O Timor-Leste desde a independência: tendências e desafios
Quando o governo independente assumiu o país, em 2002, cerca de 80% do orçamento do Estado vinham das doações internacionais por intermédio da ONU. Em 2006, o Timor-Leste mostrou que ainda existiam fragilidades políticas, econômicas e sociais e, no mesmo ano, começou uma onda de violência. Foram enviadas tropas internacionais da Austrália, Portugal, Malásia e Nova Zelândia para conter os distúrbios.
O primeiro-ministro Mari Alkatiri renunciou para evitar a saída do presidente Xanana Gusmão. Novas eleições são convocadas e, em maio de 2007, José Ramos-Horta venceu seu adversário no segundo turno, Francisco Lu-Olo, representante da Fretilin.
A crise mostrou a fragilidade em que se encontra o Estado timorense. Essa nova eleição trouxe esperança, mas também novas superações para o Timor-Leste. Um dos mais importantes desafios enfrentados pelo país será a construção de um Estado em meio de uma crise, sujeito às disputas políticas e à intervenção internacional. Para La’O (2006), "a construção e democratização do Timor-Leste através da intervenção internacional têm que ser repensadas. As ideias locais só podem ser transformadas com a consideração total pelos sistemas existentes para evitar a criação da anarquia e o colapso dos sistemas existentes".
É de se saber que em Timor-Leste nada foi fácil. Sua colonização foi relegada ao segundo escalão e seu território foi dividido por dois países com culturas diferentes. O processo de independência veio com uma proposta de integração à Indonésia. A recusa do povo timorense a uma anexação em favor das ambições hegemônicas de Jacarta levou a uma guerra civil que durou 25 anos e deixou mais de 100 mil mortos. Desde então, a pedido do país, tropas militares e forças policiais internacionais têm ajudado a manter sob controle a situação no país (Banco Mundial, 2006).
O Brasil tem participação histórica em operações de paz e em Timor-Leste não poderia ser diferente. Essa ação teve repercussões positivas e negativas na opinião pública mundial: questionam-se principalmente as intenções da ajuda internacional.
O Brasil e o Timor-Leste: a questão da cooperação jurídica bilateral
O Brasil engrossou o coro dos Estados para a cooperação jurídica no Timor-Leste. Instituições judiciais brasileiras, como o Superior Tribunal de Justiça, participaram dessa cooperação. O governo brasileiro denunciou as violações cometidas contra o Timor-Leste, ao assumir, em agosto de 1990, perante a Assembleia-Geral da ONU, "que as afrontas aos direitos humanos devem ser denunciadas e combatidas com igual vigor, onde quer que ocorram". O governo brasileiro tem enfatizado o compromisso de participar da reconstrução econômica e social do Timor-Leste. Um dos maiores desafios do novo Estado reside na área da cooperação judiciária.
Na VIII Conferência dos Ministros da Justiça dos países de língua portuguesa, realizada em novembro de 2000, o Governo brasileiro comprometeu-se a indicar um defensor público brasileiro para integrar a Missão de Juristas da CPLP para o Timor-Leste. A missão se destinava a diagnosticar as necessidades prementes deste país na área das instituições jurídicas.
O apoio à Reestruturação do Judiciário do Timor-Leste é um projeto desenvolvido pela Agência Brasileira de Cooperação, ligada ao Ministério de Relações Exteriores, em parceria com o Ministério da Justiça e com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
No ano de 2004, um grupo da Agência Brasileira de Cooperação foi enviado ao país asiático para verificar como o Brasil poderia ajudar na reconstrução do Judiciário. O grupo recomendou que o país investisse no treinamento de policiais, juízes, advogados e outros profissionais da área de Direito.
Os direitos humanos, em Timor-Leste, eram constantemente violados durante a colonização portuguesa e a ocupação da Indonésia. O sistema judiciário timorense, nos tempos portugueses, limitava-se a um juizado na capital, Díli. Os indonésios ampliaram os serviços para estabelecer tribunais distritais, com direito a uma Corte de Apelação em Díli. A última instância era o Supremo Tribunal, em Jacarta. Aos timorenses era inviabilizado o exercício de qualquer atividade na administração judiciária.
O primeiro ato do administrador transitório foi regulamentar o Decreto nº 1, de novembro de 1999, que traçava os parâmetros do sistema legislativo em Timor. O regulamento cuidou do exercício dos poderes Executivo e Legislativo, do regime jurídico, da lei aplicável e da adoção das normas internacionais dos direitos humanos em Timor-Leste.
A Corte Superior vinha decidindo reiteradamente, com base em um regulamento segundo o qual se aplicava a lei que vinha sendo aplicada em Timor-Leste até sua independência, que seria a portuguesa, porquanto a invasão da Indonésia em Timor-Leste, após a independência, em 1975, não havia sido reconhecida pela comunidade internacional (da Silva e Simão, 2007, p. 199).
