6. A responsabilidade civil do empregador por acidente de trabalho.
A responsabilidade civil do empregador em caso de acidente de trabalho é, como todos os demais deveres de reparação por atos danosos, regulado pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o novel Código Civil. O ato ilícito é descrito, no seu artigo 186 da seguinte forma: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, ficando obrigado a repará-lo (art. 927 do CCB)".
Como se vê, no Brasil foi consagrada, como regra geral, a teoria da culpa, ou seja, a responsabilização subjetiva por danos. O mesmo se diga em relação à responsabilidade do empregador por danos oriundos de acidentes de trabalho. Nesse sentido, se posiciona o inciso XXVIII, do art. 7º constitucional, verbis:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa;
Nesse sentido vem caminhando a jurisprudência, conforme se extrai dos arestos a seguir colacionados:
ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. NECESSIDADE DE CULPA DO EMPREGADOR. O engajamento da responsabilidade civil do empregador não prescinde dos elementos subjetivos, dolo ou culpa. É que a responsabilidade civil dos particulares, no direito brasileiro, ainda se governa, como regra geral pelo princípio da responsabilidade subjetiva, ancorando-se no critério da culpa. Entendimento diverso importaria em erigir o empregador a uma espécie de segurador universal, responsável por todos os imprevistos indesejáveis que possam vir a ocorrer. (TRT 3ª região- RO 00452-2003-042-03-00-8- 7ª T.- rel. Juiz Paulo Roberto de Castro- DJMG 04.11.2003-p.16)
ACIDENTE DE TRABALHO. DOENÇA OCUPACIONAL. Ainda que comprovado o nexo de causalidade entre o labor do empregado e a doença adquirida, a indenização devida pelo empregador imprescinde da ocorrência e constatação de culpa ou dolo deste, já que se trata de responsabilidade subjetiva, conclusivo que se extrai da exegese do inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal, que, nestes casos, somente contempla a responsabilização objetiva do INSS. (TRT 5ª R. RO 00424-2002-462-05-00-6-(2.282/04)- 2ª T.- Relª Juíza Débora Machado- j. 05.02.2004)
ACIDENTE DE TRABALHO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DA CULPA. NÃO-COMPROVAÇÃO. INVIABILIDADE. 1) Em tema relacionado a acidente de trabalho prevalece a responsabilidade civil da culpa, e não tendo sido comprovada tal culpabilidade, impõe-se a improcedência da pretensão autoral. 2) recurso provido. (TJ-DF, 2ª Turma Cível, acórdão nº 183488, Apelação Cível, julgado em 15.09.2003, publicado em 11.02.2004, DJ-TJ, pág. 57)
RESPONSABILIDADE CIVIL- ACIDENTE DE TRABALHO - PROVA DA CULPA DO EMPREGADOR – NECESSIDADE. Responsabilidade civil - Acidente de trabalho - Ato ilícito - Indenização de direito comum - Culpa do empregador não demonstrada - Recurso provido. A obrigação de indenizar do empregador, por acidente de trabalho, somente se corporifica quando caracterizados o dano, sofrido pelo empregado, o dolo ou a culpa do empregador e o nexo etiológico entre ambos. Não logrando o obreiro demonstrar que o evento resultou de ação culposa atribuível ao empregador, improcede a ação indenizatória, permanecendo o fato dentro da esfera do risco próprio da atividade empresarial, coberto pelo seguro social."(Ac un da 4.ª C Civ do TA PR - PR 38.377-7 - Rel. Juiz Mendes Silva, Convocado - j 21.08.91 - DJ PR 06.09.91, p 35 - emenda oficial). (Repertório IOB de Jurisprudência - Caderno 03/91 - Ementa 6191).
