RESUMO
Trata-se de artigo de opinião acerca do histórico do serviço previdenciário prestado pelo INSS, suas consequências sociais e judiciais, assim como sobre o Programa de Redução de Demandas implantado pela Advocacia-Geral da União em conjunto com o Ministério da Previdência Social em junho de 2008.
Palavras-chave: Serviço Previdenciário. Demandas Judiciais Previdenciárias. Redução de Demandas.
INTRODUÇÃO
Este breve estudo pretende desenvolver, sem grandes pretensões, o campo de atuação e a importância do Projeto de Redução de Demandas implementado recentemente pela Advocacia Geral da União em atuação conjunta com o Ministério da Previdência Social.
Para isso, torna-se necessário analisar a postura dos servidores da Previdência com base no histórico cultural das últimas décadas no Brasil e suas consequências sócio-jurídicas.
Nos últimos anos houve um aumento bastante significativo de demandas e concessões judiciais em face do Instituto Nacional do Seguro Social. Muito disso deve-se às novas facilidades de acesso ao Judiciário com a instalação dos Juizados Especiais Federais e a interiorização da Justiça Federal de forma geral.
Só o fato de poder acionar o INSS sem ter que arcar com os custos de um advogado ou das despesas processuais, considerando que a grande maioria dos demandantes requer e obtém a gratuidade de justiça para o caso de recurso, constitui grande estímulo aos que têm um pleito administrativo indeferido para que busquem "uma nova chance". Sim, porque temos que convir que muitos dos demandantes não têm nenhuma noção de direito previdenciário e apenas buscam o Judiciário baseados no sentimento pessoal de injustiça ou, como ouvimos muito em audiência, porque "precisam".
Todavia, esta não é a única razão. A qualidade deficitária do serviço previdenciário, o que inclui a falta de precisão e de celeridade das prestações, é outro fator de extrema participação no aumento das demandas, e sucumbências, judiciais.
Vale mencionar que, atualmente, a grande maioria das demandas dos Juizados Especiais Federais da capital do Rio de Janeiro versa sobre benefícios de incapacidade. A maioria das pessoas não se conforma com o parecer médico da Autarquia e recorre ao Judiciário para a obtenção de nova "consulta" e, talvez, uma reversão da decisão administrativa.
Todavia, evidentemente, há muitas pessoas com efetivo direito material, caso contrário não haveria tantas concessões judiciais. É nesses casos que nos concentraremos.
Como presentantes do Instituto em juízo, os Procuradores Federais veem de perto o aumento das demandas judiciais e todos, sem dúvida, entendem e apoiam o Projeto de Redução de Demandas enfim implementado pela Advocacia Geral da União.
DOS SERVIÇOS PREVIDENCIÁRIOS
Conforme os ditames da Constituição da República de 1988, o Instituto Nacional do Seguro Social de hoje compõe seu quadro de servidores através de concursos públicos, de nível médio e superior.
Ocorre que o quadro atual engloba servidores de todos os tipos. Há pessoas muito bem preparadas e envolvidas com os fins da instituição e há pessoas que aproveitam a estabilidade concedida pela Constituição para apenas ocupar um cargo e receber seus vencimentos.
Claro que isso não é privilégio da Previdência, é uma característica de todo o serviço público brasileiro. Concurso público, em regra, analisa apenas o conhecimento teórico, ou a capacidade de memorização, dos candidatos. No entanto, o comentário pretende apenas ambientar o leitor e não versar sobre as carreiras públicas e suas formas de ingresso.
Continuando, o ambiente das Agências da Previdência Social tem atores com interesses diversos e, muitas vezes, parece constituir uma guerra velada: de um lado o segurado, de outro, o servidor.
Ora, por que esse clima de animosidade? Por que os servidores parecem atuar de acordo com a política do "indeferido até que se prove o contrário"?
A história recente da Previdência Social brasileira traz inúmeros casos de fraude previdenciária e consequente rombo aos cofres públicos. Tais fraudes, quando descobertas, são causa de responsabilização funcional na esfera administrativa, independente da esfera penal e civil. Há vários servidores demitidos e condenados, criminal e civilmente, em decorrência de participação em concessões fraudulentas.
A responsabilidade de quem recebe e analisa os documentos do segurado é muito grande, sem dúvida. Uma distração ou uma falha, culposa que seja, pode acarretar processos administrativos disciplinares que perduram anos e atordoam o servidor.
Sabemos que, além do medo decorrente da atuação mais incisiva da Auditoria e dos meios públicos de controle, os servidores passaram a ser orientados no sentido de indeferir os casos em que há dúvida.
