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A dimensão política da jurisprudência constitucional.

Politização do jurídico?

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Agenda 29/01/2010 às 00:00

4 SOLUÇÕES PARA O IMPASSE DEMOCRACIA REPRESENTATIVA VERSUS "GOVERNO DOS JUÍZES"

Conforme demonstrado nos capítulos anteriores, chega-se à conclusão de que o Poder Judiciário não pode se limitar a exercer meramente funções de caráter jurídico, técnico, secundário. Deve, ao contrário, atuar proativamente, proferindo decisões de natureza e efeitos essencialmente políticos. Longe de respaldar-se um "governo de juizes", resguardando-se um mínimo de impacto na observância das normas positivadas e na separação dos poderes, a Justiça tem de impor-se como instrumento de consecução do bem-estar social.

Somente assim pode-se controlar as arbitrariedades do Legislativo e do Executivo hipertrofiados no Estado moderno e reprimir os abusos do poder econômico e social das grandes corporações, tendenciosas em manipular e influenciar a opinião pública. Neste sentido, afirma Sampaio Dória: "Para que possa o socorro judiciário prevalecer contra os abusos do poder, preciso é que o juiz se possa opor ao poder em seu abuso. Isto é, seja, por sua vez, poder [10]".

Ainda neste ponto, transcreve-se a lúcida a opinião de Dobrowolski:

Não é admissível um Judiciário que permaneça encastelado, a decidir, comodamente, apenas conflitos privados sem maior expressão, perante a realidade sócio-política dos dias presentes. É compreensível uma Justiça "quase nula", ao tempo dos iluministas, quando as populações eram rarefeitas, a tecnologia incipiente e os recursos estatais destituídos de maior potencialidade. Atualmente, quando os meios da técnica e a atividade econômica e social possuem aptidão para causar graves efeitos lesivos às populações massificadas, e perante um crescimento desorbitado da atuação estatal, capaz de violar direitos de incontável número de pessoas, é preciso um Judiciário que não se abstenha perante esses poderes agigantados, mas que tenha condições para enfrentá-los em patamar de igualdade. Em vez do Judiciário fraco da doutrina tradicional da separação de poderes, deve tornar-se o terceiro gigante, como o define MAURO CAPPELLETTI, para manter o equilíbrio de forças, necessário aos controles recíprocos entre os poderes do Estado e ao controle do poderes sociais e econômicos (CAPPELLETTI, 1993:49-55).

A própria Constituição oferece meios processuais para a instrumentalização desse poder. São exemplos as ações comuns de controle da Administração e os remédios constitucionais; o "habeas-corpus", como tutela do "jus libertatis"; o "habeas-data", concernente a dados pessoais; e o mandado de segurança individual e coletivo, para proteção de outros direitos não protegidos pelos dois primeiros. Esses institutos possibilitam a reparação de ilegalidades praticadas pelos agentes administrativos contra o cidadão comum.

O maior obstáculo ao ativismo judicial, no entanto, constitui o problema da legitimação democrática dos membros do Judiciário. Uma vez empossados através de concurso público, questiona-se qual o fundamento de seu controle sobre os outros poderes, constituídos por agentes eleitos. Assim, é altamente recomendável a adoção de bom senso por parte dos magistrados. Quando não se evidenciar ilegalidades, nem inconstitucionalidades, é prudente que o Judiciário se submeta às resoluções tomadas pelos demais poderes. Finalmente, a legitimidade democrática pode ser desenvolvida "através da abertura do Judiciário à crítica da sociedade, e a participação popular nas decisões, criando novas hipóteses de julgamento pelo júri ou órgãos semelhantes [11]".


CONCLUSÃO

O entendimento contrário ao que a doutrina norte-americana denomina judicial activism é, nos dias de hoje, ultrapassado.

O Principio da Separação dos Poderes, tal como idealizado por Montesquieu, já não pode ser adotado de maneira purista e radical. O obstáculo à atuação do Judiciário, quando necessária se fizer sua intervenção nos fatos e atos da vida política ou, para dirimir conflitos entre normas e entre estas e a Constituição, é antidemocrático e reacionário. A superação da conjuntura jurídico-política em que viveu Montesquieu, época em que se figurava imprescindível acionar o sistema de freios e contrapesos ante o poder absoluto do monarca, torna viável uma maior intervenção do Judiciário. Aliás, é importante frisar que esta atuação política nada mais é do que um mecanismo de promoção democrática da tutela dos direitos fundamentais expressos no texto constitucional.

Conforme ensina Inocêncio Mártires Coelho, "toda norma só vigora na interpretação que lhe atribui o aplicador legitimado a dizer o direito".

Constata-se, assim, que a inapetência política e a educação incipiente de grande parcela da população, tributários da má escolha dos representantes políticos, impõem um controle acurado do Judiciário, em detrimento de leis populistas e inconstitucionais e/ou arbitrárias em favor do Executivo e do Legislativo, em afronta aos princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal.

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Finalmente, conclui-se que a tese segundo a qual vivemos sob o jugo de um "governo de juízes" deva ser rechaçada pela doutrina moderna. A intervenção judicial representa, portanto, eficaz ferramenta de consecução prática dos princípios defendidos por uma Constituição dirigente, ou nas palavras de Ulysses Guimarães, uma "Constituição Cidadã".


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Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 166.826-1 - RS, In: Diário da Justiça da União, Seção 1ª, 24.09.93, p. 19.584).


Notas

  1. ROCHA JÚNIOR, José Jardim. Problemas com o governo dos juízes: sobre a legitimidade democrática do judicial review. In Revista de Informação Legislativa. Brasília: a. 38 n. 151 jul./set. 2001
  2. OLIVEIRA, Fábio de. Por uma Teoria dos Princípios: O Princípio Constitucional da Razoabilidade. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007, p. 40
  3. idem, p. 40
  4. ibidem, op. cit, p. 41
  5. ibidem, op. cit, p. 40
  6. Diário Catarinense, edição nº 8048, de 24 de abril de 2008, disponível em http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&edition=9726. Acesso em 08/05/2008.
  7. O Estado de São Paulo, edição de 27 de abril de 2008. Disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080427/not_imp163490,0.php. Acesso em 07/05/2008
  8. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 166.826-1 - RS, In: Diário da Justiça da União, Seção 1ª, 24.09.93, p. 19.584).
  9. DOBROWOLSKI, Silvio. A necessidade de ativismo judicial no estado contemporâneo. In REVISTA N.º 31 Ano 16, dezembro de 1995 - p. 97.
  10. DÓRIA, A. de Sampaio. Direito Constitucional. 3.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1953, apud DOBROWOLSKI, Silvio, op. cit.
  11. DOBROWOLSKI, Silvio. Op. cit, p. 98
Sobre o autor
Christian Chaplin Ganzo Savedra

Auditor Fiscal de Controle Externo do TCE/SC. Especialista em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAVEDRA, Christian Chaplin Ganzo. A dimensão política da jurisprudência constitucional.: Politização do jurídico?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2403, 29 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14265. Acesso em: 17 nov. 2024.

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