ACIDENTE DE TRABALHO - Responsabilidade civil - Indenização - Art. 159 do Código Civil e art. 7º inciso XXVIII da CF - Culpa do empregador - Não caracterização - Imprudência da vítima - Recurso desprovido. Agindo o empregado de forma imprudente no uso de máquina moedora de carne, sem tomar as devidas cautelas, qual seja, o uso adequado do protetor (soquete) colocado a sua disposição para sua atividade laboral de forma segura, não há como infrigir a culpa do evento ao empregador. (TJ-PR, Processo nº 0085816-2 Ac 6613 - Relator Juiz Fernando Vidal de Oliveira, DJ - PR 10.05.96 In Binijuris P 850.)
No que tange à indenização previdenciária, a responsabilidade é plenamente objetiva, com base na teoria do risco integral, i.e., o dever de indenizar se apresenta tão logo se observe o dano, ainda que tenha ocorrido dolo do empregador, culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior.
Repare-se que o benefício previdenciário não exclui a indenização patronal, quando este incorrer em dolo ou culpa (responsabilidade subjetiva). A possibilidade constitucional de dúplice indenização baseia-se na premissa de que a reparação deve ocorrer da melhor maneira possível, sendo razoável admitir-se que a indenização paga pelo INSS, a partir de um sistema tarifado de seguro obrigatório, não consegue, frequentemente, atingir o ideal da justa e plena reparação.
Consoante leciona Sebastião Oliveira (2005), em que pese a uníssona voz de empregadores no sentido de que a cumulação da indenização acidentária com a reparação civil representaria verdadeiro bis in idem, a jurisprudência nunca vacilou com relação ao tópico. A sessão plenária do STF realizada no dia 13 de dezembro de 1963, por exemplo, chancelou a possibilidade da cumulação de indenizações, com a aprovação da Súmula 229, a qual consigna que "a indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador".
Portanto, como se observa, muito antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 já havia sido pacificado na jurisprudência a cumulação da indenização acidentária com a do direito comum, sem qualquer compensação. A grande inovação constitucional, a qual superou o verbete sumular retro citado, foi dispor que basta a simples culpabilidade e não somente a culpa grave patronal para ensejar o dever de reparação por danos oriundos do acidente de trabalho.
No entanto, significativa mudança paradigmática atinente ao dever de reparação no direito brasileiro foi provocada com a promulgação do novel Código Civil, consagrando a dever de reparação em caráter objetivo, quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, consoante se demonstrará no item subsequente.
6.1. A teoria do risco e a responsabilidade objetiva do empregador por acidente de trabalho
A responsabilidade objetiva (teoria do risco) representa a noção de que "aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e comportamento sejam isentos de culpa". (RODRIGUES, 2003, p.11) É aquela que prescinde de prova de culpabilidade do agente, para efeitos reparatórios, bastando tão-somente que ocorra o dano e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado.
A teoria do risco surgiu no século XIX como um imperativo das intensas transformações socioeconômicas produzidas no mundo a partir do advento a Revolução Industrial. Na doutrina colhemos as lições de Martins (2003, p.60)
A rigidez da teoria da culpa cede lugar, paulatinamente, à teoria do risco. Isto porque a responsabilidade baseada somente na culpa é insuficiente para responder às necessidades da atualidade: o desenvolvimento das ciências, o progresso do maquinarismo, a multiplicação e mecanização dos meios de transporte. Na área de produção de bens e serviços, podemos elencar como tendência dominante a intensificação do ritmo de trabalho, o surgimento de atividades que exigem a repetição contínua e ininterrupta de movimentos e a flexibilização e precarização do trabalho que impõem condições laborais fora dos padrões aceitáveis (jornada estafante, falsas cooperativas, banco de horas, horas extras em demasia, exigência de metas de produção)
No mesmo sentido se manifesta Alvino Lima (apud SALIM, 2005,p.459):
Dentro do critério da responsabilidade fundada na culpa não era possível resolver um sem-número de casos que a civilização moderna criava ou agravava; imprescindível se tornava, para a solução do problema da responsabilidade extracontratual, afastar-se do elemento moral, da pesquisa psicológica do íntimo do agente, ou da possibilidade de previsão ou de diligência, para colocar a questão sob um ângulo até então não encarado devidamente, isto é, sob o ponto de vista exclusivo da reparação, e não interior, subjetivo, como na imposição de pena. Os problemas da responsabilidade são tão-somente os de reparação de perdas. Os danos e a reparação não devem ser aferidos pela medida da culpabilidade, mas devem emergir do fato causador da lesão de um bem jurídico, a fim de se manterem incólumes os interesses em jogo, cujo desequilíbrio é manifesto, se ficarmos dentro dos estreitos limites de uma responsabilidade subjetiva.