Naturalmente a seguinte pergunta surge: por que não se apura a dúvida? A decisão não deveria ser baseada na certeza?
Ocorre que há diversas variantes na questão. Os servidores não fazem mais justificação administrativa, não ouvem testemunhas, não têm estrutura para requerer todas as diligências indicadas e, ainda por cima, precisam concluir as análises em curto espaço de tempo. Há pressão superior, ainda que não oficial, pelas estatísticas.
Dessa forma, há pelo menos dois aspectos que influenciam diretamente na apuração da verdade real nos processos administrativos: a tentativa de diminuir o subjetivismo dos servidores nas decisões, seu campo de ingerência na análise das provas, e a limitação do prazo para conclusão do requerimento.
Cabe ressaltar, no entanto, que as orientações sempre têm algum fundamento, ainda que não pareçam razoáveis e proporcionais aos operadores do direito.
A limitação de tempo para a concessão de benefícios é motivo até mesmo de destaque na mídia, como uma atitude boa. Ora, se o servidor tem menos tempo para concluir, tem menos tempo para pesquisar e diligenciar, o que implica vários indeferimentos por falta de provas.
Como se mostra evidente, tudo tem lados positivos e negativos. A celeridade nas concessões, para quem tem o direito reconhecido, é ótima e melhora a imagem da Autarquia frente à sociedade. No entanto, a prioridade das concessões, além de impedir aprofundamentos na análise, provoca extrema demora no julgamento de recursos e revisões administrativas.
Há, ainda, outros fatores que influenciam na demora dos processos administrativos: o Brasil é um país continental e a Previdência está presente em todo o território nacional usando e analisando documentos em papel. Não seria sequer justo com a população brasileira, tão sofrida, exigir digitalização dos documentos previdenciários para o requerimento administrativo, como ocorre nos Juizados Especiais Federais, todavia, a necessidade da manipulação demanda mais tempo e espaço físico, ou seja, é mais um fator de dificuldade para a eficiência dos serviços previdenciários.
Evidentemente, há fatores que a AGU não tem como influenciar. A questão das estatísticas, por exemplo, é decorrente de política pública, e a questão da demora dos recursos e revisões é consequente.
No entanto, há aspectos subjetivos da análise das provas que devem estar mais afinados entre os processos, administrativo e judicial. Fato é que muitas decisões administrativas são revertidas pelo Judiciário com base nas mesmas provas apresentadas ao INSS, o que demonstra que os critérios utilizados são diversos e precisam de maior atenção.
DO PROGRAMA DE REDUÇÃO DE DEMANDAS
Até há poucos anos, grande parte da defesa judicial do INSS era feita através de advogados credenciados, assim como as perícias médicas.
Eram profissionais contratados pela Autarquia que ganhavam por produção. Os advogados, por peça judicial; os médicos, por perícia realizada.
Fato é que eram profissionais particulares, sem vínculo empregatício ou estatutário com a Autarquia, que desempenhavam função estatal e sujeitavam-se a diversas pressões, fora a própria necessidade de produção.
A falta de critérios rigorosos na seleção dos credenciados provocava a contratação de pessoas pouco envolvidas com a causa previdenciária. Eram constantes as denúncias de médicos que vendiam benefícios por incapacidade e advogados que recebiam dos segurados para facilitar o processo judicial.
Àquela época não havia interesse dos profissionais em manter maior contato com a Autarquia, aprofundar defesas ou aprimorar conhecimentos. Os ganhos eram decorrentes do volume de trabalho, fosse qual fosse o resultado.
Fato é que formou-se a cultura das atuações independentes dos servidores, dos médicos e dos procuradores.
Nos últimos anos, mesmo com a criação das carreiras de médico perito do INSS, assim como a ampliação do quadro de procuradores, agora federais e não mais autárquicos, o ambiente herdado já era de isolamento.
Os médicos peritos atuam de forma independente e isolada, sem sequer entender o reflexo de uma perícia mal feita no âmbito judicial e na imagem da instituição perante a sociedade.
Por sua vez, os Procuradores Federais enfrentam imensas dificuldades em obter subsídios administrativos para a defesa da Autarquia em juízo. Muitas vezes as defesas são baseadas apenas nas telas dos sistemas previdenciários, sem qualquer acesso à motivação do ato administrativo impugnado pela parte.
