Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Lineamentos do IPTU ecológico

Exibindo página 2 de 3

3 IPTU ECOLOGICAMENTE ORIENTADO: EXTRAFISCALIDADE AMBIENTAL.

Os tributos, em relação seu aspecto teleológico, podem ser classificados como fiscais, extrafiscais ou parafiscais. Pelos primeiros, tem-se aqueles que visam tão-somente a arrecadação de recursos para os cofres públicos, visando o custeio das atividades estatais a fim de que possam ser satisfeitas as necessidades públicas. São tributos meramente arrecadatórios porquanto sua finalidade centra-se na arrecadação.

Os tributos são parafiscais quando objetivam também a arrecadação de recursos, mas para custeio de atividades que não integram funções próprias do Estado. São funções que são desenvolvidas por entidades específicas, para as quais o Estado delega a capacidade tributária ativa para que possam viabilizar suas próprias atividades.

Por fim, diz-se que os tributos são extrafiscais quando não pretendem somente a arrecadação de recursos, mas visam disciplinar comportamentos, buscando concretizar objetivos econômicos ou sociais. Assim, tem-se que por meio da tributação extrafiscal, o Estado pode intervir sobre o domínio econômico manipulando ou orientando o comportamento dos destinatários da norma a fim de que adotem condutas condizentes com os objetivos estatais.

3.1 Da progressividade do IPTU: progressividade fiscal e extrafiscal.

A Súmula n.º 589 do STF, aprovada na sessão plenária de 15/12/1976 expressamente prevê ser inconstitucional a fixação de adicional progressivo do imposto predial e territorial urbano em função do número de imóveis do contribuinte.

Por sua vez, a Súmula n.º 668, também do STF, aprovada na sessão plenária de 24/09/2003 diz ser inconstitucional a Lei Municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional n.º 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.

A primeira Súmula foi completamente superada pelo disposto no texto da EC n.º 29/2000, referido na segunda Súmula. Isso porque, a aludida Emenda Constitucional trouxe a possibilidade da instituição de alíquotas progressivas do IPTU em razão do valor do imóvel. In verbis:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

[...]

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

O dispositivo trasladado admite a progressividade de alíquotas em razão do valor do imóvel sem prejuízo daquela progressividade no tempo referida no art. 182, §4º, II, CF, instrumento de política urbana conferido ao legislador municipal para fazer valer as diretrizes do Plano Diretor da Cidade (progressividade extrafiscal).

Aqui, se busca concretizar o próprio princípio da capacidade contributiva, que prevê a graduação do imposto segundo a capacidade econômica do contribuinte. Por meio da progressividade (fiscal), pode o Poder Público Municipal, em função das características individuais do proprietário identificadas, tais como a quantidade de imóveis de sua propriedade, a localização dos mesmos, suas extensões, etc. (aferindo seu real poder de contribuição) efetivar o princípio da capacidade contributiva, inserto no Texto Constitucional no art. 145, §1º.

A progressividade apontada no art. 182, §4º, II, CF, como observado, visa a ordenação urbanística municipal. Fundamenta-se no descumprimento ao plano diretor. Veja-se o que dispõe o mencionado dispositivo:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Pelo exposto, percebe-se claramente a finalidade extrafiscal da progressividade do imposto em comento. Como instrumento da política urbana, a referida progressividade no tempo, constitui mecanismo concedido ao Poder Público Municipal para fazer valer o prescrito no plano diretor.

Como visto, a propriedade urbana deve cumprir a sua função social e para tanto deve atender às exigências expressas no plano diretor. Caso a referida propriedade não cumpra tal função, pode o Município, mediante lei específica para área incluída naquele plano, exigir do proprietário a promoção de seu adequado aproveitamento. Para tanto, lhe confere instrumentos de irretorquível eficácia, quais sejam: o parcelamento ou edificação compulsórios, o IPTU progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos, nos termos do art. 7º da Lei n.º 10.257/2001 (Estatuto da Cidade); e por fim a desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública.

Cabe ressaltar que o valor da alíquota a ser aplicado a cada ano do IPTU será fixado na lei específica e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento sendo vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à referida tributação progressiva, de acordo com o disposto no Estatuto da Cidade.

3.2 Extrafiscalidade ambiental

No que tange à "tributação ambiental", como se viu, o tributo consiste em mecanismo estatal interventivo que tem por escopo induzir os indivíduos a adotarem comportamento ambientalmente desejável, bem como inibir aqueles que não o são.