Desse modo, a responsabilidade subjetiva não mais respondia pela realidade construída sobre um modelo frenético de circulação de bens e serviços em massa, não mais se compatibilizava com os anseios de justiça e equidade. Ora, se reduzirmos à responsabilização do agente a um critério subjetivo, é ônus do autor provar a sua culpabilidade, o que na prática é uma missão irrealizável. Nas palavras de Rodrigues (apud MARTINS, 2003, p.61) "como poderá o viajante que caiu do trem demonstrar que os empregados da estrada negligenciaram em fechar as portas do vagão ao sair o comboio da última estação?".
A teoria do risco criado, que corresponde a uma espécie da teoria do risco, é de fundamental importância no presente estudo. Nessa modalidade, "o dever de indenizar é gerado quando, em razão da atividade ou profissão, o perigo é criado". (BRANDÃO, 2006, p.260).
O ponto chave da teoria do risco criado é aquele que afirma a responsabilidade objetiva do agente, toda vez que, por sua atividade ou profissão, cria um risco para outrem, independentemente de vantagem ou proveito para o agente. "Se alguém (o empresário, por exemplo), na busca de seu interesse, cria um risco de causar danos a terceiros, deve repará-lo, mesmo se agir sem culpa, se tal dano adveio. Ubi emolumentum, ibi onus." (RODRIGUES, 2003, p.162)
No tocante ao acidente de trabalho, a doutrina há algum tempo já se posicionava por uma responsabilização objetiva do empregador, quando do desenvolvimento de atividade de risco. Jean Carbonnier (apud SALIM, 2005, P.460), por exemplo, aponta as razões de receptividade da teoria do risco no que tange à reparação de danos oriundos de acidentes de trabalho:
Além do desenvolvimento da máquina e da correspectiva multiplicidade de acidentes e dos acidentes anônimos cuja causa não se pode atribuir a nenhuma ação humana, acresce a circunstância de que, para quem vive de seu trabalho o acidente corporal significa a miséria. É preciso então organizar a reparação.
Com a promulgação do novo Código Civil de 2002, a responsabilidade objetiva deixou de ser uma mera exceção capitulada em alguns dispositivos do Digesto Civil revogado e leis especiais, para se tornar uma regra geral aplicável quando o risco para terceiros permear a atividade desenvolvida pelo autor. De fato, a introdução do parágrafo único ao art. 927 do novel Código Civil, representa um verdadeiro passo adiante na proteção da pessoa e da dignidade humana, em total consonância com o amadurecimento doutrinário, senão vejamos:
Art. 927 [...]
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Assim, o preceptivo autoriza, em tese, a responsabilização objetiva do empregador por danos oriundos da infortunística laboral, quando sua atividade implicar risco para os direitos de outrem. É bem verdade que essa interpretação representa uma aparente antinomia com o inciso XXVIII, do art. 7º constitucional, que consagra a responsabilidade subjetiva do empregador por acidentes de trabalho, razão pela qual analisaremos o tema no tópico seguinte.
6.1.1. Da validade material do parágrafo único do art. 927 do CCB ante o inciso XXVIII, do art. 7º constitucional.
É compatível o parágrafo único do art. 927 do CCB com o inciso XXVIII, do art. 7º constitucional? Em outras palavras, seria possível responsabilizar objetivamente o empregador por acidente de trabalho com base numa legislação infraconstitucional, quando a própria Lei Maior consignou expressamente a responsabilidade subjetiva do empregador?