Isso provocou revolta na comunidade jurídica, formada na língua e no sistema indonésios. O Parlamento Nacional votou, em 2003, uma norma sobre a interpretação das leis e estabelecendo que não se deveria contrariar a Constituição e leis vigentes da Indonésia. Independente da opção pela lei indonésia, o governo continuou não aceitando jurista da Indonésia no Timor.
Como havia necessidade urgente de reconstrução do sistema judiciário, em agosto de 2000, juízes e promotores foram nomeados para os distritos. Em maio seguinte, o Tribunal Distrital de Díli fez sua primeira audiência pública. As Nações Unidas criaram um programa de reconstrução do Poder Judiciário do Timor com juízes exclusivamente de língua portuguesa. O Brasil ajudou nesta reestruturação do sistema judicial timorense. Com a saída dos indonésios, a maioria dos timorenses não tinha formação suficiente para assumir cargos como os de delegado, tributarista, juiz e promotor, era preciso garantir a estabilidade, a segurança, a lei e a ordem.
A divisão do sistema judiciário envolvia os tribunais distritais de primeira instância, o Tribunal de Apelação, a Promotoria Pública e a Defensoria Pública. Contam com funcionários timorenses sob treinamento de responsabilidades de funcionários do Judiciário português e do brasileiro.
Os juízes de língua portuguesa desenvolveram funções em duas frentes distintas. Na primeira, assumindo todos os processos do país, nas áreas cível, criminal e trabalhista; e na segunda, como professores, dando aulas para juízes, promotores e defensores públicos timorenses. Esta é a tarefa mais importante, pois, quando os internacionais forem embora, a Justiça do país vai ficar sob a responsabilidade dos juízes timorenses. A promotoria era chefiada por um funcionário internacional. Com o processo de timorização dos departamentos, um advogado timorense é hoje o procurador-geral. Ali, atuam duas seções: a Unidade dos Crimes Graves, integrada majoritariamente por promotores, investigadores e assistentes recrutados entre os internacionais, inclusive brasileiros. A Defensoria Pública contava com advogados locais sob a orientação de pessoal internacional recrutado e mantido pelo PNUD. A participação do Brasil se faz sentir também na elaboração de anteprojetos para a constituinte que entra em vigor assim que acabar o mandato da ONU.
Considerando as bases histórico-culturais, linguísticas e jurídicas em que se assenta o relacionamento entre os países de língua portuguesa, fóruns são organizados pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) português, como: "Os Sistemas Judiciários na Comunidade de Países e Territórios de Língua Portuguesa (CPTLP)", que tem o objetivo de garantir o avanço conjunto do processo que está a ser desenvolvido por todos os membros do Fórum dos Presidentes dos Supremos Tribunais de Justiça dos Países e Territórios de Língua Portuguesa.
O Superior Tribunal de Justiça, no Brasil, lançou o projeto "Navegar é Preciso", que visa fortalecer o Judiciário e promover o intercâmbio entre os países integrantes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O Protocolo de Cooperação Técnica entre o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho da Justiça Federal, brasileiros, e o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal contribui com doações e também com sugestão de curso pela Internet, através de módulos curriculares ministrados pela Universidade de Brasília (UNB). Ao término do curso, os alunos timorenses teriam um custo menor para os dois países. Com a iniciativa, seria possível formar 100 advogados.
Em outubro de 2004, foi assinado por todos os membros do Fórum dos Presidentes dos Supremos Tribunais de Justiça dos Países e Territórios de Língua Portuguesa o protocolo de lançamento da Rede Judiciária Informática Lusófona.
A assinatura do documento marcou o encerramento dos trabalhos da Conferência "Os Sistemas Judiciários na Comunidade dos Países e Territórios de Língua Portuguesa", realizada em Portugal, em outubro de 2004. Participaram o Tribunal Supremo de Angola, Superior Tribunal de Justiça do Brasil, Supremo Tribunal de Justiça de Cabo Verde, Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau, Tribunal de Última Instância de Macau, Tribunal Supremo de Moçambique, Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, Supremo Tribunal de Justiça de S. Tomé e Príncipe e Tribunal de Recursos de Timor-Leste.
Até 2006, o Superior Tribunal de Justiça mantinha, no seu site, informações sobre legislações, eventos, artigos, estruturas administrativas e atividades do Judiciário de Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Timor-Leste, Cabo Verde e Portugal. Cumpre acrescentar que, em 2009, todos os projetos de cooperação jurídica internacional entre países de língua portuguesa e, particularmente, as ações de cooperação jurídica bilateral entre o Brasil e o Timor-Leste continuam plenamente vigentes e com resultados muito promissores para ambos os lados.
Considerações finais
Em função da obscuridade em que ainda hoje vive o sistema judiciário do Timor-Leste, por falta de recursos humanos, financeiros, logísticos e da lei costumeira enraizada no seio da sociedade, a ajuda internacional se faz importante.
