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Em busca de um princípio unificador para o processo penal.

O sistema acusatório constitucional como garantia no processo

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RESUMO: O presente trabalho se propõe a analisar, sob o prisma do sistema acusatório, algumas das alterações recentemente produzidas no processo penal brasileiro. Inicialmente, dedica-se a tecer breves considerações sobre as características históricas dos sistemas inquisitivo e acusatório, debruçando-se, em seguida, sobre a construção dos modelos teóricos por meio da identificação de características que se mostram como essenciais. Num segundo momento, preocupa-se em verificar no texto constitucional brasileiro a adoção de um ou outro sistema, constatando que as garantias processuais asseguradas pela Constituição Federal não deixam dúvidas de que foi acolhido o sistema acusatório, o qual deveria funcionar como princípio unificador a fim de delinear a coerência das práticas processuais. Por fim, dedica-se a uma exposição crítica de algumas das alterações recentes do Código de Processo Penal ocorridas no mês de agosto de 2008, tomando por base a essência acusatória, o que permite observar que foram mantidos institutos de inspiração inquisitiva, realidade que mantém a impossibilidade de que se consiga reconhecer no processo penal brasileiro a presença de um princípio unificador.

Palavras-chaves: Reforma processual penal; Sistema Acusatório; Princípio constitucional unificador.


INTRODUÇÃO

Com a promulgação da Constituição Federal em 1988 passou-se a verificar a necessidade de uma reforma do Processo Penal brasileiro. Isso decorreu do rol de garantias asseguradas no art. 5º da Carta Magna, as quais aplicadas ao processo demonstravam que muitos dos institutos previstos no Código de Processo Penal de 1941 não haviam sido recepcionados pelo texto constitucional.

Uma questão que surgiu com importância definitiva, a partir de então, foi a tentativa de identificar no texto constitucional o tipo de processo que se teria no Brasil. Observadas no texto constitucional as garantias do devido processo legal, com especial destaque para o contraditório, a ampla defesa e a presunção de inocência, não se teve dúvida de que o processo que se delineava a partir daquele momento era um processo de partes, em que o réu era sujeito de direitos num procedimento que optava pelo indivíduo. Ademais, a Constituição passou a atribuir ao Ministério Público a exclusividade de iniciativa da ação penal, o que, ao menos teoricamente, parecia indicar a adoção do sistema acusatório.

Ocorre, porém, que a questão não se resolveu tão facilmente. Muitos doutrinadores apontam, ainda hoje, a existência de um ranço inquisitorial na prática processual que dificulta estabelecer qual o sistema processual foi adotado no Brasil. Alguns chegam a falar em aparência acusatória, pois não obstante a formatação do processo penal estabelecida na Constituição Federal, muitos magistrados continuaram a aplicar institutos processuais de índole inquisitiva.

Nesse contexto, a atualização e a modernização do Código de Processo Penal mostravam-se imperativas. As Leis nº. 11.689, 11.690 e 11.719, que entraram em vigor durante o mês de agosto deste ano, dão uma nova feição ao procedimento do Tribunal do Júri, à produção probatória, à mutatio libelli e ao procedimento ordinário e sumário.

Assim, o presente trabalho tem por objetivo analisar criticamente sob o prisma do sistema acusatório, algumas das alterações produzidas pela nova legislação, especialmente aquelas que observaram o sistema acusatório e aquelas que mais o afrontaram. Para tanto, são verificados alguns traços históricos que contribuíram para a construção dos modelos teóricos inquisitivo e acusatório, com a finalidade de permitir identificar a opção feita pela Constituição Federal de 1988. Estabelecidas as premissas iniciais, pode-se no terceiro momento analisar de forma crítica algumas alterações, levando-se em conta neste momento se tais alterações observaram o sistema estabelecido pela Constituição Federal ou se ainda permanece a insistência em práticas processuais fundamentalmente inquisitivas.


1 DAS CARACTERÍSTICAS HISTÓRICAS AOS MODELOS TEÓRICOS – SISTEMA INQUISITIVO E ACUSATÓRIO

A fim de possibilitar, sob o prisma do sistema acusatório, a leitura crítica das reformas pelas quais passou o processo penal brasileiro, necessário se faz, inicialmente, tecer considerações sobre a construção dos sistemas inquisitivo e acusatório, tomando-se por base algumas referências históricas.

