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Breves considerações sobre as licitações em face do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar nº 123/2006)

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Agenda 29/12/2009 às 00:00

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Conforme já mencionado linhas acima, Cristiana Fortini ministra que o conceito reservado pelo legislador às microempresas e às empresas de pequeno porte encontra-se delimitado no artigo 3º da Lei Complementar 123/2006, que, respeitadas as ressalvas legais, considera como microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 do Código Civil de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que, no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais). No caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica ou a ela equiparada deve auferir, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais) [31].

No que atine às cooperativas, reafirma-se o que Maria Sylvia Zanella di Pietro [32] escreveu:

O mesmo benefício previsto na Lei Complementar 123/2006 foi estendido às sociedades cooperativas que tenham auferido, no ano-calendário anterior, receita bruta até o limite definido no inciso II do caput do artigo 3º da referida lei complementar, nela incluídos os atos cooperados e não cooperados. O limite ali referido corresponde ao da receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).

Sendo assim, nos termos do art. 3º da LC 123/2006, a receita bruta no ano-calendário é o critério legal para enquadramento ou não na qualidade de microempresa, empresa de pequeno porte ou cooperativa beneficiária do tratamento diferenciado e favorecido previsto nessa Lei Complementar.

O direito ao tratamento diferenciado e favorecido é de qualquer microempresa ou empresa de pequeno porte ou, ainda, cooperativa, que comprove que aufere a receita bruta anual prevista no caput do art. 3º da LC 123/2006 e que não incorreu nas hipóteses previstas no §4º desse mesmo dispositivo legal. Não há outro requisito legal [33].

O § 1º do art. 3º da LC 123/2006 é que define "receita bruta". Considera-se receita bruta o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.

O §2º desse mesmo dispositivo legal esclarece que, no caso de início de atividade no próprio ano-calendário, os limites supramencionados serão proporcionais ao número de meses em que a microempresa, a empresa de pequeno porte ou a cooperativa houver exercido atividade, inclusive as frações de meses.

3.2 Forma e Momento da Comprovação da Condição de Microempresa, de Empresa de Pequeno Porte ou de Cooperativa

O professor Diógenes Gasparini articula que, para usufruírem do tratamento diferenciado e favorecido, as empresas supostamente enquadradas no regime especial deverão comprovar tal qualificação ou enquadramento [34].

De acordo com o professor Marçal Justen Filho, "o ônus da prova do preenchimento dos requisitos para fruição do benefício é do interessado. Aquele que pretende valer-se das preferências contempladas na LC nº 123/06 deverá comprovar a titularidade dos requisitos necessários" [35].

Prossegue ministrando o doutor Diógenes Gasparini [36] no sentido de que:

Por dita razão, o instrumento convocatório deve exigir os documentos que comprovem sua habilitação jurídica nos termos do art. 27, I, combinado com o art. 28, ambos da Lei federal nº 8.666/93, acompanhados da declaração de que são microempresas, empresas de pequeno porte ou cooperativas. Embora seja assim, a Lei Complementar federal nº 123/06 não estabeleceu como tal comprovação deveria ser feita, daí encontrar-se, ainda hoje, nos instrumentos convocatórios exigências dos mais variados documentos a tanto destinados e muitas vezes uma multiplicidade deles e, pior, sem a indispensável eficácia que deles se esperava e se espera.

Leonardo Ayres Santiago, por sua vez, afirma que deve ficar registrada "a independência entre a qualificação dos benefícios fiscais como condição para fruir das preferências nas licitações" [37]. Segundo ele [38]:

O que se exige, isto sim, é a própria qualificação geral para fins de configuração como ME ou EPP, ex vi do artigo 3º, LC nº 123/06, a primeira com receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e a segunda, desde que aufira receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais), ambas relativas à cada ano-calendário.

Em outras palavras, não é condição sine qua non para ser beneficiada com o tratamento diferenciado e favorecido a adesão ao Simples nacional, regime tributário cuja adesão é facultativa para o empresário, sociedade simples ou sociedade empresária que aufira receita bruta anual nos limites supramencionados [39].

Como se pode observar, cabe à Administração Pública exigir a prova da condição de microempresa ou empresa de pequeno porte e ao interessado prová-la.

A título de exemplo, Felipe Ansaloni noticia que o meio legal para comprovar a condição de micro ou pequena empresa nas compras do Governo de Minas Gerais é o registro mercantil ou civil da empresa [40].

Em que pese a iniciativa mineira, nada impede que o meio de prova esteja previsto no instrumento convocatório como sendo qualquer um que demonstre que a receita bruta anual da licitante, que pretende ser beneficiada com o tratamento favorecido e diferenciado, está dentro dos limites legais previstos na LC 123/2006 [41].

O que a Administração Pública não pode fazer é impor um único meio de prova para fins de concessão do tratamento diferenciado e favorecido, tendo em vista que sua conduta deve estar completamente pautada pela legalidade e não há lei exigindo um meio específico de prova [42].

