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O novo conceito de sentença e a natureza jurídica do ato judicial que resolve questões incidentais

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Agenda 22/02/2010 às 00:00

Fortaleceu-se a polêmica acerca da natureza do ato judicial que resolve questões incidentais (exclusão de litisconsorte, indeferimento de parte da petição inicial, reconvenção etc.): é sentença ou decisão interlocutória?

1. Breve evolução histórica e contextualização do conceito de sentença; 2. O conceito de sentença terminativa – conteúdo e efeito do ato judicial; 3. O conceito da sentença definitiva - necessidade de interpretação sistemática e teleológica da reforma processual; 3.1. A questão da "sentença parcial" de mérito – inadmissibilidade; 3.2. O verdadeiro conceito da sentença definitiva – conteúdo e finalidade do ato judicial; 4. Conclusão; 5. Bibliografia.


1 - Breve evolução histórica e contextualização do conceito de sentença:

O Código Processual Civil de 1973 (CPC) definia sentença como "o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa". Tal disposição estava prevista no artigo 162, §1º, do diploma processual.

O referido conceito estava baseado somente nos efeitos do ato decisório. Assim, bastava o ato judicial dar fim ao processo para que estivéssemos diante de uma sentença.

Com o advento da Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, o cumprimento das sentenças que versam sobre as obrigações de fazer e não fazer se submeteu a uma nova sistemática: julgada procedente a ação, o adimplemento forçado (ou fase executiva) dessas obrigações passa a integrar o mesmo processo.

Iniciava-se aqui uma nova fase para o direito instrumental: o sincretismo, uma grande evolução feita pelo legislador, prestigiando o princípio da efetividade e celeridade processual. Tal inovação legislativa gerou o debate acerca da necessidade de uma nova leitura do conceito de sentença, pois prolatado o referido ato judicial, o processo, necessariamente, não mais se extinguiria, ao contrário, dava início a uma nova fase para o cumprimento da obrigação reconhecida na sentença (fase executiva), sem a necessidade de nova citação e novo processo para o exercício da atividade jurisdicional (processo de execução).

Com o advento da Lei 10.444/02, a necessidade de revisão do conceito de sentença dado pelo art. 162, §1º, CPC se intensificou. A referida lei acrescentou à legislação processual civil o artigo 461-A, que dispõe sobre as ações que tenham por objeto a obrigação de entrega de coisa certa ou incerta. Com a introdução do mencionado artigo, sendo o réu condenado ao cumprimento desta obrigação, não há mais a necessidade de instauração de um processo autônomo de execução, tal como já ocorria com as obrigações de fazer e não fazer, desde 1994.

Em virtude das referidas modificações, o conceito de sentença simplista como sendo o ato que põe termo ao processo se esvaziou e foi se tornando, em última análise, incoerente com o sincretismo processual.

Em 2005, o conceito de sentença foi finalmente repensado, dando origem à Lei 11.232/2005, que alterou o art. 162, §1º nos seguintes termos: "sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei".

Entra em cena então um novo critério para definição deste ato judicial: o conteúdo, que deve ser analisado juntamente com os artigos 267 e 269 do Código Processual Civil.

Em face do novo conceito, muitos aplicadores do direito estão dando ênfase ao conteúdo do ato judicial, como único critério de definição do novo conceito de sentença, o que não poderá ser aceito, conforme se demonstrará a seguir.

É dentro desse contexto normativo que se fortaleceu a polêmica acerca da natureza do ato judicial que resolve questões incidentais - exclusão de litisconsorte, indeferimento de parte da petição inicial, reconvenção, etc - se sentença ou decisão interlocutória.

Para aprofundar o debate e sustentar a posição que se entende mais correta, serão abordados os conceitos de sentença terminativa e definitiva dentro desta nova ordem processual.


2. O conceito de sentença terminativa – conteúdo e efeito do ato judicial:

A doutrina, no que se relaciona com o conteúdo processual das sentenças, classifica-as como terminativas ou definitivas.

As sentenças terminativas extinguem o processo, sem resolução do mérito, a exemplo das que reconhecem a falta pressupostos processuais, condições da ação, ou que homologa o requerimento de desistência. As definitivas, por sua vez, respondem o pedido do autor, solucionando a lide.