1.1.Considerações sobre os sistemas históricos

Os sistemas processuais penais "funcionam como uma indicação abstrata de um modelo processual penal constituído de unidades que se relacionam e que lhe conferem forma e características próprias". Para o entendimento dessas características, faz-se necessário analisar a história, pois os elementos predominantes que caracterizam os sistemas processuais variam sob o ponto de vista histórico.

Inicialmente, na Antiguidade, desconheciam-se métodos sistematizados para solução de conflitos penais, já que, nessa época, imperava a relação entre Direito, Moral e Religião. Entende-se que a Sociedade Egípcia, entre as primeiras sociedades politicamente organizadas, foi a responsável pela criação do embrião do procedimento inquisitório, já que a iniciativa oficial para a persecução penal advinha de uma forma de governo absoluto.

Na Grécia antiga, apesar de serem variáveis os procedimentos, algumas características podem ser ressaltadas: a) tribunal popular; b) acusação popular, havendo a possibilidade de qualquer cidadão apresentar uma demanda contra alguém em relação aos delitos considerados públicos; c) igualdade entre acusador e acusado; d) publicidade e oralidade do juízo; e) admissão da tortura e dos juízos de Deus como formas de realização de provas; f) valoração de provas segundo a convicção de cada julgador; g) decisão judicial irrecorrível.

Em Roma, o mais antigo dos procedimentos, denominado cognitio, baseava-se na inquisitio, procedimento de natureza pública realizado em nome e pela intervenção estatal romana, dando ao magistrado plenos poderes de iniciativa instrutória e deliberatória, sem maiores formalidades, podendo ocorrer, inclusive, processo sem partes definidas. Após o procedimento supra mencionado, passou-se a utilizar o accusatio, voltado a apuração de infrações penais consideradas de ordem pública; esse procedimento, que também carecia da figura do acusador particular, surgia no intuito de adaptar o processo penal da época às novas exigências sociais, podendo ser conceituado como "prerrogativa concedida a qualquer cidadão e, especialmente ao ofendido, de, no munido de provas, deduzir, perante o povo, a imputação, à margem ou não, da inquisitio, e assim, mover a ação".

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Há de se ressaltar, todavia, que no período que sucedeu a República, o império Romano passou a ampliar cada vez mais os poderes dos juízes, ocasião em que neles se reuniram as funções que atualmente são conferidas ao Ministério Público e ao juiz, dando a possibilidade de que estes tivessem total disposição para descobrir a verdade, sob o argumento de não deixar em desamparo os mais fracos e conseguir solucionar o conflito. Nesse momento, ressurgia-se o modelo cognitio, onde o juiz investigava, recolhia provas e julgava o caso, utilizando-se, inclusive, da tortura.

Na Idade Média, época em que a Igreja passa a enxergar o delito como um problema para "salvação da alma", passa-se se proceder em busca da verdade, característica fundamental dos procedimentos inquisitoriais. Nesse momento, entre os séculos XIII e XIV, inicia-se a predominância do modelo inquisitório, fortalecido, em especial, pelas monarquias, onde o Estado era centralizado. Passa-se, então, a utilizar-se nos procedimentos penais a forma escrita, o segredo envolvendo a produção de provas e o emprego de tortura como meio de obter presunções e confissões.

Nessa época, surge a Inquisição, procedimento em que a denúncia de um crime poderia ser feita de forma anônima, suficiente para iniciar uma investigação e propiciar um processo de ofício. Em busca da verdade real, a tortura passa a ser usada para extrair dos acusados a sua versão sobre os fatos, principalmente a confissão, que nesse momento significa fim do procedimento e "preço da vitória e sanção representativa da penitência".

O período inquisitorial passou a perder fôlego a partir dos séculos XVII e XVIII, sob inspiração do iluminismo, momento em que se passou por um período moderno de administração da justiça, amenizando-se, assim, as características inquisitoriais dos procedimentos penais. Nesse momento, Geraldo Prado ressalta ter ocorrido a percepção pela necessidade de um novo modelo procedimental, pautado na oralidade e na publicidade ao invés do segredo, utilizando-se da defesa e da liberdade de julgamento pelos julgadores, ao invés do uso do sistema de provas legais.

