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Limites constitucionais à ação estatal na economia

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Agenda 26/02/2010 às 00:00

4.O Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica.

Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este último determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. É o que dispõe o art. 174 da Constituição Federal.

De acordo com o princípio das prescrições obrigatórias, uma das partes da relação jurídica dá à outra uma instrução que tem caráter obrigatório. [29]

Durante o período socialista na Polônia, país em que parte significativa da economia se manteve nas mãos de particulares, as regras do planejamento econômico eram obrigatórias também para o setor privado.

No Brasil, de acordo com o art. 174, da Constituição Federal, exatamente porque o planejamento é apenas indicativo para o setor privado, não existe no direito brasileiro o princípio das prescrições obrigatórias para o setor privado, no que se refere ao planejamento. Já para o setor público, esse princípio é plenamente aplicável, de acordo com o mesmo art. 174.

Ainda de acordo com o mencionado art. 174, as prescrições obrigatórias existirão para os particulares fora do âmbito do planejamento, quando o Estado é agente normativo e regulador da atividade econômica.

A existência de expressa previsão constitucional para a normatização e regulação da atividade econômica não contradiz com o livre mercado, com a devida venia de quem pensa o contrário, tal como Manoel Gonçalves Ferreira Filho. [30] A saúde do livre mercado depende de ação estatal.

Aliás, é o art. 174 da Constituição Federal que fundamenta a possibilidade legal da existência de agências reguladoras, a criarem normas jurídicas. Como é de sabença geral, o vocábulo agência tem origem na palavra agency, que consiste, de acordo com o direito norte-americano, em uma autarquia com poder de regulação em campos específicos da economia. Evidentemente, a atuação das agências não é feita contra o livre mercado; muito ao revés, as agências desempenham papel fundamental para a saúde do mercado, ao prescrever regras de conduta (regulação), ao fiscalizar e punir (direito administrativo sancionador) os componentes do mercado que agirem de forma indevida, nociva ao mercado.

A atividade de regulação da economia (entendendo-se que a economia abrange a atividade econômica em sentido estrito e a prestação de serviços públicos) consiste em uma forma de intervenção indireta na atividade econômica.

A intervenção do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica pode ocorrer por direção ou por indução, duas modalidades de intervenção indireta.

Intervenção por direção ocorre por meio de criação de regras de observância obrigatória e de incidência direta nas relações econômicas públicas e privadas. Ex. congelamento de preços; criação de agência reguladora.

Intervenção por indução ocorre sem se estabelecer regras de incidência direta nas relações jurídicas privadas, mas sim por meio de regras instrumentais que indiretamente afetam a atividade econômica, seja incentivando, seja desincentivando determinadas atividades. Ex. tributação com caráter extrafiscal: imposto de importação, imposto sobre operações financeiras, incentivos fiscais.


5.O Estado prestador de serviços públicos.

Cabe ao Estado a prestação de serviços públicos. Os serviços públicos devem ser prestados diretamente pelo Estado ou por particulares, sob regime de concessão ou permissão, de acordo com o art. 175 da Constituição Federal.

O que são serviços públicos?

A Constituição Federal não define o que seja serviço público. Diz que "Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos" (art. 175).

Não é pacífica a definição do que seja serviço público. A doutrina já definiu como "todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado" [31] e já definiu como "toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público", [32] dentre outras possíveis.

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O cerne da divergência entre os vários administrativistas reside em excluir da noção de serviço público as atividades estatais que não constituam em uma prestação de utilidade material ou comodidade material singularmente fruível pelos administrados.