No que atine ao momento da comprovação da condição de microempresa ou de empresa de pequeno porte, também se entende que a Administração Pública é quem deve fixá-lo no instrumento convocatório, mas é recomendável que tal comprovação seja exigida ainda no início do certame [43].

Fixado o prazo, caso a microempresa ou empresa de pequeno porte licitante não comprove tempestivamente sua condição, deixará de gozar os benefícios do tratamento diferenciado e favorecido [44].

Contudo, na omissão do instrumento convocatório quanto ao momento oportuno para a comprovação da condição de microempresa ou de empresa de pequeno porte, sugere-se que a comprovação se dê no início do processo licitatório, sem dúvida alguma antes dos atos nos quais o tratamento deve ser diferenciado e favorecido, sob pena de não poder se beneficiar dele [45].

Não se olvide, outrossim, que, conforme explicita José Anacleto Abduch Santos, é possível aos demais licitantes impugnar a condição de microempresa ou de empresa de pequeno porte alegada por seu(s) concorrente(s) ou apontar a subsunção em causa impeditiva do enquadramento em tal condição [46].

Porém, conforme ensinamento da lavra do administrativista Marçal Justen Filho, "o ônus dos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do terceiro fruir os referidos benefícios recairá sobre quem argüir a existência de tais fatos" [47].

Nesse caso, a Administração Pública deve apurar todas as ocorrências que lhe foram comunicadas durante a licitação, o que, a depender de sua veracidade, poderá culminar até mesmo na instauração de ação penal por parte do Ministério Público em face do licitante fraudador [48].


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O mestre José Anacleto Abduch Santos conceitua regularidade fiscal como sendo a condição jurídico-fisco-tributária do contribuinte decorrente do cumprimento efetivo das obrigações tributárias, principais ou acessórias, impostas pela lei, ou da submissão ao Poder Judiciário da obrigação reputada pela Administração como descumprida [50].

Ele leciona que apresenta regularidade fiscal o contribuinte que cumpriu as obrigações tributárias (a obrigação tributária principal pode ser considerada cumprida não só pelo pagamento, mas também pelo parcelamento do débito), ou aquele que discute judicialmente a legitimidade da obrigação imposta, e obteve decisão provisória no sentido da suspensão da sua exigibilidade [51].

Segundo ele, a exigência de demonstração da regularidade fiscal busca atender ao princípio da isonomia, fazendo com que só possam ser contratados pela Administração Pública aqueles que, por sua vez, cumprem com suas obrigações perante ela, que é a representante da coletividade, do interesse público [52].

Ainda em conformidade com seu magistério, se tal exigência não fosse feita, a Administração Pública, ao contratar alguém que estivesse em situação fiscal irregular, estaria incentivando a inidoneidade dos administrados e aprovando sua conduta, em prejuízo daqueles que cumprem suas obrigações, o que seria inadmissível [53].

O art. 42 da LC 123/2006, ao dispor que, nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato, também prestigia o princípio da isonomia. Todavia, o faz temperando-o com o tratamento diferenciado e favorecido imposto pelo Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, de modo que, em que pese terem que comprovar sua regularidade fiscal, as microempresas e empresas de pequeno porte assim enquadradas devem fazê-la apenas para efeito da assinatura do contrato. [54]

Em outras palavras, a comprovação da regularidade fiscal para as empresas enquadradas é postergada em relação aos demais licitantes, que devem fazer a comprovação logo na fase da habilitação do certame.

Não se pode esquecer, contudo, que, nos termos do art. 43 da LC 123/2006, as microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar desde logo toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição, tal como ensina o mestre Jair Eduardo Santana [55].

O advogado Jorge Ulisses Jacoby Fernandes também faz questão de ressaltar que o benefício se restringe ao saneamento da questão da regularidade fiscal e não à complementação da documentação básica, sob pena de desordem processual, "ficando os beneficiários da Lei Complementar nº 123/06 com o direito de apresentar parte dos documentos no momento em que bem entendessem. Licitação, como já lembrado, é procedimento formal" [56].

Conforme bem ressalta Cristiana Fortini, "portanto, não se cuida de exonerar as micro e pequenas empresas do dever de ofertar a documentação que certifica sua regularidade fiscal e nem seria possível que assim estabelecesse a LC" [57]. Prossegue ela ponderando que [58]:

Haverá, pois, duas fases destinadas à averiguação da questão documental. Serão examinados os documentos, na sua integralidade, de todos os licitantes, não enquadrados como micro ou pequena empresa, ocasião em que também serão verificados os documentos pertinentes às empresas beneficiadas pela LC.

Poderá ocorrer inabilitação dos licitantes não considerados micro ou pequenas empresas. Além disso, havendo qualquer problema que afete a comprovação da capacidade jurídica, qualificação técnica ou econômico-financeira das micro e pequenas empresas, sua inabilitação já poderá ser decretada.

(...)