Rui Stoco (2004, p.166) acredita que não é possível. Segundo ele, "se esse Estatuto Maior estabeleceu, como princípio, a indenização devida pelo empregador ao empregado, com base no direito comum, apenas quando aquele obrar com dolo ou culpa, não se pode prescindir desse elemento subjetivo com fundamento no art. 927, parágrafo único do Código Civil."
A mesma opinião é compartilhada por Carlos Roberto Gonçalves (2005, p.475), que comentando o paralelo entre os dois preceptivos, afirma que "não tem uma lei infraconstitucional o condão de modificar norma ou princípio estabelecido na Carta Magna".
Em que pese a precisão teórica de ambos os juristas, a melhor interpretação nos leva a afirmar que há plena compatibilidade entre as duas normas sob enfoque. Isso porque a Constituição está alicerçada no princípio da dignidade da pessoa humana, diretriz maior que norteia toda a hermenêutica constitucional.
Ora, sendo assim, não faz sentido adotar uma interpretação restritiva, reduzindo os direitos enumerados no art. 7º a um rol taxativo. O caput do art. 7° da CF/88, consigna que "são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social" (Destaque nosso)
Como se vê, a própria Lei Maior deixou em aberto a possibilidade de a legislação infraconstitucional expandir o rol dos direitos sociais dos trabalhadores. Significa afirmar que os direitos consignados na Constituição Federal representam o patamar jurídico-social mínimo, de caráter meramente exemplificativo. Oportunas são as lições de Mascaro (apud BRANDÃO, 2006, p.306):
A Constituição deve ser interpretada como um conjunto de direitos mínimos e não de direitos máximos, de modo que nela mesma se encontra o comando para que direitos mais favoráveis ao trabalhador venham a ser fixados através da lei ou das convenções coletivas.
Ao declarar que outros direitos podem ser conferidos ao trabalhador, a Constituição cumpre tríplice função. Primeiro, a elaboração das normas jurídicas, que não deve perder a dimensão da sua função social de promover a melhoria da condição do trabalhador. Segundo, a hierarquia das normas jurídicas, de modo que, havendo duas ou mais normas, leis, convenções coletivas, acordos coletivos, regulamentos de empresa, usos e costumes, será aplicável o que mais beneficiar o empregado, salvo proibição por lei, Terceiro, a interpretação das leis de forma que, entre duas interpretações viáveis para a norma obscura, deve prevalecer aquela capaz de conduzir ao resultado que de melhor maneira venha a atender aos interesses do trabalhador.
Portanto, é sim compatível o parágrafo único do art. 927 do CCB com o inciso XXVIII do art. 7º constitucional. Aliás, a não-aplicação do preceptivo legal ante a ocorrência de acidente de trabalho, por exercício de atividade de risco, atentaria até mesmo contra a lógica jurídica. É que ocorreria inarredável desigualdade de tratamento: o empregador teria responsabilidade objetiva para com terceiros, mas seria necessário avaliar sua culpabilidade caso o prejudicado fosse seu próprio empregado. Tal contradição não escapou da crítica percuciente de Pamplona Filho (apud SALIM, 2005, p. 462):
Ao aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador pela atividade exercida, responderia objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relação a seus empregados, por causa de danos causados justamente pelo exercício da mesma atividade que atraiu a responsabilidade objetiva, teria um direito a responder subjetivamente..."
Ademais, consoante ensina Adib Salim (2005), sob o prisma técnico-jurídico inexiste qualquer antinomia a ser observada. É que a Constituição Federal, ao prever a responsabilidade subjetiva do empregador ante a ocorrência de acidente de trabalho, inseriu cláusula obrigatória nos contratos de trabalho, i.e., o dever de reparação passou a ser um patamar jurídico mínimo deferido ao trabalhador, assim como o salário mínimo, FGTS, férias, etc. Desse modo, possui nítido matiz contratual.
Já a regra insculpida no parágrafo único do art. 927 do CCB, passou a trazer hipótese de responsabilização objetiva com base na teoria do risco criado, se aplicando a qualquer que sofra danos em virtude da atividade de risco, inclusive eventual empregado. A hipótese legal se ajusta às mais variadas situações e, desse modo, prescinde de uma relação contratual entre responsável e lesado, razão pela qual possui natureza extracontratual.
