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Breve reflexão sobre a possibilidade de rejeição da denúncia após o seu recebimento liminar

Agenda 01/02/2010 às 00:00

A minirreforma do Código de Processo Penal Brasileiro, em especial a Lei nº 11.719/2008, (que trata, dentre outros assuntos, do procedimento comum ordinário), ainda suscita grande polêmica em torno do momento do recebimento da denúncia ou queixa, em virtude das novas redações dadas aos artigos 396 e 399 do CPP. Por conta disso, o tema merece contínua reflexão, sobretudo por trazer relevantes conseqüências práticas para a condução do processo criminal.

É de saber cediço que o verbete "receber", no âmbito da dogmática processual penal, possui sentido técnico próprio. O recebimento da denúncia é ato através do qual o Estado-juiz decide sobre viabilidade da ação movida pelo Ministério Público ou querelante. Com isto, objetiva-se evitar o início da instrução criminal quando verificada a ausência de quaisquer dos requisitos essenciais ao legítimo e regular exercício da ação penal.

Ao aprovar o texto da reforma com o verbo "receber" em dois dispositivos distintos, o legislador criou a controvérsia sobre em que momento a denúncia deverá ser efetivamente recebida (art. 396: antes da citação; ou art. 399: depois da apresentação da resposta do acusado). Com efeito, qualquer interpretação que pretenda solucionar a contenda instalada não poderá ser meramente literal, sob pena de incorrer numa solução pobre, típica de uma hermenêutica jurídica arcaica que remonta ao início século passado...

Nesse sentido, é importante destacar que o PL nº 4.207/01, que deu origem à lei, não trazia a atecnia apontada, deixando clara a opção pelo momento do recebimento da denúncia como sendo aquele após a apresentação da resposta. Isto se depreende da redação do art. 395 do referido PL, in verbis:

Art. 395. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito (...).

Acontece que, nas discussões realizadas no Congresso Nacional foi apresentado um substitutivo ao supracitado artigo, dando-lhe a redação que acabou sendo sancionada pelo Presidente da República. A preocupação dos congressistas foi compreensível e legítima: evitar que o lapso temporal, entre o despacho de citação e o recebimento da denúncia após a análise da resposta do acusado pelo magistrado, levasse à prescrição de diversos crimes. Sendo a denúncia recebida, de logo, naquele primeiro momento, o prazo prescricional seria imediatamente interrompido (art. 107, CP), evitando, assim, o risco de impunidade em face de eventual morosidade na tramitação processual.

No entanto, não há como negar que o espírito da reforma, consistente na instituição do contraditório prévio no processo penal nacional, restou consagrado. Frise-se que o referido instituto já é contemplado em legislações mais modernas, posteriores e em conformidade com a CF/88, como a lei nº 9.099/95, a lei de drogas (nº 11.343/06) etc., faltando apenas ser instituído nos procedimentos ordinário e sumário regulados pelo CPP.

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Com efeito, a utilização de uma solução para evitar o risco da prescrição adotada pelos congressistas e o estabelecimento de um contraditório prévio são perfeitamente harmônicos entre si. A solução encontrada para evitar a prescrição de maneira alguma, exclui o fato de que o processo penal pátrio passou a adotar o contraditório prévio nos procedimentos ordinário e sumário a partir da entrada em vigor da lei nº 11.719/2008. Não é outra a norma que se deve extrair do texto sancionado, tomando-se por base uma interpretação em consonância com os mais comezinhos princípios constitucionais (devido processo legal, contraditório e ampla defesa, dignidade da pessoa humana, segurança jurídica etc.).

Assim, na prática, tem-se que:

a) oferecida a denúncia, se nela o juiz não verificar de pronto – através de uma análise liminar (portanto, precária) – razões para rejeitá-la, recebê-la-á (também liminarmente [01]), ordenando a citação do denunciado para apresentar sua resposta;

b) com a resposta à acusação, o denunciado exercerá o contraditório prévio elucidando razões para a sua absolvição sumária e/ou para a rejeição da peça acusatória e demais matérias de defesa. Diante da resposta, o magistrado analisará a plausibilidade das alegações no sentido de receber definitivamente a denúncia, agora de forma fundamentada – como exige o art. 93, IX, CF –, ou rejeitá-la, caso verifique, desta feita mais detidamente, a ausência de requisitos para o prosseguimento da ação penal.

Pensar de outro modo é concluir que a reforma teria "reformado" para manter tudo como estava. Isto porque é absolutamente inócuo prever uma resposta à acusação (quase uma contestação cível) que não sirva ao exercício de um efetivo e completo contraditório prévio – através do qual o acusado pudesse elidir inclusive o recebimento da denúncia –, como já ocorre no procedimento sumaríssimo, por exemplo.

Com efeito, o contraditório prévio, exercido mediante a resposta à acusação, auxilia o magistrado a chegar a um juízo exauriente (e não sumário) sobre a admissibilidade da denúncia, permitindo que, caso decida pelo recebimento definitivo, possa fazê-lo fundamentadamente com mais precisão e em obediência à Lei Maior (art. 93, IX).

Por fim, obtempere-se que a tese que sustenta a impossibilidade de rejeição posterior da denúncia (art. 399, CPP, ou seja, após a análise da resposta à acusação) padece de razoabilidade, sobretudo porque tal proibição não emerge em momento algum do texto legal (nem mesmo com a utilização de recursos interpretativos de uma hermenêutica jurídica clássica).


Notas

01 Ora, se, naquele instante (art. 396. CPP), a rejeição da denúncia é liminar, o seu eventual recebimento terá, por óbvio, também natureza liminar.

Sobre o autor
Murillo M. R. Bahia Menezes

Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Salvador (UNIFACS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Murillo M. R. Bahia. Breve reflexão sobre a possibilidade de rejeição da denúncia após o seu recebimento liminar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2406, 1 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14276. Acesso em: 25 nov. 2024.

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