Vale mencionar, ainda, que a Autarquia, em inúmeras situações, insiste em interpretar a Lei de Benefícios de forma diversa do Poder Judiciário. Comportamento que, em tratando-se de matéria pacificada nos Tribunais, representa verdadeira falta de bom senso e de responsabilidade. Há verdadeira insegurança na interpretação da legislação pela Autarquia.
Esse isolamento das esferas administrativa e judicial é extremamente prejudicial à eficácia do serviço social e previdenciário. A falta de comunicação entre os agentes e a falta de sincronia entre eles não apenas aumentam o número de processos judiciais e os gastos públicos, como também deterioram a imagem da Autarquia perante o Judiciário e a sociedade.
O projeto de redução de demandas visa a aproximar a Autarquia dos entendimentos jurisprudenciais, visa a conferir segurança aos servidores no árduo trabalho de interpretar e aplicar a legislação previdenciária. Como dito pelo então ministro interino da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, no lançamento do projeto, em junho de 2008, "essas medidas buscam dar segurança jurídica para os técnicos do INSS deferirem, ou não, o benefício requerido. E essa segurança será garantida pelos procuradores da AGU" [01].
A Portaria Interministerial AGU/MPS 08/2008, que instituiu o Programa de Redução de Demandas, traz a seguinte redação no início de seu texto:
"Art. 1º Instituir o Programa de Redução de Demandas Judiciais do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com o objetivo de reduzir a quantidade de ações ajuizadas contra o INSS.
Parágrafo único. O Programa de que trata o caput deste artigo consistirá na identificação de conflitos jurídicos em matéria previdenciária, havidos em sede administrativa ou judicial, os quais serão previamente resolvidos pelo Ministério da Previdência Social, assessorado por sua Consultoria Jurídica, ou pela Advocacia-Geral da União, por meio da fixação da interpretação da legislação previdenciária a ser uniformemente seguida pelas Agências da Previdência Social e pelos Procuradores Federais que representam o INSS em juízo ou que prestam consultoria e assessoramento jurídicos à Autarquia e suas autoridades (grifo nosso)." [02]
Pelo que se verifica, as questões do isolamento das atuações e suas consequências sociais e judiciais foram percebidas em tempo pela Administração Federal. A atitude pró-ativa de interação da Advocacia-Geral da União com o Ministério da Previdência Social demonstra a verdadeira busca pela melhoria da qualidade dos serviços previdenciários. A Portaria em questão é um marco na história da Previdência e da Advocacia-Geral da União.
Ora, a atuação direta dos Procuradores Federais nas Agências da Previdência Social, expressamente prevista na Portaria Interministerial 8/2008, o contato, as explicações e o treinamento dos servidores são essenciais para o sucesso do projeto. A interação e o trabalho conjunto, a dedicação ao bem estar social e o comprometimento para com os ideais e princípios do Estado Democrático de Direito são o caminho para o sucesso e para a (r)evolução do sistema Previdenciário.
CONCLUSÃO
A importância do Programa é evidente. Não se trata apenas de reduzir o trabalho da Procuradoria Federal e da Justiça Federal, ou os prejuízos ao erário. O Programa tem a função de reestruturar todo o atendimento do serviço previdenciário, todos os trâmites desde o agendamento de atendimento até o recebimento dos benefícios, e, com isso, aumentar a segurança e a confiança da sociedade como um todo para com seu Seguro Social.
A AGU conta, atualmente, com um verdadeiro exército de Procuradores jovens, motivados, bem preparados e dispostos a ajudar na mudança da Previdência Social. O desejo da sociedade é também o dos presentantes da Autarquia Previdenciária.
As atitudes práticas já começam a ser adotadas: reuniões, treinamentos e orientações entre Procuradores, médicos peritos e servidores previdenciários. A própria estrutura interna dos cargos do INSS demonstra a preocupação do Ministério da Previdência para com o Programa de Redução de Demandas, há grupos de trabalho e chefias específicas para tal.
Esta Procuradora não tem conhecimentos estatísticos, ou sequer tem dados nacionais suficientes para estimar o início de resultados visíveis, mas, como boa entusiasta e otimista servidora pública, espero que, em breve, a sociedade se depare com outro comportamento, outra atitude e outros resultados da Previdência Social.
Notas
- Disponível em: GESTÃO: Previdência e AGU instituem programa de redução de demandas judiciais. http://www.jusbrasil.com.br/noticias/20147/gestao-previdencia-e-agu-instituem-programa-de-reducao-de-demandas-judiciais. Acesso em 16/11/2009.
- Portaria Insterministerial AGU/MPS nº 08, de 03 de junho de 2008 – DOU de 05/06/2008