De igual modo, o jurista mineiro Godinho Delgado (2004, p.620) elucida a aplicabilidade da responsabilidade objetiva nos domínios da infortunística do trabalho:
Note-se a sabedoria da ordem jurídica: a regra geral mantém-se com a noção de responsabilidade subjetiva, mediante aferição de culpa do autor do dano (art. 159, CCB/1916; art. 184 CCB/2002). Entretanto, se a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano (no estudo em questão, a empresa) implicar, por sua natureza, risco para os trabalhadores envolvidos, ainda que em decorrência da dinâmica laborativa imposta por essa atividade, incide a responsabilidade objetiva fixada pelo Direito (art. 927, parágrafo único, CCB/2002).
A mais abalizada jurisprudência já tem reconhecido a responsabilidade objetiva do empregador quando da ocorrência de acidente de trabalho:
ACIDENTE DO TRABALHO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - DANOS MORAIS - Diversamente dos fundamentos da Teoria Subjetiva - de que a responsabilidade civil se reveste de requisitos inerentes à sua própria natureza "a prática de um ato ou omissão violadora do direito de outrem; a concretização de um dano; o nexo causal entre o fato e o resultado, além da configuração da culpa do agente para a sua realização" deve prevalecer a Teoria Objetiva, que tem como fundamento não o elemento subjetivo, culpabilidade, mas o elemento objetivo, dano, bastando que ele exista para que sobrevenha para o seu autor o dever de reparar, quando a vítima não tenha contribuído para o evento, com exclusividade. (TRT 3ª R., 6ª T., RO 16043/01, data da publicação 15.03.2002, fonte DJMG, p.10)
dano moral. ASSALTO A BANCO. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. Revela-se totalmente previsível ao senso comum que, com os atuais níveis de violência, os bancos que não providenciem proteção privada para seus funcionários, ocupantes de cargo de confiança, resultem em culpa (negligência). Em tais condições, tendo o gerente sofrido agressões físicas e psicológicas durante assalto, deve o banco indenizá-lo do dano moral sofrido. Ademais, na sistemática do novo Código Civil, o parágrafo único do art. 927 introduziu a chamada teoria do risco, segundo a qual aquele que cria um risco de dano pelo exercício de sua atividade obriga-se a repará-lo, independentemente de culpa (responsabilidade objetiva), a qual é presumida.(TRT 18ª R., RO- 00345-2003-051-18-00-9, Relator: JUÍZA IALBA-LUZA GUIMARÃES DE MELLO, Data de Julgamento: Goiânia, 25/11/2003, disponível in INFORMA JURIDICO, v.34, CD 2)
Portanto, não pairam dúvidas de que a hermenêutica jurídica caminha firmemente em direção à responsabilização objetiva do acidente de trabalho nas atividades de risco, acolhendo a nova sistemática oriunda do Código Civil de 2002.
6.1.2. Critério para aferição de atividades de risco criado
Esclarecida, portanto, a compatibilidade do parágrafo único do artigo 927 do CCB com a Constituição Federal de 1988, imperioso se faz discutir o conteúdo hermenêutico do referido preceptivo. Afinal de contas, como delimitar o risco de uma determinada atividade? Como classificar uma atividade como sendo de risco e outra não? A imprecisão terminológica e vagueza semântica da norma poderiam conferir ao julgador um poder discricionário que fatalmente redundaria em insegurança jurídica.
Raimundo Simão de Melo (2004, p.284), buscando uma caracterização da atividade de risco mencionada no parágrafo único do art. 927 do CCB discorre que "não é um risco qualquer, normal e inerente a qualquer atividade humana e/ou produtiva, mas, a atividade cujo risco a ela inerente é excepcional e incomum, embora previsível".