Em face da nova redação do artigo 162, § 1º do CPC, o conceito da sentença terminativa deve decorrer da conjugação do referido dispositivo com o artigo 267, do CPC, que dispõe expressamente em seu caput sobre a necessidade de extinção do processo quando o conteúdo do ato judicial versar sobre algumas das hipóteses processuais elencadas em seus incisos.

Ou seja, a sentença terminativa pressupõe necessariamente dois requisitos para ser identificada: implicar uma das situações previstas nos incisos do artigo 267 do CPC e, por conseguinte, acarretar a extinção do processo.

Portanto, não é apenas o conteúdo da sentença que a caracterizará como terminativa, mas o efeito obrigatório de extinção do processo. Sem que ocorra a extinção, constitui, data venia, equívoco de interpretação conceituar o ato judicial como sentença terminativa. A questão já é objeto de controvérsia na jurisprudência [01].

Por isso, alguns atos processuais praticados pelo juiz no curso do procedimento, tais como exclusão de litisconsorte, indeferimento parcial da petição inicial, homologação de desistência parcial da ação, embora impliquem as situações dos incisos do art. 267 do CPC (requisito do conteúdo), não podem caracterizar a sentença terminativa, mas mera decisão interlocutória.

Com efeito, tais atos judiciais não acarretam a extinção do processo, mas apenas a exclusão de determinada pessoa ou objeto da lide. E a melhor interpretação é aquela no sentido de que a extinção do processo prevista no caput do art. 267 deve acarretar o término de toda a relação processual em trâmite em determinado grau de jurisdição e não apenas de parte dela [02].

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Antes mesmo da reforma processual, o prof. Cândido Dinamarco [03] já fazia distinção entre atos judiciais extintivos que, na verdade, não extinguiam o processo e, portanto, não poderiam ser considerados sentença terminativa, in verbis:

(...) o efeito extintivo só se opera quando a razão de extinguir atinge todo o objeto do processo, todos os fundamentos da demanda e todos os sujeitos litigantes. Quando a causa atinge só parcialmente o objeto, os fundamentos ou as pessoas, o que ocorre é mera exclusão e não a extinção do processo...A decisão com que o juiz determina alguma dessas exclusões é interlocutória e não sentença, porque não põe termo a processo algum (...); conseqüência prática é a admissibilidade do recurso de agravo e não apelação (arts. 513 e 522)" (Instituições de Direito Processual Civil, Malheiros, 2001, v.III, p. 189)

Noutra oportunidade, prosseguiu o prof. Cândido Rangel Dinamarco [04]:

"Um relevante reflexo prático dessa colocação é o recurso cabível no caso de indeferimento parcial da petição inicial, para que algum litisconsorte passivo não seja citado (ou, inversamente, para que um dos co-demandantes não fique como parte). Se a demanda fosse repelida por inteiro, ter-se-ia ali um caso de extinção de processo sem julgamento do mérito (art. 267, I, c/c art. 295), a desafiar recurso de apelação (art. 513, c/c art. 296). No indeferimento parcial acima figurado, entretanto, o processo vai prosseguir, apenas com menos figurantes do que o autor pretendia inicialmente; se o processo era um só e não se extinguiu, é meramente interlocutória a decisão que indeferiu a inicial em parte, sendo por isso cabível o agravo de instrumento (art. 162, § 2º, e 522). O mesmo se dá, quando uma oposição interventiva é indeferida, ou quando o litisdenunciado é excluído do processo etc"

No mesmo sentido, oportuno citar a doutrina do prof. Daniel Assumpção [05]:

"Atualmente, o conceito de sentença deve resultar de uma análise conjunta dos arts. 162, §1º, 267 e 269, todos do CPC. Da conjugação desses dispositivos legais conclui-se que as sentenças terminativas passaram a ser conceituadas tomando-se por base dois critérios distintos: (i) conteúdo: uma das matérias previstas nos incisos do art. 267 do CPC; (ii) efeito: extinção do procedimento em primeiro grau.

A redação do art. 267, caput, do CPC – "Extingue-se o processo, sem resolução do mérito" – permite ao intérprete entender que, além do conteúdo de um de seus incisos, a decisão somente poderá ser considerada sentença se extinguir o processo.

