aumento da pobreza e da marginalização social, que atrelada à dificuldade de acesso a saúde induz o indivíduo ao ócio não prazeroso. A independência da assistência social do Estado somente obterá êxito, se o Estado atuar de forma eficaz na estrutura de suas atribuições básicas de garantir a dignidade humana. O Estado de Direito deve ser sinônimo de um Estado de bem-estar.[25]
Notas de Rodapé
1-Conceito definido no relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum), elaborado pela Organização das nações Unidas em 1987 e publicado pela Fundação Getúlio Vargas, no Brasil, em 1991.
2-BORGES. Direito Ambiental Internacional e Terrorismo:Os Impactos no Meio Ambiente, p. 81.
3- TELLES. Introdução ao Direito Administrativo, p. 409.
4- Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, reunida em Estocolmo entre 5 a 16 de junho de 1972, proclamou a Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, considerando a necessidade de um ponto de vista e de princípios comuns para inspirar e guiar os povos do mundo na preservação e na melhoria do meio ambiente, declarando que:
"Item 4 - Nos países em desenvolvimento, os problemas ambientais são causados, na maioria, pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas continuam vivendo muito abaixo dos níveis mínimos necessários a uma existência humana decente, sem alimentação e vestuário adequados, abrigo e educação, saúde e saneamento. Por conseguinte, tais países devem dirigir seus esforços para o desenvolvimento, cônscios de suas prioridades e tendo em mente a premência de proteger e melhorar o meio ambiente. Com idêntico objetivo, os países industrializados, onde os problemas ambientais estão geralmente ligados à industrialização e ao desenvolvimento tecnológico, devem esforçar-se para reduzir a distância que os separa dos países em desenvolvimento (...).
Item 7 - A consecução deste objetivo ambiental requererá a aceitação de responsabilidade por parte de cidadãos e comunidades, de empresas e instituições, em eqüitativa partilha de esforços comuns. Indivíduos e organizações, somando seus valores e seus atos, darão forma ao ambiente do mundo futuro. Aos governos locais e nacionais caberá o ônus maior pelas políticas e ações ambientais da mais ampla envergadura dentro de suas respectivas jurisdições (...)."
5-Art. 15: "As pessoas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nesta qualidade causem dano a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano."
6-Esclarece MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, p. 599 que "neste dispositivo ficou consagrada, embora de maneira equívoca, a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil do Estado. A imprecisão do legislador, todavia, propiciou larga divergência na interpretação e aplicação do citado artigo, variando a opinião dos juristas e o entender da jurisprudência entre os que viam, nele, a exigência da demonstração da culpa civil da Administração e os que vislumbravam admitida a moderna teoria do risco, possibilitando a responsabilidade civil sem culpa, em determinados casos de atuação lesiva do Estado."
7-Art. 194 – "As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes".
8-Art. 105 – "As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus funcionários, nesta qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único- Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo."
9-Art. 37 – "A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."
10-CARVALHO FILHO, Responsabilidade Civil do Estado, p. 434.
11-"Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano. E se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento danoso." BANDEIRA DE MELO, Curso de Direito Administrativo, p. 515.
12-"O constituinte atribuiu à União o domínio de toda substancia mineral ou fóssil, dotada de valor econômico, que aflorar em sua superfície ou se encontrar submersa no interior do solo". BULOS, Constituição Federal Anotada, p. 460.
13-"A mesma regra se aplica quando se trata de ato de terceiros, como é o caso de danos causados por multidão ou por delinqüentes: o Estado responderá se ficar caracterizado a sua omissão, a sua inércia, a falha na prestação do serviço público". DI PIETRO, Direito Administrativo, p. 435.
14-No dia 13/09/87, uma cápsula contendo Césio 137 (material radioativo de alta contaminação e tóxico ao organismo humano) foi deixada nos escombros do Instituto Goiano de Radiologia IGR, em local aberto a qualquer transeunte. O uso da bomba pelo IGR foi devidamente autorizado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN. No local hoje funciona o Centro de Convenções de Goiânia.