Cláudio Brandão (2006, p.359/361) classifica as atividades de risco em cinco categorias, a seguir delineadas:
a)atividades perigosas definidas no art. 193 da CLT; que são aquelas que submetem o empregado, no seu labor, ao contato permanente com substâncias inflamáveis ou explosivas em condições de risco acentuado, caracterizadas na NR-16, a exemplo de transporte e armazenamento de explosivos; produção, transporte, processamento e armazenamento de gás liquefeito; abastecimento de aeronaves; fabricação de armas, bombas e explosivos, dentre outras.
b)atividades insalubres cujo conceito é fornecido pelo artigo 192 da CLT: são descritas na NR-15, sujeitam o empregado aos efeitos de um agente insalubre e somente são consideradas como tais quando o limite de tolerância, definido na lei de forma objetiva, for ultrapassado, como ruído contínuo ou intermitente que somente torna insalubre a atividade quando o tempo de exposição ultrapassar 8 horas, no nível de 85 dB.
c)atividades enumeradas no Anexo II do Regulamento da Previdência Social, que propiciam a ocorrência das doenças ocupacionais (profissionais ou do trabalho), conforme previsto no art. 20, I, da Lei 8.213, ded 24.1.1991, em virtude do contato com agentes químicos tais como aesênico, asbesto, benzeno, etc.
d)atividades penosas, conceituadas como as que,
"[...] sem acarretar diretamente doenças, provocam desgastes e até envelhecimento precoce, em razão da natureza do serviço, da forma de execução, do esforço requerido, da intensidade das tarefas, ou do seu caráter repugnante, incômodo ou desagradável."
[...]
e) atividades consideradas como notoriamente de risco, a exemplo de transporte de valores e de passageiros; de segurança e vigilância; serviço de carro-forte no transporte de bens e valores; geração e distribuição de energia elétrica; exploração de minas em subsolo; deemolição; uso de arma de fogo; trabalho em alturas; trabalho de inspeção em linhas de transmissão de energia elétrica por meio de sobrevôo de helicópteros.
Essa classificação, a nosso ver, nos fornece um excelente parâmetro para a classificação das atividades de risco inerente e, consequentemente, a eventual responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes da infortunística laboral.
6.1.3. Excludentes e atenuantes da responsabilidade
A responsabilidade objetiva não é sinônima de responsabilidade ilimitada. Para a sua configuração é imprescindível a demonstração do dano e do nexo etiológico entre a conduta e o resultado.
Nos casos de acidente de trabalho, as excludentes e atenuantes da responsabilidade diferem a responsabilidade do INSS, a qual é plena por ser baseada na teoria do risco integral, da responsabilidade do empregador que, sendo objetiva ou subjetiva, sempre será elidível ante a inexistência de nexo causa entre o dano e a conduta.
Os principais casos de excludentes de responsabilidade são: a culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior. Como atenuantes, a culpa comum e a culpa concorrente poderão amenizar a responsabilidade do empregador, influindo na extensão da reparação.
6.2. Estabilidade acidentária
A estabilidade acidentária é instituto previsto no art. 118 da Lei 8.213/91, a qual estabelece que "o segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente".
A despeito de sua previsão na lei de benefícios da previdência social, a estabilidade acidentária possui nítida natureza trabalhista, porquanto gera para o empregador a responsabilidade de garantir o emprego do acidentado por pelo menos doze meses da cessação do auxílio-doença acidentário.
Desse modo, o empregado vitimado por infortúnio laboral súbito ou afligido por doença profissional é protegido por garantia de emprego, que obsta a sua injusta despedida por um determinado lapso temporal.
Sustentou-se, por longo tempo, a inconstitucionalidade formal do art. 118 da Lei 8.213/91, com a tese de que lei ordinária não teria o condão de dispor sobre vedações à dispensa arbitrária, uma vez que o art. 7º, I da CF/88 delega essa tarefa à lei complementar.
A cizânia doutrinária e jurisprudencial culminou com a ADIN nº 639-8/600, cujo relator foi o Ministro Moreira Alves. Consoante ressalta Palmeira Sobrino (apud PERES, 2005, p.1235), entendeu o STF que "a garantia provisória do emprego, tal qual prevista na norma impugnada, não ofende a Lei Maior, pois está em harmonia com o caput do art. 7º e com o art. 197 da Carta Federal."