Das decisões administrativas proferidas em sede de habilitação, caberão recursos, quer se trate das modalidades convencionais, objeto da Lei nº 8.666/93, quer se cuide de pregão. A diferença está em que, no caso das modalidades disciplinadas pela Lei nº 8.666/93, os recursos serão interpostos antes dos exames das propostas, enquanto no pregão a fase recursal seria uma, a ocorrer depois de declarado o vencedor.

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A pergunta que surge é: nas modalidades tradicionais teremos duas fases para o exame da documentação e, logo, duas fases para o oferecimento de recursos e para sua decisão, caso do certame participem as empresas beneficiadas pela LC nº 123/06? Parece que sim. Analisam-se os documentos ofertados pelas micro e pequenas empresas. A decisão administrativa que se seguirá poderá provocar a irresignação de qualquer dos licitantes, quer porque inabilitados, quer porque habilitados seus concorrentes. Mas não se examinará, por enquanto, em definitivo, a questão relativa à regularidade fiscal das micro e pequenas empresas. Quando esta for apreciada, novamente poderão ser apresentados recursos, quer pelas próprias destinatárias da lei em apreço, quer pelos seus concorrentes, caso restem insatisfeitos com a habilitação daquelas.

Logo, de acordo com lição de Jair Eduardo Santana, a apresentação dos documentos previstos na lei e no edital permanece como condição sine qua non da participação no certame. O que constitui o tratamento diferenciado e favorecido previsto na LC 123/2006 é a obrigatoriedade de se provar a regularidade fiscal, com o afastamento de eventual restrição, somente no momento da assinatura do contrato, enquanto que, nas regras comuns da licitação (Lei 8.666/93), a não apresentação dos documentos previstos na lei (especialmente no art. 29 da Lei 8.666/93 [59]) e no edital acarretam a inabilitação e a eliminação do certame [60].

O consultor jurídico Jonas Lima, por sua vez, explica que o §1º do art. 43, contudo, permite que, havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, seja assegurado o prazo de 2 (dois) dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogável por igual período, a critério da Administração Pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de negativas [61].

Aí, sim, caso o licitante beneficiário do tratamento diferenciado e favorecido previsto na LC 123/2006 não seja capaz de provar sua regularidade fiscal com a documentação apresentada desde o início, terá o prazo de 2 (dois) dias úteis para fazê-lo, podendo tal prazo ser prorrogado por igual período a critério da Administração Pública, conforme comando contido no art. 43, §1º, da Lei Complementar 123/06.

O mestre Jair Eduardo Santana afirma que há polêmica quanto a possibilidade de prorrogação desse prazo de ofício ou não pelo ente público [62].

O professor José Anacleto Abduch Santos [63], contudo, propugna pela impossibilidade da prorrogação de ofício, devendo o licitante interessado apresentar requerimento nesse sentido. Observe:

A concessão do prazo de dois dias úteis deriva de norma cogente para a Administração. Contudo, a prorrogação de tal prazo somente deve ser outorgada mediante requerimento do licitante interessado. Não provada a regularidade fiscal no prazo de dois dias úteis, não pode o ente público prorrogá-lo de ofício, sequer sob o argumento de beneficiar uma ME ou EPP, sob pena de violar o direito dos demais licitantes, em especial o direito do segundo colocado no certame de ser sagrado vencedor no caso de inabilitação do primeiro.

De qualquer forma, esse prazo decadencial de 2 (dois) dias úteis para a comprovação da regularidade fiscal começa a ser contado do momento em que o licitante é declarado vencedor do certame [64].

Os meios de prova da regularidade fiscal são todos aqueles admitidos em direito, previstos no edital, tais como certidões, declarações, documentos públicos oficiais, dentre outros, desde que tenham o condão de comprovar cabalmente a regularidade fiscal do licitante [65].

Não provada a regularidade fiscal, o licitante beneficiário do tratamento diferenciado e favorecido é considerado inabilitado, da mesma forma que o é o licitante não beneficiário do tratamento quando não comprova sua regularidade fiscal na fase de habilitação.

Também é conveniente mencionar que o legislador não foi muito feliz na redação do dispositivo legal ao estabelecer, no §2º do art. 43 da LC 123/2006, que a não-regularização da documentação, no prazo previsto no §1º desse mesmo artigo, implicaria decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação [66].

Isso porque não é correto falar em direito à contratação quando é possível à Administração Pública anular (por ilegalidade) ou revogar (por motivos de conveniência ou oportunidade) a licitação. Na verdade, o licitante vencedor, desde que comprovada a regularidade fiscal, tem direito a não ser preterido se a contratação vier a se efetivar [67].

Na hipótese do licitante vencedor beneficiário do tratamento diferenciado e favorecido ser inabilitado por não comprovar sua regularidade fiscal, além de se subsumir na previsão do art. 81 da Lei 8.666/93 [68], "transferirá" a oportunidade de contratação para os licitantes remanescentes, que serão convocados para, caso integralmente atendidos os demais requisitos previstos na lei e no edital, firmar contrato com a Administração Pública, nos termos da proposta que apresentaram no certame, mas isso também somente na hipótese da Administração Pública entender por bem prosseguir no certame ao invés de revogá-lo [69].