Dois catadores de papel, Roberto dos Santos e Wagner Mota, pensando tratar-se de lixo abandonado (ferro), pegaram a peça no local e levaram para rua 57, Setor Aeroporto, onde foi parcialmente aberta. No dia seguinte, foi vendida ao sr. Devair, dono de um ferro velho, na famosa rua 26-A, Setor Aeroporto, onde foi totalmente aberta. Familiares e amigos se encantaram com o brilho azul do Césio e a sobrinha, Leide das Neves, passou o material em seu corpo, levando um pouco para sua casa na rua 6, setor Norte ferroviário e para rua 15-A e 17-A, no Setor Aeroporto. Várias pessoas entraram em contato com familiares contaminados e se contaminaram, disseminando a radiação. Um dos irradiados, que tocou no pó de Césio era motorista de ônibus e contaminou centenas de pessoas.
A esposa de Devair, Maria Gabriela, começou a passar mal e levou a peça até a Vigilância Sanitária do Estado, na rua 16-A, primeiro local onde se suspeitou que se tratava de material radioativo. Os médicos do Estado de Goiânia contataram a CNEM em Brasília, após alguns dias, onde foi certificada a radioatividade.
Porém, mesmo após se constatar que se tratava de material radioativo, o Estado (União Federal e CNEN) ocultou o fato de muitos órgãos que trabalhavam para conter o acidente e enviou uma equipe totalmente despreparada de militares, bombeiros, pessoal da defesa civil para vigiar e posteriormente retirar as 13,4 toneladas de lixo atômico (terra, demolições dos imóveis, roupas, animais de estimação, etc.) para enterrá-los numa cidade próxima de Goiânia – Abadia de Goiás.
O relatório da FUNASA feito à época constatou que mesmo após se passarem mais de 15 anos do ocorrido, o césio ainda faria suas vítimas. Os donos da cápsula que continha o césio e que a abandonou foram condenados à pena privativa de liberdade de 3 anos em regime aberto e que, posteriormente, foi convertida em pena alternativa.
Houve várias vítimas fatais e dezenas de contaminados que tiveram lesões profundas na pele por queimaduras, doenças mentais permanentes, câncer em várias partes do corpo, anemias intermitentes, perdas de membros ou funções, alguns tornando-se deficientes físicos e outros portadores de outros males que os impossibilitam de trabalhar até os dias atuais.
Algumas pessoas foram indenizadas, passando a receber pensão face ao reconhecimento disposto na Lei Federal nº 9.425/96 e Lei Estadual nº 10.977/89, para as vítimas do chamado grupo I e II (classificação utilizada pelo poder Público Estadual para fornecer auxílio às vítimas junto à Superintendência Leide das Neves - SULEIDE, antiga Fundação).
O Ministério Público de Goiás, atualmente investiga vários casos de Câncer ocorrido em pessoas que residiam próximo do acidente e que inclusive já perderam parentes com a mesma doença. A Associação das Vítimas do Césio 137, através de seu Presidente o Senhor Odeson Alves Ferreira (vítima do Césio que se tornou portador de necessidades especiais, tendo fundado a referida associação) alega que mais de 1000 pessoas pertencem a esta entidade e reivindicam, até o presente momento sem êxito, assistência médica especializada e indenização do Estado.
Várias pessoas foram fazer tratamento do Césio 137, na cidade de Marina Tarará, em Cuba, onde o Governo Cubano manifestou-se, à época, que o acidente de Goiânia foi um dos piores acidentes nucleares da história, tendo na menina Leide e sua família os seres humanos mais contaminados no mundo, pela radioatividade.
O governo negou-se a reconhecer as vítimas do acidente que manifestaram sintomas posteriores. Estas faleciam progressivamente a cada dia, perdendo totalmente qualidade de vida e sossego. Algumas vítimas que sobreviveram, buscam até hoje tratamento para suas doenças em hospitais públicos e, quando podem, em hospitais particulares, muitas vezes através de doações feitas por amigos e parentes, pois não podem aguardar os prazos consideráveis para marcação de consulta e exames, principalmente os casos de portadores de câncer.
Estas pessoas foram e são discriminadas na rua onde moram, em pontos de ônibus, escolas e demais lugares públicos, quando apresentam algum sinal de contaminação de outrora, como é o caso do senhor Odeson (derme sem pigmentação e membros superiores reduzidos).
15-"Art. 1º É concedida pensão vitalícia, a título de indenização especial, às vítimas do acidente com a substância radioativa CÉSIO 137, ocorrido em Goiânia, Estado de Goiás.
Parágrafo único. A pensão de que trata esta Lei, é personalíssima, não sendo transmissível ao cônjuge sobrevivente ou aos herdeiros, em caso de morte do beneficiário.