Realmente esse é o melhor entendimento. Não é crível admitir-se a inconstitucionalidade de uma norma tão afinada com os princípios da dignidade da pessoa humana, promoção da saúde e valores sociais do trabalho. Vejamos a percuciente lição de Galvão Peres (2005, p.1235):
A garantia de emprego ao trabalhador acidentado não se confunde com a proteção contra despedida arbitrária de que trata o art. 7º,I, da CF. Esta previsão diz respeito a uma proteção genérica a todos os trabalhadores, enquanto que a primeira cuida de situação específica. A Constituição, em seu artigo 7º, caput, não afasta outras formas de proteção do trabalhador, e seus artigos 196 e 197 prevêem a adoção de medidas para a proteção, promoção e recuperação de saúde.
A propósito, o TST já pacificou a questão por meio da Súmula 378, verbis:
378. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991. CONSTITUCIONALIDADE. PRESSUPOSTOS. - Res. 129/2005 - DJ 20.04.2005.
I - É constitucional o artigo 118 da Lei nº. 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado.
II - São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.
Desse modo, resta totalmente incontroverso o dever empregatício de garantir provisoriamente o emprego do acidentado. Entretanto, como bem lembra o inciso II da mencionada súmula, a estabilidade acidentária é totalmente condicionada à percepção do auxílio-doença acidentário.
Em outras palavras, o fato gerador da garantia não é o acidente em si, mas a percepção de um benefício previdenciário específico, qual seja, o auxílio-doença acidentário, que possui como pré-requisito um afastamento superior a 15 (quinze) dias oriundo de acidente de trabalho.
A nosso ver, condicionar a percepção da estabilidade acidentária à concessão do benefício previdenciário pode acarretar inúmeras injustiças, como tão bem observa Galvão Peres (2005, p.1236):
É possível que um grave acidente não implique afastamento superior a quinze dias (o que é freqüente nas doenças equiparadas a acidente) e, por outro lado, há acidentes de menor gravidade que podem levar a grandes afastamentos. Sob a perspectiva do direito previdenciário, não há nenhuma injustiça, na medida em que o auxílio-doença acidentário se presta a compensar o impedimento para a atividade. Há, contudo, o reflexo dessa peculiaridade para a garantia de emprego, que simplesmente deixa de existir. Essa é uma das facetas perversas da vinculação da estabilidade ao benefício previdenciário.
Outro grave problema que frequentemente ocorre é a não-emissão pelo empregador da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Tal prática é deveras nefasta para o trabalhador, uma vez que obsta a percepção do auxílio-doença acidentário e, consequentemente, da garantia de emprego. Luís Salvador (2006, on line) elucida o tópico de maneira lúcida e realista:
[...] é de todos consabido que se a CAT for emitida pelo empregador o INSS concede o benefício "auxílio-doença acidentário" (B91). Mas se a CAT for formalizada pelo próprio acidentado e ou pelas demais pessoas e ou entidades autorizadas, o benefício que poderá ser e ou não concedido pelo órgão previdenciário é apenas o auxílio-doença (B32). E passados, 90 dias, no máximo, como regra geral, o benefício é suspenso, o trabalhador é liberado para retornar ao emprego, caso ainda não tenha sido despedido, o que tem permitido que as empresas já possam dispensar o empregado, mesmo que esteja doente e lesionado, como tem ocorrido, trocando o empregado infortunado por outro empregado ainda gozando de boa saúde e de menor custo operacional.
Essa prática já costumeira, mesmo nas empresas transnacionais, cria um quadro desolador no país. Milhares de trabalhadores, mesmo doentes e lesionados, são despejados no mercado de trabalho, sem possibilidade de se conseguir nova ocupação, porque a doença contraída em serviço, no emprego anterior, é facilmente demonstrada nos exames admissionais a que se submetem os trabalhadores, o que não ocorre com o mesmo rigor nas despedidas, em que os exames demissionais são, no geral, superficiais, sem atendimento sequer das exigências e condições estabelecidas pelo art. 168 da CLT, bem como da Norma Regulamentadora nº 7 – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (Portaria nº 8, de de 08.05.1996), para que o ato resilitório pudesse ser considerado válido.