A subsunção do licitante beneficiário do tratamento diferenciado e favorecido ao comando do art. 81 da Lei 8.666/93 significa que ele inadimpliu a obrigação assumida perante o Poder Público e sofrerá sanção por conta disso, em prestígio ao princípio da boa-fé, pois, se previamente já sabia que não tinha como regularizar sua situação fiscal, não deveria sequer participar do certame e se o fez, preterindo a contratação de um licitante em situação efetivamente regular perante a Administração Pública, deve sofrer as conseqüências de sua conduta desleal [70].

Porém, se tiver como justificar que a não-regularização de sua situação fiscal não se deu por sua má-fé e a Administração Pública se convencer de suas razões, o licitante não será sancionado [71].

As sanções podem consistir naquelas previstas ou no art. 87 da Lei 8.666/93 [72]__ tais como advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com o Poder Público ou declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com Administração Pública __ ou em outros atos legais aplicáveis aos diversos casos concretos (art. 7º da Lei 10.520/02, exempli gratia) [73], cabendo ao gestor público fazer a dosimetria da pena, mas sempre se levando em consideração que "os efeitos pretendidos com a aplicação ou exoneração de penas devem visar, sobretudo, o caráter pedagógico da ação punitiva, considerados os danos causados ou potencialmente verificados em cada situação" [74].

Ressalte-se que esse benefício trazido pela LC 123/2006 é aplicável a qualquer modalidade de licitação e o ônus da prova da regularidade fiscal é do licitante que pretende se ver beneficiado pelo tratamento diferenciado e favorecido, e não da Administração Pública, a quem cabe apenas e tão somente assegurar o tratamento diferenciado e favorecido para as empresas enquadradas que comprovem tal enquadramento [75].

4.2 Direito de Preferência em Caso de Empate Ficto e Apresentação de Nova Proposta

Em conformidade com a previsão do art. 44 da LC 123/2006, nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.

Cristiana Fortini [76] explica que:

O § 1º e o §2º do art. 44 da LC criam, ao lado do empate real, o empate ficto, se as propostas eqüidistarem umas das outras (tomando como referência a proposta inicialmente melhor colocada) dentro de um intervalo de 10% para as modalidades tradicionais e 5% no caso de adoção do pregão. O empate aqui mencionado é o relativo ao preço. O empate real é possível apenas nas modalidades tradicionais, porque no pregão, ainda que não se exija a renovação de lances, não se permite a repetição de proposta ofertada por terceiro.

Vale dizer, se a proposta mais bem situada for de R$ 100,00, todas as propostas, apresentadas por micro ou pequenas empresas, iguais a ela (como dito, possível apenas no caso de emprego das modalidades tradicionais) e todas as que não a ultrapassarem em mais de 10% (modalidades tradicionais) ou 5% (se for pregão) serão consideradas empatadas. Assim, estarão empatadas as propostas das micro ou pequenas empresas que não ultrapassarem R$ 110,00 (cento e dez reais) ou R$ 105,00 (cento e cinco reais), a depender da modalidade de licitação em uso.

Examinam Jessé Torres Pereira Júnior e Marinês Restelatto Dotti [77] que:

A presunção do empate é absoluta (juris et de jure), ou seja, não comporta prova em contrário no pertinente ao fato do empate; mesmo sendo desiguais as propostas, a lei determina que devam ser consideradas empatadas, dentro dos limites que fixou. A presunção é relativa (juris tantum) quanto ao direito de tratamento diferenciado; sempre será admissível comprovar-se que a empresa em presumida situação de empate não faz jus ao tratamento privilegiado porque desqualificada em cotejo com alguma das vedações do art. 3º, § 4º, da LC nº 123/06.

O inciso I do art. 45 da LC 123/2006 estabelece que, ocorrendo empate nos moldes acima, isto é, apenas e tão-somente quando a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte (art. 45, §2º, LC 123/2006), a microempresa ou empresa de pequeno porte ou cooperativa mais bem classificada dentro do intervalo de até 10% (dez por cento) superior à melhor proposta apresentada por empresa não enquadrada (ou até 5% no caso do pregão) poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado.

Nessa toada, o doutrinador Joel de Menezes Niebuhr ensina que [78]:

A rigor, reconhecendo-se o empate, na forma dos parágrafos do art. 44 da Lei Complementar 123/06, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada faz jus à oportunidade de oferecer proposta de preço inferior à proposta de preço até então considerada vencedora do certame, conforme dispõe o inc. I do art. 45 da mesma lei complementar. Enfatiza-se que não basta à microempresa ou empresa de pequeno porte igualar o menor preço até então ofertado. A microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada deve cobrir o menor preço até então ofertado, reduzi-lo. Se o fizer, prescreve o referido inc. I do art. 45 da Lei Complementar, o objeto da licitação deve ser adjudicado a ela.

O professor José Anacleto Abduch Santos [79], por sua vez, ministra que:

Como a lei não estabelece qualquer parâmetro para esta nova proposta, qualquer valor menor do que a proposta original deve ser reputado suficiente para que o desempate se efetive (proposta apenas R$ 1,00 menor do que a original, por exemplo).