Ou seja, para alguns autores, como Celso Antônio Bandeira de Mello, somente constitui serviço público a atividade de prestação de serviços uti singuli, excluída a noção de serviço público em sentido amplo, que inclui os serviços uti universi, pois se considerarmos como serviço público toda a atividade estatal, a noção de serviço público não teria qualquer utilidade, pois se confundiria com a noção de atividade pública. [33]

Já outros autores, como Hely Lopes Meirelles, incluem no conceito de serviço público outras atividades estatais, tais como a atividade de polícia, de defesa nacional, de preservação da saúde pública, iluminação pública, bem como as atividades executadas para atender às necessidade internas da Administração ("serviços administrativos") e os serviços prestados a usuários indeterminados ("serviços uti universi"). [34]

Prefiro a noção restrita de Celso Antônio Bandeira de Mello. Além dos motivos mencionados, a jurisprudência está pacificada no sentido de que as atividades prestadas pelo Estado que não sejam serviço público específico e divisível não podem ensejar a cobrança de taxa. [35] É verdade que nada impede que um imposto custeie um serviço público, mas parece quebrar a coerência do sistema jurídico dizer que certos "serviços" não podem ser custeados por taxa. Afinal de contas, a definição de taxa é exatamente esta: tributo para custear a prestação de um serviço público específico e divisível (art. 145, II, da Constituição Federal). É evidente que se pode sustentar que há outros serviços públicos que não são específicos ou divisíveis, para os quais não se pode cobrar taxa: a noção de serviço público, como vimos acima, não é pacífica.

Seja como for, a atividade econômica prestada com as características mencionadas acima deve ser considerada serviço público. É que serviço público faz parte da atividade econômica considerada em sentido amplo; portanto, há que se diferenciar a expressão atividade econômica, tomada como gênero, da expressão atividade econômica em sentido estrito, essa última sim com significado diferenciado de serviço público. O gênero atividade econômica contempla as espécies serviço público e atividade econômica em sentido estrito. [36]

Em sentido diverso, a Min. Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, afirma que serviços públicos podem ser próprios ou gerais, nos casos em que não há possibilidade de identificação dos usuários, hipóteses em que são financiados por tributos e prestados pelo próprio Estado (ex. segurança pública); ou podem ser impróprios ou individuais, nos casos em que os destinatários são determinados ou determináveis, hipóteses em que podem ser prestados por órgãos da administração indireta ou por meio de delegação, mediante concessão ou permissão de serviços públicos (art. 175 da Constituição Federal e Lei nº 8.987/95). Desse modo, os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização e plenamente aplicável o Código de Defesa do Consumidor. [37]

A Constituição Federal estabelece quais são as Unidades da Federação competentes para a prestação de determinados serviços públicos. Há as competências comuns a todas as unidades da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), que estão elencadas no art. 23 da CF.

Além das competências comuns, há as competências materiais atribuídas à União, taxativamente previstas no art. 21.

Para os Estados, há uma única competência expressa: é a competência para exploração dos serviços locais de gás canalizado (art. 25, § 2º), mas os Estados dispõem das competências remanescentes (isto é, o que não for previsto na Constituição é de competência dos Estados).

Já os Municípios têm como competências a prestação de serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo; a de manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental e a de prestar, também com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.

Ao Distrito Federal compete a prestação dos serviços públicos de competência dos Estados e dos Municípios.


6.Atividade econômica exercida pelo Estado.

O Estado pode realizar determinadas atividades reservando-se o exercício em monopólio por razões de interesse público. Além disso, são comuns os casos de exercício público de atividades econômicas em regime de concorrência com a iniciativa privada. [38]

Como conseqüência do princípio da livre iniciativa (art. 170, caput), fundamento da ordem econômica, a atividade exercida pelo Estado é excepcional.

Quando pode o Estado exercer atividade econômica?

Diz o caput do art. 173 da própria Constituição Federal:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será admitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Inicialmente, observamos que há casos expressos na Constituição em que o Estado deve desempenhar atividade econômica.

É a hipótese do art. 177, que estabelece monopólios da União sobre: pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; importação e exportação dos produtos e derivados básicos das atividades mencionadas; transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; pesquisa, lavra enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.

É também a hipótese do art. 21, XXIII, que estabelece ser de competência da União explorar os serviços e instalações nucleares e exercer em regime de monopólio a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, nos termos em que especifica.

Fora das hipóteses previstas na Constituição, somente poderá haver exercício de atividade econômica pelo Estado quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, na forma da lei.

O exercício de atividade econômica em sentido estrito pelo Estado constitui intervenção direta do Estado na economia.