A cooperação que o Brasil mantém com países estrangeiros é pautada por meios pacíficos e democráticos. O Itamaraty, por meio da ABC, vem conseguindo atingir seus objetivos políticos de negociação. O Brasil, atualmente, através de projetos e programas, tem contribuído para a reconstrução do Timor-Leste, especialmente no campo jurídico. O discurso do governo brasileiro é priorizar programas de cooperação técnica que favoreçam as relações do Brasil com seus parceiros em desenvolvimento.
O volume expressivo de cooperação técnica do Brasil no mundo nos últimos cinco anos tem, de fato, projetado o Brasil na cena internacional. As ações e projetos totalizaram recursos da ordem de US$ 15 milhões. Esses números fizeram com que o Brasil fosse reconhecido internacionalmente como um ator de relevância entre os "novos doadores" de cooperação internacional para o desenvolvimento.
Segundo a ABC (2006), a partir de 2004, as diretrizes do Brasil para a CTPD passaram a ser as listadas: priorizar, apoiar, estabelecer parcerias entre países da África, especialmente os PALOP, Timor-Leste e outros.
O embaixador Celso Luiz Nunes Amorim (2006), atual ministro das Relações Exteriores do Brasil, em entrevista concedida para a revista Via ABC em junho de 2006, destaca que:
Ao oferecer oportunidades de cooperação, o Brasil não almeja o lucro ou o ganho comercial. Tampouco há "condicionalidades" envolvidas. Buscamos tornar realidade uma visão nova das relações entre os países em desenvolvimento, inspirada na comunhão de interesses e na ajuda mútua.
Declarações oficiais como essa mostram a extensão da política da solidariedade e da co-responsabilidade que o Brasil tem com os países em desenvolvimento. No caso do Timor-Leste, a formulação de programas na área da Justiça e a assistência das instituições judiciárias estão sendo conduzidas e aprimoradas para adequar a reconstrução e democratização do Estado timorense.
Importa destacar que o Timor, durante muitos anos, foi relegado à colônia de escala menor pelos portugueses. Considerados selvagens, as autoridades portuguesas introduziram à força o que consideravam civilização. Segundo De Castro (1867, p. 185), a "intervenção armada era freqüentemente vista como necessária para impor a civilização aos selvagens timorenses. De forma astuta, fazia-se uso estratégico da animosidade dos grupos políticos timorenses".
Em 1975, com a saída dos portugueses, o povo timorense ficou sujeito à Indonésia, que, através de invasão, incorporou politicamente o território. A comunidade internacional foi contra, a ONU condenou a ação através de resoluções que não surtiram efeito. Somente em 1999, a ONU se engaja novamente na questão do Timor-Leste. O desafio da ONU era formar um Estado em poucos meses, com o apoio integral da comunidade internacional.
As Nações Unidas formaram a Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste, cujas operações vão preparar o Timor para o autogoverno. No Timor-Leste, o funcionamento do sistema judicial era quase inexistente. Reorganizar o sistema judiciário do Timor-Leste foi uma das atividades de que o Brasil participou através do Ministério das Relações Exteriores, da Cooperação dos Países de Língua Portuguesa, ONU e instituições judiciárias como o Superior Tribunal de Justiça. As identidades histórica e cultural que os unem constituíram fatores de sucesso para os programas de desenvolvimento existentes em ambos os países.
Observe-se que, em 19 de março de 2009, a ministra da Justiça do Timor-Leste, Lúcia Maria Brandão de Freitas Lobato, foi recebida pelo procurador-geral da República brasileira, Antonio Fernando Souza. O objetivo da visita foi buscar cooperação na formação dos membros do Ministério Público do Timor-Leste. O procurador-geral colocou à disposição dos procuradores timorenses os cursos oferecidos pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). A ministra salientou a importância dessa cooperação principalmente em relação aos cursos voltados ao combate à corrupção. “Queremos enviar um grupo para ser formado aqui”, disse a ministra. Brasil e Timor-Leste estão preparando um amplo acordo de cooperação na área da Justiça, que deverá ser concluído em meados do ano que vem. A ministra reuniu-se com o ministro da Justiça, Tarso Genro, das Relações Exteriores, Celso Amorim, com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, com o procurador-geral da República, Antonio Fernando, e com quinze ministros do Superior Tribunal Militar (STM) para reforçar a cooperação existente com o Brasil e identificar outras áreas prioritárias. Na opinião da ministra, o maior problema da Justiça no Timor-Leste é a falta de recursos humanos. Atualmente o país conta com apenas onze juízes, nove procuradores e sete defensores públicos. O Brasil tem dado apoio a Díli nas áreas de formação jurídica e na elaboração do Código Penal Militar.
Este trabalho teve o intuito de tentar atrelar a história passada com os fatos presentes. As fontes utilizadas foram publicações do governo nacional, instituições internacionais, relatórios econômicos e a imprensa diária. Apesar de as cooperações internacionais sofrerem influências diretas das diferentes fases da conjuntura mundial, este instrumento, ainda, é muito importante para o reordenamento dos objetivos traçados pelos Estados e consequentemente merece atenção especial e demanda maiores análises para o seu avanço.