Algumas vezes, o trabalhador labora sem registro na sua CTPS, i.e., sem reconhecimento formal do liame empregatício. Quando sofre acidente de trabalho ou se encontra acometido de doença profissional, não raro é dispensado incontinênti ou, na melhor das hipóteses, permanece o empregador arcando com a remuneração do período de afastamento, ao invés de encaminhá-lo ao INSS.
Nesses casos em que tenta ardilosamente o empregador obstar a estabilidade acidentária, ela é devida, em que pese a inexistência de percepção do auxílio-doença acidentário. Consoante lecionam Castro e Lazzari (2004, p.503), "a não-fruição do auxílio-doença não caracteriza, por si só, inexistência de estabilidade, quando tal fato decorreu de atitudee com o fito de mascarar o acidente; apenas se não atingidos os dezesseis dias de incapacidade é que não se tem como cogitar de garantia contra a dispensa sem justo motivo."
Nossos pretórios trabalhistas, de igual modo, têm garantido o direito à estabilidade acidentária, quando ocorre a ausência de emissão da CAT por parte do empregador:
ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DE TRABALHO. CONFIGURAÇÃO. A negligência da empresa na expedição da CAT, opondo obstáculo para o preenchimento dos requisitos legais pelo reclamante, torna despicienda a percepção do auxílio-doença para assegurar ao recorrido a estabilidade provisória decorrente do art. 118 da Lei 8213/91. (TRT 10ª R., 1ª T., TIPO:RO NUM: 00385 ANO: 2002 01-2001/0229, in INFORMA JURÍDICO, v.34, CD 2)
ESTABILIDADE. ACIDENTE DE TRABALHO.CONDIÇÕES. È certo que o artigo 118 da lei 8.213/91 estabelece, como marco inicial da estabilidade provisória decorrente de acidente de trabalho, a data da cessação do auxílio-doença, exigência que também está contida na Orientação Jurisprudencial nº 230, da SDI-1 do TST. Se, porém, o empregador deixa de anotar na CTPS do empregado o contrato de trabalho, tampouco expedindo a comunicação de acidente de trabalho, não pode invocar a própria omissão como óbice à conquista da garantia de emprego e dos benefícios legais correlatos. Aplica-se, no caso, o disposto no art. 129 do novo Código Civil, autorizando que se repute verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento tenha sido maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer. (TRT 3ª R., RO 00184-2003-044-03-00-7, 6 T., Rel. Juiz Ricardo Marcelo Dias, DJMG 9.9.04, p.13)
ACIDENTE DE TRABALHO. ESTABILIDADE. Art. 118 da Lei 8.213/91. A autora deixou de receber o auxílio-doença acidentário pelo código 91 por culpa exclusiva do réu que deixou de emitir a CAT. Essa circunstância, não quer significar, necessariamente, que não seja portadora de doença profissional. O que dá direito à estabilidade não é o afastamento ou a percepção do benefício previdenciário acidentário, mas o fato objetivo do acidente de trabalho (ou doença profissional equiparada). O bem jurídico tutelado é a condição do trabalhador acidentado, não a existência de uma formalidade previdenciária. (TRT 2ª R., RO 31.014(20030563393), 6ª T., DOESP 31.10.03)
Importante ressaltar que a lei assegura a manutenção do contrato de trabalho na empresa, não somente a percepção da remuneração do período estabilitário. De forma que, uma vez recebendo alta no INSS, o trabalhador deve retornar a empresa, mesmo que readaptado em nova função, quando houver decréscimo de sua capacidade laborativa.
Esse retorno deverá ser acolhido com o pagamento do salário que o obreiro fazia jus no momento do afastamento, acrescido de eventual plus oriundo de negociações coletivas do período de licença, sendo inadmissível a redução salarial ou sua compensação com o auxílio-acidente.