No tocante à sentença terminativa, portanto, nenhuma alteração ocorreu em virtude da modificação do conceito legal de sentença estabelecido pelo art. 162, § 1º do CPC. Uma decisão que tenha como conteúdo uma das matérias dos incisos do art. 267 do CPC, mas que não coloque fim ao procedimento de primeiro grau – como exclusão de um litisconsorte da demanda por ilegitimidade de parte, ou ainda a extinção prematura de uma reconvenção por vício processual - será considerada uma decisão interlocutória e, como tal, será recorrível por meio do recurso de agravo (art. 522 CPC). (destaquei) (Manual de Direito Processual Civil, Volume único, Ed. Método, 2009, p. 426)

Em lição semelhante, o Prof. Scarpinella Bueno [06] entende que é fundamental que o ato judicial tenha, para ser sentença, além do conteúdo específico dos art.s 267 e 269 do CPC, uma específica função, qual seja, a de encerrar a etapa do processo jurisdicional. Para o referido doutrinador, não é sentença, não obstante ter como conteúdo hipóteses do art. 267 e 269, o ato do juiz que excluiu litisconsorte do processo; que rejeita liminarmente a reconvenção e a denunciação da lide; que homologa a desistência parcial da ação, entre outros.

Desse modo, a melhor interpretação é a de que a reforma processual não acarretou qualquer alteração quanto à definição da sentença terminativa, que pressupõe, além do conteúdo do art. 267, a necessária extinção do processo em relação a todos os seus sujeitos, não podendo se confundir com as decisões interlocutórias, como as que apenas excluem litisconsortes.


3- O conceito da sentença definitiva - necessidade de interpretação sistemática e teleológica da reforma processual:

A definição atual da sentença definitiva é mais controversa do que a da terminativa na medida em que o caput do artigo 269 do CPC, alterado pela Lei 11.232/2005, não fez nenhuma menção à necessidade de extinção do processo para que o ato judicial seja considerado sentença de mérito.

Para identificar a natureza jurídica do ato judicial que resolve as questões de mérito no curso do procedimento é preciso realizar uma análise crítica da posição dos que sustentam a existência da sentença parcial e, em seguida, realizar interpretação sistemática do ordenamento, o que possibilitará a defesa, por meio desta pesquisa, da melhor proposta de definição do instituto.

3.1 – A sentença parcial de mérito – inadmissibilidade:

Uma interpretação literal dos artigos 162, § 1º e 269 do CPC poderia levar à conclusão de que basta haver o conteúdo de mérito para que o ato judicial seja considerado sentença definitiva.

Com base no referido entendimento, admitir-se-ia no procedimento mais de uma sentença judicial sobre o mérito da causa, o que a doutrina denomina de "sentença parcial". Isso ocorreria, por exemplo, quando o juiz pronunciasse a prescrição de parte pretensão ou homologasse acordo entre algumas das partes, prosseguindo o procedimento quanto às demais pretensões e sujeitos.

A propósito, leciona Sérgio Gilberto Porto [07]:

"(...) a nova redação do § 1°, do artigo 162, CPC, ao afastar a idéia de que a sentença põe – sempre - termo ao processo, ainda que somente na instância em que se encontra, abre a possibilidade de que esta possa ser proferida, sem que isto implique, necessariamente, em encerramento do processo. Esta hipótese, pois, se configura, exatamente, quando o juízo profere sentença (ou acórdão) julgando apenas parcela da demanda, remetendo para outro momento o julgamento de outra parcela da controvérsia. (...)

Esta circunstância, da admissão jurídica de sentença parcial, remete a possibilidade de que um mesmo processo tenha mais de uma sentença, daí a razão pela qual a lei excluiu do conceito de sentença a idéia de que esta põe termo ao processo, haja vista que hoje, obrigatoriamente, não mais encerra a instância, eis que o mesmo juízo poderá, ao partilhar a lide, proferir mais de uma sentença, no entanto, à evidência, sempre sobre pontos diversos" (grifei)

A posição de Porto não é isolada [08]. Marcos Vinícius Gonçalves também admite a sentença parcial. De acordo com o mencionado processualista, "com a nova sistemática, como a sentença não precisa mais pôr fim ao processo, haverá aqueles que terão mais de uma sentença cada qual julgando um dos pedidos formulados na petição inicial" [09].

