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Os limites da competência para julgar das Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI

Agenda 26/02/2010 às 00:00

O artigo 16, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), reza que as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI são responsáveis pelo julgamento de recursos interpostos contra penalidades aplicadas por órgãos ou entidades de trânsito.

No artigo seguinte, do mesmo diploma legal, há menção às competências das JARI, entre elas a de julgar os recursos interpostos pelos infratores, ratificando a previsão do artigo anterior.

É óbvio, porém oportuno reforçar, que às JARI não cabe defender incondicionalmente a manutenção da penalidade aplicada, ou, por outro lado, deferir recurso com fulcro em sentimento de compaixão pelo infrator ou qualquer motivo estranho ao Direito. A doutrina é sólida no sentido de entender que, à luz do Princípio da Autotutela, os órgãos julgadores, no caso em comento as JARI, devem analisar eventuais erros de forma e de mérito na autuação e na aplicação da penalidade, ainda que tais erros não tenham sido aventados pelo interessado no recurso interposto.

Ocorre que, com frequência, membros de JARI desconhecem qual o real papel a ser cumprido pelo colegiado e, ao arrepio do CTB, das resoluções do Contran, das portarias do Denatran e das demais normas de trânsito, ora ratificam penalidade aplicada de maneira equivocada, ora cancelam penalidade adequadamente aplicada.

Há situações que devem ser verificadas pelas JARI, repito, ainda que não tenham sido aventadas pelo recorrente, senão vejamos:

A Resolução Contran n. 182/05 traz a dosimetria a ser respeitada na aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir (vale lembrar que, com o advento da Lei n. 11.705/08, Lei Seca, a infração ao artigo 165 do CTB passou a ser punível com doze meses de suspensão do direito de dirigir, sem qualquer discricionariedade à autoridade de trânsito para dosar a penalidade). Ao analisar recurso, a JARI deve verificar, inclusive, se a penalidade aplicada respeitou o limite estabelecido pela resolução supracitada. Por outro lado, a JARI carece de competência para, sob o pretexto de que os argumentos alegados pelo recorrente são razoáveis, atenuar a penalidade aplicada pela autoridade de trânsito que respeitou os limites legais na sua aferição.

Outra hipótese ocorre na aplicação da penalidade por transitar com o veículo com excesso de peso, na qual o valor da multa deve ser calculado nos termos do artigo 231, V, do CTB, combinado com a Resolução Contran n. 258/07 e suas alterações. Assim, caberá à JARI retificar o valor de multa que tenha sido fixado, para mais ou para menos, ao arrepio de tais normas.

Porém, têm ocorrido situações nas quais a JARI é chamada a se manifestar sem que haja previsão legal para o processamento do recurso. Aqui faço uso de silogismo: à JARI cabe analisar somente recursos de penalidades administrativas aplicadas à luz do CTB; o expediente endereçado à JARI não trata de recurso de penalidade administrativa aplicada à luz do CTB; Logo, não cabe à JARI analisá-lo.

Vejamos duas situações que têm chegado com muita frequência às JARI:

O parágrafo terceiro, do artigo 148, do CTB, impede a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) por quem, por exemplo, praticou infração gravíssima durante o período de Permissão para Dirigir (PPD). Equivocadamente, alguns infratores entendem que, nesses casos, a autoridade de trânsito, ao se negar a expedir a CNH, na prática, aplica a penalidade de cassação do documento de habilitação, daí decorreria o legítimo direito de recorrer da pseudopenalidade à JARI.

Nesses casos, o infrator tem direito a recorrer apenas da penalidade da multa aplicada pela prática da infração gravíssima. Esgotados os meios recursais, nos termos do artigo 290, do CTB, e mantida a penalidade de multa, a não-expedição da CNH, decorrido um ano de PPD, é consequência automática.

Não há de se falar, aqui, de penalidade de cassação ou de qualquer outra penalidade aplicada. A não-expedição da CNH, nos termos do parágrafo terceiro, do artigo 148, do CTB, frustra mera expectativa de direito (esse, também, é o entendimento alcançado pela Segunda Turma do STJ no Recurso Especial n. 726.842 – SP).

Vale salientar que o artigo 148 em tela se encontra no Capítulo XIV (Da Habilitação) e as penalidades, no Capítulo XVI (Das Penalidades), do CTB, em inequívoca demonstração de que a não-expedição da CNH, com fulcro no citado artigo, não tem natureza jurídica de penalidade administrativa.

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Outra situação se refere a expediente contra a não-aplicação da penalidade de advertência por escrito.

O infrator, encontrando-se em uma das hipóteses previstas no caput do artigo 267, do CTB, o qual reza: "Poderá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o prontuário do infrator, entender esta providência como mais educativa", pode requerer à autoridade de trânsito a aplicação da penalidade de advertência por escrito (muitas vezes, em momento inoportuno, após a aplicação da penalidade de multa, o infrator solicita a conversão em advertência por escrito). A decisão da autoridade de trânsito pela não-aplicação da advertência por escrito, não possibilita recurso à JARI, pois, caso ocorresse, estar-se-ia, de maneira absurda, diante de recurso de não-aplicação de penalidade.

É curioso ter que repetir o óbvio, mas cabe exclusivamente à autoridade de trânsito a aplicação das penalidades administrativas previstas no CTB. Assim, caso a JARI entendesse assistir razão ao infrator, e, por conseqüência, aplicasse a penalidade de advertência por escrito, estaria exercendo competência que a lei não lhe confere.

Nos dois exemplos acima (não-expedição da CNH e não-aplicação da penalidade de advertência por escrito), em que há expediente remetido à JARI (recuso-me a chamar de recurso tal expediente) não há previsão legal para sua análise.

É temerária essa postura que vem se reiterando no sentido de o cidadão se socorrer da JARI diante de qualquer ato da autoridade de trânsito que o desagrade. Há, sem dúvida, espaço para que o cidadão defenda eventual direito ofendido pela autoridade de trânsito, mas, em respeito ao Estado de Direito, isso deve ser buscado, conforme o caso, junto à própria autoridade de trânsito ou à autoridade administrativa superior a esta, ou, ainda, ao Poder Judiciário. A JARI, repetindo o óbvio, cabe analisar somente recursos de penalidades administrativas de trânsito.

Sobre o autor
Arnaldo Luis Theodosio Pazetti

Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Diretor-Assistente da Diretoria de Fiscalização do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (DETRAN/SP), membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), conselheiro do Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo (CETRAN/SP), bacharel em Direito pela PUC/SP, mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, professor em cursos de Pós-graduação na área de trânsito e no projeto “Capacitação de Profissionais de Trânsito” do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), e organizador do Código de Trânsito Brasileiro da Editora Rideel.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAZETTI, Arnaldo Luis Theodosio. Os limites da competência para julgar das Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2431, 26 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14415. Acesso em: 23 dez. 2024.

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