1.2 A construção dos modelos teóricos

De acordo com Luigi Ferrajoli, a construção teórica dos dois modelos e a decisão a respeito do que neles é essencial e do que, ao invés, é contigente são amplamente convencionais. Afirma o autor que fazem parte tanto do modelo teórico como da tradição histórica do processo acusatório a separação rígida entre o Juiz e acusação, a paridade entre acusação e defesa, e a publicidade e a oralidade do julgamento. Muitos doutrinadores afirmam que a principal característica do sistema acusatório é a separação de poderes de forma equilibrada ao longo da persecução penal:

de um lado, figura o acusador que, no exercício de um poder postulatório, aponta e persegue o provável autor ou partícipe da infração penal, do outro, figura o imputado, que exerce o direito de defesa, resistindo, processualmente, à acusação. Intermediando ambos, posiciona-se, de forma imparcial, o juiz, detentor do poder decisório. Como decorrência lógica do equilíbrio e divisão de poderes processuais, não há coincidência subjetiva entre órgão acusador e julgador.

Ainda nesse sentido, entende-se que se pode chamar acusatório a todo sistema processual que concebe o juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o juízo como uma contenda entre iguais iniciada pela acusação, a quem compete o ônus da prova enfrentada a defesa em juízo contraditório, oral e público e resolvida pelo juiz segundo sua livre convicção.

Quanto à figura do juiz, entende-se que este deve ser figura imparcial, não simplesmente por sua impossibilidade de acusar, mas também pela percepção de que para o ato do julgamento faz-se necessário impreterivelmente uma posição equidistante da defesa e da acusação. Nesse sentido, entende-se que

a posição equilibrada que o juiz deve ocupar, durante o processo, sustenta-se na idéia reitora do princípio do juiz natural – garantia das partes e condição de eficácia plena da jurisdição – que consiste na combinação de exigência da prévia determinação das regras do jogo (reserva legal peculiar ao devido processo legal) e da imparcialidade do juiz, tomada a expressão no sentido estrito de estarem seguras as partes quanto ao fato de o juiz não ter aderido a priori a uma das alternativas de explicação que autor e réu reciprocamente contrapõem durante o processo.

Quanto à acusação, tem esta o condão de instaurar o processo penal. Assim, impreterivelmente, deve ser pessoa ou órgão diverso daquele constitucionalmente incumbido de julgar, sob pena de ferir-se a principal característica do modelo acusatório.

Em relação à defesa, caracteriza-se pela perseguição de uma tutela de interesse oposto àquele conferido à acusação, sob pena de termos um processo "instrumento de manipulação política de pessoas e situações".

Nesse sentido, algumas características devem ser respeitadas para que se tenha uma defesa plena e coerente com o sistema acusatório, quais sejam: o acusado deve ter à sua disposição todas as informações pertinentes ao processo para que exerça seu direito ao contraditório; este deve receber informações adequadas a respeito do significado e conveniência da adoção de certos comportamentos processuais possíveis, com os devidos esclarecimentos sobre as consequências de suas decisões; não pode haver qualquer redução ou eliminação do princípio da presunção de inocência, sendo impossível a inversão do ônus probatório nas alegações firmadas pela acusação.

Já o sistema inquisitório tem como principal característica a concentração de poderes processuais penais nas mãos de um único órgão. Assim, "perseguir, acusar e decidir são atividades exercidas por uma pessoa que normalmente é referida por inquisidor". Como consequência dessa unicidade, a persecução penal é eminentemente oficial e exercida por funcionários delegados pelo titular do poder.

Diz-se, ainda, que sob a égide do sistema inquisitorial existe uma vinculação da atuação estatal às diretrizes políticas que modelam a estrutura do Estado e que definem seus fins. Segundo Aury Lopes Jr:

o sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical. O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado, com igualdade de poderes e oportunidades, se transforma em uma disputa desigual entre o juiz-inquisidor e o acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador. Confundem-se as atividades do juiz e do acusador, e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto da investigação.