A intervenção direta na economia também é chamada de intervenção por absorção (o Estado é titular exclusivo da atividade econômica específica e a exerce, em regime de monopólio, direta ou indiretamente, por meio de agentes privados) ou por participação (o Estado exerce a atividade econômica específica, direta ou indiretamente, em regime de competição com particulares).

A regra geral é no sentido de que o Estado não deve intervir diretamente na economia, pois incumbe à iniciativa privada e não ao Estado o exercício da atividade econômica. Em regra, quem é empresário são as pessoas físicas e sociedades personalizadas criadas por particulares que exercem empresa (atividade econômica realizada com os requisitos do art. 966 do Código Civil). [39] Porém, o Estado poderá ser empresário, [40] quando for necessário para a segurança nacional ou para atender a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173 da Constituição Federal). Nessas hipóteses, o Estado poderá criar pessoas jurídicas para essa atividade, que são a empresa pública e a sociedade de economia mista.


7.Considerações finais: conclusões

1-atividade econômica é qualquer atividade produtora de riquezas, que se opera por meio de transformação de produtos já existentes para a criação de produtos novos.

2- O conceito de atividade econômica prescinde da existência real ou mesmo do ânimo de lucro, mas a atividade deve ser teoricamente passível de gerar lucro.

3- A parcela da atividade econômica que não é considerada serviço público constitui a chamada atividade econômica em sentido estrito.

4-A Constituição tem força normativa, podendo ser um meio de transformar a realidade. A primeira Constituição brasileira a tratar da ordem econômica foi a de 1934.

5- De acordo com a Constituição Federal de 1988, a atividade econômica está baseada na livre iniciativa. Isso significa que, como regra geral, o Estado não exercerá diretamente a atividade econômica: a atuação direta do Estado como agente produtivo é excepcional.

6- Há limitações à atividade privada (poder de polícia), inclusive à atividade econômica exercida pelos particulares. Há princípios e regras para fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, são fundamentos da ordem econômica e do próprio Estado brasileiro.

7-O Estado brasileiro é agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. O planejamento é determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

8- A intervenção do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica pode ocorrer por direção ou por indução, que são duas modalidades de intervenção indireta.

9- Cabe ao Estado a prestação de serviços públicos, mas a Constituição Federal não define o que é serviço público. Há divergência na doutrina. Partindo de que toda atividade estatal é serviço público, o cerne da divergência doutrinária reside em excluir da noção de serviço público as atividades estatais que não constituam em uma prestação de utilidade material ou comodidade material singularmente fruível pelos administrados. A noção restrita de serviço público é a mais adequada.

10-O Estado pode realizar determinadas atividades em regime de monopólio por razões de interesse público, ou mesmo em regime de concorrência com a iniciativa privada.

11- Há casos expressos na Constituição Federal de 1988 em que o Estado deve desempenhar atividade econômica. Fora dessas hipóteses, somente poderá haver exercício de atividade econômica pelo Estado quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, na forma da lei.

12-O exercício de atividade econômica em sentido estrito pelo Estado constitui intervenção direta do Estado na economia. Nesse caso, o Estado poderá criar pessoas jurídicas de direito privado. São elas: empresa pública e sociedade de economia mista, genericamente chamadas de empresas estatais. Elas fazem parte da administração indireta.

Sobre o autor
Bruno Mattos e Silva

Bacharel em Direito pela USP. Mestre em Direito e Finanças pela Universidade de Frankfurt (Alemanha). Foi advogado de empresas em São Paulo, Procurador-chefe do INSS nos tribunais superiores, Procurador Federal da CVM e Assessor Especial de Ministro de Estado. Desde 2006 é Consultor Legislativo do Senado Federal, na área de direito empresarial, de regulação, econômico e do consumidor. Autor dos livros Direito de Empresa (Ed. Atlas) e Compra de Imóveis (Edi. Atlas/GEN).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Bruno Mattos. Limites constitucionais à ação estatal na economia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2431, 26 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14419. Acesso em: 23 dez. 2024.

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