Cristiana Fortini [80] faz severa crítica ao dispositivo legal que determina o oferecimento de proposta em valor menor que a original:

Veja-se que se exige da micro ou pequena empresa a redução do valor para patamares inferiores ao ofertado pela empresa que, até então, havia apresentado a proposta mais baixa. Consideramos, como já adiantado, inacreditável, que a LC nº 123/06 imponha este ônus para a micro e pequena empresa. Seria muito mais consentâneo com os propósitos da Lei que a micro ou a pequena empresa tivesse sua nova proposta acolhida se aceitasse manter o valor consignado na proposta paradigma.

Em se tratando de pregão, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada terá o prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances para apresentar nova proposta (art. 45, §3º, LC 123/2006), sendo esse prazo contado do momento em que o pregoeiro indicar expressamente o licitante vencedor e solicitar a apresentação de proposta mais vantajosa para a Administração Pública [81].

Quanto às licitações regidas pela Lei 8.666/93, não foi estabelecido prazo legal para a apresentação de nova proposta de preço inferior, de modo que esse prazo deve ser estabelecido nos instrumentos convocatórios [82].

Nesse mesmo sentido, lecionam Jessé Torres Pereira Júnior e Marinês Restelatto Dotti [83]:

Anote-se que para a modalidade do pregão, a LC nº 123/06 fixou o prazo de cinco minutos para o oferecimento de proposta em valor inferior ao da proposta ofertada pela licitante vencedora. O legislador não previu prazo e momento para a redução da proposta nas modalidades convencionais (concorrência, tomada de preços e convite); deverá constar do instrumento convocatório, porém augurando-se que cada ente público venha a editar norma uniformizadora desse prazo, com o fim de prevenir a inconveniência de a cada edital adotar-se um prazo e contá-lo segundo critérios variados.

O inciso II do art. 45 da LC 123/2006, por sua vez, dispõe que, não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte na forma supramencionada, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese de empate ficto, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito. [84]

Em caso de empate dos valores apresentados por empresas enquadradas no tratamento beneficiado e favorecido, terá direito a primeiro apresentar a melhor oferta o licitante que for sorteado (inciso III do art. 45 da LC 123/2006) [85].

Já, segundo Cristiana Fortini, "caso exista empate real, o desempate é realizado nos moldes da Lei nº 8.666/93, ou seja, mediante sorteio. É a única interpretação possível, visto que toda a orientação da LC nº 123/06 é direcionada ao desempate diante de empate ficto" [86].

Não se concretizando a contratação em favor de microempresa ou empresa de pequeno porte, o objeto licitado será adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora do certame (ou seja, aquela que foi vencedora sem a aplicação da ficção jurídica do empate), conforme estabelece o §1º do art. 45 da LC 123/2006 [87].

4.3 Tratamento Diferenciado e Simplificado para as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte como Forma de Promoção do Desenvolvimento Econômico e Social no Âmbito Municipal e Regional

Em conformidade com a previsão do art. 47 da LC 123/2006, nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente.

De acordo com o já exposto alhures, Celso Antônio Bandeira de Mello [88] bem resumiu o teor dos artigos 47 a 49 da Lei Complementar 123/2006:

(...) conforme os arts. 47 a 49 desse diploma, desde que previsto e regulamentado na respectiva legislação, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em vista da promoção social em seus âmbitos e do incentivo a inovações tecnológicas, poderão conceder tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte e, para tanto, efetuar (a) licitações restritas a microempresas e empresas de pequeno porte para contratações de até R$ 80.000,00; ou (b) licitações em que os disputantes sejam obrigados a subcontratar este tipo de empresas em percentual não superior a 30% do objeto licitado e, inclusive, destinar diretamente empenhos e pagamentos às que forem subcontratadas; ou (c) licitações em que seja reservada cota de até 25% do objeto para tais empresas, quando se tratar da aquisição de bens e serviços de natureza divisível.

Tais possibilidades ficarão sempre limitadas a 25% do valor licitado no ano civil e só serão admissíveis quando os critérios de tratamento diferenciado e simplificado tenham sido previstos no instrumento convocatório, não haja prejuízo para a Administração, não esteja em causa licitação dispensável ou inexigível e haja, em cada caso, sediados local ou regionalmente, pelo menos três fornecedores competitivos aptos a cumprir o objeto do certame. (grifo nosso).

Conforme bem explicitado por Celso Antônio Bandeira de Mello, essas normas não são auto-aplicáveis e precisam ser regulamentadas no âmbito da União (que já o fez por meio do Decreto 6.204/07), dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Sobre cada uma dessas inovações serão tecidas algumas considerações a seguir.

4.3.1 Licitações privativas exclusivamente para microempresas e empresas de pequeno porte

O artigo 48, I, da LC 123/2006, c/c o §1º desse dispositivo, possibilita a realização de processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), desde que o valor licitado não exceda a 25% (vinte e cinco por cento) do total licitado em cada ano civil.