A utilização do imposto com tal finalidade pode se dar de forma direta ou indireta. Sua utilização é direta quando já prevê em sua hipótese normativa de incidência tributária o consequente, ou melhor, quando o objetivo ambiental já se encontra delineado no fato gerador em abstrato. A utilização indireta se dá por meio da concessão de incentivos fiscais, dando margem a dois ou mais consequentes, dependendo da decisão tomada, buscando-se portanto, modificar o comportamento do destinatário da norma de forma sutil mas eficaz.

No que diz respeito aos impostos, cumpre ressaltar que o ordenamento jurídico pátrio não contempla diretamente, na hipótese normativa, finalidade ambiental para qualquer imposto, no entanto, os objetivos ambientais têm sido constantes quando da concessão de incentivos fiscais, ou por meio da tributação extrafiscal.

No caso em estudo, viu-se à exaustão, que a propriedade, garantida constitucionalmente, deve atender sua função social. Assim, o imposto nela incidente (IPTU) reveste-se de importante mecanismo ambiental, ao passo que pode ser utilizado de forma progressiva visando o atendimento desse objetivo delineado na Constituição Federal. Acerca da utilização extrafiscal do IPTU como mecanismo de preservação ambiental:

[...] a isenção ou não-incidência do IPTU podem também ser utilizadas para a preservação e a manutenção de áreas de interesse ecológico ou paisagístico, devendo a lei que as instituir, prever, expressamente, a obrigatoriedade de comprovação de que tais áreas estejam sendo corretamente mantidas e preservadas pelo proprietário. [14]

Ressalta-se também, que o referido imposto, é de grande utilidade quando da preservação do patrimônio cultural brasileiro, no sentido de que pode ser utilizado indiretamente, por meio da concessão de incentivos aos proprietários de imóveis protegidos.

Analisados os aspectos gerais do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana e a possibilidade de sua utilização como mecanismo de intervenção estatal sobre o domínio econômico visando adoção de condutas positivas por parte dos cidadãos, passa-se ao exame da efetiva implementação de tal imposto com a referida finalidade.


4 PANORAMA BRASILEIRO DOS IMPOSTOS SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA ECOLOGICAMENTE ORIENTADOS

O cumprimento da função social da propriedade está indissociavelmente relacionado ao direito ao meio ambiente. É possível afirmar que a função social contempla também a função ambiental da propriedade, sendo legítimo o exercício do direito apenas quando não implique em agressão ao meio ambiente em qualquer dos seus aspectos: natural, artificial ou cultural. Seja na adoção de políticas urbanas pelos Municípios, na realização do direito à cidade sustentável ou no exercício da atividade econômica, a preservação e defesa do meio ambiente é direito/dever que não pode ser olvidado.

Para assegurar o cumprimento dessa função social, o Estado intervém no exercício do direito de propriedade, seja restringindo-o ou estimulando comportamentos ambientalmente adequados. Sob essas duas perspectivas de atuação estatal, é que o IPTU Ecológico ou, em alguns municípios, IPTU Verde ou Ambiental vem sendo utilizado como instrumento auxiliar para concretização do disposto no caput do artigo 225 da Constituição Federal, visto que o contribuinte é beneficiário da isenção total ou parcial do referido tributo, seja como forma de compensação à limitação ao uso da propriedade privada, decorrente de lei ou ato administrativo, ou como incentivo à proteção do meio ambiente.

A Constituição Federal, no inciso III do § 1º do artigo supra, admite a intervenção direta no direito de propriedade, quando incumbe ao Poder Público "definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção". Esses espaços especialmente protegidos a que faz referência a Constituição Federal são, de modo geral, aqueles definidos pelo Código Florestal (Lei n. 4.771/65) e a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei n. 9.985/00), cuja apreciação dar-se-á restritamente aos aspectos relacionados à cobrança do IPTU, utilizando-se como exemplo a legislação de alguns municípios brasileiros.

Como espaços sujeitos à proteção ambiental, o Código Florestal instituiu as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal. Esta última, por localizar-se no interior de propriedade ou posse rural, está sujeita ao Imposto sobre Propriedade Territorial Rural – ITR, de competência da União.

Como Área de Preservação Permanente - APP, a Lei n. 4.771/65 define como sendo a área protegida nos termos dos seus artigos 2º e 3º, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas [15].

Assim, as APPs são aquelas legalmente definidas na própria lei ou assim declaradas por ato do Poder Público e, por se tratarem de áreas de preservação [16], cujo uso econômico é vedado, [17] sua utilização somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente motivados. Essa vedação à utilização econômica da área, legal ou administrativamente definida como de preservação permanente, implica na impossibilidade de sua indenização, conforme entendimento predominante do Superior Tribunal de Justiça. [18]

Nesse aspecto, o IPTU Ecológico, em alguns Municípios como Fortaleza, Rio de Janeiro e Porto Alegre surgem como forma de compensar o contribuinte proprietário de um imóvel abrangido por uma área de preservação permanente urbana, diante da impossibilidade de usufruto integral de sua propriedade.