Nesta linha há quem entenda que a sentença parcial desafiará o recurso de agravo [10][11], vez que não põe termo ao processo. Há quem, de modo divergente, entenda que o recurso adequado será o de apelação, porém sob a forma de instrumento [12], pois se ficar retida nos autos desconfiguraria o propósito de outorgar celeridade à prestação jurisdicional.

Com o devido respeito aos ilustres processualistas, ouso discordar do entendimento acima esposado.

O princípio da taxatividade dos recursos impede a interpretação extensiva e, principalmente, a criação de novas modalidades recursais sem determinação legal expressa, de maneira que, se houvesse a possibilidade de se proferir "sentença parcial", o único recurso cabível seria o de apelação, tal como regulado no CPC, o que, sem dúvida alguma, tumultuaria o andamento processual.

Assim, admitir-se o cabimento da "sentença parcial" de mérito atenta contra a finalidade da reforma processual. Outrossim, a interpretação de que contra tal ato judicial caberia o recurso de agravo ou "apelação de instrumento" depende, data venia, de lei expressa em tal sentido, o que inexiste no momento, não podendo ser aceita pelo Poder Judiciário.

3.2. O verdadeiro conceito da sentença definitiva – conteúdo e finalidade do ato judicial:

É cediço que, para se aplicar a lei processual e definir a natureza jurídica do ato judicial – se sentença ou decisão, o intérprete não pode ficar adstrito ao sentido literal do novo art. 162, § 1º do CPC, senão que exige uma interpretação teleológica e sistemática do seu conteúdo e propósito.

O método teleológico refere-se à interpretação pela busca da finalidade ou do espírito da lei, procura revelar o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito [13].

No tocante à interpretação sistemática, o incomparável hermeneuta Carlos Maximiliano ensinava a forma como se deve analisar uma lei ou artigo, consistindo "o Processo Sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto."

Enriquecendo o estudo, completava que "já não se admitia em Roma que o juiz decidisse tendo em mira apenas uma parte da lei; cumpria examinar a norma em conjunto: Incivile est, nisi tota lege perspecta, una aliqua particula ejus proposita, judicare, vel respondere - ''é contra Direito julgar ou emitir parecer, tendo diante dos olhos, ao invés da lei em conjunto, só uma parte da mesma" [14].

Como se pode observar, a interpretação teleológica leva à possibilidade de o aplicador do direito, em caso de norma que conduza a mais de uma interpretação, optar pela interpretação que melhor corresponda ao seu objetivo, desde que consentânea com os fins pretendidos pelo legislador. No caso da interpretação sistemática, esta pressupõe, no que se refere ao objeto da presente pesquisa, que determinado dispositivo processual não se encontra isolado, mas inserido no todo da ordem jurídica, devendo ser compreendido em relação ao sistema processual em vigência e, em última análise, em relação ao propósito da reforma processual.

Pois bem. Dentro desta ótica, não se sustenta a interpretação favorável à possibilidade de existência de mais de uma sentença definitiva no curso do procedimento, o que, ao invés de simplificar, tornaria o processo mais complexo, demorado e burocrático.

O novo conceito de sentença previsto no art. 162, §1º do CPC, introduzido pela Lei 11.232/2005, visou tão somente consagrar o sincretismo processual, permitindo a coexistência de fase de conhecimento, de liquidação e de cumprimento da sentença dentro do mesmo processo, proporcionando maior efetividade à tutela jurisdicional.

O fundamento da referida norma é, a toda evidência, a duração razoável do processo.

A exposição de motivos do Projeto que originou a Lei n° 11.232/2005 deixa claro seu propósito de dar celeridade e efetividade ao processo de conhecimento, permitindo que a sentença tenha eficácia executiva sem a necessidade de processo autônomo.