Não há dúvidas de que essa medida traz enorme vantagem para as microempresas e empresas de pequeno porte, tendo em vista que diminui consideravelmente a lista de competidores no certame.

Porém, como bem se atentou o mestre Jair Eduardo Santana, essa licitação, limitada por esse valor, está impactada por um limite quantitativo anual, que normalmente quem a procede não tem, porque não sabe quanto vai licitar durante todo o período. Então os R$ 80 mil têm que estar limitados a 25% do seu total do que vai ser licitado. Ou seja, será preciso que se tenha um planejamento prévio muito correto, austero e reto, para saber se se pode, por exemplo, dentro dos 100%, tirar os 5% e saber se os 5% estão dentro dos R$ 80.000,00. É óbvio, evidente, então que se não houver esse planejamento não será possível fazer esta licitação exclusiva com muita segurança [89].

Apesar da necessidade de sério planejamento e em que pesem as opiniões em sentido contrário, entende-se constitucional tal disposição, posto que traz efetiva implementação aos comandos constitucionais que impõem a instituição de tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte. Essa discussão no que tange à constitucionalidade, no entanto, será retomada detalhadamente em outro capítulo mais adiante.

4.3.2 Subcontratação obrigatória de microempresa ou empresa de pequeno porte, com empenho destinado diretamente à subcontratada

Já o inciso II do artigo 48 da Lei Complementar 123/06 preconiza que tais leis específicas proponham procedimento licitatório no qual seja exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, desde que o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda a 30% (trinta por cento) do total licitado [90].

A subcontratação, conforme ministra o professor José Anacleto Abduch Santos, "é a avença pela qual o contratado transfere para outrem em parte, a execução de contrato com ele originalmente firmado, por intermédio de outro instrumento contratual" [91].

Segundo o advogado da União Ronny Charles Lopes de Torres, a subcontratação não pode ser imposta, sob pena de ofender a livre iniciativa, o que se revelaria inconstitucional. Para ele, a subcontratação deve ser concebida como uma faculdade do licitante vencedor, dentro dos limites permitidos pela Administração, através do edital ou contrato, e de acordo com o regramento jurídico pertinente; uma vez que determinadas contratações a tornam inadmissível, sob pena de desrespeito aos princípios comezinhos do procedimento licitatório [92].

Ele conclui apresentando a leitura mais correta do artigo 72 da Lei 8.666/93, que deixa claro que o contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, "poderá" subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração [93].

Sobre esse aspecto, o professor José Anacleto Abduch Santos tece interessante consideração, no sentido de que a imposição de subcontratar ME ou EPP pode representar limitações de ordem jurídica e de ordem econômica para as empresas não enquadradas.

Quanto à limitação de ordem jurídica, assim aduz o supramencionado professor [94]:

A limitação de ordem jurídica deriva de que exigir dos licitantes a subcontratação de microempresas de empresas de pequeno porte em até 30% do total licitado pode produzir restrição à competitividade. Pela norma, todos os potenciais interessados em participar do certame devem ter sue círculo de relações comerciais parceiros enquadrados como microempresas e empresas de pequeno porte, aptos e dispostos a serem subcontratados, o que certamente constitui um óbice. Lembre-se que a subcontratação requer a existência de um liame de confiança mútua entre subcontratante e subcontratado, eis que esta relação contratual importa em responsabilidade solidária perante a Administração no tocante à execução do objeto do contrato principal. Nem se diga que a estipulação de um cadastro de ME e de EPP por ramo de atividade empresarial poderia atenuar o problema por oferecer multiplicidade de escolha aos licitantes não enquadrados. O fundamento é que inexistirá o necessário vínculo de confiança de uma subcontratação obrigatória com empresa estranha ao círculo empresarial e negocial do licitante.

Já, quanto à limitação de ordem econômica, o professor leciona que [95]:

A limitação de ordem econômica deriva do aumento de custos que a subcontratação pode representar para a licitante não enquadrada. A planilha de custos do subcontratante deverá incorporar os custos da subcontratação (BDI, encargos adicionais etc.), o que pode inviabilizar sua proposta comercial. A subcontratação importará apropriação de custos que inexistiriam pela execução integral do contrato pelo licitante vencedor do certame que não se enquadre na categoria de ME ou EPP. Supondo que a apropriação desses custos adicionais pela subcontratante não inviabilize a proposta, certamente importará em proposta menos vantajosa para o Poder Público. Parece clara a restrição à participação, à competitividade e à vantajosidade.

É interessante observar a novidade trazida pelo §2º desse mesmo artigo 48 do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte no que tange à realização do empenho diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte. Segundo esse dispositivo legal, os empenhos e pagamentos do órgão ou entidade da administração pública poderão ser destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas.

O já antes mencionado professor José Anacleto Abduch Santos conceitua empenho como "a reserva de recursos na dotação inicial ou no saldo existente para garantir fornecedores, executores de obras ou prestadores de serviço pelo fornecimento de materiais, execução de obras ou prestação de serviços" [96].