Art. 2° A pensão será concedida do seguinte modo:
I - 300 (trezentas) Unidades Fiscais de Referência - UFIR para as vítimas com incapacidade funcional laborativa parcial ou total permanente, resultante do evento;
II - 200 (duzentas) UFIR aos pacientes não abrangidos pelo inciso anterior, irradiados ou contaminados em proporção igual ou superior a 100 (cem) Rads;
III - 150 (cento e cinqüenta) UFIR para as vítimas irradiadas ou contaminadas em doses inferiores a 100 (cem) e equivalentes ou superiores a 50 (cinqüenta) Rads;
IV - 150 (cento e cinqüenta) UFIR para os descendentes de pessoas irradiadas ou contaminadas que vierem a nascer com alguma anomalia em decorrência da exposição comprovada dos genitores ao CÉSIO 137;
V - 150 (cento e cinqüenta) UFIR para os demais pacientes irradiados e/ou contaminados, não abrangidos pelos incisos anteriores, sob controle médico regular pela Fundação Leide das Neves a partir da sua instituição até a data da vigência desta Lei, desde que cadastrados nos grupos de acompanhamento médico I e II da referida entidade."
16-"Observa-se que o conceito de saúde, completa-se com o conceito de meio ambiente (art. 225 da CF).Não se superpõem em absoluto, antes porfiam por atingir o mesmo objetivo – o estado completo de bem estar físico, psíquico e social o que tem significado análogo ao de qualidade de vida. Daí se infere a importância essencial do meio ambiente e dos mecanismos que o protegem e preservam, para que sejam fornecidos fundamentos para o restabelecimento da saúde. Claro está, que só o meio ambiente não assegura a saúde, mas é elemento indispensável, sem o qual aquela deixa de existir." SANTOS, Crimes Contra o Meio Ambiente, p. 99.
17-Documentos (pareceres, pesquisas e estudos) anexos ao Inquérito Administrativo nº 001/01 aberto pelo Ministério Público de Goiás em 2001, para apurar novos casos de câncer que vem se manifestando na população, que na época, teve, direta ou indiretamente, contato com o material Césio 137.
18-"Os Defensores Públicos, além de operadores do direito, por terem oportunidade de lidar com uma camada mais desprotegida e desinformada da população, são também agentes de mudança, atuando na educação informal de seus estagiários e do povo, para conscientizá-los da cidadania que possuem. Ao informar a parte de seu direito subjetivo, o Defensor Público, além da defesa de um direito, muda paulatinamente uma consciência social." SEGUIN, Lei dos Crimes Ambientais, p. 75.
19-Esclarece o Dr. Jose Goldemberg,, professor titular do Instituto de Física da USP, que "A radiação atinge o núcleo das células vivas danificando-o e, com isso, permitindo a reprodução de células defeituosas – o que gera o câncer." GOLDEMBERG, Energia Nuclear Vale a Pena? p. 17.
20-RT 788/194. Trechos do voto do relator no RE 259.508-0-RS. DJ 17.09.99. FERREIRA CUSTÓDIO, Constituição Federal Interpretada pelo STF, p. 302.
21-BARROS, A proteção Legal do Acesso a Informações sobre Atividades Causadoras de Impactos Ambientais, p. 74.
22- "O grau de esclarecimento sobre determinada informação ambiental depende, em muito, do grau de instrução de seu receptor. Assim, a diminuição da degradação ambiental será proporcional ao aumento da consciência e do nível de acesso à informação pela população. A participação e, sobretudo, a educação, são a porta de entrada para ver concretizada essa mudança." BARROS, Op. Cit., p. 83.
23-"Diante de tanto progresso, cumpre enfatizar que a constitucionalização da matéria ambiental, por si só, não opera milagres. Não basta simplesmente, propagar as virtudes de modernidade do longo programa encampado no art. 225 (da CF), para que tenhamos a conservação e recuperação do meio ambiente." BULOS, Op. Cit., p. 1226.
24-"O desenvolvimento indiscriminado de favelas ou de habitat precários, assim como de bairros degradados. Esses setores urbanos estão habituados a um acúmulo de deficiências, relativas essencialmente à falta ou insuficiência dos serviços públicos, tais como: de saúde, ambientais, de segurança, etc." DROBENKO, As Cidades Sustentáveis, p. 343.
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