A Lei Complementar n. 33 de 18 de dezembro de 2006, regulamentada pelo Decreto 12.233 de 10 de agosto de 2007, do município de Fortaleza - CE, isenta da cobrança do IPTU a parcela do terreno situada em área de preservação ambiental.

Em Porto Alegre - RS, o Decreto n. 14.265, de 11 de agosto de 2003, isenta do imposto o proprietário do imóvel considerado de interesse ambiental pelo órgão ambiental municipal. Similarmente, o Município do Rio de Janeiro - RJ, nos termos da Lei n. 691 de 24 de dezembro 1984 e Decreto n. 28.247 de 30 de julho de 2007, dispõe que estão isentos do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana os imóveis de interesse ecológico ou de preservação paisagística ou ambiental, assim reconhecidos pelo órgão municipal competente, mas somente "para as frações que apresentem as condições físicas e biológicas adequadas às funções ecológicas, ambientais ou paisagísticas que ensejaram a proteção instituída por ato do Poder Público, a critério do órgão competente".

Observa-se que nesses municípios a legislação possui uma ampla abrangência, contemplando não apenas as APPs, mas áreas de interesse ou preservação ecológica/ambiental, cujos critérios serão definidos pela autoridade administrativa competente.

Dentre as Unidades da Conservação da Natureza, a categoria que tem ensejado o benefício da isenção do imposto municipal aqui estudado é a Reserva Particular do Patrimônio Natural. A RPPN não se constitui por determinação do Poder Público e sim por um ato de liberalidade do proprietário que grava, perpetuamente, área privada, com o objetivo de conservar a diversidade biológica.

Em Manaus - AM, a Lei n. 1.091/2006 instituiu o IPTU Verde, isentando a área do imóvel reconhecida como RPPN, premiando o particular que, por iniciativa própria, reconhece a relevância ambiental de sua propriedade e, buscando estimular atitudes semelhantes.

Outra modalidade de IPTU Ecológico é aquela que incentiva o cultivo de espécies vegetais nas propriedades residenciais ou manutenção e acréscimo de espaços verdes nos imóveis e calçadas.

No município de Curitiba - PR, em razão da existência de um "Setor Especial de Áreas Verdes", integrado por imóveis que possuem bosques nativos, a Lei n. 9.806 de 3 de janeiro de 2000, a título de incentivo, confere aos proprietários ou possuidores de propriedades no referido setor, a isenção ou redução sobre o valor do terreno, para o cálculo base do IPTU, proporcionalmente a taxa de cobertura florestal do terreno, de acordo com a tabela constante de anexo da lei.

Em Maceió - AL, a Lei n. 4.305 de 04 de maio de 1994 concede isenção parcial, em até 50% no pagamento do IPTU, de acordo com a área de vegetação arbórea que existir na propriedade tributada. De acordo com a lei, a área de vegetação será calculada com base no espaço físico do terreno coberto pelas copas das árvores existentes, em proporção à área total da propriedade em que se situem.

No interior do Estado de São Paulo, a Lei n. 13.692/95 do município de São Carlos, concede a redução de 1% a 2% no IPTU do imóvel que possuir árvores na calçada, bem como área permeável.

Sobre as autoras
Fernanda Matos

Advogada. Doutoranda em Direito Constitucional na Universidade de Fortaleza (UNIFOR)Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA); especialista em direito e processo tributário pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR); especialista em direito público com ênfase em Constitucional e Administrativo pela Escola Superior de Advocacia do Amazonas (ESA/OAB-AM). Professora de Direito Tributário na Universidade Paulista e Escola Superior Batista do Amazonas (ESBAM), Vice-Presidente da Associação Amazonense de Advocacia - ADVOGA.

Fernanda Miranda Ferreira de Mattos

Procuradora do Município de Manaus – AM. Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA); especialista em direito processual civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Fernanda; MATTOS, Fernanda Miranda Ferreira. Lineamentos do IPTU ecológico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2420, 15 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14363. Acesso em: 17 nov. 2024.

Mais informações

Texto constante do capítulo 10 do livro "Tributação Ambiental", org. Alexandre Aguiar Maia, 1 ed., Fortaleza: Tiprogresso, 2009, v. 1, pp. 189-213.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!