A inovação trazida pela LC 123/2006 consiste na autorização para que a Administração Pública ingresse na esfera da subcontratação, com vistas a evitar prejuízos financeiros à microempresa ou empresa de pequeno porte subcontratada em razão de eventual inadimplência do subcontratante ao lhe repassar a quantia que recebeu do Poder Público.

Sem dúvida alguma, essa novidade traz considerável vantagem econômica para a microempresa ou empresa de pequeno porte, como bem ponderou o professor José Anacleto Abduch Santos [97]:

Uma vez prevista no instrumento convocatório, poderá ocorrer a subcontratação por parte do contratado, nos limites admitidos pela Administração. Pela sistemática da Lei Complementar 123/06, fica facultada a constituição de uma relação jurídica direta entre a Administração contratante e o subcontratado enquadrado como microempresa ou empresa de pequeno porte, que poderá ser beneficiário direto de empenhos ou de pagamentos devidos pelo Poder Público, o que seguramente constitui uma vantagem econômica considerável.

O aspecto mais complicado dessa novidade, todavia, consistirá na instituição da forma pela qual a Administração Pública vai aferir o quantum devido à microempresa ou empresa de pequeno porte pelo serviço, compras ou obras que lhe forem repassados [98].

4.3.3 Regime de cotas em licitações para objeto divisível

Sobre o artigo 48, inciso III, do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, que prevê o regime de cotas em licitações para objeto divisível, Cristiana Fortini [99] comenta que:

O inciso III do art. 48 da LC nº 123/2006 fixa outra possibilidade para a concessão de tratamento simplificado e diferenciado, ao dispor que será possível fixar cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto da contratação, quando houver certames destinados à aquisição de bens e serviços de natureza divisível.

Segundo Jair Eduardo Santana, por força dessa previsão do artigo 48, inciso III, da LC 123/06, "a Administração Pública pode dividir o objeto (se ele for divisível) e parte reserva-se para as MEs/EPPs e a outra parte é aberta (todos, inclusive MEs/EPPs, poderiam concorrer ali)".

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes [100] faz interessantes considerações sobre esse dispositivo legal, que merecem transcrição na íntegra:

A regra do inciso III também se relaciona com a aplicação da regra do parcelamento prevista na Lei de Licitações e Contratos – art. 23, §§1º, 2º e 5º, mas difere dos incisos I e II. Nesse caso, o certame em seu total preverá itens que só podem ser cotados por empresas beneficiárias da Lei Complementar nº 123/06. Sendo o objeto em licitação divisível, compra de material de expediente, o edital poderá estabelecer itens que somente sejam cotados por pequenas e microempresas. Mas poderá ainda definir que num mesmo objeto, 25% seja cotado por essas empresas.

Exemplificando:

a)no edital considerado, a Administração Pública conhecendo o mercado estabelecerá que os itens determinados – caneta esferográfica, corpo de plástico transparente, cor de tinta azul – só podem ser cotados por essa categoria de empresas;

b)no edital, o produto, 80.000 resmas de papel A-4, 210x297, 75g/m2 seja dividida em dois lotes: um com 60.000 para todos os licitantes e o outro, com 20.000 resmas, apenas para beneficiários da Lei Complementar nº 123/06.

Destaca esse mesmo mestre que essas regras são complementadas pelas disposições do artigo 49 da LC 123/06 [101], in verbis:

Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:

I – os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não forem expressamente previstos no instrumento convocatório;

II – não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório;

III – o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado;

IV – a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Conclui ele afirmando que "o sistema acaba por limitar o incentivo, pelas razões que o legislador entendeu justificáveis" e ressaltando que "o art. 56 da Lei Complementar nº 123/06 introduziu importante e prática oportunidade para operacionalizar o incentivo às pequenas e microempresas, determinando e admitindo o consórcio de pequenas empresas" [102].

4.4 Cédula de Crédito Microempresarial

Outrossim, estabelece o art. 46 da LC 123/2006 [103] que a microempresa e a empresa de pequeno porte titular de direitos creditórios decorrentes de empenhos liquidados por órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal e Município, não pagos em até 30 (trinta) dias contados da data de liquidação, poderão emitir cédula de crédito microempresarial.

O parágrafo único desse mesmo dispositivo prossegue aduzindo que a cédula de crédito microempresarial é título de crédito regido, subsidiariamente, pela legislação prevista para as cédulas de crédito comercial, tendo como lastro o empenho do poder público, cabendo ao Poder Executivo sua regulamentação no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da publicação da Lei Complementar 123/2006.

Sobre essa inovação legislativa, a advogada Jacqueline Iwersen de Loyola e Silva [104] ensina que:

A Administração passou a garantir às micros e pequenas empresas titulares de direitos creditórios dos órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que não forem pagos em até 30 (trinta) dias contados da data de liquidação, o direito de emitir cédula de crédito microempresarial.

De acordo com seu magistério, essa cédula está ainda pendente de regulamentação pelo Poder Executivo. No entanto, a Lei Complementar já sinalizou que deverá ser uma espécie de título de crédito, regido subsidiariamente pela legislação prevista para cédulas de crédito comercial, tendo como lastro o empenho do poder público.

