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Na rota da violência: crianças em contexto armado

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Considerações finais

Abordar a temática do envolvimento e participação ativa de crianças e jovens adolescentes em contextos armados—tendo aqui se destacado organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas—exige a adoção de uma perspectiva sistêmica que considere desde o conjunto de fatores histórico-culturais que deram origem às práticas culturais (Rogoff, 2005) e à cultura coletiva (Valsiner, 2007) das comunidades envolvidas, até a dimensão subjetiva do sujeito de pouca idade que se envolve nas práticas criminosas destes grupos.

O presente trabalho buscou contribuir para a análise da questão adotando uma perspectiva teórica, sociocultural construtivista, que considera fundamental o estudo de todos os fatores interdependentes que colaboram na configuração da questão. Além de reconhecer a necessidade de que tais questões, altamente complexas, exigem uma abordagem inter- e trans-disciplinar, o artigo destaca os aspectos psicológicos que se referem ao desenvolvimento da criança. Neste sentido, sublinha a importância de se considerar, em uma perspectiva de causalidade complexa, a simultânea participação das sugestões sociais concretas (canalização cultural) e o papel construtivo do indivíduo em desenvolvimento, questionando com isto a existência de uma determinação social radical para a trajetória desenvolvimental de crianças que vivem em contextos liderados por organizações criminosas.

Antes de mais nada, porém, é preciso que a sociedade reflita sobre o conceito de criança. Não é mais possível estabelecer dicotomias entre etapas do desenvolvimento humano, onde aquele que ontem era totalmente irresponsável por seus atos, hoje passa a ser totalmente responsabilizado por suas ações. O desenvolvimento humano se constrói e se fundamenta na existência de processos, através dos quais as dimensões cognitivas, afetivas, motivacionais, e as características da personalidade humana vão se configurando. Sendo assim, é importante que as crianças sejam chamadas a participar e a protagonizar ações construtivas no contexto sociocultural em que está inserinda, com isto desenvolvendo valores morais e sociais que lhe permitam co-construir trajetórias para uma vida mais feliz.

Afirmar a existência de possibilidades outras para o desenvolvimento dessas crianças, entretanto, não significa apontar, de forma ingênua, para um simples exercício voluntário e intencional, por parte das crianças, para resistir aos variados apelos das organizações criminosas. O que se aponta aqui é a necessidade de atuação articulada dos diferentes setores de intervenção pública e comunitária no sentido de oferecer alternativas concretas de participação em práticas sociais saudáveis—nas escolas, postos de saúde, centros comunitários etc—que, de fato, permitam a essas crianças re-significar suas experiências e construir outros projetos para seu próprio desenvolvimento, para a sua vida. Além disso, uma estratégia eficaz é ampliar a possibilidade de participação infantil em diferentes contextos nos quais estejam disponíveis diversos referenciais interpretativos.

Não basta simplesmente o discurso, assim como não é suficiente apenas abrir escolas, postos de saúde etc na comunidade. A contribuição da psicologia, neste caso, é enfatizar a importância de que, em quaisquer que venham a ser os contextos de educação e cuidado para estas crianças e famílias, sejam trabalhados ali os processos de significação crítica da experiência individual e coletiva do grupo. Não basta, por exemplo, o discurso vazio de como a educação é importante e fundamental como mola propulsora da mudança e desenvolvimento dos indivíduos e da comunidade. É preciso criar espaços coletivos de expressão e construção de significados a partir dos quais surgirão novas práticas sociais que promovam reflexões pessoais e coletivas. Serão tais vivências e reflexões que poderão, então, dar origem a um novo conjunto de crenças e valores para a vida do grupo, em especial das crianças, os quais apontem para a construção de novos caminhos que conduzam a todos a uma vida melhor.


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Notas

  1. No texto utilizamos, em geral, o termo criança, mas este deve ser interpretado de forma inclusiva, referindo-se também a jovens adolescentes em conformidade com o art. 1º, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças.
  2. Muitas gangues ou quadrilhas possuem rituais de ingresso. Para detalhes, ver Dowdney (2005).
Sobre os autores
Sergio Fernandes Senna Pires

Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, Psicólogo, Bacharel em Ciências Militares e Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília.

Angela Uchoa Branco

Doutora em Psicologia, Professora Adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, coordenadora do Laboratório de Microgênese nas Interações Sociais e pesquisadora do CNPq.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Sergio Fernandes Senna; BRANCO, Angela Uchoa. Na rota da violência: crianças em contexto armado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2447, 14 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14507. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Originalmente publicado em "Athenea Digital", v. 13, pp. 153-169, 2008.

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