Com efeito, "a ‘efetivação’ forçada da sentença condenatória será feita como etapa final do processo de conhecimento, após um ‘tempus iudicati’, sem necessidade de um ‘processo autônomo de execução (afastam-se princípios teóricos em homenagem à eficiência e brevidade); processo ‘sincrético’, no dizer de autorizado processualista. Assim, no plano doutrinário, são alteradas as ‘cargas de eficácia’ da sentença condenatória, cuja ‘executividade’ passa a um primeiro plano; em decorrência, ‘sentença’ passa a ser o ato ‘de julgamento da causa, com ou sem apreciação de mérito’". [15]

A mencionada exposição de motivos demonstra a nítida intenção do legislador de adotar uma visão mais ampla e finalística do processo, considerando como seu verdadeiro objetivo a satisfação completa e real do direito, sendo a sentença, dentro deste novo contexto normativo, o ato judicial que encerra uma das etapas do processo, sem interromper a atividade jurisdicional.

De acordo com o professor Marcelo Abelha Rodrigues, é "(...) claro o papel finalístico da sentença, como ato que põe fim ao processo ou à fase cognitiva dos processos sincréticos (cognição com execução). Assim, melhor que se estude o conceito de sentença usando esses dois critérios conjuntamente, ou seja, é o pronunciamento do juiz que contém uma das matérias dos art. 269 e 267 do CPC, que tem por finalidade extinguir o processo (ou a fase processual cognitiva) [16].

No mesmo sentido, ao interpretar o novo conceito de sentença proposto pela reforma processual, o prof. Humberto Theodoro Junior ensina que:

(...) A dificuldade localiza-se no ato judicial que resolve alguma questão de mérito (e não todas as questões que o integram), como a exclusão de um litisconsorte na fase de saneamento, ou que acolhe a decadência e a prescrição de parte dos direitos disputados, sem solucionar o restante do litígio, ou ainda, em situações como a rejeição da ação declaratória incidental, da reconvenção e da denunciação da lide, antes de dar curso à demanda principal.

Se resolve qualquer dessas matérias, o ato judicial, sem dúvida, terá enfrentado situação prevista ou no art. 267 ou no 269 do CPC. Mas seria compatível com o sistema de efetividade e celeridade do processo qualificar como sentença, e permitir a interposição de apelação, antes que o mérito da causa tenha sido completamente resolvido? As regras legais não podem ser lidas e interpretadas isoladamente, fora do sistema a que se integram e em atrito com a sua teleologia. (...)

Segundo penso, as "situações previstas no art. 267 e 269" somente se prestam a configurar sentença (e a desafiar apelação) quando põem fim ao processo ou quando resolvem por inteiro o objeto principal do processo pendente de acertamento em juízo. Para o ato judicial cognitivo ser tratado como sentença é preciso que todo o pedido ou todos os pedidos da inicial tenham sido resolvidos, positiva ou negativamente. Se o pronunciamento não os abrange em toda a extensão, deixando questões para a solução no decisório final do processo, não pode ser havido como sentença. Sua natureza, dentro da lógica do sistema, é a de decisão interlocutória, ou seja, de ato que, no curso do processo, "resolve questão incidente" (art. 162, § 2º).

Pela insuficiência teórica e operacional do conceito de sentença formulado pelo §1º do art. 162, sua real delimitação há de ser feita por exclusão: só se deverá considerar como sentença o ato decisório que não configurar decisão interlocutória. Se se resolve questão incidente (questão que não encerra o acertamento, nem põe fim à relação processual), o pronunciamento sobre qualquer tema dentre os previstos nos arts. 267 e 269 não assumirá a categoria de sentença; será decisão interlocutória, devendo sua impugnação ocorrer por meio de agravo e não de apelação." [17]

Por isso não é possível definir sentença definitiva apenas e tão somente pelo seu conteúdo, mas também tendo em vista a extensão deste e sua finalidade, vale dizer, se o ato judicial analisou todo o objeto da demanda e, outrossim, se encerrou o processo ou uma fase do procedimento para todas partes. [18]

Sobre o autor
Daniel Carneiro Machado

Juiz Federal da 21ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais. Doutor em Direito Processual pela UFMG (2016) e Mestre em Direito Processual pela PUC Minas (2004). Professor titular do curso de graduação em direito do Centro Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte, além de professor de cursos de pós-graduação e preparação para concursos públicos na área jurídica. Ex-Advogado da União e ex-Procurador da Fazenda Nacional em Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Daniel Carneiro. O novo conceito de sentença e a natureza jurídica do ato judicial que resolve questões incidentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2427, 22 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14391. Acesso em: 18 dez. 2024.

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