Eis mais uma norma ineficaz por inércia do Poder Executivo, já que o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para a regulamentação da mencionada cédula de crédito microempresarial já decorreu e tal regulamentação ainda não se verificou.

Conforme bem ressalta o professor Diógenes Gasparini, pode-se afirmar que todos os dispositivos da Lei Complementar 123/2006, com exceção do art. 46, que institui a cédula de crédito microempresarial, e os arts. 47 e 48, que facultam as licitações diferenciadas, estão em vigor desde a data de sua publicação, consoante determinado pelo seu art. 88, que ocorreu no DOU de 15/12/06 [105].

Das disposições aplicáveis, dotadas de eficácia, está excluída, portanto, a que trata da cédula de crédito microempresarial. O renomado doutor frisa que a legislação existente da União a respeito da Lei Complementar 123/2006 é suficiente, salvo em relação à regulamentação da cédula de crédito microempresarial, mas essa não diz respeito à licitação, pois está ligada à execução contratual [106].

Não se poderia, entretanto, deixar de trazer à colação, ipsis litteris, a manifestação do advogado da União Ronny Charles Lopes de Torres [107] acerca dessa novidade:

Em tese, acreditamos positivas as medidas que resguardem garantias aos contratados no que se refere ao cumprimento das obrigações contraídas pela administração (lembramos que o próprio constituinte, ao tratar das licitações no inciso XXI do artigo 37, ressaltou a necessidade de "cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento").

É cediço que muitas unidades administrativas desrespeitam totalmente os credores quando da liberação de pagamentos a fornecedores e prestadores de serviço, preterindo obrigações mais antigas em favor daquelas contraídas em período mais recente, por particulares "mais próximos" do núcleo daquele Poder. Essa prática é odiosa e fomenta a corrupção, subvertendo a moralidade administrativa. Por pior que pareça, tais atitudes são comuns em muitos órgãos, administrados por gestores que, em virtude de uma mentalidade pequena e provinciana, tratam o erário como coisa própria, arvorando-se na condição de autoridade e nas prerrogativas que a Fazenda tem enquanto devedora, como a possibilidade de pagar as obrigações reconhecidas pela Justiça através dos intermináveis precatórios. Não são poucos os empresários, de pequeno porte ou não, que se queixam das dificuldades em receber seus créditos, mesmo já empenhados, em função da má-vontade "política" de alguns gestores.

O que questionamos é a constitucionalidade da restrição desse benefício apenas às microempresas e empresas de pequeno porte? Haverá justificativa para tal discrímen em detrimento das demais empresas, por vezes também tão prejudicadas por tais atrasos administrativos? Não seria constitucionalmente mais correto que o critério fosse um percentual que se relacionasse à capacidade de endividamento ou ao capital da empresa, com limitação de um patamar máximo? Assim seriam beneficiadas as empresas de menor porte (como também as maiores), mas apenas naquelas situações nas quais o atraso realmente prejudicasse a continuidade eficiente da própria pessoa jurídica.

De qualquer forma, sobre tais aspectos parece melhor esperar a competente regulamentação.

O jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes [108] critica contundentemente esse novo título de crédito:

A regra não deixa de revelar uma forma reprovável de solucionar o problema, tão medíocre como dar voto ao analfabeto sem a pretensão de contribuir para erradicar o analfabetismo.

Na lei de licitações existem três regras de intenso matiz de moralidade e justiça:

a)o dever de acatar rigorosamente a ordem cronológica de exigibilidade dos pagamentos;

b)o dever de pagar as faturas de valores baixos em até cinco dias úteis e os demais em até trinta dias;

c)a caracterização de crime, diante da inobservância da ordem cronológica de pagamento, a ser coibida pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas.

Além dessas três regras, ainda é possível a caracterização de crime, por infração à Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2009, Lei de Responsabilidade Fiscal.

Portanto, já existem instrumentos jurídicos suficientes para que, até por meio de denúncia anônima às Cortes de Contas, seja coibida a prática de retenção abusiva de valores ou assunção de obrigação sem crédito orçamentário, ou sem garantia dos recursos financeiros.

É preciso, no entanto, por uma questão de honestidade intelectual, destacar a boa vontade dos elaboradores da Lei Complementar nº 123/06 para a solução do problema da inadimplência pública.

Porém, por não ter relação direta com as licitações, mas sim com a execução contratual, e diante do quase total silêncio da doutrina mais abalizada sobre o assunto, não serão tecidos aqui maiores comentários a respeito desse novo título de crédito.

Sobre a autora
Andrea Russar Rachel

Advogada. Professora plantonista da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG). Pós-graduada em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Grandes Transformações do Processo pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduanda em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Licenciada em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu. Estudante de Teologia no Instituto Teológico Quadrangular.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RACHEL, Andrea Russar. Breves considerações sobre as licitações em face do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar nº 123/2006). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2372, 29 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14075. Acesso em: 22 dez. 2024.

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