Diante de tais características o sistema acusatório mostra-se como um sistema de garantias enquanto o sistema inquisitivo compõe-se de forma autoritária, como quer Luigi Ferrajoli. Disso decorre que um sistema democrático somente pode admitir um sistema fundamentalmente acusatório. Nesse sentido, cumpre analisar como a questão é delineada no texto constitucional de 1988.


2. O SISTEMA ACUSATÓRIO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – EM BUSCA DE UM PRINCÍPIO UNIFICADOR PARA O PROCESSO PENAL

Assevera-se que no Brasil a tarefa de assinalar com precisão qual o sistema processual penal em vigor é árdua, já que tal está intrinsecamente relacionada ao modo como os juristas veem o processo, bem como à forma como vivem as experiências políticas de seu tempo.

A dificuldade decorre de alguns desencontros, pois a Constituição Federal estabelece a separação dos sujeitos processuais no processo penal, o que se coaduna com o sistema acusatório, ao mesmo tempo em que o procedimento prevê a realização de uma investigação preliminar criminal, onde não há contraditório, nem ampla defesa, constituindo-se o investigado em mero objeto da investigação, o que representa um traço constitutivo do sistema inquisitorial.

A constatação da existência de características acusatórias e inquisitoriais no procedimento leva muitos doutrinadores a entenderem que se estaria falando de um sistema misto:

se notarmos o concreto estatuto jurídico dos sujeitos processuais e a dinâmica que entrelaça todos esses sujeitos, de acordo com as posições predominantes nos tribunais, não nos restará alternativa salvo admitir, lamentavelmente, que prevalece, no Brasil, a teoria da aparência acusatória. (...) há formas inquisitórias vivendo de contrabando no processo penal brasileiro, o que melhor implica em considerá-lo, na prática, misto.

Não obstante o respeito que se deve a tais opiniões, a constatação da existência de práticas inquisitoriais no sistema brasileiro não deve autorizar a identificação do sistema como misto. Veja-se a respeito:

Salvo os menos avisados, todos sustentam que não temos, hoje, sistemas puros, na forma clássica como foram estruturados. Se assim o é, vigoram sempre sistemas mistos, dos quais, não poucas vezes, tem-se uma visão equivocada (ou deturpada), justo porque, na sua inteireza, acaba recepcionado como um terceiro sistema, o que não é verdadeiro. O dito sistema misto, reformado ou napoleônico é a conjugação dos outros dois, mas não tem um princípio unificador próprio, sendo certo que ou é essencialmente inquisitório (como o nosso), com algo (características secundárias) proveniente do sistema acusatório, ou é essencialmente acusatório, com alguns elementos característicos (novamente secundários) recolhidos do sistema inquisitório.

No mesmo sentido, Aury Lopes Jr. destaca que "ainda que todos os sistemas sejam mistos, não existe um princípio fundante misto. O misto deve ser visto como algo que, ainda que mesclado, na essência é inquisitório ou acusatório, a partir do princípio que informa o núcleo".

Por outro lado, deve-se considerar que classificar o sistema brasileiro como inquisitorial é atribuir ao Código de Processo Penal um poder que não é seu ou que, pelo menos, não deveria ser. Ao que parece, a Constituição Federal de 1988 revela a eleição de um sistema que deve orientar a construção e a interpretação do processo penal. O sistema consagrado na Constituição Federal é o que deve funcionar como princípio unificador, servindo, na verdade, como um parâmetro de coerência do processo. Certo, que o sistema jamais será puro, porém, a identificação de sua essência, como diz Jacinto Coutinho, permitirá que se utilizem características do outro sistema apenas de forma secundária.

No tópico anterior já se falou como se moldam os modelos teóricos. Existem características, entre as tantas observadas nos modelos históricos, que são eleitas a fim de fundar a construção dos sistemas teóricos. O desafio reside, portanto, em estabelecer entre tais características quais são fundamentais à identificação de um sistema ou de outro. A definição do sistema que decorre da opção constitucional é fundamental para que se possa saber de qual processo penal se está falando. A ideia de um sistema misto atenta contra qualquer possibilidade de unificação do processo penal, uma vez que permitiria a adoção de práticas incoerentes. O Código de Processo Penal Brasileiro não está autorizado a responder à indagação. Como já se disse, a resposta deve ser encontrada na Constituição Federal.

