A história do comércio internacional no Brasil é marcada por uma visão tacanha acerca de sua importância. Entretanto, a globalização, a internet e o fim das fronteiras como até então conhecemos inserem o comércio aduaneiro como o mais pujante mecanismo de distribuição de riquezas já visto em movimento.
Assim, apesar do comércio global já ser uma realidade inconteste no país, ainda vemos nossa legislação aduaneira, em especial no que tange à importação, assoberbada por uma burocracia asfixiante. Como exemplo de tal atmosfera, usaremos a chamada "importação por encomenda" para demonstrar o desacerto e as consequências nefastas de impor burocracia excessiva em uma das mais antigas atividades humanas que se tem notícia – o comércio.
A importação no Brasil teve crescimento acentuado a partir do que podemos chamar de "segunda abertura dos portos" iniciada no polêmico governo Collor. A partir deste marco começa a se consolidar um empresariado focado no comércio exterior, que tem como alvo inicial de seus negócios a grande demanda reprimida por artigos importados.
Como fator natural de um mercado em expansão, surgem empresas especializadas no comércio aduaneiro, entre estas, as tradings, que nada mais são do que prestadoras de serviços nos setores de importação e exportação. O fato é que inúmeras empresas ou pessoas físicas passaram a importar por intermédio das chamadas tradings, que tinham experiência no setor, possuíam todos os cadastros e licenças necessárias para operar com eficiência e agilidade.
Assim, as tradings atuavam, em regra, intermediando operações negociais entre importador e exportador, sem maiores exigências burocráticas até o fatídico ano de 2002. Tal ano se destacou pela enxurrada de normas regulamentares aduaneiras que burocratizaram sobremaneira o comércio exterior.
No contexto dessa superabundância de normas infralegais, destacaram-se as Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal (IN/SRF) nº 225/2002 e a nº 228/2002, que tornaram caudalosa e extremamente perigosa a atividade de todo empresariado aduaneiro.
Apesar das instruções normativas não poderem inovar às leis das quais advêm, é indiscutível que estas inovaram e foram além, chegando ao ponto de restringir normas constitucionais. Contudo, foge a este artigo discutir a juridicidade de tais normativas, servindo apenas como um breve retrospecto para tratar da importação por encomenda.
Tais regulamentos criaram uma condição para se operar dentro da legalidade e evitar o temido procedimento especial de fiscalização previsto na IN/SRF nº 228, que geralmente culmina com perdimento das cargas, inaptidão do CNPJ e/ou a bancarrota da empresa, além de eventuais problemas no âmbito criminal em face dos responsáveis legais pela empresa.
A partir da IN/SRF nº 225/2002 surgiu o tratamento distinto para compra e venda à conta e ordem; não se podia mais contratar as tradings para importar sem enfrentar a burocracia que as mesmas evitavam. Deste marco regulamentar, os contratantes de serviços das tradings passaram a necessitar dos mesmos cadastros e licenças que antes eram exigidas apenas dessas últimas e ainda passaram a ter que figurar em todos os passos da importação. As tradings prestadoras de serviços de importação e exportação perdiam talvez a sua razão existencial.
O fato é que muitas tradings, alicerçadas na liberdade contratual preconizada pela Constituição Federal e o Código Civil, continuaram atuando como antes operavam, intermediando importações, sem apresentar o real adquirente. Resultado: inúmeras autuações por interposição fraudulenta de terceiros ou ocultação do real adquirente, incontáveis inaptidões de CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), e diversos processos criminais por descaminho, falsidade ideológica e/ou por uso de documento falso.
Dentro deste inusitado cenário, diversas tradings se uniram com o objetivo de apresentar ao Congresso Nacional uma demanda pleiteando a elaboração de um projeto de lei que, se aprovado, poderia evitar ou mitigar o arbítrio das autoridades alfandegárias ao lidarem com as operações de importação.
Para tal tarefa conseguiram a adesão de um desconhecido Deputado Federal de Rondônia que, apesar de seu estado não ter qualquer tradição no comércio internacional, se empenhou em levar adiante o projeto de lei.
Conseguiu-se, enfim, aprovar o projeto da importação por encomenda ao encaixá-lo na Medida Provisória nº 267, de 2005, posteriormente convertida na Lei nº 11.281/2006. Entretanto, por pressão dos burocratas da Receita Federal, foi inserido um perigoso adendo que dava poderes ao leão para regulamentar a matéria. Era o sinal de que o tiro sairia pela culatra.
Na sua gênese, a importação por encomenda resolveria o problema maior das tradings ao impedir que importações por compra e venda com comprador já predeterminado fossem interpretadas como à conta e ordem irregular pela Aduana, gerando daí o perdimento por interposição fraudulenta ou ocultação do real adquirente.
A regulamentação levada a efeito pela Receita Federal praticamente anulou os efeitos previstos pelo projeto de lei e trouxe mais imprecisão técnica, o que se consubstanciou em mais munição aos fiscais aduaneiros.
A primeira versão da instrução normativa que procurou regulamentar a matéria, qual seja, a IN/SRF nº 634/2006, não trazia a exigência de obtenção do RADAR pelas encomendantes. Estranhamente, tal versão ficara no ar no site da Receita Federal por apenas uma semana, tendo surgido, posteriormente, um adendo que inseria tal exigência, o que anulou por completo os objetivos do novo instituto criado.
Financiamento integral da importação, dever de vincular os CNPJ’s da importadora e da encomendante na Aduana, informação da existência do encomendante na Declaração de Importação e necessidade de RADAR para o encomendante são alguns dos requisitos impostos pela Receita Federal para a atuação de pessoa jurídica importadora em operações procedidas para revenda à encomendante predeterminado.
Deste emaranhado legal surgem diversas dúvidas, as quais caberá ao Poder Judiciário responder. Entre essas dúvidas, algumas de vital importância são: O que é necessariamente uma encomenda? Qual é a regularidade mínima para se ter uma encomenda? A proibição de adiantamento seria constitucional?
Fica claro que a nova modalidade de importação tornou mais revolto o mar de imprecisão que já dominava o cenário aduaneiro brasileiro, impondo ao importador extrema cautela em suas operações para não cair na teia de presunções de fraude usada pela fiscalização.