Em um primeiro momento, surge como característica fundamental do sistema acusatório a divisão de funções que deve ocorrer dentro do processo. A maioria dos doutrinadores que trata do assunto afirma que a divisão de funções é traço essencial de um sistema acusatório. Se levada em consideração como essencial esta característica, pode-se afirmar que a Constituição brasileira optou pelo sistema acusatório, uma vez que em seu art.129, inciso I, atribui ao Ministério Público a exclusividade da iniciativa da ação penal.

Ocorre, entretanto, que outra questão mostra-se com importância significativa para a definição do tipo de processo que se tem em um ordenamento jurídico. Aury Lopes Jr afirma que "a separação (inicial) das atividades de acusar e julgar não é o núcleo fundante dos sistemas e, por si só, é insuficiente para sua caracterização". Aduz, ainda, o autor que

com relação à separação das atividades de acusar e julgar, trata-se realmente de uma nota importante na formação do sistema. Contudo, não basta termos uma separação inicial, com o Ministério Público formulando a acusação e depois, ao longo do procedimento permitir que o juiz assuma um papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora, como, por exemplo, permitir que o juiz de ofício determine uma prisão preventiva (art. 311), uma busca e apreensão (art. 242), o seqüestro (art. 127), ouça testemunhas além das indicadas (art. 209), proceda ao reinterrogatório do réu a qualquer tempo (art. 196), determine diligências de ofício (art. 156), reconheça agravantes ainda que não tenham sido alegadas (art. 385), condena ainda que o Ministério Público tenha postulado a absolvição (art. 385).

Apesar das discussões existentes acerca de a gestão da prova representar ou não o núcleo fundante do sistema, certo é que as características encontradas no texto constitucional demonstram que a Constituição Federal de 1988 elegeu o sistema acusatório. Estão em seu texto as garantias do processo inerentes ao sistema acusatório como contraditório, ampla defesa e presunção de inocência (art. 5º, LIV, LV, LVII). A separação de funções está consagrada no art.129, inciso I, que atribui ao Ministério Público a exclusividade de iniciativa da ação penal. Com isso, o olhar sobre a Constituição Federal deve ser a solução da questão. A gestão da prova não aparece no texto constitucional, mas tão somente no Código de processo Penal. Se não é o Código que vai balizar o sistema, cabe ao legislador infraconstitucional rever os institutos que podem ser considerados como não recepcionados pela Constituição.

A busca por fazer valer o sistema acusatório justifica-se uma vez que o sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranqüilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal. Também conduz a uma maior tranqüilidade social, pois evita-se eventuais abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz ‘apaixonado’ pelo resultado de sua labor investigadora e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação.

Nesse contexto e levando-se em conta que o Código de Processo Penal é de 1941, a reforma do sistema processual penal brasileiro mostrava-se como imperativa. Vários são os projetos que tramitavam desde o ano 2001 no Congresso Nacional com a finalidade de atualizar o processo penal brasileiro. No mês de junho de 2008 foram publicadas três leis, que entraram em vigor no mês de agosto do mesmo ano. As alterações produzidas no Código de Processo Penal passam, então, a serem analisadas sob o ponto de vista do sistema acusatório, que desde 1988 já demandava a atualização de diversos dispositivos legais.

Sobre as autoras
Viviane de Freitas Pereira

Mestre em Integração Latino-Americana, UFSM, professora de processo penal da Faculdade de Direito do centro Universitário Franciscano, Juíza de Direito da Justiça Militar Estadual do RS.

Ana Carolina Mezzalira

Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) e estagiária da Justiça Militar do RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Viviane Freitas; MEZZALIRA, Ana Carolina. Em busca de um princípio unificador para o processo penal.: O sistema acusatório constitucional como garantia no processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2428, 23 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14376. Acesso em: 22 dez. 2024.

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